Rubens Barbosa
Ex-embaixador em Washington e em Londres.
O Estado de S.Paulo, 14/02/2012
Apesar dos níveis recordes em 2011,
a preocupação sobre a evolução do comércio exterior é grande. A concentração
das exportações em poucos produtos e a perda de mercados dos manufaturados
aumentaram a vulnerabilidade do setor externo e mostraram os problemas do setor
produtivo industrial.
O governo anuncia mais um pacote de
medidas de apoio ao setor produtivo e exportador, com ênfase na redução do custo
do crédito e na abertura de novos mercados para os manufaturados. Certamente
serão medidas discutidas e adotadas sem consulta ao setor privado e a maioria
não deverá ser implementada. Nos últimos meses, as decisões na área de comércio
exterior visaram, sobretudo, a isenções fiscais e crescente proteção a setores
mais vulneráveis á concorrência externa, além de cortes nos programas de
financiamento á exportação. Na realidade, são providencias ad hoc, sem visão
estratégia e de futuro e que não levam em conta as transformações produtivas
que estão ocorrendo no mundo, diante da crescente presença da China como motor
da produção industrial global.
O sucesso da política econômica e do comércio
exterior, que quadruplicou em 10 anos, esconde os verdadeiros problemas da
economia em geral e do setor externo em particular. A desindustrialização é um triste
fato. A indústria, que já representou 25% do PIB hoje está reduzida a menos de
15%. O consumo doméstico é atendido cada vez mais por importações (22,3%),
fazendo desaparecer fornecedores nacionais e empregos. O déficit na balança
comercial industrial subiu a mais de US$90 bilhões. As exportações se
re-primarizam (produtos primários representam 70% das exportações e 4 produtos,
quase 50%).
Não havendo uma politica de estado que defenda a
indústria nacional, nem liderança politica para tentar resolver os problemas
estruturais que afetam os setores industrial e exportador, o governo não está
preparado para enfrentar as causas da perda de espaço da indústria e de mercado
dos manufaturados.
“Os números de
janeiro da balança comercial comprovam o descaso do governo brasileiro com o
setor produtivo do país. Estamos diante de uma situação muito grave, que pode
comprometer nossa capacidade de gerar riquezas e empregos. O governo não pode
ficar parado e se limitar apenas ao discurso. Há meses estamos alertando para o
problema da avalanche de importados, que afeta severamente a nossa indústria. O
Brasil não pode mais esperar, é preciso que as autoridades adotem imediatamente
medidas eficazes que garantam a igualdade de condições para a produção nacional”,
afirmou dura, mas corretamente Paulo Skaf, presidente da Fiesp.
Na área da negociação externa, nos últimos dez anos,
o aumento das exportações pouco teve a ver com a abertura de mercados por meio
de acordos comerciais, pois somente acordos com Israel, Egito e agora com a
Autoridade Palestina foram assinados, no âmbito do Mercosul. A exemplo da China
e dos EUA, uma nova estratégia de negociação de acordos de livre comércio para
acompanhar as mudanças que estão ocorrendo no mundo deveria estar sendo discutida
com o setor privado.
Enquanto essa é a situação no Brasil, o presidente
Obama, na mensagem anual ao Congresso (“State of the Union”), ofereceu um bom
exemplo de como defender de forma vigorosa a indústria manufatureira com visão
de futuro.
Com milhões de empregos ameaçados, o governo
americano ajudou as empresas, exigindo sua reestruturação, como ocorreu na
indústria automobilística. Procurando trazer de volta empregos para a economia,
anunciou um ambicioso programa de apoio á indústria doméstica. O conjunto de
medidas incluiu a aprovação de ampla reforma tributária, novos impostos para as
multinacionais que se instalam no exterior e exportam empregos, e redução de
tributos para as empresas de transformação e de alta tecnologia, além de
programas de treinamento profissional especializado. Na área de comércio exterior, Obama reiterou
a meta de dobrar as exportações em cinco anos, o avanço na negociações de novos
acordos de livre comércio e o reforço da promoção das exportações e da defesa
comercial com a criação de uma unidade de acompanhamento da aplicação das
regras comerciais, responsável pela investigação de práticas desleais de
comércio em países como a China.
Por aqui, nos últimos dez anos, as medidas de apoio a
indústria ignoraram a principal causa da rápida perda da competitividade da
economia nacional. O custo Brasil está tendo um efeito devastador na economia.
De imediato, com a perda de mercado no setor exportador e a crescente saída de
empresas brasileiras e, a médio e longo prazo, com o aumento do desemprego e
com a redução de investimentos.
A exemplo dos
EUA, a desoneração tributária deveria encabeçar a agenda do governo para
enfrentar a competição externa. Defesa comercial apenas não melhora a
competitividade. O custo da energia, a alta taxa de juros, a apreciação cambial
que anula a proteção tarifária, as ineficiências burocráticas, a guerra de
incentivos nos portos e seus altos custos operacionais, o descalabro da
infra-estrutura, o peso dos gastos com a corrupção e com a aplicação da legislação
trabalhista poderiam, se atenuados, representar significativa redução dos mais
de 35% no custo final dos produtos.
Do ponto de vista empresarial, não se trata de
reivindicar uma politica industrial, mas de demandar medidas pontuais com
imediata repercussão sobre a competitividade do setor produtivo. Medidas
recentes, ao invés de reduzir, estão fazendo aumentar o custo Brasil.
Em resumo,
é a competitividade, estúpido. O setor privado já fez a sua parte com o aumento
da produtividade das empresas. Se o governo não atacar de frente o custo
Brasil, a re-industrialização brasileira ficará seriamente ameaçada.
Rubens
Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.
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