O MERCOSUL A PROCURA DE UM AUTOR
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 13/12/2022
No dia 1 de janeiro, Lula assume a direção da máquina burocrática brasileira com enormes desafios políticos, econômicos, orçamentários, na área de educação, saúde, ambiental, cultural e por fim, mas não menos importante, na área externa. As questões políticas pendentes no âmbito do Mercosul são um desses desafios.
O novo governo – a exemplo da Argentina - está indicando querer reabrir as negociações com a União Europeia para modificar certas decisões sobre a participação da indústria. Será que os outros concordam? A União Europeia tem dupla preocupação antes de colocar em vigência o acordo: assegurar o cumprimento das disposições sobre comércio e desenvolvimento sustentável, um dos capítulos do acordo, sem atrasar muito o já demorado processo de ratificação junto ao Parlamento Europeu. Para tanto, está sendo cogitado o fatiamento da aprovação do acordo: as cláusulas econômicas e comerciais entrariam em vigor imediatamente e as ambientais seriam mais demoradamente examinadas. Deve ainda ser lembrado que a UE está aprovando medidas restritivas a produtos agrícolas do Mercosul dentro da legislação de desmate de florestas e de descarbonização de empresas europeias (CBAM).
O Uruguai, sem nenhuma coordenação com seus parceiros, e no contexto do que chamam de flexibilização do Mercosul, tomou duas iniciativas que despertaram reações negativas dos demais membros do Grupo sub-regional: iniciou conversas isoladas para assinatura de acordo individual com a China e agora pede a adesão ao antigo acordo TPP, que inclui 11 países asiáticos, liderados pelo Japão (os EUA se retiraram e a China cogita pedir a adesão). As iniciativas do Uruguai, algumas vezes estimuladas pelo ministro Paulo Guedes, `a revelia do Itamaraty, não teriam acontecido se o Brasil não tivesse abdicado de sua liderança da América do Sul e no Mercosul. Com a volta do Brasil, como disse o presidente eleito, as duas propostas serão de alguma maneira absorvidas e não deverão prosperar. Tendo na Asia nosso principal parceiro comercial, com destaque para a China, no caso do ex-TPP, seria de nosso interesse examinar mais detidamente o assunto e talvez fazer o pedido de adesão coletivo do Mercosul. O pedido seria diplomático e levaria tempo para que os 11 países possam responder. Não haveria nenhuma negociação comercial pelo menos por um ano.
Com o Paraguai, além de projetos de fronteira que estão caminhando bem, há alguns temas difíceis que o novo governo vai ter de enfrentar logo no primeiro ano de governo: a renegociação do Anexo C do Tratado de Itaipu (não o Tratado de Itaipu) no tocante aos preços da energia gerada pela hidrelétrica, depois da finalização do pagamento em 2023 da dívida contraída para a sua construção. Em paralelo, o governo do Paraguai está pressionando o governo brasileiro para a construção de uma eclusa para permitir a total navegabilidade do Rio Paraguai, facilitando e ampliando o trânsito de mercadorias, agrícolas e minerais até os portos na saída da Bacia do Prata.
Por outro lado, a Venezuela está suspensa do Mercosul pela invocação da Cláusula Democrática, sem previsão de volta plena para o âmbito do grupo. A Bolívia por seu turno, desde o governo de Dilma Rousseff, está com seu pedido de adesão ao Mercosul parado em exame no Congresso Nacional. O novo governo brasileiro deveria encaminhar decisões a respeito dessas questões, de acordo com seu interesse, sem considerações ideológicas ou partidárias.
No tocante à União Europeia, não seria oportuno, nem condizente com nossos interesses, reabrir as negociações do acordo, o que adiaria ainda mais sua entrada em vigor. A solução de dividir o acordo aceleraria a ratificação e projetaria o Mercosul no complexo cenário internacional como uma alternativa viável para a ampliação das regras e do comércio bilateral ou regional. O Protocolo Adicional sobre as obrigações na área ambiental, se não for além do que está previsto no acordo não criaria maiores problemas. No tocante às restrições comerciais em processo de elaboração, a nova política ambiental e externa para a mudança de clima deveria ser transmitida de imediato às autoridades europeias para mostrar que elas não deveriam ser aplicadas ao Brasil pelas novas políticas ambientais de preservação da Amazônia na linha da preocupação europeia, como aliás já fizeram Noruega e Alemanha ao reconstituir o Fundo Amazônico.
Quanto à suspensão da Venezuela e a adesão da Bolívia, a simples discussão dos assuntos terá forte implicação para a política interna no Brasil e não seria oportuno acelerar qualquer decisão que promova a participação plena dos dois países, antes do encaminhamento de soluções para a democratização e o resguardo dos direitos humanos. Além disso, a volta e a entrada dos dois países não deveriam colocar em segundo plano as negociações comerciais, nem trazer de volta a experiência do Mercosul político e social dos governos anteriores do PT.
A reunião presidencial do Mercosul, realizada na semana passada, pouco acrescentou à discussão comercial e ainda agravou a tensão entre o Uruguai e a Argentina, pela ameaça de ruptura e pelos ataques do presidente argentino ao uruguaio sobre o TPP.
Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras.
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