Da
série: “parada obrigatória para pensar”
Este
artigo foi escrito 10 anos antes de o PT chegar ao Poder,
O experimento custou caríssimo ao país. Será que, finalmente,
aprendemos alguma coisa?
Ricardo Bergamini
Violinista
do campo de concentração
Deputado Roberto Campos
O Globo, 18 de abril de
1993
Lembro-me
vagamente de um filme de Claude Lelouch em que músicos judeus se enfileiravam
para tocar na orquestra do campo de concentração. Com um pouco -de Mozart e
Beethoven e -oh! suprema humilhação! - umas árias do antissemita Wagner,
escapavam temporariamente à câmara de gás. E talvez conseguissem uma sopa
reforçada.
Essa
imagem me veio à mente ao saber dos jantares oferecidos a Lula por empresários
paulistas. Certamente fantasiam que o sindicalista selvagem possa se
transformar no capitalista domesticado. Não se trata, obviamente, de uma
conversão na estrada de Damasco, mas talvez de um desvio eleitoral na estrada
de Garanhuns. Esperam não apenas ser poupados, mas até arranjar um pequeno
cartório. Afinal de contas, o PT apoiou os cartórios de informática e agora
parece inclinado a proteger a pirataria das patentes.
Hoje
acredito que os únicos esquerdistas que entendem a economia de mercado são
aqueles que experimentaram, na carne, a cruel ineficiência do "socialismo
real". Não os nossos socialistas de bar, de púlpito ou de palanque.
O
sonho presidencial de Lula é um pesadelo para os que sonham com a modernização
do Brasil. Seu partido é excludente, pois prega o conflito de classes, coisa
obsoleta nas modernas sociedades integrativas. De seu nome, "Partido dos
Trabalhadores", infere-se que os outros são partidos de vagabundos...
A
modernização brasileira passa pela renúncia dos "ismos":
nacionalismo, populismo, estruturalismo e estatismo doenças que no PT têm a
irreversibilidade da Aids. As curas são conhecidas: desinflação, privatização,
desregulamentação, destributação, liberalização comercial e reinserção no
sistema financeiro internacional.
A
ideologia petista está seguramente desequipada para todas essas tarefas. Em
matéria de inflação, sua propensão é atribuí-la não aos desmandos do Governo e
sim à ganância dos empresários. Dificilmente resistiriam à tentação de
controlar preços, pelo menos os dos oligopólios e da cesta básica. A
privatização é relutantemente aceita como um modismo liberal a ser estudado.
"Estamos interessados", diz Lula, "em discutir os setores
estratégicos que deverão continuar subordinados ao Estado". Lula,
aparentemente, ignora que o que se chama no Brasil de “setores estratégicos”
como petróleo, eletricidade e telecomunicações; sempre foram privados (ou estão
sendo privatizados) nas sete economias mais poderosas do mundo...
Não
é de admirar, aliás, que Lula não-entenda a essencialidade da privatização,
quer para a cura da inflação, quer para a retomada do crescimento. O PT é cada
vez menos um partido de operários e cada vez mais um partido de funcionários. E
estes estão incrustados nas estatais, como carrapatos burocráticos. Para a CUT,
a privatização não significa-melhoria da eficiência e redução da corrupção.
Veem-na apenas como um ''harakiri" do corporativismo! Também não se pode
esperar de Lula o apostolado da desregulamentação. Basta lembrar o apoio do PT
à máfia portuária, no caso da extinção do monopólio dos sindicatos.
Pouco
se pode esperar, outrossim, em matéria de destributação. Isso pressuporia a
redução do tamanho e funções do Estado e o reconhecimento realista de que
"não se consegue enriquecer os pobres empobrecendo os ricos" (para
lembrar a expressão do líder trabalhista inglês, Hugh Dalton, que aprendeu na
década de 50 o que os nossos trabalhistas ainda não aprenderam).
Pouco
se poderia esperar também em termos de abertura comercial. É um caso em que
empresários e trabalhadores se irmanam na proteção de empregos nas indústrias
ineficientes, esquecendo-se da alternativa melhor de geração de empregos por
exportadores eficientes. Quanto à reinserção no mercado financeiro
internacional, nem é bom falar! O PT sempre foi favorável à moratória e tem
muito menos entendimento das funções do FMI do que russos e chineses, os quais deixaram
de considerá-lo apenas como o “comitê executivo do capitalismo”, para nele ver
uma fonte de recursos e de assistência técnica para a estabilização dos preços.
Não
há sinais, outrossim, de que o PT se tenha convencido de que a decretação, como
o fizemos na Constituição de 1988, de amplas "conquistas sociais",
não elimina a lei da oferta e da procura no mercado. Para trágico
desapontamento-da população brasileira, depois das "conquistas
sociais", nunca o salário mínimo real foi tão baixo, nunca o nível de
desemprego foi tão alto, nunca pior a distribuição de renda.
À
parte Brizola, cujo relógio mental parou há 30 anos, não parece haver, não
galeria de presidenciáveis, ninguém mais despreparado que Lula para a
responsabilidade presidencial. Brizola dá-lhe um conselho prudente: administrar
primeiro pelo menos uma prefeiturazinha. Talvez no ABC paulista hoje
ameaçadas de desindustrialização, pela fuga" de empresas intimidadas
por experiências recentes de sindicalismo selvagem.
Com
sua conhecida delicadeza de sentimentos, Brizola mimoseou seu contendor com o
apelido de "sapo barbudo''. Isso cria incertezas para os investidores,
sobretudo os estrangeiros, que desconhecem as sutilezas de nossa linguagem
política. É que não se sabe se se trata de um sapo útil, dos que comem insetos
(Bufo terrestris americanus), ou daqueles sapos amazônicos que emitem borrifos
venenosos (dendrobotidae). Enquanto isso os investidores suspenderão suas
decisões de investimento, prolongando nossa estagflação.
Consta
que os empresários paulistas, que tomaram a iniciativa de banquetear Lula, são
da indústria de brinquedos. Talvez a esperança deles seja que Lula aprenda a
brincar de capitalismo. O mais provável é que estejam desempenhando o papel dos
violinistas do campo de concentração.
O
conselho de Deng Xiaoping aos chineses é: “Enriquecei-vos”. O conselho de Lula
aos brasileiros é: "Sindicalizai-vos e contribuais para a CUT". É o
fim da picada ...
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