O Brasil e sua globalização involuntária
29 de julho de 2013
Autor: Gustavo H. B. Franco
Autor: Gustavo H. B. Franco
O Investimento Direto Estrangeiro (IDE) é de longe a maior das forças promotoras da globalização, pois é o que inclui os países nas redes de produção internacional, de movimentação de fatores de produção e de tecnologia. Os fluxos de IDE para o Brasil subiram de US$ 26 bilhões em 2009 para patamares superiores a US$ 65 bilhões nos anos posteriores a 2011, números que podem dar a impressão de uma vigorosa trajetória de inserção da globalização, ou de aceleração no processo de formação da capital.
Nada mais enganoso: como não temos políticas destinadas a aprofundar nossos vínculos globais – pelo contrário, há tempos praticamos políticas industriais e de comércio exterior nacionalistas ou mesmo interioranas – e a formação bruta de capital permanece estagnada, não há outra explicação para o surto de IDE que não a política monetária dos países desenvolvidos.
Não se trata de questão simples de arbitragem: nunca foi tão atrativo para as empresas multinacionais alavancarem-se para adquirir ativos ou expandir atividades no Brasil e em outras economias emergentes as quais, ainda que problemáticas, exibem melhores perspectivas de crescimento que as economias desenvolvidas. Nossas autoridades deviam mostrar gratidão a Ben Bernanke ao invés exibir da tola malcriação bem resumida pela expressão “guerra cambial” que celebrizou o nosso ministro nos círculos terceiro-mundistas.
É nesse contexto que o Banco Central publica os resultados do quarto censo quinquenal do Capital Estrangeiro no Brasil, feito para o ano-base 2010. Trata-se de extraordinário trabalho de pesquisa, realizado com grande diligência e competência, que nos revela uma surpreendente transformação para os 15 anos posteriores a 1995: um país cosmopolita e internacionalizado e que estaria a requerer políticas públicas adaptadas para esta realidade singular e estranha à ideia de um país continente e ainda hipnotizado com o mito da autossuficiência.
O censo é um questionário destinado a todas as empresas brasileiras que, na data de referência, possuíssem um mínimo de 10% de participação acionária de não residentes no capital votante, ou de 20% sobre o capital total. Obedecido este conceito, o censo de 1995 teve 6.322 respondentes. Eles foram 11.404 em 2000 e 17.605 em 2005, mas em 2010 o número se reduz para 16.844 em razão de uma alteração metodológica com vistas a melhor retirar dessa amostra o chamado investimento em carteira. Dessa maneira, também foi possível determinar com mais precisão o número de empresas receptoras de IDE, considerando as cadeias de controle: exatas 13.858 empresas recebendo US$ 587,2 bilhões em capital e mais US$ 82,8 bilhões em empréstimos intercompanhias, totalizando US$ 670 bilhões, equivalentes a 31% do PIB brasileiro.
Este é o tamanho do capital estrangeiro de natureza empresarial no Brasil, a maior parte do qual chegando depois de 1995, quando o estoque de IDE no Brasil era da ordem de US$ 40 bilhões e o número de empresas recebendo IDE podia ser estimado em cerca de 4.700. Durante os 15 anos seguintes foram cerca de 9 mil novas empresas trazendo US$ 630 bilhões – algo como 2 empresas e US$ 150 milhões a cada dia útil!
A internacionalização da economia parece ocorrer em consequência de práticas protecionistas que fazem com que o IDE ‘substitua’ comércio
Essa invasão de capital estrangeiro produtivo no Brasil não encontra precedente e coloca em questão as definições habituais de abertura e inserção externa, eis que representa um envolvimento muito mais profundo com a economia global do que os diminutos graus de abertura comercial do Brasil poderiam sugerir. Certamente temos aqui um curioso, mas não inusitado paradoxo: a internacionalização da economia parece ocorrer em consequência de práticas protecionistas que fazem com que o IDE “substitua” comércio, tal como no caso clássico da Europa do pós-guerra. É o nacionalismo, via substituição de importações, que sai pela culatra.
Para o ano de 2010, o leitor terá ouvido que o fluxo de IDE naquele ano alcançou US$ 48,5 bilhões, ou seja, representou uma injeção de capital de aproximadamente R$ 85,3 bilhões em empresas com sede no Brasil. Com esse acréscimo, o conjunto das 13.858 empresas do censo fechou o ano com um patrimônio total de R$ 974 bilhões, dos quais R$ 819 bilhões (84%) de titularidade de não residentes. Essas empresas tinham ativos de R$ 2,4 trilhões e faturamento de R$ 1,6 trilhão, respectivamente 65% e 42% do PIB, e eram responsáveis por 38% das exportações totais do País e 43% das importações em 2010.
Em 2010, as 13.858 empresas do censo empregavam 2,3 milhões de pessoas, representando apenas 2,4% da população ocupada, como tem se observado nos censos anteriores. Com base na relação entre valor bruto da produção e valor adicionado, é possível estimar que o valor adicionado produzido pelas empresas do censo contribua para o PIB brasileiro com cerca de um quarto de seu valor. Parece óbvio, portanto, que existem dramáticas diferenças de produtividade entre essas empresas e o restante do País: para 2010, enquanto um trabalhador de uma das empresas do censo gerava R$ 397 mil de valor adicionado em média, para o restante da população ocupada o número era de R$ 31 mil, ou menos de um décimo.
Contrastes semelhantes se observam no terreno do comércio exterior: enquanto um trabalhador ocupado em uma empresa do censo produzia cerca de US$ 38 mil em exportações, outro em outras empresas brasileiras produzia US$ 2,4 mil em exportações em média. As exportações brasileiras representavam 6,5% do PIB em 1995, subiram a 14,7% em 2005 e caíram a 10,5% em 2010. As empresas do censo exportavam 16% de seu faturamento em 1995, chegaram a 22% em 2005 e caíram a 17% em 2010, porcentuais bem maiores que os observados para outras empresas brasileiras e provavelmente determinantes para o coeficiente de abertura comercial do País.
Os contrastes entre empresas do censo e as outras empresas brasileiras são fáceis de se exagerar, pois seria preciso “descontar” outros fatores que podem explicar alta produtividade e propensão ao comércio, como tamanho, concentração, formalização do trabalho, entre outros. Mas, mesmo com esse benefício concedido à dúvida, é difícil evitar a impressão de que as empresas com conexões relevantes com a economia globalizada têm sido a locomotiva de crescimento e para o comércio exterior do país na primeira década e meia depois do Plano Real, mesmo sem terem sido objeto de nenhuma política pública específica. De muitas maneiras, a globalização é como a internet: as possibilidades são infinitas, sobretudo se as autoridades encaram o assunto com o espírito aberto e sem o cabotinismo ideológico dos últimos anos.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/07/2013
Os artigos assinados não traduzem a opinião do Instituto Millenium. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre os valores defendidos pelo Instituto e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.