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sábado, 1 de dezembro de 2012
Ciencia COM Fronteiras (latinas, ibericas...)
Ou seja, um programa que não está, de verdade, integrado aos centros produtores de ciência, e ao cabo do qual não se conecta a programas brasileiros de formação, sendo uma espécie de turismo à la carte voluntário (mas financiado por todos nós), vai terminar sendo apenas um gasto inútil de dinheiro.
Paulo Roberto de Almeida
Desafios fronteiriços
Ciência Hoje On-line, 30/11/2012
Aposta do governo federal para melhorar educação superior no País, o programa 'Ciência sem Fronteiras' é destaque de revista científica internacional, mas ainda enfrenta obstáculos e críticas quanto à sua implementação.
Cem mil brasileiros estudando no exterior até 2015. A ambiciosa meta do programa federal 'Ciência sem Fronteiras' tem chamado a atenção da comunidade científica internacional. A iniciativa é tema de editorial da edição atual da Science, uma das mais influentes revistas científicas do mundo. Mas, em meio à exaltação, o programa também suscita críticas entre professores e estudantes.
Assinado pela química Célia Garcia, da Universidade de São Paulo (USP), pelo presidente do CNPq, Glaucius Oliva, e pelo pesquisador argentino Armando J. Parodi, o editorial da Science destaca o papel do 'Ciência sem Fronteiras' (CsF) como promotor de inovação e pontua a importância de outras iniciativas de intercâmbio na América Latina.
"O sucesso alcançado até agora com programas como os aqui descritos deixa claro que esse caminho vai fazer com que o continente se torne um líder global em ciência, tecnologia e inovação", diz o texto. "De fato, toda nação pode se beneficiar com o fomento do conhecimento e da capacidade de sua força de trabalho."
O CsF vai fechar seu primeiro ano com 20 mil alunos de graduação, doutorado e pós-doutorado enviados para universidades estrangeiras de 30 países. Podem concorrer às bolsas estudantes que tenham concluído 20% de algum curso das áreas listadas no site do programa, focado nas disciplinas tecnológicas, exatas e biomédicas. Os alunos selecionados recebem seguro de saúde, uma 'mesada' e auxílio para instalação e material didático.
Os países que mais recebem estudantes do programa são Estados Unidos, com 3.898 bolsas concedidas; Portugal, com 2.775; e França, com 2.478. Portugal é também o país mais procurado: 12 mil pedidos foram feitos para universidades do País.
A preferência revela um dos desafios do programa: a língua. A maioria das universidades cadastradas ministra aulas em inglês e a dificuldade geral dos estudantes brasileiros com o idioma já vem sendo criticada por representantes de instituições estrangeiras envolvidas com o CsF. Na última chamada de bolsas, dois terços dos estudantes foram reprovados por falta de conhecimentos em inglês.
O físico Ivan Oliveira, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e que tem alunos beneficiados no CsF, destaca esse entrave do programa. "Mandar 100 mil estudantes para o exterior, muitos sem preparo, é uma loucura, é jogar dinheiro fora", diz. "O que vai acontecer é que a maioria dos estudantes, principalmente os de graduação, não vai aproveitar nada porque não tem fluência na língua; ou então vai para Portugal." E completa: "Mas, desde as grandes navegações, Portugal deixou de ser uma potência tecnológica."
Na sua avaliação, o CsF foi lançado como estratégia política, sem uma reflexão mais aprofundada envolvendo a comunidade acadêmica. "Para mudar realmente o nível, é preciso primeiro investir na educação de base, para depois mandar os estudantes para as universidades top. Do jeito que está, o CsF só aumenta a desigualdade, pois só quem é de classe média e fez curso de inglês tem alguma chance de tirar proveito."
O problema da língua fez com que o governo anunciasse o investimento de R$ 21 milhões na criação o programa 'Inglês sem Fronteiras', que vai organizar núcleos de ensino de inglês nas universidades federais e promover testes de proficiência da língua entre os estudantes. Aqueles que mostrarem nível próximo do necessário para passar em provas de certificação, como o TOEFL, serão selecionados como prioritários para participar gratuitamente de cursos intensivos.
Fuga de cérebros - Outra questão preocupante por trás da iniciativa é a emigração de profissionais. A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, apoia o CsF, mas teme que os alunos, depois de qualificados em universidades estrangeiras, não retornem ao Brasil.
"O que me preocupa é que temos que ter uma garantia para a volta com qualidade desses profissionais, para que eles encontrem no Brasil condições para colocar em prática o que aprenderam no exterior", coloca Nader.
Oliveira também se preocupa com a captação de profissionais brasileiros. "Existe uma demanda nos países desenvolvidos pelos alunos que se destacam nas ciências duras", diz. "Os Estados Unidos drenam força especializada de países como o Brasil e acredito que os melhores estudantes não vão voltar. O CsF vai ser um mecanismo para financiar a mão de obra ultraespecializada brasileira para o exterior, só vai voltar para cá quem não for convidado para ficar por lá."
Humanas de fora - Outro ponto do CsF que vem sofrendo críticas é a ausência de bolsas para estudantes das ciências humanas e sociais. Quando o programa foi lançado, cerca de mil estudantes dessas áreas conseguiram bolsas inscrevendo-se na vagamente denominada 'Indústria criativa'. Mas o governo já sinalizou que a prática não poderá continuar.
No site do projeto, esse setor já está descrito como voltado "a produtos e processos para desenvolvimento tecnológico e inovação" e o mais recente edital do programa deixou claro que alunos de cursos de humanas e sociais não podem concorrer a bolsas. Em resposta, alunos dessas áreas que já se preparavam para concorrer a bolsas entraram com uma ação no Ministério Público Federal pedindo que a atual chamada seja suspensa.
Estudantes indignados criaram no Facebook a página 'Ciência com fronteiras', que tem mais de 41 mil seguidores. No grupo, os alunos reivindicam: "O fato de alguns cursarem faculdades exatas ou biológicas não os torna melhores que nós. Vocês podem revolucionar as descobertas na saúde, na robótica, na ecologia e tudo quanto é mais ciência, mas não se esqueçam: nós revolucionamos o pensamento e, sem ele, nenhuma sociedade democrática se sustenta."
A assessoria de comunicação do CNPq responde que o novo edital do CsF só reforça a ideia original do programa, que tem ênfase tecnológica. O órgão ressalta ainda que "os estudantes de ciências humanas e sociais continuam sendo atendidos pelo CNPq com bolsas concedidas por outros programas institucionais", que agora estão até menos concorridas.
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