A irresponsabilidade da gestão Pazuello — interino e oficial — no MS é um prato cheio para a CPI da Pandemia e a recomendação do uso precoce da cloroquina deve figurar no alto de todas as demais acusações ao Sargento Tainha: o homem (escondido) corre o risco de pagar por todos os crimes do capitão.
Paulo Roberto de Almeida
questões de transparência
“QUEIMA” DE CLOROQUINA PRÉ-CPI
Após 337 dias no ar, Ministério da Saúde apagou recomendação para uso da droga às vésperas de comissão ser instalada no Senado
Durante 337 dias, entre 20 de maio de 2020 e 22 de abril de 2021, o Ministério da Saúde manteve no ar, contra evidências científicas e pedido formal do Conselho Nacional de Saúde, recomendação para uso de cloroquina em casos leves, moderados e graves de Covid-19. O documento foi apagado no portal do ministério às vésperas da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado.
O sumiço da recomendação ao uso de cloroquina ocorreu depois de uma reunião na Casa Civil da Presidência e de uma lista de 23 questões sobre o enfrentamento da pandemia a que os ministérios deveriam responder. Um dos itens da lista era “o governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas”, como revelou o jornalista Rubens Valente, colunista do Uol. A lista foi encaminhada ao Ministério da Saúde no dia 21. No dia seguinte, não estava mais visível no site do ministério a nota informativa no 17/2020, de 30 de julho de 2020.
Com o título “Orientações do Ministério da Saúde para o manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”, o documento amplia a orientação de prescrição de difosfato de cloroquina e de sulfato de hidroxicloroquina para pacientes grávidas. A nota, de 40 páginas, afirma levar em consideração “a larga experiência” do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de outras doenças infecciosas e de doenças crônicas do SUS e a “inexistência, até o momento, de outro tratamento eficaz disponível para a Covid-19”. A administração da cloroquina deveria ser combinada com a do antibiótico azitromicina desde a apresentação de sintomas leves pelos pacientes, recomendava o documento.
A nota informativa no 17 substituiu outras duas, de números 9 e 11, editadas em 20 de maio e 17 de junho de 2020, e que também continham orientações semelhantes para o uso de cloroquina. Desde a primeira versão, as notas são acompanhadas por termos de consentimento a serem assinados pelos pacientes. Eles deveriam concordar com o uso dos medicamentos sabendo não haver garantia de resultados positivos contra a Covid-19 e dos riscos de efeitos colaterais. As notas foram editadas entre a demissão do então ministro Nelson Teich, no dia 15 de maio, e a posse do general Eduardo Pazuello, em 16 de setembro, período em que Pazuello respondeu interinamente pelo comando do Ministério da Saúde.
Antes mesmo da edição da primeira nota, o Ministério da Defesa já havia comprado 600 kg de pó de cloroquina, atestam registros no Tesouro Nacional. A compra foi feita por meio da Sulminas, uma empresa instalada em conjunto habitacional no município de Campanha, em Minas Gerais, que importou o insumo da Índia. Entre março e agosto, com as recomendações para o uso da cloroquina já divulgadas, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército havia fabricado 3 milhões de comprimidos.
Aorientação para o uso da cloroquina não foi atualizada nem substituída por outra, mas simplesmente retirada do portal do Ministério da Saúde. Quem clica no acesso à nota informativa no 17 na página sobre manejo clínico e tratamento da Covid-19, é direcionado para a abertura do portal do ministério, no qual aparece com destaque a campanha de vacinação. Procurado, o ministério informou que a nota foi retirada para atualização, sem prazo definido. A piauí salvou o antigo link, aqui. Ou seja: o ministério não excluiu o documento do banco de dados do site.
Pelo menos um pedido formal para a retirada da nota foi ignorado pelo ministério antes da abertura da CPI da Covid. Em 19 de janeiro, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) solicitou por meio de ofício que o ministério revogasse a nota técnica no 17 e se abstivesse de incentivar o uso de medicamentos sem eficácia e segurança comprovada. Desde maio de 2020, quando o ministério editou a primeira nota sobre o tratamento precoce, o CNS alerta para o risco do uso da cloroquina no tratamento da Covid e recomenda a suspensão das notas. O Conselho é um colegiado que reúne representantes dos usuários, trabalhadores, gestores e prestadores de serviços do Sistema Único de Saúde.
“A minha avaliação é que retiraram a nota agora por conta da CPI, numa política de redução de danos sobre o que fizeram de forma errada, apesar das recomendações do CNS, que nunca foram atendidas”, disse à piauí o presidente do conselho, Fernando Pigatto. “Obviamente não dá para começar do zero, como se mais de 400 mil vidas não tivessem sido perdidas”, completou. O CNS avalia a gestão da pandemia pelo governo federal como “um desastre”.
No site da Saúde, é possível encontrar notas técnicas sobre outros medicamentos usados sem previsão na bula para a Covid-19, mas nada sobre a cloroquina havia sido publicado até a quinta-feira, 6. À CPI da Covid, o ministro Marcelo Queiroga indicou que uma nova diretriz terapêutica estava sendo elaborada. Esse foi o motivo que Queiroga alegou para não se manifestar nem contra nem a favor do medicamento defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.
No caso do antiparasitário ivermectina, nota do ministério publicada em março deste ano afirma que não há evidências científicas suficientes para a recomendação do medicamento. O documento reitera a orientação da Organização Mundial da Saúde para que a ivermectina seja usada apenas em protocolos de pesquisa clínica. No caso da nitazoxanida, um vermífugo cujos resultados clínicos precários contra a Covid foram anunciados com estardalhaçoem cerimônia no Palácio do Planalto, outra nota técnica também datada de março afirma que são necessários estudos com maior qualidade e rigor metodológico.
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