Reparem no que está sendo dito: o mundo não nos compreende, não fazemos protecionismo, só adotamos medidas de defesa comercial. E isso porque aumentou o comércio, vocês compreendem: aumenta o comércio, aumentam os problemas e só por isso, aumentaram as medidas de defesa comercial.
Isso é para resolver os problemas, vocês compreendem, temos de ter competitividade e para isso precisamos de mais defesa comercial, são essas as medidas que nos dão competitividade, não lhes parece lógico isso? Tudo é simples e ninguém precisa ficar preocupado, nem os mexicanos, mesmo se nós sempre queremos comércio positivo para nós, mas não para eles, isso vocês compreendem, não é?
Aumentar tarifas até 35%, quando a TEC do Mercosul só vai até 20%, não é protecionismo, é só medida de defesa comercial, e isso precisa ficar claro.
Da mesma forma, exigir conteúdo local de 65% não é protecionismo, só estamos valorizando a proteção local, isso é competitividade, legítima, lógico, não?
Ou não?
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista / Fernando Pimentel
Darwinismo comercial
Luiz Antonio Cintra
Carta Capital, 13/02/2012
O ministro do Desenvolvimento defende as medidas protecionistas, explica as frentes de batalha do Brasil e afirma: "O mundo mudou"
Embora o livre-comércio tenha vigorado por poucos anos na história e o atual momento da humanidade não seja exatamente de triunfo das ideias liberais, o governo brasileiro tem sido fortemente criticado internamente por suas medidas de defesa comercial, que incluem a revisão do acordo com o México e o retorno de velhas pendengas com a Argentina. Ou por seu protecionismo démodé, como preferem os opositores das politicas adotadas.
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, está no comando da batalha que se desenrola em frentes e continentes diversos. Nas últimas semanas, ele trocou farpas com a ministra argentina, Débora Giorgi, negociou insensamente com os mexicanos, respondeu ao aumento do IPI para carros importados e preparava-se para uma nova rodada de conversas com os chineses. “ Há uma certa incompreensão do que está ocorrendo no Brasil e no mundo", afirma Pimentel na entrevista a seguir.
CartaCapital: Nos últimos dias, surgiram críticas ao governo por uma suposta "escalada protecionista". Como o senhor responde a essas críticas?
Fernando Pimentel: Há certa incompreensão, não das medidas adotadas, mas do que está acontecendo no mundo e no Brasil nos últimos anos. O Brasil aumentou sua inserção internacional de maneira notável. Há cinco ou seis anos, tínhamos uma corrente de comércio, ou seja, somando as exportações e importações, na casa de 120 bilhões ou 130 bilhões de dólares ao ano. O valor saltou para 400 bilhões de dólares, quase 500 bilhões: 260 bilhões de exportação e 240 bilhões de importação. Mais que duplicou a corrente de comércio, com a mesma estrutura, o mesmo arcabouço jurídico, institucional, de infraestrutura, com portos sobrecarregados, aeroportos sobrecarregados... Tudo em decorrência de um trabalho feito pelo País no comércio internacional. Não só no trânsito de mercadorias, mas também no fluxo de pessoas, de serviços, tudo aumentou numa proporção muito grande. Esse aumento acelerado da inserção brasileira tem de ser acompanhado de adaptações da estrutura de comércio, legislação e fiscalização. É natural. Evidentemente, quando existe um fluxo tão grande de importações, aumenta a demanda do setor privado sobre o governo, pedindo medidas de defesa comercial. Mas isso não é protecionisrno, a defesa comercial está nas regras da Organização Mundial do Comércio. O ministério passou anos com uma média de 30 a 50 investigações antidumping ao ano. Em 2011, tivemos 127 investigações abertas. Alguém poderia dizer que estamos em um surto de protecionismo, mas não é verdade. É apenas uma adaptação da estrutura de governo a essa realidade nova. Se aumentou a corrente comercial, evidentemente as investigações antidumping vão crescer dentro da mesma proporção. Quando uma parte da mídia falar de protecionismo, ele desconhece que mudou a conjuntura comercial. Em paralelo, temos um grande esforço para estabelecer na indústria um novo tipo de atividade, adequado a esse aumento da exposição para o mundo. Na medida em que se abre a economia, é preciso tornar-se mais competitivo. Essas medidas tomadas recentemente buscam aumentar a capacidade de competição da nossa indústria. Queremos incentivar a inovação, usar os instrumentos de tributação e desoneração, no sentido de melhorar as condições de competitividade industrial.
CC: E no caso da revisão do acordo com o México?
FP: O acordo do México foi assinado em 2002, ou seja, dez anos atrás. Note a mudança que houve no mundo e na economia brasileira no período. Vamos manter o acordo intocado, como se nada tivesse acontecido? Não, vamos rever, estamos propondo aos mexicanos uma revisão para torná-lo mais adequado, mais comtemporâneo, tanto para a nossa realidade como para a deles.
CC: Surgiram várias medidas de defesa comercial mundo afora e outras para dinamizar as indústrias nacionais.Opresidente Obama recentemente colocou esse objetivo no topo da agenda norte-americana. Qual o peso dessa conjuntura?
FP: Sem dúvida, ela pesa. Temos de acompanhar e responder ao movito dos países do chamado G-8. Todos eles estão extremamente cautelosos em relação às suas próprias economias e claramente preocupados com a mesma coisa que nós, ou seja, com a possível perda de competitividade. Temos um mercado muito ativo, dinâmico, em expansão. É preciso defender esse mercado, principalmente de práticas comerciais desleais. Não é protecionismo, mas defesa comercial, eu volto a insistir. E os americanos também fazem isso. A preocupacão dos Estados Unidos, que é a mesma do Brasil, é adaptar a indústria, dar um choque de competitividade, para que ela se adapte ao século XXI. A indústria brasileira é poderosa, sólida, mas é do século XX. E a mudança tecnológica foi muito forte nos últimos 15 ou 20 anos. Se não houver um esforço de acompanhamento, de dar esse salto tecnológico, aí sim começam a surgir sinais de envelhecimento, a indústria fica velha antes da hora.
CC: No caso das negociações com o México, em que sentido vai a proposta brasileira?
FP: Não será um processo muito fácil, não vamos resolver em uma semana. O Brasil quer basicamente expandir o acordo para além dos carros de passeio. Queremos incluir também os caminhões. Digo isso para afastar a ideia de que queremos reduzir o comércio como restante do mundo. Nós queremos ampliar o comércio, mas em condições mais equilibradas. Houve um desequilíbrio muito forte, especialmente no ano passado, quando ficamos claramente desfavorecidos no acordo. E queremos uma nova regra de aferição do conteúdo regional na fabricação de automóveis. Do jeito qUe está lá não ficou bom. Importam carros do México com 15% de autopeças mexicanas ou brasileiras, o que é muito pouco.
CC: Qual seria o índice desejável?
FP: Não vamos fechar questão, depende muito de quanto o México pode atingir. Podemos estabelecer metas móveis, começar com 20%, subir a 30%, mas aí é a negociação que vai dizer. E com revisões periódicas.
CC: E no caso argentino?
FP: Dei uma entrevista em janeiro, reproduzida no mundo inteiro, em que eu dizia que a Argentina era um problema permanente para o Brasil. Eles reagiram de forma um tanto áspera, mas depois liguei para a ministra argentina (Decora Gíorgí, da indústria e Comércio) e expliquei a ela. A palavra "problema" foi usada no sentido de questão, não no sentido negativo. A Argentina é uma questão permanente para o Brasil, assim como o Brasil é uma questão permanente para a Argentina.
CC: Qual a prioridade do governo neste momento?
FP: Estamos combinando ações de curto prazo, essas de defesa comercial, de acompanhamento dos acordos bilaterais, para preservar a capacidade de competir da nossa indústria. E preservar também o nosso mercado. Então, as ações de curto prazo são fundamentais para que a indústria tenha fôlego para continuar investindo e se beneficiar das ações de médio e longo prazo, que incluem os incentivos à inovação, a desoneração das exportações... Às vezes, vejo críticas dizendo que o governo está fazendo só o "varejo" e não teríamos estratégia de alterar as condições, mas é o contrário. O varejo está sendo feito justamente para que a estratégia de longo prazo possa acontecer. Somos o primeiro governo com ousadia de começar o processo de desoneração da folha de pagamento. Fizemos em quatro setores. Com isso, estamos de fato reduzindo o Custo Brasil. Agora os efeitos não são imediatos. O governo também está fazendo um esforço muito forte para que o setor privado possa inovar. E isso não só com financiamento, mas com programas de longo prazo. A presidenta lançou, no fim de 2011, um programa importantíssimo de bolsas de pós-graduaçâo no exterior. Hoje temos só 5,5 mil bolsistas fora do País, neste ano chegaremos a 18 mil, até chegar a 100 mil. E isso para que a gente tenha capacidade de dar o salto tecnológico. O "varejo" é fundamental para que a nossa indústria consiga atravessar os próximos três ou quatro anos e se beneficiar dos efeitos positivos da estratégia traçada.
CC: Existem outros acordos que o governo pretende rediscutir?
FP: Não, mas na segunda-feira 13 chegará ao Brasil o více-primeiro-ministro da China, o terceiro homem na hierarquia politica chinesa. Ele é uma espécie de coordenador do gabinete do primeiro-ministro. Ainda que seja uma visita de Estado, estamos aproveitando para, a partir de algumas premissas, começar a construção de um acordo de longo prazo, estratégico, com a China. É nisso que queremos trabalhar ao longo deste ano, ainda que esteja por enquanto muito embrionário. Ainda não temos metas nem nada, vamos apenas abrir a discussão com eles e provavelmente vamos fazer mais uma ou duas missões à China, já que ela se tornou um parceiro muito importante para o Brasil. Nós queremos que essa relação prossiga, mas, volto a dizer, de forma mais equilibrada. Não queremos ser apenas fornecedores de matérias-primas para a China, queremos fornecer também manufaturados. Isso é algo estratégico que vamos começar a tratar com os chineses neste ano.
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