Irresponsabilidade tem preço
17
de março de 2014 | 2h 05
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que
obriga a União a indenizar pesadamente a extinta companhia Varig, em razão das perdas
decorrentes do congelamento das tarifas aéreas entre 1985 e 1992, dentro do
Plano Cruzado, restabelece o princípio de que contratos são firmados para serem
cumpridos e de que os direitos devem ser preservados seja qual for a "boa
intenção" que os ameace.
De acordo com cálculos da União, o ressarcimento à Varig
para compensar os prejuízos causados pelo Cruzado chega a R$ 3 bilhões. Os
advogados da companhia alegam que o valor é superior a R$ 6 bilhões. A conta
final ainda está para ser fechada. A Advocacia-Geral da União (AGU) vai esperar
a publicação do acórdão para verificar quais são as possibilidades de recurso,
mas, ao que tudo indica, elas são meramente formais.
Por 5 votos a 2, o STF entendeu que o tabelamento de
preços promovido pelo Cruzado foi o responsável direto pelo colapso da Varig,
conforme avaliação de tribunais inferiores. Os ministros que votaram pela
indenização entenderam que a responsabilidade civil do poder público está
clara, pois, graças aos planos econômicos, houve quebra do equilíbrio
econômico-financeiro da relação contratual - isto é, o Estado, ao impedir o
reajuste das passagens, interferiu decisivamente na capacidade do fornecedor de
entregar o serviço público contratado. Em seu artigo 37, inciso XXI, a
Constituição manda que esse equilíbrio entre a prestação do serviço e o
pagamento por ele respeite o previsto no contrato e seja preservado durante
toda a sua duração.
A AGU alegou que o governo exerceu "legitimamente uma
de suas funções típicas, de regular o serviço público em prol de toda a
coletividade". No entanto, ainda que revestido de legalidade, um ato de
governo como o congelamento de preços implica consequências econômicas que
deveriam ser assumidas pela administração, na forma de compensação às
concessionárias afetadas. Em sua defesa, a Varig alegou justamente que seu
patrimônio se esvaiu em razão do tabelamento das passagens aéreas e que tinha,
portanto, de ser ressarcida. Outras empresas aéreas entraram na Justiça com
argumento semelhante - em 1998, a Transbrasil foi indenizada em cerca de R$ 1,3
bilhão.
Não é o caso de entrar no mérito dos argumentos sobre um
eventual exagero do valor da indenização à Varig, ou mesmo, como lembraram os
ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes em seus votos favoráveis à União,
sobre o fato de que a Varig detinha o monopólio dos voos para o exterior, cujas
tarifas não eram controladas pelo governo - razão pela qual, segundo esse
raciocínio, a empresa teria falido por causa de má gestão, e não dos efeitos
dos planos econômicos. A questão central, que não se pode perder de vista, é
que havia normas e direitos em contratos de concessão pública que foram
atropelados pelas autoridades em nome da estabilização da economia.
Considerando-se que cerca de 1.000 ex-funcionários da
Varig já morreram sem receber o que lhes era de direito, em razão da longa
tramitação do processo, é possível ter a dimensão do problema. Ao menos 10 mil
ex-empregados aguardam o pagamento da indenização à Varig para cobrar sua
parte.
Não é a primeira vez, e certamente não será a última, que
governantes movidos a "boas intenções" causam prejuízos a empresas,
contribuintes e aos próprios cofres públicos - como, aliás, provam
abundantemente as atuais agruras do setor elétrico. Planos econômicos
mirabolantes e medidas administrativas executadas sem o devido amparo jurídico
- o que denota desapreço pelas leis - muitas vezes viraram o País de cabeça
para baixo, deixando em seu caminho um rastro de cidadãos prejudicados. Cedo ou
tarde, essas aventuras são questionadas nos tribunais, quase sempre com ganho
de causa para os lesados, restando ao poder público a procrastinação - como
acontece com o vergonhoso caso dos precatórios, em que os credores do Estado
literalmente morrem na fila à espera da indenização.
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