Potência dos Brics, país agora é visto como um dos "cinco frágeis"
Mas o lugar do Brasil não é ao lado da Turquia e da Argentina ( do ponto de vista dos países com economias em crise), diz economista chefe do Credit Suisse
Tainara Machado | De São Paulo
Valor Econômico, 7/02/2014
Desde que o Federal Reserve, o Banco Central americano, sinalizou que começaria a retirar os estímulos monetários que inundaram o mundo com farta liquidez nos último anos, o Brasil tem sido colocado em más companhias na análise de alguns economistas e investidores estrangeiros.
De um Bric com elevado potencial de crescimento, o país agora é visto por alguns como um dos "cinco frágeis". Essa expressão, que reúne grupo composto por Indonésia, Índia, África do Sul e Turquia, além do Brasil, foi cunhada pelo Morgan Stanley em relatório divulgado em agosto do ano passado. No documento, o banco afirma que esses países têm em comum inflação elevada, altos déficits em conta corrente e crescimento menor como fraquezas que tendem a ser exacerbadas com a normalização da política monetária pelo Fed.
A inclusão do Brasil neste grupo, no entanto, é vista com alguma cautela por economistas ouvidos pelo Valor. O país tem alguns indicadores mais robustos do que a média dos emergentes "sob ataque", como maior relação entre investimento estrangeiro direto e déficit em conta corrente, o que diminui as chances de uma parada abrupta de fluxos de capitais para o país e permite financiamento mais suave do saldo negativo nas transações externas.
Lisa Schineller, diretora de ratings soberanos para América Latina da Standard & Poor's, afirma que a expressão reúne um mix de países, alguns com rating em nível especulativo, e reúne países com posições mais fracas que a do Brasil. Segundo Lisa, embora a S&P tenha destacado a deterioração fiscal recente como uma das razões para a perspectiva negativa, ela não foi dramática. "O Brasil tem indicadores ainda fortes em relação aos seus pares e mesmo na comparação com seu próprio histórico". A necessidade de financiamento externo em relação às reservas disponíveis, por exemplo, deve ter ficado em 67,4% em 2013, ante 89,9% em 2007, de acordo com projeções da S&P.
Ainda entre os pontos "mais fortes" listados, conta a favor o fato de que o Banco Central brasileiro começou antes desses países um ciclo de aperto monetário que já acumula aula de 3,25 pontos da taxa básica de juros desde abril. Com isso, a autoridade monetária nacional deve ter evitado uma alta abrupta e forte dos juros, como fez a Turquia recentemente para conter a desvalorização da lira.
No entanto, embora o país tenha indicadores externos mais robustos, isso não quer dizer que o país não tenha vulnerabilidades importante. Neil Shearing, economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, afirma que o Brasil pode enfrentar uma série de riscos no horizonte relevante, mas não considera que os "cinco frágeis" seja um bom termo. "Esses grupos podem formar boas expressões, mas não faz muito sentido reuni-los do ponto de vista econômico".
Em coluna publicada no Valor, o ex-ministro da Fazenda e professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Antonio Delfim Netto afirmou que cada um desses países "tem os seus próprios problemas, de forma que é, no mínimo, absurdo classificá-los num mesmo grupo".
"O que nos atrapalha não é a situação atual, mas a perspectiva de sua deterioração, que o governo precisa alterar com medidas tempestivas e não com promessas", escreveu Delfim.
Mesmo olhando o lado fiscal, diz José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o Brasil é "disparado o que tem indicadores mais fortes. O problema é que uma vez que se perde a credibilidade, não necessariamente é preciso ter indicadores piores para ser pressionado". Uma sinalização mais clara e transparente sobre a política fiscal ajudaria no processo de diferenciação do Brasil de outros emergentes, diz.
Por isso, aumenta a expectativa em torno do contingenciamento do Orçamento, que deve ser anunciado ainda na primeira quinzena de fevereiro. A S&P afirmou que "certamente" está olhando o corte de despesas e a sinalização da meta fiscal de 2014 para uma eventual decisão sobre o rating brasileiro.
O Barclays, em relatório recente, também informou que, apesar da deterioração das contas externas no ano passado, a fragilidade do Brasil nesse front tem sido de certa forma superestimada. O país, nota o banco, continua a ser credor externo líquido e as amortizações de dívida externa para 2014 somam US$ 91 bilhões, ou menos de um quarto do total de reservas.
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Lugar do Brasil não é ao lado de Turquia e Argentina, diz analista
Por Flavia Lima | De São Paulo
Em um cenário em que o México ocupa o espaço que outrora foi do Brasil entre os emergentes, o economista-chefe global do Credit Suisse, Neal Soss, diverge do consenso ao avaliar que o lugar do Brasil não é onde foi colocado pelos mercados. "Não estou certo que o Brasil mereça estar na mesma categoria que alguns países, certamente não na mesma categoria que Argentina, Turquia ou África do Sul."
O México é avaliado positivamente pelas reformas estruturais que empreendeu, sendo o símbolo delas as "mudanças no setor energético", diz o economista que falou com exclusividade ao Valor por telefone. Para ele, o Brasil também deveria se preocupar em enviar uma mensagem para a comunidade global de que se prepara para um cenário em que os desenvolvidos terão desempenho econômico melhor e, por conseguinte, juros mais altos. Para ele, um aperto orçamentário seria um bom recado.
Soss, contudo, não acredita que o país esteja parado. A decisão de começar a subir sua taxa de juros já no ano passado foi um sinal importante de "que o Brasil não quer depender de fluxos de capital estrangeiro do jeito que já dependeu no passado" e de que entende que esse cenário está se aproximando e não quer ser deixado para trás.
Para Soss, as dificuldades dos emergentes são resultado de situações específicas, como as apresentadas por economias com grandes déficits em conta corrente e que, por isso, sofrem pressões - e para Soss, o Brasil não está nesse grupo. "Turquia, África do Sul e talvez a Argentina são os verdadeiros centros das tensões que estamos vendo". Soss afasta a possibilidade do momento atual guardar semelhanças com a década de 1980 - em que o Brasil e outros países da América Latina enfrentaram uma forte crise da dívida externa - ou com a crise financeira asiática, na década seguinte. "Essa não é uma crise geral de mercados emergentes", diz Soss, que esteve pela primeira vez no Brasil em 1983.
Para ele, a chave para entender o mau humor com relação ao Brasil está no PIB. "Sou um investidor estrangeiro e acho que a questão para entender o país é o crescimento que, mais recentemente, não tem sido tão bom. As pessoas pensam nos emergentes como países que têm muito crescimento e quando isso não acontece mudam as avaliações". O Credit Suisse espera alta média de 2,75% a 3% para o PIB da América Latina, o que, segundo Soss, é "baixo para emergentes".
Diferentemente de alguns analistas, que debitam os problemas econômicos do Brasil a erros internos, Soss avalia que boa parte do baixo crescimento brasileiro se deve à recessão pela qual passou a Europa e à desaceleração da economia chinesa. "Quando os seus clientes ficam mais lentos é muito difícil continuar crescendo rapidamente", disse em referência à queda das exportações brasileiras às regiões. Para Soss, a recuperação europeia - cuja atividade deve crescer até 1,5% em 2014 revertendo baixa registrada no ano passado - será um dos gatilhos para o Brasil. Para a China, a expectativa é de expansão entre 7% ou 7,25%.
Soss avalia ainda que a economia americana tem melhoras importantes - a projeção é de alta de 3% ante 2% em 2013 -, ainda que problemas estruturais, como o investimento produtivo, continuem presentes. Mas para Soss, que o resto do mundo não se engane: o Federal Reserve toma medidas em benefício dos americanos. "O trabalho do Fed é manter a estabilidade de preços e amparar o mercado de trabalho americano." Não há, porém, indícios de que os juros devam subir antes de 2015, "talvez até além disso". "E, quando começarem, será em um ritmo lento."
Após alguns anos de experiência no Fed de Nova York e também no governo daquele Estado, na década de 80, Soss diz que a lição que tirou dos anos de vida pública foi que os desequilíbrios devem ser evitados, porque as correções são, quase por definição, muito dolorosas. Quando estava no governo, conta, Nova York passava por uma grande crise financeira e os bancos pararam de emprestar. A lição é que não se deve emprestar tão livremente quando as coisas vão bem, porque, uma vez na crise, vai ser preciso fazer coisas horríveis, como aumentar juros ou cortar gastos públicos. "Parecido com a crise dos emergentes, não?".
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