Pedro e Bonifácio, às vésperas dos 200 anos
Luiz Henrique de F. Carneiro
Diário do Poder, 15/02/2022 23:09
Numa noite dessas, José Bonifácio desceu de seu pedestal de estátua, no Largo de São Francisco de Paula, e foi visitar o imperial e real Pedro I, na Praça Tiradentes. Este desceu do cavalo, olhou ao redor com muita saudade, e foi logo perguntando ao seu antigo ministro notícias sobre as festas que tanto admiravam.
– Qual o que, Majestade! Nem o Barão do Rio Branco, o Juca, consegue! Atualmente só temos notícias da tal pandemia e da confusão instalada no país e tem mais, coisa alguma encontro em que se fale de nós, da Independência ou do Projeto de Nação.
Pedro I retrucou:
– Bonifácio, este país nasceu envolto em complicações diplomáticas. A esta nossa terra privilegiada da natureza pode ser aplicado o conto onde a despeito de não haver sido convidada para o batizado de uma criança, uma Fada raivosa propõe-se frustar todos os mimos que lhe fizeram as boas fadas. Terás grandeza, formosura opulência, glória mesmo – exclamaria ela – mas não terás descanso, porque serás alvo de constantes ambições territoriais e o pasto de contínuos conflitos militares, roubos, fraudes, maracutaias e gigantescas trapalhadas políticas.
A esta altura, Bonifácio interrompeu Pedro I e falou:
– Majestade, peço perdão, olha quem vem por ali na Rua 7 de setembro. É o Lima Barreto e o Machado, vou chamá-los.
– E aí Lima, quais são as novidades? E você Machado, qual a pressa?, perguntou Pedro I.
– Pedrinho, o Maneco perdeu o vapor Hermes para Campos e vai nos encontrar para um papo com paraty na Ouvidor, vamos?, falou Lima.
– Qual o quê Lima, Sua Majestade Imperial e o Ministro Bonifácio têm mais o que fazer! De mais, vou contar a aventura para chegar aqui vindo do Cosme Velho, poderou Machado.
– O progresso, Majestade, o progresso, a tecnologia!
Bem, subi no bonde puxado por dois burros, um à esquerda e outro à direita do condutor. Notei que os burros conversavam, mas ora o da direita ora o da esquerda levantava o tom de voz. E eu ali, sentado, cabreiro, aborrecido, mas prestando muita atenção e tentando a todo custo entender o que os burros falavam. Sim, a primeira coisa foi identificar que a língua comum era o Houyhnhnm.
Bem, os assuntos eram burrices o tempo todo e nada fazia sentido. Já na altura da Lapa, consegui me libertar deste suplício burrificante e, ao olhar para a frente, vi um bonde, já bem distante, com tração elétrica, mas este já ia bem mais acelerado e o perdi de vista. O condutor do bonde, falando uma língua que nem eu nem os burros entendíamos, balbuciou algo, mas como já estava na Carioca, nem perdi meu tempo e saltei do bonde.
A esta altura e já faminto, Lima exclamou:
– Pedrinho e Zé Bonifácio, me deêm licença porque uma bela mesa e prosa nos aguardam; vamos Machado que o Maneco, o Oliveira Lima, a Júlia Lopes e a Maria Laura nos esperam. Até outro dia, Pedrinho e Zé!
– Feliz o Lima com sua leveza e coitado do Machado que perde tempo e o bonde da história, do progresso, da tecnologia e da mais importante reforma que é a abertura econômica enquanto tem que aturar burros da esquerda e da direita falando a mesma língua Houyhanhnm e um condutor do bonde ininteligível. Bonifácio, sabe de uma coisa? Não faço mais “independências”, fui!
E José Bonifácio e D. Pedro I, às vésperas do aniversário de 200 anos da Independência do Brasil, voltaram para suas estátuas no Largo de São Francisco de Paula e na Praça Tiradentes.
(Texto ficcional adaptado de obras dos geniais Lima Barreto, Machado de Assis e Manoel de Oliveira Lima)
Luiz Henrique de F. Carneiro, empresário e economista, é formado na FEA/UFRJ, PUC/RJ e Universidade de Chicago. Seu e-mail: luiz.henrique@lvcinvestimentos.com
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