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sábado, 18 de março de 2023

Decisões são tomadas, depois são revistas: eu e o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Decisões, consequências, revisão das posturas: três momentos diferentes, talvez similares

Paulo Roberto de Almeida 

O Brasil sempre me angustiou. Talvez por ter vindo de uma família pobre, ter começado a trabalhar muito cedo, ter também começado a ler muito cedo sobre os problemas do Brasil, o fato é que eu liguei muito cedo meu destino pessoal aos destinos do Brasil. Os motivos de minha angústia eram muito claros: quando è que cessaria aquela situação de penúria, não só a de minha família, mas a de quase todos à nossa volta, e isto não tanto por uma situação de miséria comprovada, mas de simples pobreza relativa (que foi aos poucos sendo corrigida, graças ao ingente trabalho de meus pais, de meu irmão maior e meu próprio).

O que me incomodava, ao estudar o Brasil, era o fato de avançarmos muito lentamente, a preservação da pobreza generalizada e também da miséria: aquela sensação de impotência aos erros, injustiças, desigualdades persistentes. Como disse alguém, o Brasil não perdia oportunidade de perder oportunidades. Daí a minha revolta.

Redescobri hoje, 18 de março de 2022, um texto que escrevi um ano e meio atrás, em outubro de 2021, ainda em meio ao pior governo que tivemos a desventura de enfrentar em toda a nossa história, relatando três momentos em que tive de tomar decisões, a primeira relativamente à minha vida de iniciante de graduação em meio à ditadura militar, as duas seguintes já no quadro da carreira diplomática, quando decidi expressar minha opinião quanto aos rumos da política externa, tendo por isso sofrido retaliações, que impactaram, todas as três ocasiões, minha vida e minha carreira. Não me arrependi, e provavelmente teria tomado as mesmas decisões em outras circunstâncias, pois elas não dependeram apenas do momento, pois responderam a questões de princípios e valores, a uma questão de caráter: opor-se a uma ditadura militar, apontar deformações na diplomacia e na política externa e com isso sofrer as consequências do ostracismo funcional.

Transcrevo abaixo esse texto, e me pergunto se a angústia com nova sensação de perda de oportunidade pelo Brasil não me obrigará, novamente, a expressar minha opinião e minhas considerações refletidas e ponderadas sobre os presentes descaminhos na política interna (sobretudo econômica e parlamentar) e na política externa e na diplomacia. Numa fase de escritura de memórias, rememorar decisões anteriores também constituem uma forma de testemunho pessoal sobre eventos e processos que impactaram todos, no Brasil e, no meu caso, no Itamaraty.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 18 de março de 2023

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Blog Diplomatizzando

Três decisões conscientes, em três momentos de meu itinerário acadêmico-profissional - Paulo Roberto de Almeida

 Três decisões conscientes, em três momentos de meu itinerário acadêmico-profissional

Paulo Roberto de Almeida

Nos anos de chumbo da ditadura militar, a decisão de resistir ao arbítrio até onde foi possível, sob risco de prisão e tortura: sair num autoexílio para a Europa, sem dinheiro e sem destino certo; quase um ano vagando até encontrar condições de trabalhar e de retomar os estudos de graduação, interrompidos no meio do segundo ano de Ciências Sociais da USP, curso que tivera seus principais professores aposentados compulsoriamente pelo AI-5.

No momento do entusiasmo e adesão oportunista ao início do reinado lulopetista, a decisão de continuar expressando minha avaliação sincera, de caráter objetivamente acadêmico, sobre os equívocos da “nova política externa”, autocongratulatória, em torno dos duvidosos postulados da chamada “diplomacia Sul-Sul” e do apoio efetivo às mais execráveis ditaduras (desde que fossem de “esquerda”), o que resultou em veto formal para dirigir o mestrado em diplomacia do Instituto Rio Branco, seguido de um ostracismo de longos anos para qualquer cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores durante todo o reinado dos companheiros.

Ao final do governo de transição, depois do impeachment de 2016, e na vitória dos novos bárbaros, a decisão de continuar expressando minha opinião sobre os desvios na postura diplomática, que recém se anunciavam, os mais bizarros e de fato esquizofrênicos, numa Era dos Absurdos jamais vista no Itamaraty, o que resultou na exoneração do único cargo obtido depois de 13,5 anos de travessia do deserto, o de Diretor do IPRI da Funag, mas também no assédio moral e financeiro, acarretando grandes perdas funcionais e materiais, que se estenderam desde o início do reinado dos novos bárbaros e indefinidamente.

Três decisões, em três momentos completamente diferentes da vida do país, mas que tiveram uma mesma resposta, reafirmada e conscientemente adotada: a resistência contra o arbítrio da ditadura, contra o sectarismo dos companheiros e contra a estupidez dos novos bárbaros, da qual nunca me arrependi, e à qual retornaria sem hesitação, caso as situações fossem as mesmas (o que, no terceiro momento, ainda é o caso).

Resistência é o conceito genérico, mas o que sempre esteve na origem da postura foi basicamente uma questão de caráter: a honestidade intelectual, a que me leva a necessidade de colocar a defesa do livre arbítrio contra o arbítrio dos poderosos.

Nunca se tratou apenas de adesão a um contrarianismo sem princípios, mas de recusa do adesismo oportunista, de escolha do ceticismo sadio contra conveniências de um momento, de uma postura de independência de pensamento e da liberdade de expressão, de uma postura de preferência por remar contra a corrente da manada, ainda que com custos a pagar pela atitude anarquista ao estilo “ni Dieu, ni Maître”.

Faria igual, se as mesmas circunstâncias se apresentassem novamente, o que nunca deixei de fazer, como explicitamente afirmado e reafirmado desde meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando (nos dois episódios do período mais recente), assim como por meio de muitos escritos com “nom de plume” durante a ditadura militar, que serão resgatados oportunamente, mas também por vários outros escritos anônimos e “terceirizados” em tempos não convencionais. 

Como diriam alguns, a luta continua, sem cessar, pois não há dignidade em trair a sua própria consciência. Liberdade de consciência e de expressão não são apenas cláusulas de declarações eventualmente relembradas no papel, mas decisões de moto próprio, a serem implementadas concretamente. Desde que as ações sigam as palavras, obviamente…

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 11/10/2021


Ainda hoje (18/03/2023):

Não é o caso, ainda, de adotar uma postura de oposição ao que se vê, ao início de um novo governo, mas a sensação de nova perda de oportunidades torna-se cada vez mais clara, na frente interna e na externa. Daí a angústia renovada. Mas, continuarei ponderando.


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