A primeira, e mais que amarga, lição é a de que, na verdade, não aprendemos nada com as lições passadas, todas desaprendidas: assim foi com o tráfico e a escravidão, a não educação, etc., etc., etc.
A maior das “lições amargas” que talvez sejamos obrigados a aceitar de nossa trajetória como nação nas últimas decadas — provavelmente válido para os duzentos anos desde a independência — é justamente o aprendizado de que não aprendemos nenhuma lição com nossas frustrações contínuas em matéria de reformas de nossas mazelas: fazem 200 anos que estamos procrastinando as soluções, primeiro com o tráfico, depois a abolição da escravatura, em seguida a não reforma agrária, a não representação política, a ausência completa de educação republicana, a indiferença para com as desigualdades nacionais, regionais e sobretudo sociais, a não inserção na economia mundial pela manutenção do mercantilismo e do protecionismo, uma casta política que se tornou predatória em relação ao cidadão contribuinte, a irresponsabilidade geral das elites, as velhas e as novas. De fato, amargas lições...
Paulo Roberto de Almeida
Gustavo Franco: Lições Amargas: Uma História Provisória da Atualidade
Após um ano perdido, de uma década perdida, Gustavo Franco traz um balanço lúcido e provocador da situação do país
Gustavo Franco, economista renomado e um dos formuladores do Plano Real, mobiliza sua conhecida independência intelectual, domínio dos dados e capacidade analítica para refletir não apenas sobre os problemas do país, mas sobre como a nossa forma de pensar a respeito deles vem se transformando, com profundas e imprevistas consequências.
Sob o espectro da pandemia de covid-19, o autor toma as controvérsias que se impuseram ao longo de 2020 e 2021 como ponto de partida para uma análise eclética e inovadora, que abrange desde as razões da estagnação econômica durante o Império até as consequências da adoção do bitcoin e outras moedas digitais. Gustavo disseca também a questão das reformas, sempre presentes na discussão nacional, reconhecidas como necessárias pela maioria dos protagonistas da vida pública, mas que ficam velhas antes mesmo de serem aprovadas. Com lógica implacável, ele demonstra como o próprio conceito de reforma foi cooptado pelo estamento político para a construção de um discurso pretensamente modernizador, mas, na prática, voltado para o adiamento de qualquer mudança que contrarie poderosos interesses. “Tudo parece ter ficado mais agudo e urgente, assim como parece ter reduzido a nossa tolerância com a procrastinação. Ou não?”, ele provoca.
Lições amargas transborda de ideias originais, mercadoria escassa no cenário atual dominado pelo debate raso, dissociado dos fatos, prisioneiro dos dogmas. É menos um livro sobre as nossas dificuldades, e mais sobre a nossa incapacidade secular de enfrentá-las. Com fina ironia e genuína erudição, Gustavo Franco tira lições amargas dos anos de estagnação e da nossa inelutável tendência aos remédios milagrosos, para traçar os caminhos acidentados, porém ainda possíveis, de um reencontro com a nação que desejamos ser.
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