Lula tem certeza de que seria uma boa ideia colocar o Brasil do lado da Rússia e da China na construção de uma nova ordem mundial?
Paulo Roberto de Almeida
“Só haverá paz na Ucrânia com uma nova ordem mundial.” (Sergey Lavrov, chanceler russo)
Aproximadamente um mês antes de visitar o Brasil, em 17 de abril de 2023, o chanceler russo Sergey Lavrov condicionou qualquer negociação de paz no quadro da guerra de agressão que seu país conduz contra o país e o povo da Ucrânia ao estabelecimento de uma “nova ordem mundial”, o que pode parecer um exagero, tendo em vista que se trata de um conflito regionalmente localizado entre o principal país herdeiro do finado império soviético, a Federação Russa, e uma das antigas repúblicas integrantes da mal chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a vizinha Ucrânia. Considerando, entretanto, que a Rússia afirma estar lutando contra o expansionismo da Otan – a Organização do Tratado do Atlântico Norte, fundada em 1949 para justamente constituir uma defesa dos países da Europa ocidental contra uma possível ameaça de invasão do Exército Vermelho –, talvez a afirmação não seja de todo despropositada.
A Rússia do neoczar Vladimir Putin (desde 2000 no poder, sucedendo a Ieltsin, com uma potencial permanência até 2036, mais do que o antigo ditador Stalin) está visivelmente empenhada em restabelecer sua centenária dominação e influência sobre todos os países vizinhos que antigamente pertenceram ao antigo império czarista, ou depois, ao seu sucessor expansionista, o império soviético, a saber: ao Norte: Finlândia e países bálticos, ex-integrante do império czarista; a Oeste: domínios do antigos impérios austríaco e prussiano da Europa central e oriental, passando pelos Cárpatos e planícies da Hungria; e ao Sul, em direção dos Balcãs, do Ararat, no entorno do mar Cáspio, e em direção das ex-satrapias soviéticas da antiga Rota da Seda da Ásia central, e até quase a Pérsia, sem esquecer as aventuras no Afeganistão e na Síria.
Em 2005, numa declaração ao Parlamento russo, Putin afirmou claramente que o colapso da União Soviética tinha sido “a maior catástrofe geopolítica do século” e “uma tragédia para os russos”. Dois anos depois, dirigindo-se diretamente aos países ocidentais na conferência sobre segurança de Munique, em fevereiro de 2007, Putin alertava duramente os países ocidentais com respeito às preocupações de segurança de seu país, antecipando claramente o que estava decidido a empreender, contra a Georgia, em 2008, a Moldávia (ocupação da Transnístria por forças russas) e já contra a Ucrânia, na Crimeia, em 2014, e finalmente pela invasão total do país em fevereiro de 2022.
Não cabem dúvidas, portanto, que existe uma intenção e um projeto do neoczar, num estilo brutal similar ao de Stalin (embora sem Gulag), de não só garantir um glacis, um colchão de segurança nas fronteiras da Rússia ampliada, mas também de estender a influência da Rússia, projetando o seu poder bruto nas cercanias do antigo império czarista e russo, e até mais além, em direção do Oriente Médio e outras paragens que se apresentem. Putin tem um projeto que é exatamente o inverso da antiga proposta kantiana de “paz perpétua”, baseada no Estado de direito e no respeito da soberania, sendo antes uma vontade de “guerra eterna”, ao estilo dos primeiros czares da Moscóvia em formação. A Ucrânia, que esteve justamente na origem cultural e religiosa da Rússia medieval, foi a mais recente vítima dessa ambição desmedida por poder e influência.
Volto a perguntar: Lula tem certeza de que prefere ver o Brasil associado a tais aventuras de rompimento da ordem mundial estabelecida?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de abril de 2023.
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