ECONOMISTA SOFRE
Marcello Averbug
Publicado no O Globo em 07/01/95
Como é ingrata a profissão de economista! Não consegue nunca desligar-se dos assuntos de trabalho, mesmo quando está em família ou com amigos.
Em uma festa, sempre encontra pessoas que cobram, até de forma agressiva, explicações sobre a situação brasileira, como se aquele economista específico fosse diretamente culpado pelos problemas do país. Nessas ocasiões, sente um ar de rancor entre os presentes, como se estivessem pensando: “esse cretino é responsável pelas minhas dificuldades e não tem capacidade de resolvê-las”.
Ou então tem que escutar sugestões descabidas de como enfrentar as mais complexas questões e, para não ofender, obriga-se a fingir que são razoáveis. Na época em que a inflação era astronômica, antes do Plano Real, minha mãe diariamente me transmitia receitas anti-inflacionárias como quem dá receita de bolo, e ainda zangava-se porque eu não as aproveitava em aulas e artigos. Minha sogra me ligava toda vez que voltava da feira e, escandalizada com os preços, dizia um monte de desaforos e batia com o telefone na minha cara.
Quando público um artigo sobre economia, acabo tendo mais aborrecimentos do que prazeres, pois recebo mais críticas do que elogios. Uns me tacham de utópico, outros de burguês reacionário e outros de esquerdista radical. E o pior é que relendo-o após sua publicação, até eu passo a detestá-lo. Meus filhos vivem dizendo que não entendem em que consiste a atividade de economista, pois apesar de existirem tantos, a situação do país está cada vez pior. Quando perguntam como acabar com a miséria e não consigo dar resposta consistente, me jogam olhares de desprezo como quem diz: esse cara é um inútil.
Também no ambiente profissional é raro conseguir descontrair, pois todo economista que se preza jamais concorda instantaneamente com as ideias dos colegas, tanto em um debate público quanto em um papo informal. Isso exige esforço constante em descobrir com rapidez argumentos geniais para evitar a submissão intelectual ao interlocutor.
Nem sempre consigo encontrar tais argumentos e, então, para não passar pela humilhação de aprovar as ideias do outro, desenvolvi a seguinte tática: dou um sorriso irônico e digo “nosso diálogo é inviável pois raciocinamos em sintonias desarmonizadas; recuso-me a abrir mão de meus princípios macro-neo-marginalistas”, e parto ligeiro para outro assunto. Até hoje ninguém perguntou que princípios são esses e por que inviabilizam o diálogo em causa; assim, tenho escapado ileso.
Outra tortura é conviver com o maldito “economês”. Por mais que me esforce em ler e estar atualizado com o jargão, o processo de criação de novos termos é tão veloz que, em reuniões de trabalho, com frequência são usados alguns que desconheço. Como é inconcebível o economista confessar ignorância em relação a qualquer assunto ou palavra, nessas ocasiões padeço driblando o risco de ser desmascarado. Ao final da reunião, sinto-me esgotado.
Ser economista no Rio de Janeiro tem outro inconveniente adicional: enfrentar a Maria da Conceição Tavares. Sempre que produzimos um texto ou palestra trememos de medo das críticas implacáveis da Conceição. Quando discorda de nossas ideias passa um baita pito fazendo-nos sentir como garoto de
10 anos. As palavras mais doces que usa são burro, imbecil e analfabeto. Depois chora de desgosto pelo tempo perdido dando aulas e conferências não assimiladas.
Percebi também que os economistas são vulneráveis a uma estranha enfermidade chamada governitose aguda. Quando não fazem parte do governo são férteis em críticas e proposições dignas de Prêmio Nobel. Porém, ao assumirem cargo público esquecem o que disseram e seguem as mesmas políticas precedentes, como se fossem atacados por um vírus que apaga suas ideias e os impregna de fórmulas padronizadas
Em vista desses fatos, estou avaliando a possibilidade de mudar de profissão. Penso em dedicar-me a uma que proporcione o prazer de desfrutar de clima acolhedor e descontraído em qualquer ambiente. Creio que algo ligado às artes ou à literatura seria ideal. Afinal, o povo ama seus artistas e escritores, não seus economistas.
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