Um sinal de alerta
Editorial O Estado de S. Paulo, 22/02/2012
"Independentemente do resultado deste julgamento, uma coisa já mudou para sempre neste país: não temos mais medo dos abusos da imprensa." Com essa declaração na qual está embutido um gritante ato falho, o presidente do Equador, Rafael Correa, comemorou a "vitória histórica" conquistada na Corte Nacional de Justiça daquele país, que condenou os proprietários e um editorialista do octogenário diário El Universo, de Guaiaquil, a três anos de prisão e ao pagamento, ao próprio chefe do governo, de uma indenização de US$ 40 milhões, pela publicação de matéria opinativa.
O artigo em questão foi assinado pelo jornalista Emilio Palacio em fevereiro de 2011, e se referia à revolta policial de setembro de 2010 que obrigou Correa a deixar sob escolta o hospital onde estava sitiado pelos insurgentes. O editorial manifestava a opinião de que o presidente da República se comportara de modo ditatorial no episódio, ao autorizar a repressão indiscriminada que custou a vida de oito pessoas.
Por que um governante eleito teria "medo dos abusos da imprensa"? Por que a tal "vitória histórica" deveria ser comemorada "independentemente do resultado deste julgamento"? Correa, como qualquer governante autoritário, simplesmente não tolera a contestação de seus atos e, quando isso acontece, se apresenta sempre como vítima.
Na verdade, o que o bolivariano Rafael Correa comemora, "independentemente do resultado deste julgamento" não é a decisão judicial em si - que, afinal, é apenas o mais recente episódio da escalada contra a liberdade de imprensa no Equador - mas o fato de que, a partir de agora, os veículos de comunicação e os jornalistas equatorianos que ainda se dispõem a manter uma postura independente em relação ao governo pensarão duas vezes antes de escrever o que pensam e sabem.
Doravante, a quem ousar veicular opiniões ou informações que não agradem ao governo de Quito será inevitável encarar "a morte civil ou o exílio", como declarou ao Globo outro jornalista, Juan Carlos Calderon, que com seu colega Christian Zurita foi condenado em primeira instância por "dano moral" causado a Rafael Correa.
A pena: o pagamento de uma indenização de US$ 1 milhão, cada um, ao chefe do governo. No livro El Gran Hermano, Calderon e Zurita denunciam o favorecimento a empresas de um irmão do presidente, Fabricio Correa, com contratos de mais de US$ 200 milhões firmados com o governo. O recurso interposto pelos dois jornalistas será julgado agora, em última instância, pela mesma corte que condenou os proprietários e o editorialista de El Universo. São cartas marcadas.
A Corte Nacional de Justiça teve sua composição completamente alterada, em janeiro, por Rafael Correa, que substituiu quase todos os ministros por pessoas de sua confiança. Além disso, o tribunal foi pressionado a antecipar de outubro para fevereiro o julgamento do processo contra El Universo, de modo a que esse se tornasse a primeira - e exemplar - decisão daquela corte com sua nova composição.
A notícia da antecipação, aliás, foi divulgada pelo próprio presidente da República, por meio das redes sociais da internet de que é usuário habitual, antes mesmo da manifestação oficial do tribunal.
Rafael Correa sente-se tão à vontade no controle do Poder Judiciário que, no momento em que os juízes deliberavam contra o jornal de Guaiaquil em uma sala, se instalou tranquilamente com assessores em outra sala no mesmo edifício e dedicou-se a disparar, pelo Twitter, ironias e acusações contra os réus e seus advogados.
A reação a mais essa farsa bolivariana foi imediata. Para o diretor regional em Quito da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Claudio Paolillo, "claramente essa decisão judicial é a confirmação de que no Equador acabou a liberdade de imprensa". É o resumo da ópera.
O problema, infelizmente, não se limita ao Equador. Como advertiu o jornalista Emilio Palacio - que foi obrigado a se exilar em Miami - em entrevista a O Globo: "A liberdade de expressão está em perigo em diversos países, inclusive em governos democráticos que dizem respeitá-la, mas somente a toleram".
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