Política externa brasileira: da atual para uma necessária
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor;
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com).
Retrocessos institucionais e diplomáticos no período recente
O Brasil conheceu, desde 2019, um processo de deterioração da qualidade de suas políticas públicas, a começar pelo fato de que, justamente, o país nunca exibiu, nesse período, um programa definido de políticas gerais ou setoriais em direção a metas ou objetivos claramente explicitados. O que tivemos, mais propriamente, foi uma ruptura com padrões usuais de governança, parcialmente na economia, enganosamente na política – que, a despeito dos anúncios iniciais, voltou ao velho padrão da “velha política” – e, bem mais nitidamente, em áreas setoriais, como meio ambiente, direitos humanos, cultura e educação e, sobretudo, nas relações exteriores, todas elas contribuindo para uma deterioração excepcional da credibilidade brasileira no plano internacional. Poucas dessas rupturas superam o desastre incomensurável que tem sido o rebaixamento da imagem do Brasil no ambiente externo e uma perda de qualidade notável da ação externa da diplomacia profissional, mas não obviamente por sua própria culpa.
A maior parte desses problemas deriva dramática incapacidade do presidente de não só não corrigir os problemas apontados por observadores isentos, mas de criar novos problemas e agravar os existentes, numa dramática demonstração de ausência de governança. Na área do meio ambiente, essa extraordinária capacidade de criar problemas para si próprio e para o país foi evidente, pois o que se registrou foram recordes seguidos de destruição ambiental, sobretudo na Amazônia, que estão justamente no cerne das críticas internacionais à atual postura do governante brasileira, ademais de seus reiterados ataques ao sistema democrático do Brasil, especialmente em relação ao seu fiabilíssimo sistema eleitoral.
O próximo governo terá de efetuar uma revisão dos conceitos básicos da atual diplomacia, com a adoção de uma política externa que vise a recuperação da credibilidade externa do país. Os eixos principais são, na área política, um retorno ao multilateralismo com base no Direito Internacional e em princípios e valores tradicionais de nossa diplomacia; na área econômica, cabe perseguir a inserção do país na economia global, por meio da abertura econômica geral e da integração regional. Caberia, igualmente, proceder à revisão das atuais “alianças estratégicas” num sentido puramente pragmático, não mais ideológico.
A vertente econômica de uma nova postura internacional para o Brasil
A revisão dos conceitos básicos da política externa deve ter, portanto, o objetivo da plena inserção do Brasil na globalização. A incorporação do país aos padrões de governança econômica da OCDE pode ser um bom começo para a consecução de tal meta, no passado recusada pelos governos lulopetistas por puro preconceito contra o que se julgava ser, equivocadamente, um “clube de países ricos”, quando a organização de Paris é, desde muito tempo, um “clube das boas práticas”. A justificativa alegada para tal recusa era a defesa de espaços soberanos de políticas nacionais visando o desenvolvimento do país. Ora, a soberania sequer necessita ser objeto de retórica – como foi o caso dos governos de esquerda ou de direita –, pois ela se exerce, simplesmente, por meio de políticas conducentes justamente à prosperidade nacional, atualmente indissociáveis da interdependência global.
A evolução das relações econômicas internacionais foi sensivelmente deteriorada pela política antimultilateralista do governo Trump, com a marginalização indesejável da OMC e uma postura defensiva em relação à ascensão da China nos circuitos da globalização, que foi parcialmente revertida (contra os interesses das próprias empresas americanas. Não existe espaço, no horizonte previsível, para grandes negociações no plano multilateral, sugerindo-se novos acordos bilaterais, que passam necessariamente por um novo perfil da política comercial do Brasil, com ou sem revisão do Mercosul em torno de seu eixo básico (que é, atualmente, o da união aduaneira, não o de uma zona de livre comércio). A exposição do setor produtivo à concorrência internacional – benéfica em si, para os próprios produtores e consumidores – requer a redução da carga tributária no plano interno, e uma reforma não pode ser feita sem a outra, sob risco de desmantelar ainda mais as empresas nacionais do setor manufatureiro.
Um exercício positivo, nesse sentido, embora sem qualquer reforma tributária interna, foi a conclusão do acordo Mercosul-União Europeia, mas prejudicado em sua ratificação e entrada em vigor pelas políticas antiambientais do governo Bolsonaro. Cabe justamente não esquecer que o Mercosul, assim como a UE, é uma personalidade de direito internacional, como tal reconhecido no âmbito da governança econômica global, constituindo, assim, um patrimônio bastante útil no seu reforço institucional com vistas a criar um espaço econômico integrado em esfera continental (da América do Sul).
O Mercosul – ademais de eventuais arranjos unilaterais que possam ser feitos em paralelo ao seu processo de revisão, como efetuado atualmente pelo Uruguai com seu objetivo de concluir um acordo de livre comércio com a China – não é, nunca foi, culpado pelo fechamento comercial do Brasil, ou por suas disfunções acumuladas ao longo dos anos, geralmente por distorções criadas em âmbito nacional e por descumprimentos das obrigações institucionais por parte de seus dois maiores países membros, o Brasil e a Argentina. Se e quando esses dois países resolverem cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado original, ele voltará a ser uma base para a integração mundial das economias dos países membros. Um sólido diálogo entre os maiores países deveria permitir superar as dificuldades atuais e caminhar no sentido do reforço do Mercosul, não do seu desmantelamento.
Não obstante, caberia efetuar um exame profundo das opções estratégicas do Brasil em matéria de política comercial, para decidir, a partir daí, se cabe reformar o Mercosul, ou caminhar no sentido da independência total nesse terreno. Essa é uma agenda aberta, mas que ainda não recebeu a atenção devida, dada a descoordenação existente entre os diversos ministérios envolvidos nessa frente, mas sobretudo pela ausência de um diálogo consistente com os principais atores da economia nacional, os agentes privados conectados ao comércio exterior e a uma agenda de produtividade e de inserção do Brasil na economia global.
A dimensão política universalista de uma nova política externa
A diplomacia do Brasil sempre foi universalista, focada no interesse nacional e no direito internacional. O multilateralismo é uma de suas bases inquestionáveis, assim como a ausência de quaisquer limitações de ordem ideológica na definição dos grandes objetivos na frente externa. Tal postura foi sendo progressivamente construída, desde os tempos da ditadura militar, pela qualidade indiscutível de sua diplomacia profissional, mas se fortaleceu amplamente no período democrático, com o pleno engajamento do Brasil em vertentes anteriormente difíceis em sua agenda externa – como meio ambiente e direitos humanos, mas também integração regional –, o que, conjuntamente com a estabilização macroeconômica do Plano Real, permitiu que o Brasil ganhasse ampla credibilidade internacional nos anos 2000.
A política externa do lulopetismo, no entanto, conduziu o Brasil a coalizões político-diplomáticas definidas a partir de uma visão partidária deformada das relações internacionais do país, uma vez que baseada na miopia de um “Sul Global” que não existe, a não ser nas concepções ideológicas de seus promotores. O governo bolsonarista apenas desmantelou, parcial ou totalmente, os esquemas existentes, sem colocar absolutamente nada em seu lugar, a não ser uma política de aliança submissa em relação ao governo americano anterior (o de Donald Trump) e com regimes similares ou de orientação iliberal e direitista.
A revisão dos padrões impostos à diplomacia profissional desde o início do século implica, em grande medida, uma revisão profunda das grandes escolhas estratégicas do Brasil na arena mundial. Mas um retorno, pelo provável próximo governo, às opções conhecidas em suas escolhas anteriores, pode redundar, no âmbito regional, no estreitamente de relações com governos de esquerda – em lugar do pragmatismo econômico –, assim como, no plano global, no reforço de uma aliança com a coalizão do BRICS, cuja vocação original para a cooperação econômica tem sido atualmente distorcida pela vontade das duas grandes potências não democráticas de reforçarem essa base organizacional – e até ampliá-la – para o objetivo duvidoso de se construir uma “ordem global” alternativa ao Ocidente, como se o distanciamento em relação às democracias de mercado fosse do interesse do Brasil. A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia criou uma nova situação nas relações internacionais que precisa ser cuidadosamente examinada pelos novos planejadores diplomáticos, de maneira a não fazer do Brasil um mero pião de objetivos nacionais de certos membros do BRICS que não são, e não podem ser, os do Brasil, sobretudo tendo-se em conta a histórica e profunda adesão do país a princípios doutrinais que já tinham sido expostos por Rui Barbosa no início do século XX, depois reafirmados por estadistas do porte de Oswaldo Aranha, no fragor da Segunda Guerra Mundial, assim como por Afonso Arinos de Melo Franco e por San Tiago Dantas no início dos anos 1960.
A circunstância externa do Brasil: uma geografia que precisa ser trabalhada
O filósofo espanhol Ortega y Gasset, escreveu, nas suas Meditaciones del Quijote (1914), uma frase constantemente repetida pelos admiradores: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo, eu tampouco me salvo.” Cabe, com efeito, atribuir forte importância à geografia, que pode ser considerada como a circunstância inevitável no plano das nações ou, mais precisamente, dos Estados e sua geopolítica. Em outros termos, os Estados podem escolher a sua organização interna, na esfera política e econômica, e sobretudo suas relações externas, mas eles não podem escolher a sua geografia. Ela lhes é dada pela história, ou seja, pelo longo desenvolvimento de um povo – ou vários deles – num determinado território, partindo dessa condição primária para constituir uma nação, ou um Estado, ou seja, a representação dessa nação no âmbito regional e internacional.
A circunstância geográfica do Brasil, a sua projeção estratégica – para usar um conceito dos geopolíticos – se estende não muito naturalmente pelos vastos espaços da América do Sul, e não muito além disso. Não naturalmente, pois que existem as barreiras naturais da selva amazônica, dos contrafortes andinos, do próprio pantanal e da quase total ausência de facilidades de comunicações terrestres ou mesmo fluviais nos vastos ermos de nosso heartland, o cerrado central, penosamente acessados apenas pelos grandes rios da bacia amazônica, ao norte, e da bacia platina, ao sul. Nessa região se situava, justamente, o espaço natural de projeção do poder instalado na costa atlântica do Brasil, tanto que a metrópole portuguesa tentou por diversas vezes assenhorear-se da margem superior do Prata, instalando uma colônia em Sacramento e depois lutando contra os castelhanos para tentar manter a província oriental, ou cisplatina, ou pelo menos garantir a livre navegabilidade dos rios da bacia do Prata, como única maneira de alcançar a província do Mato Grosso.
Como não se pode discutir com a geografia – pois ela existe, simplesmente, como dizia o teórico geopolítico Spykman –, se pode tomar como natural uma política externa do Brasil que buscasse construir um vasto espaço econômico integrado no coração da América do Sul, pela liberalização recíproca dos mercados e pela própria abertura até unilateral dos seus próprios mercados a todos os vizinhos regionais. Ou seja, construindo um espaço natural de projeção econômica, política e cultural do Brasil no seu entorno imediato, garantindo paz, segurança e prosperidade na América do Sul, os espaços “externos” seriam alcançados para fins de desenvolvimento econômico e social, mobilizando capitais, tecnologia, recursos de todos os tipos para conectar nossa economia, e a do espaço de integração liderado pelo Brasil, à dos grandes centros dinâmicos da economia global.
Tal seria a conformação de um relacionamento exterior, regional, continental e mais além, totalmente compatível com nossa dotação de fatores, nossas vantagens comparativas, nossa capacidade competitiva e nossas ambições diplomáticas de desempenhar um papel positivo em nosso “ambiente natural” – as circunstâncias geográficas – e mais além, em outros quadrantes de um planeta ainda muito desigual, mas vocacionado ao crescimento e à prosperidade, desde que as grandes potências, as economias avançadas, mas também as potências médias, como o Brasil, se concertassem em garantir paz e segurança – como rezam os primeiros artigos da Carta da ONU – e, a partir daí, traçar um vasto plano de eliminação da miséria, de redução da pobreza, e de cooperação ampliada visando elevar os indicadores de bem-estar de imensos contingentes dos povos e nações do planeta.
A circunstância geográfica do Brasil recomendaria, portanto, uma dedicação especial de sua futura diplomacia no sentido de recompor as bases de uma liderança natural, que se exerceria a partir de um amplo projeto de abertura econômica – unilateral, se for o caso – em direção dos países vizinhos do continente sul-americano, como a base indispensável para sua projeção global. Mas, não contente de dispor dessas “vantagens comparativas regionais” no continente, a antiga diplomacia lulopetista decidiu empreender novos saltos extrarregionais de puro voluntarismo diplomático internacional, primeiro congregando dois outros sócios no projeto do IBAS, a Índia e a África do Sul, depois se lançando com a Rússia, na construção do BRICS, que incorporou a China – sempre propensa a se utilizar de novos tabuleiros para seu projeto de preeminência global –, ambos carentes de estudos técnicos compatíveis com as prioridades econômicas e diplomáticas do Brasil, apenas respondendo a aspirações grandiosas de projeção internacional do então chefe de Estado.
A questão mais crucial da agenda internacional e os desafios diplomáticos do Brasil
Depois da invasão e anexação ilegais da península da Criméia, juridicamente sob a soberania da Ucrânia, em 2014, pelo governo de Putin, a nova decisão do líder russo de empreender uma guerra de agressão contra o país vizinho, em fevereiro de 2022, acelerou alguns desenvolvimentos que já se processavam no ambiente internacional, mas sobretudo criou uma nova agenda nas relações internacionais que coloca o mundo ante uma nova divisão geopolítica que se pensava superada na década final do século XX. Depois de quase meio século de um cenário bipolar – confrontando dois sistemas políticos e econômicos antagônicos, o mundo parecia encaminhar-se para uma “nova ordem internacional”, de impulso à globalização sobre a base de sistemas de mercados razoavelmente ancorados na ordem econômica de Bretton Woods: o multilateralismo econômico fundado num consenso básico em torno dos intercâmbios abertos administrados pela tríade FMI-BM-OMC.
No máximo, a antiga guerra fria geopolítica tinha dado lugar a uma nova guerra fria econômica, caracterizada pelo encolhimento geográfico e econômico da antiga União Soviética e pela irresistível e extraordinária ascensão econômica da China, impulsionada desde sua adesão ao GATT-OMC em 2001. Mas, o que foi chamado de “unilateralismo arrogante” por parte dos Estados Unidos, na última década do século XX, assim como sua postura paranoica de considerar a China um “adversário estratégico”, incitou esta última a rever sua posição mantida desde os anos 1970 (ou talvez até antes), de ver nos EUA um possível aliado na confrontação que ela mantinha com a União Soviética – por diversos motivos, inclusive territoriais – e de passar a reinserir o gigante americano no rol das antigas potências ocidentais que pretendiam manter o gigante asiático – quando este era o “homem doente” da Ásia – numa espécie de continuidade do “século de humilhações”.
O que ocorreu a partir daí foi uma reaproximação entre as duas grandes autocracias socialistas do passado, mediante diversos mecanismos – entre eles o próprio BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai –, até resultar na “aliança sem limites” proclamada por Xi Jinping junto a Putin, menos de um mês antes da invasão selvagem das forças russas contra a Ucrânia. Essa quase repetição da invasão da Polônia por Hitler, em 1939, criou uma nova situação internacional que colocou o Brasil em face de dilemas que não tinham sido registrados desde aquela época da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, mesmo a ditadura do Estado Novo, depois do atropelo feito contra a Constituição de 1934, substituída pela “polaca” de novembro de 1937, não ousou contrariar a doutrina jurídica seguida sem hesitações pela diplomacia brasileira desde o Império: o Brasil não reconheceu a suserania nazista sobre a Polônia, assim como não reconheceu a incorporação dos três Estados bálticos ao império soviético em 1940, pois que tais usurpações do Direito Internacional tinham sido efetuadas por meio da força bruta, tal como se processou no caso da anexação russa da Crimeia, em 2014, e na subsequente invasão da Ucrânia oriental, assim como do resto do país, em 2022.
Registre-se que, em 2014, o governo Dilma Rousseff, provavelmente em função do BRICS e mais especialmente pelas relações pessoais travadas entre Lula e Putin desde antes do início desse grupo, em 2009, jamais tomou a posição que seria de se esperar da adesão do Brasil e de sua diplomacia aos sagrados princípios do Direito Internacional ou, mais simplesmente, dos dispositivos da Carta das Nações Unidas que proíbem guerras de agressão. O mesmo pode ser dito do cenário atual, marcado por flagrantes violações da Carta da ONU e, mais ainda, por crimes de guerra, por crimes contra a paz e, possivelmente, até por crimes contra a humanidade, os mesmos que conduziram líderes civis e militares nazistas, em 1946, ao Tribunal de Nuremberg. O Brasil aderiu, formalmente, às resoluções do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e do Conselho de Direitos Humanos da ONU, censurando a Rússia pela invasão, mas jamais a condenou diretamente pelas cruéis violações dos tratados internacionais, das leis da guerra e dos protocolos humanitários.
Ainda que conclamando a uma “cessação das hostilidades” – como se estas fossem recíprocas –, ou apelando a uma solução pacífica do conflito, tendo em conta as “preocupações de segurança das partes” – como se a Ucrânia tivesse, em algum momento criado qualquer insegurança para o seu poderoso vizinho –, o Brasil se opôs terminantemente à imposição de sanções contra a Rússia, como adotadas pelos países aderentes aos artigos pertinentes da Carta da ONU – apenas que de forma unilateral, em vista do uso abusivo do direito de veto pela Rússia –, assim como também se opôs ao apoio militar à Ucrânia agredida, como se esta devesse simplesmente se render em face da maciça ofensiva militar decretada pelo líder saudosista do antigo império russo e soviético.
Em outros termos, tanto a atual diplomacia bolsonarista, como a possível futura diplomacia lulopetista se colocam, objetivamente, numa posição “solidária” a Moscou, ainda que disfarçada por uma “neutralidade” hipócrita, ou mais exatamente por um “equilíbrio” deformado e enviesado, em nome de interesses oportunistas vinculados ao aprovisionamento em fertilizantes e combustíveis. Tais posturas, à luz de nossas tradições de respeito irrestrito ao Direito Internacional, ou às mais elementares regras de boa conduta nas relações externas, todas elas inseridas em dispositivos pertinentes da Carta da ONU e da Convenção de Viena de 1961 sobre relações diplomáticas (entre outros instrumentos doutrinais e principiológicos do sistema internacional), chocam pela indiferença demonstrada em relação a esses antigos princípios e valores da diplomacia tradicional brasileira, pela atual e pela provável futura orientação de política externa no tocante ao mais grave problema da comunidade mundial na presente conjuntura.
Se o atual governo permanece indiferente ao suplício de um povo e de uma nação, cabe esperar que um governo compatível com aquelas velhas tradições doutrinárias e universalistas da diplomacia brasileira revise tal posição, em nome do conceito e da imagem externa do Brasil, e que passe a restaurar o prestígio internacional do país, tão duramente conquistado ao longo de décadas, ou mesmo em dois séculos, de paciente construção de uma diplomacia caracterizada pela sua fidelidade aos grandes princípios do Direito Internacional, características que foram terrivelmente abaladas nos últimos quatro anos. Como se pode constatar, não é apenas a democracia que vem patinando no Brasil atual, mas também a sua política externa, para maior angústia da diplomacia profissional. Este é, provavelmente, o maior desafio que se apresenta a uma futura diplomacia compatível com nossas tradições.
Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, é autor de diversos livros sobre a política externa e a história diplomática brasileira, entre eles Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império(3ª edição: Brasília, Funag, 2017), Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021) e A Grande Ilusão do BRICS e o universo paralelo da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, Kindle, 2022).
[Brasília, 4208: 28 julho 2022, 8 p.]
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