Lula precisa defender os direitos humanos sem vieses ideológicos
Brasil deve abandonar rapidamente a política de dois pesos e duas medidas
Folha de S. Paulo, 14.dez.2022 às 21h00
Maria Laura Canineu
Diretora da Human Rights Watch Brasil, é graduada em direito e relações internacionais (PUC-SP) e mestre em direito internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra)
"O Brasil está de volta", anunciou o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante a COP-27, no mês passado. Ele disse que o país está pronto para se juntar aos esforços internacionais para enfrentar as mudanças climáticas.
O desmantelamento das proteções da Amazônia pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e a gestão lamentável da pandemia de Covid-19 causaram danos profundos à imagem do Brasil e, principalmente, aos direitos humanos. Lula precisa rapidamente resgatar a credibilidade do Brasil na cena global.
A Constituição Federal exige que os direitos humanos estejam no coração da política externa. Isso significa defendê-los de forma consistente, independentemente da ideologia política dos governos.
Bolsonaro criticou Venezuela e Cuba, mas aplaudiu líderes com claras tendências autoritárias e flagrantes abusos de direitos humanos, como Vladimir Putin na Rússia, Viktor Orbán na Hungria e Donald Trump nos Estados Unidos.
Entre 2003 e 2010, o então presidente Lula foi criticado ao permitir que afinidades ideológicas atrapalhassem sua resposta a graves violações de direitos humanos. Ele silenciou, por exemplo, quando Hugo Chávez gradativamente enfraquecia a democracia na Venezuela.
Seu terceiro mandato deveria ser diferente. Lula deveria defender ativamente a democracia e os direitos humanos independentemente de ideologia. O petista terá muitas oportunidades para fazer isso de forma consistente, começando na região. Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele tem enfraquecido as instituições democráticas e adotado políticas de segurança pública que têm resultado em violações generalizadas de direitos humanos, incluindo desaparecimentos forçados, tortura e milhares de prisões arbitrárias. Na Venezuela, na Nicarágua e em Cuba, as autoridades aprisionam sistematicamente opositores políticos, tendo eliminado a independência do Judiciário e a participação da sociedade civil.
Abordagens consistentes emergem na região. O presidente chileno, Gabriel Boric, tem condenado a esquerda por sua parcialidade em relação aos direitos humanos na América Latina. Autoridades ao redor do mundo o elogiaram por liderar uma política externa feminista e ambientalista. Lula faria bem em acompanhá-lo, criticando violações dos direitos humanos onde quer que ocorram, promovendo mulheres para postos importantes do Itamaraty e em outros cargos e ratificando o Acordo de Escazú para proteger os defensores da floresta.
Há uma expectativa de que o governo Lula busque restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela, mas deveria agir para que isso venha com avanços concretos nos direitos humanos e eleições livres e justas no país. Nesse aspecto, deveria se alinhar com outros governos da região, como a Colômbia, que tem cobrado de Nicolás Maduro compromissos de direitos humanos. Lula deveria pedir a libertação de presos políticos e avançar nas negociações do México entre o governo venezuelano e a oposição.
Outro desafio será a relação com a China, parceiro comercial mais importante do Brasil. O presidente deveria condenar os crimes contra a humanidade que atingem os uigures e outros muçulmanos turcomenos e pressionar por investigações internacionais. No contexto da violenta repressão das autoridades iranianas aos protestos iniciados em setembro, o mandatário terá a oportunidade de defender os direitos de mulheres e meninas. Em 2010, ele ofereceu refúgio a uma iraniana condenada à morte por adultério.
Enquanto se prepara para ressurgir no cenário global, o Brasil deveria adotar medidas inequívocas para consertar sua política externa e abandonar a política de dois pesos e duas medidas nos direitos humanos.
Na região e no mundo, Lula precisa promover uma política forte de direitos humanos e trabalhar ativamente com a sociedade civil local e internacional para promover segurança, justiça e igualdade para todos.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/12/lula-precisa-defender-os-direitos-humanos-sem-vieses-ideologicos.shtml
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