Paulo Roberto de Almeida
Texto-base para
o discurso de posse do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Aloysio
Nunes Ferreira – Palácio Itamaraty, 7 de março de 2017
Nota 62
07 de Março de
2017 - 19:30
Querido amigo
José Serra, mais uma vez nos encontramos nesta mesma longa estrada de vida
pública que desde jovens decidimos trilhar, e a cujo percurso sempre dedicamos
o melhor de nossas energias.
Você é, sem
dúvida, um dos mais destacados líderes políticos de nossa geração. Tive a honra
de trabalhar sob sua direção na Prefeitura de São Paulo e no Governo de nosso
Estado, e testemunhei de perto, até com sacrifício de minhas rotinas
domésticas, a sua devoção à causa pública, o rigor na administração, sua
capacidade de reunir e entusiasmar as equipes ao seu redor e a solidariedade
fraterna com que você sempre distinguiu a todos, e a mim pessoalmente.
Agora, no
Ministério das Relações Exteriores, eu vou entrando e você vai saindo. Mas
deixa aqui um legado que constituiu uma base sólida para o cumprimento da
missão que me foi atribuída pelo presidente Temer. Você acaba de produzir uma
prestação de contas que demonstra cabalmente o sentido da reorientação do
Itamaraty nessa nova fase da vida brasileira e das relações internacionais do
nosso País. Não preciso insistir sobre isso: minha ação, à frente do
ministério, na sequência e na atualização de sua orientação, falarão mais do
que eu poderia dizer nesse discurso de transmissão do cargo. O que é certo é
que, com o mesmo denodo que você, tratarei de assegurar que nossa política
externa esteja sempre alinhada com os reais valores e os legítimos interesses
nacionais.
Cada vez mais
está presente na consciência dos cidadãos brasileiros a ideia da
inseparabilidade entre política externa e política interna. Sempre foi assim.
Sem me alongar sobre o tema, permito-me uma lembrança da nossa história e
recorro a dois autores que, entre outros, assinalaram claramente essa conexão,
Synésio Sampaio Góis e Gabriela Nunes Ferreira. A definição do “corpo da
Pátria”, o que ele contém, quais os seus limites, onde ele termina e onde
começa o dos seus vizinhos, essa definição que garantiu foros de legitimidade à
ação multissecular de bandeirantes, religiosos, soldados e povoadores foi obra
de diplomatas e dos condutores da nossa política externa. Uma ação levada a
cabo com energia e paciência, e que foi inseparável da própria consolidação do
Estado Nacional. Os setores mais informados da opinião, no início da República,
compreendiam bem a conexão entre esses dois processos: é o que explica, penso
eu, em grande parte, a imensa popularidade de que desfrutou o Barão do Rio
Branco.
Volto aos dias
recentes e evoco a última campanha presidencial da qual tive a honra de ser
candidato a vice-presidente, ao lado de Aécio Neves, esse extraordinário líder
político, a quem sou ligado por amizade e admiração que só fizeram crescer de
lá para cá. No calor dos debates, na imprensa, no Congresso, onde quer que se
reunissem eleitores nessa campanha apaixonante, despontava sempre a discussão
sobre temas que, a rigor, dizem respeito à política externa. Como promover uma
nova inserção, mais competitiva, nos grande fluxos de comércio, de
investimentos e de intercâmbio tecnológicos no mundo globalizado? Como
revigorar o Mercosul, afirmar seu propósito inicial de se constituir uma área
de livre comércio, multiplicar seus acordos com outros países e blocos? Como
valorizar, aos olhos do mundo e aos nossos próprios olhos, o fato de sermos uma
grande potencia agroindustrial, nossas conquistas ambientais e esse
extraordinário passaporte que é a cultura brasileira? De que forma poderemos
fazer da nossa política externa um instrumento para buscar novas oportunidades
para o desenvolvimento material de nosso país? Trata-se de uma exigência de
sempre, mas particularmente premente, para superarmos a atual crise que nos
assola e que impõe mais do que nunca a distinção entre nossos interesses
permanentes e os alinhamentos partidários e ideológicos contingentes. Reafirmo
o que tem sido dito desde o início do governo Temer: a política externa tem que
estar a serviço do País e não dos objetivos de um partido, qualquer que seja
ele. Não posso deixar de lembrar a preocupação, cada vez mais presente, com a
escalada autoritária do governo venezuelano, que nos últimos anos esteve
presente entre os grandes temas em debate. A nossa posição frente à Venezuela é
emblemática do papel que queremos desempenhar na América Latina e no mundo.
Nossa solidariedade irrestrita com aqueles que lutam pela liberdade nesse país
irmão é a reafirmação do princípio constitucional da prevalência dos direitos
humanos nas relações internacionais do Brasil democrático.
As preocupações
que acabo de mencionar, presentes também em um amplo espectro de opiniões
políticas, proporciona –espero- uma base para o entendimento entre os atores
políticos, que ultrapassa os limites das atuais situação e oposição. Essa é,
aliás, uma das lições que tiro de minha participação na Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional.
Agradeço ao
Presidente Michel Temer a confiança que, mais uma vez, deposita em mim. Depois
da liderança do governo no Senado, agora para ajudá-lo a conduzir a política
externa do Brasil.
Conheci Michel
Temer em 1963 quando entrei na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Nunca o perdi de vista. Somos colegas na Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo e vim a conviver com ele, mais de perto, já no governo Montoro. Fui seu
colega na Câmara, seu companheiro nas fileiras do PMDB. Michel Temer nunca
mudou de lado no seu compromisso com a democracia, com a ordem jurídica e com a
justiça em todas as suas dimensões. É uma honra estar ao seu lado nesse momento
em que, com constância, sem ceder às tentações fáceis do populismo, vem dando
rumo ao Brasil, de modo a superarmos a crise e entregarmos em 2018 um País mais
organizado institucionalmente, mais próspero, voltando a gerar empregos e
respeitado na área internacional.
É uma honra
assumir a chefia do Itamaraty, instituição que tem dado ao país, ao longo da
história, contribuição valiosa que a nação brasileira reconhece e respeita.
Essa instituição é animada pela convicção de que uma boa política externa deve
conciliar a primazia do interesse nacional com o papel que cabe a um País da
estatura do Brasil, por suas dimensões, seu peso, sua história, como membro da
comunidade internacional.
O Brasil anseia
por seu desenvolvimento pleno e os brasileiros demandam a aceleração desse
processo. Encaramos a interação com os demais povos e com as economias de todo
o mundo como veículo para o nosso progresso. Estamos, pois, determinados a
ampliar e aprofundar nossa participação integrada na economia mundial, por meio
de negociações que produzam resultados equilibrados e atendam aos interesses de
todas as partes. Não podemos, porém, fazer prova de ingenuidade voluntarista e
de curto prazo das concessões unilaterais: a regra do jogo é e deve continuar a
ser a da reciprocidade – particularmente, mas não somente, na frente
econômico-comercial.
Ainda nesse
terreno, a intensificação do trabalho de promoção comercial e promoção de
investimentos, reforçado pela vinculação da APEX ao Itamaraty, foi uma
prioridade central da gestão de José Serra que tenciono manter intacta e levar
adiante com todo empenho.
Os sinais de
melhora na economia e a força parlamentar do governo abrem oportunidades para
uma ação externa mais vigorosa; uma política externa que projeta, sem rodeios
ou hesitações, um País cuja solidez institucional foi testada e aprovada na
recente crise do impeachment, um povo que hoje recupera sua confiança em si e
anseia por parcerias que nos ajudem na retomada do crescimento e na busca da
prosperidade.
Pretendo
reunir-me com as chefias do ministério, de todas as áreas, para uma conversa
aberta, uma desinibida circulação de ideias sobre os desafios que enfrentamos e
sobre o que se vem fazendo e terá de ser feito. Precisamos partir de um
entendimento objetivo e cuidadosamente refletido da conjuntura internacional.
Há muitas incertezas no horizonte, tendências preocupantes que se acumulam: o
protecionismo repaginado, o aumento da retórica anti-imigração, a atribuição a
causas externas de problemas cuja solução, na verdade, depende muitas vezes de
remédios de natureza e aplicação local.
O Brasil não
deve se acanhar – ou, ao contrário, se abespinhar – diante dessa conjuntura.
Possuímos inquestionáveis ativos de caráter permanente: grande território e
população, uma das maiores economias do mundo, recursos naturais e ambientais
estratégicos, indústria diversificada, agricultura moderna e possante, imenso
mercado interno, oportunidades atraentes de investimento.
Somos a um só
tempo uma potência agrícola, que ajuda a alimentar o mundo, e um dos países com
maior cobertura florestal e de matriz energética mais limpa e diversificada,
com participação de cerca de 40% de fontes renováveis. Esses atributos conferem
ao Brasil papel de relevo no encaminhamento das questões de meio ambiente, de
mudança do clima e de desenvolvimento sustentável.
Temos tradição e
credibilidade nos organismos multilaterais e na diplomacia bilateral. Nas
Nações Unidas, o Brasil sempre foi apreciado e respeitado pela qualidade
substantiva, pelo sentido agregador e construtivo de sua atuação. Continuaremos
a buscar que a ONU, ainda que com atraso, reflita em suas instâncias centrais,
particularmente no Conselho de Segurança, a realidade do mundo em que vivemos
hoje. O Secretário-Geral António Guterres sabe que conta com o apoio do Brasil.
Na OMC, da mesma
forma, onde o embaixador Roberto Azevêdo acaba de ser reconduzido para mais um
mandato de quatro anos como Diretor-Geral, também temos sido um ator-chave. O
Sistema Multilateral de Comércio continua a ser um dos pilares centrais da
ordem econômica mundial. Não interessa a ninguém retroceder aos tempos da lei
da selva.
Devemos também
reforçar nossa atuação – a defesa de nossos interesses e a promoção de nossas
ideias e valores – em foros como o G-20, onde se gestaram depois da crise de
2008 importantes ajustes na governança das instituições financeiras
internacionais, assim como no BRICS e no IBAS (Índia, Brasil e África do Sul).
Encontraremos as
oportunidades e criaremos os espaços que melhor atendam às nossas aspirações,
valores e interesses, na região e além dela, com a consciência de que o Brasil
é um ator global que continuará a assumir suas responsabilidades sem titubeios.
Continuaremos a
dar a necessária prioridade ao nosso relacionamento com as nações da América do
Sul, da América Central, do conjunto da América Latina e do Caribe.
Amanhã mesmo
viajarei a Buenos Aires para um encontro com os chanceleres da Argentina,
Paraguai e Uruguai. Manterei, assim, a boa tradição de que logo ao assumir os
chanceleres brasileiros visitem a vizinha nação irmã, parceira maior e
prioritária do Brasil. Em nossa região, a coincidência de visões políticas e de
práticas econômicas favorece uma ampliação significativa de nosso intercâmbio
comercial e de investimentos. Enseja uma imprescindível renovação do Mercosul.
Quero dar
seguimento às ações de maior aproximação entre o Mercosul e os países da
Aliança do Pacífico. Está marcado para o começo de abril um encontro nosso com
os chanceleres de Chile, Colômbia, México e Peru.
A situação na
Venezuela continua a nos preocupar. Queremos uma Venezuela próspera e
democrática, sem presos políticos e com respeito à independência dos poderes,
um país irmão capaz de reencontrar o caminho do progresso para o bem de sua
gente.
As ações com
nossos vizinhos para garantir a segurança e o desenvolvimento na faixa de
fronteira são uma das importantes iniciativas do ministro Serra. A explosão de
violência criminosa em nossas cidades, em nossos presídios, está intimamente
ligada ao que se passa – literalmente – ao que passa por nossas fronteiras, nos
dois sentidos. Amanhã me reunirei com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, para
debatermos formas de aprofundar a cooperação entre o Itamaraty e o Ministério
da Defesa. Se o crime é crescentemente transnacional, também o combate que lhe
damos há de sê-lo.
As relações com
os Estados Unidos também podem ampliar-se de forma expressiva, em bases
mutuamente benéficas. Nossos governos e nossas comunidades empresariais têm
claro interesse na expansão de investimentos recíprocos, na facilitação de
comércio, no aumento da cooperação cientifica e tecnológica, nos projetos
comuns em energia, na indústria de defesa. O desafio está em fazer andar
acordos e projetos desenhados há anos, mas que só agora começam a ser
implementados.
Nosso
relacionamento com a Europa está prestes, espero, a adquirir uma nova dimensão.
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia está na ordem do dia e poderá
propiciar um salto qualitativo nas nossas relações com a Europa e que, por isso
mesmo, não pode ser visto apenas como a desgravação de algumas linhas
tarifárias. Ao falar de Europa, não podemos deixar de mencionar o leste europeu
e a Rússia, um parceiro tradicional que continuaremos a valorizar.
Fato novo e
relevante, nas últimas décadas, tem sido o extraordinário aumento do comércio e
dos investimentos com a Ásia, particularmente com o Japão, também com a Coreia,
e muito acentuadamente com a China. O avanço foi grande e o potencial, com
esses e outros países da região, tais como a Índia e a Indonésia, evidentemente
ainda maior. Precisamos conhecer melhor e fazer mais com esses parceiros. As
relações com a China merecem uma atenção condizente com a escala e a natureza
singular do intercâmbio, inclusive com vistas à identificação e estruturação de
novas áreas de cooperação. Com o Japão, nosso parceiro mais tradicional na
Ásia, temos o desafio de renovar sempre um relacionamento que já deu e
continuará dando muitos e bons frutos.
Não devemos
esquecer o compromisso histórico e o interesse cada vez maior pelas relações
com nossos parceiros no mundo em desenvolvimento. Sem descuidar das
convergências que temos entre nós, é hora de concretizar as muitas
oportunidades para um comércio ampliado, para investimentos recíprocos e para
parcerias empresariais.
O caso da África
é uma ilustração deste fato. O continente africano cresceu nas últimas décadas
quase o dobro do que a América Latina. As mais expressivas lideranças africanas
têm deixado claro que não buscam compaixão assistencial, mas investimentos e
parcerias empresariais e tecnológicas. Como potência agrícola, o Brasil está
pronto a compartilhar sua tecnologia agrícola, por exemplo, com parceiros e
amigos mediante arranjos inovadores, maior cooperação entre entidades de
pesquisa, intercâmbio de especialistas, investimentos e parcerias empresariais.
Pretendo visitar países da África ainda neste semestre.
São fortes e
conhecidos, também, nossos laços históricos, humanos, econômico-comerciais com
países do Oriente Médio, que devem ser – e serão – objeto de esforço contínuo
de aproximação nesses e em todos os campos.
Senhoras e
senhores,
O Itamaraty
continuará a dar atenção prioritária ao apoio às comunidades de brasileiros que
vivem no exterior – é uma responsabilidade fundamental do Itamaraty para com
nossos compatriotas emigrados.
A propósito,
ressalto que o Brasil continuará a ser um país aberto aos estrangeiros e mais
ainda, porque a nova Lei de Imigração, de minha iniciativa, que revoga
dispositivos herdados do período autoritário coloca o País na vanguarda
do direito humanitário.
Assim como o
Serra, passei anos da minha vida no exilio sob a proteção do alto comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados e Apátridas, assim como do direito dos
países que nos abrigaram. Nos orgulhamos de que o Brasil seja uma terra de
asilo, dotado de um estatuto dos refugiados, de cuja elaboração tive a honra de
participar como deputado federal ao tempo do governo de Fernando Henrique, e
que e um dos mais generosos do mundo.
Trataremos
igualmente de aprimorar práticas destinadas a facilitar a vida de quem nos quer
visitar, como faremos ainda este ano com a implantação do visto eletrônico para
nacionais de alguns países que exigem vistos de cidadãos brasileiros. Conciliar
o princípio fundamental da reciprocidade com o primado da eficiência sempre foi
algo que a diplomacia brasileira quis e soube fazer, nos mais diversos
campos.
Quero concluir
com uma mensagem de compromisso ao corpo de servidores do Itamaraty. Ao longo
dos últimos nove meses, tive o gosto de apoiar José Serra – inclusive como
presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado – na tarefa que ele
cumpriu de restabelecer as condições de espaço político e disponibilidade de
recursos para que este ministério pudesse voltar a ocupar o lugar que sempre
lhe coube no centro das decisões e das políticas mais estratégicas do Brasil.
isso não será revertido, muito pelo contrário: o Itamaraty continuará a ser um
ministério central na defesa e promoção dos interesses nacionais.
Contem com meu
empenho para valorizar as carreiras do Serviço Exterior Brasileiro, bem como as
demais categorias de servidores do ministério, nos limites angustiantes das
atuais restrições orçamentárias. Vou dar atenção especial a questões da
administração do Itamaraty. Estou determinado a assegurar os meios adequados
para que o Ministério possa cumprir suas obrigações com eficiência e para tanto
conto com o mesmo respaldo que o Ministro teve de seus, agora meus colegas na
Esplanada.
Política externa
é política pública. Política pública estratégica e prioritária, da qual o
Brasil irá necessitar cada vez mais. É uma politica cuja execução exige cada
vez mais a integração do Itamaraty com outras áreas do governo e especialmente,
no que tange ao comércio exterior, com o Ministério da Indústria Comercio e
Desenvolvimento. Sempre sob a alta direção do presidente da República.
Política externa
é o honroso ofício dos servidores do Itamaraty e, a partir de hoje, também o
meu.
Sobre a campanha das "cem flores", da Wikipedia:
The movement was in part a response to the demoralization of intellectuals, who felt estranged from The Communist Party. After this brief period of liberalization, Mao abruptly changed course. The crackdown continued through 1957 as an Anti-Rightist Campaign against those who were critical of the regime and its ideology. Those targeted were publicly criticized and condemned to prison labor camps.
The ideological crackdown following the campaign's failure re-imposed Maoist orthodoxy in public expression, and catalyzed the Anti-Rightist Movement.
The ideological crackdown following the campaign's failure re-imposed Maoist orthodoxy in public expression, and catalyzed the Anti-Rightist Movement.
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