quarta-feira, 20 de março de 2024

“Rouba mas gera crescimento’”? Não é bem assim - Bernardo Guimarães (FSP)

 20mar24/ Folha de São Paulo

Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP 

O argumento 'rouba mas gera crescimento' não se sustenta 

Empresas que vivem da corrupção limitam o crescimento da produtividade 

Eis a Odebrecht na praça outra vez. Como noticiou a Folha, a empresa, com novo nome, está liderando a disputa para retomar as obras da refinaria Abreu e Lima, da Petrobras.

A força da Odebrecht para liderar propostas para licitações bilionárias, dez anos depois do início da Lava Jato, toca em questões econômicas importantes ligadas à operação.

Uma discussão é sobre punição às empresas. Um argumento é que as pessoas deveriam ser punidas por corrupção, mas as empresas deveriam ser preservadas. Há importantes questões jurídicas aqui (sobre as quais não me cabe opinar), mas a base do argumento é econômica: a ideia é que a quebra dessas empresas reduziria a produtividade e, portanto, teria um impacto econômico negativo. 

Faz sentido esse ponto? Depende do que faz empresas como a Odebrecht serem líderes nesse setor.

Começo pelo argumento favorável.

Se uma grande empresa de engenharia se desfaz, os profissionais continuam existindo, mas a empresa perde a estrutura organizacional e o que fazia o todo ser maior que a soma das partes.

Com o tempo, esses profissionais acabarão se juntando em outras empresas, mas pode ser custoso e difícil replicar a estrutura que fazia o time jogar tão bem anteriormente.

Se é isso o que fazia a Odebrecht vitoriosa, a empresa ser muito produtiva, capaz de fazer obras com qualidade a um custo menor que as alternativas. Isso se traduziria em bons preços para quem a contratava.

Em 2005, o custo estimado da refinaria Abreu e Lima era de US$ 2,5 bilhões; agora, passa de US$ 20 bilhões. Adriano Pires, Luana Furtado e Samuel Pessoa estimaram que o custo de construção da refinaria por unidades de barril de petróleo foi 5 a 7 vezes superior ao custo de outras construídas na época pelo mundo.

Pode ser que, se não fosse a tecnologia organizacional da Odebrecht, o custo seria ainda maior (por exemplo, porque nossos profissionais seriam muito improdutivos). Mas haveria uma explicação alternativa pelo sucesso da empresa? Uma compatível com preços altos?

Bem, vamos supor que a força da Odebrecht fosse a capacidade de ganhar obras a um preço alto, por conta de conexões políticas.

Por exemplo, a empresa poderia ter um esquema bem organizado para transferir recursos para inúmeros políticos. Assim, ela criaria uma reputação de boa pagadora de propinas. Estes, em contrapartida, influenciariam concorrências e licitações de modo a favorecê-la.

É uma hipótese.

Uma implicação é que a empresa ganharia muitas concorrências a preços altos.

Outra implicação é que o tão falado argumento de perda de produtividade ocasionada pela quebra dessas empresas cai por terra.

Qualquer realocação de recursos na economia tem custo. Novas tecnologias, por exemplo, mudam a natureza dos empregos, exigem a realocação de pessoas em outras empresas. E tudo isso toma tempo e tem um custo no curto prazo. Esse tipo de custo estaria presente com a quebra de empresas cuja vantagem comparativa fosse a capacidade de ganhar concorrências baseada em esquemas de corrupção.

Esse, porém, é um custo que queremos pagar. É parte do processo de destruição criativa pelo qual passa a economia.

Empresas que têm como vantagem comparativa as ligações com políticos e a corrupção não são especialmente produtivas, mas ganham concorrências. Se elas não existissem, haveria mais espaço para o crescimento de outras mais produtivas e mais incentivos para o investimento em ganhos de produtividade. É isso que gera crescimento.

Em suma, o argumento ‘rouba mas gera crescimento’ não se sustenta.


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