quinta-feira, 1 de agosto de 2024

A QUESTÃO DA UCRÂNIA – EVENTUAL RETORNO DA BELARUS COMO CENTRO DE NEGOCIAÇÕES - Paulo Pinto

A QUESTÃO DA UCRÂNIA – EVENTUAL RETORNO DA BELARUS COMO CENTRO DE NEGOCIAÇÕES

Paulo Pinto
Embaixador do Brasil aposentado. Percursos diplomáticos diferenciados.

O ingresso da Belarus, no mês passado, na “Shanghai Cooperation Organization” (SCO), foi noticiado apenas como fato de que “mais um governo autoritário” aderia a projeto sino-russo para o controle sobre a Ásia Central.

Peço vênia para refletir sobre como a adesão de um “país europeu” à SCO reforça a possibilidade de que Minsk (capital bielorrussa) recupere a credencial para sediar - conforme ocorrido entre 2014 e 2022 - processo de negociação com vistas ao término do conflito russo-ucraniano.

Seria, nessa perspectiva, um compromisso para que as partes envolvidas no conflito venham a sentar-se ao redor de uma mesa que já serviu, na mesma cidade, durante o período assinalado acima, para que, então, se decidisse quanto a uma agenda a ser aceita pelos combatentes.

Simbolizaria, também, a abertura de espaços a articulações para a solução de conflitos, que não se resumam à disputa entre formas de governança ou modelos econômicos predominantes no ordenamento mundial vigente a partir de 1945, com a fundação da Organização das Nações Unidas.

Nas palavras do Embaixador Celso Amorim, “o mundo não pode mais ser visto e ditado pelo G-7”, referindo-se ao grupo das sete nações mais desenvolvidas do mundo. Caberia, assim, pensar na reforma dos foros de poder global, como a ONU, para garantir maior participação de países que não apenas as grandes potências ocidentais. Seria possível, nessa perspectiva, voltar a refletir sobre propostas recentes para a solução de guerras atuais, no âmbito e envolvendo atores de suas respectivas regiões.

Para a análise desta hipótese, cabe, inicialmente, lembrar que a SCO – citada no parágrafo inicial - pretende contribuir, segundo visão de Moscou e Pequim, para uma “nova ordem internacional”. Este processo afetaria o espaço chamado de “Eurásia”, sob os auspícios de Rússia e China.

Uma vez formalmente integrada, Minsk, capital europeia naquele bloco euroasiático, poderia retomar a condição de sede – sem ser protagonista principal – de negociações envolvendo a Rússia, um dos patrocinadores principais do projeto eurasiano. A Ucrânia, neste caso, é vítima de objetivo de Moscou que, pela força, pretende incluí-la nesta proposta de ordenamento internacional, sem que sejam considerados valores mundialmente conquistados, como o respeito à integridade territorial.

Isto é, durante sua reunião de cúpula anual, realizada em julho, no Cazaquistão, dirigentes russos e chineses, buscaram transformar a SCO de um “bloco de segurança regional” em área geopolítica para chamar de sua, regida por instituições políticas com características distintas das que regem grupos de países do chamado “mundo ocidental”.

Não se trata, nessa perspectiva, apenas da integração de mais um parceiro de governo autoritário, como ocorreu com o Iran, que aderiu à SCO no ano passado. A Belarus, segundo seus vizinhos ocidentais, é regida também por governo autoritário, mas situa-se na “fronteira da Europa Ocidental com a Rússia” (conforme a definem capitais da Europa Ocidental). Fica fortalecido, assim, o conceito “eurasiano” da SCO.

Caberia recordar as linhas gerais da evolução das siglas e agrupamentos regionais objetos desta reflexão. Assim, em 1996, formalizou-se a cooperação entre China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão num “Grupo dos Cinco de Xangai”. Em 2001, evoluiu-se para a já mencionada Organização para Cooperação de Xangai (na sigla inglesa SCO).

A SCO foi criada, sob a liderança de Pequim e participação de Moscou e capitais dos países acima mencionados, com o objetivo de combater eventual instabilidade na Ásia Central, enquanto mantinha afastada a influência de “atores externos”, tais como a União Europeia e os EUA. É possível enfatizar que, gradativamente, a SCO evoluiria - conforme se busca identificar neste texto – no sentido de foro ideal para solução de conflitos envolvendo a Rússia, como a questão atual da Ucrânia.

A SCO também objetiva a “facilitação de ações conjuntas que visem o fortalecimento da paz e a promoção da segurança e estabilidade”. Quando de sua criação, a organização foi motivada pela “Guerra contra o Terror” desencadeada pelos Estados Unidos e OTAN, após os ataques contra as Torres Gêmeas em Nova York.

Moscou e Pequim, então, consideraram que as represálias contra organizações terroristas islâmicas transnacionais apareceram como uma espécie de “guerra civilizacional”, que poderiam radicalizar grupos islâmicos, então tidos como moderados, em seus respectivos territórios, como movimentos separatistas em Chechênia e Xinjiang.

Nessa perspectiva, cabe lembrar que, segundo alguns setores de opinião, Moscou continuaria a apegar-se à noção de que um ordenamento mundial, que lhe seja conveniente, exigiria a manutenção de seu controle sobre a Eurásia, particularmente no que diz respeito aos antigos participantes da URSS, no contexto das preocupações de segurança herdadas do Império Russo e da União Soviética.

A Rússia, portanto, não trata os “Estados pós-soviéticos” como realmente soberanos e Moscou acredita permanecer no direito de ditar-lhes escolhas políticas. Explica-se, assim, a intervenção russa na Georgia, em 2008, quando ocupou as regiões de Ossetia do Sul e Abkhazia, naquele país, bem como a ocupação da Crimeia, na Ucrânia, em 2014, além da operação militar contra este país, em 2022.

De sua parte, a RPC tem visão sobre uma ordem mundial distinta da Rússia. Para os chineses busca-se o retorno ao equilíbrio duramente conquistado durante o período que consideram de hegemonia civilizacional do “Império do Meio” (denominação da China vigente na “antiguidade”). Durante esta época, consideram alguns estudiosos, a China detinha legitimidade histórica para ser a potência predominante na “Ásia” e no Pacífico Ocidental, exercendo uma ordem mundial sino cêntrica.

Para a China, a integração da Eurásia é uma das prioridades de sua política externa. Em sua competição pela liderança política sobre a região com a Rússia, além de copatrocinar a SCO, Pequim investe pesadamente com seu projeto de integração econômica denominado “Cinturão e Rota das Sedas”.

Em 4 de fevereiro de 2022, foi assinado, na capital chinesa, o “Comunicado Conjunto da Federação Russa e da República Popular da China sobre as Relações Internacionais em direção a Nova Era e da Sustentabilidade Global do Desenvolvimento”. Surgiu a esperança de que, na Eurásia, pudesse consolidar-se, em favor da paz e da prosperidade, a “amizade eterna entre Putin e Xi Jinping”. Foi, então, acordado que “ambas as partes estão procurando avançar em seu trabalho de vincular os planos para o desenvolvimento da União Econômica Eurasiana, patrocinada por Moscou e a iniciativa do Cinturão e da Rota das Sedas, de Pequim, com vistas a intensificar a cooperação prática entre os projetos russos e chineses, de forma a promover maior integração entre a Ásia-Pacífico e a Eurásia”. O impasse recorrente da “operação militar especial russa” em território ucraniano, no entanto, não tem permitido a melhor definição de tais vínculos.

Ao contrário da diplomacia ocidental, contudo, enquanto os Estados Unidos e a União Europeia têm condenado e punido Moscou pela invasão à Ucrânia, a China não somente reforça a retórica de apoio à Rússia, como propõe uma reformulação da ordem internacional – sem que a ONU seja considerada como o foro para tais discussões.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, já se referiu ao conflito no Leste da Europa como uma guerra entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos EUA, e a Rússia, além de exaltar o elo entre Pequim e Moscou. “Uma importante lição do sucesso das relações entre China e Rússia é que os dois lados se mostram superiores ao modelo da aliança política e militar da era da Guerra Fria e se comprometem a desenvolver um novo modelo de relações internacionais baseado na não aliança, na não confrontação e em não visar terceiros países”.

A Questão da Ucrânia e os Acordos de Minsk

A atual questão da Ucrânia é a maior tragédia criada em país vizinho da Rússia, após a dissolução da União Soviética. Para a solução do conflito, foram concebidos os Acordos de Minsk. Assinados em 2014 e 2015 por representantes de Ucrânia, Rússia, França, Alemanha e das chamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, onde predominavam “russos do exterior próximo”. Os referidos documentos não conseguiram solução pacífica para o conflito em Donbass, na fronteira russo-ucraniana.

Em 22 de fevereiro de 2022, dois dias antes de começar sua “operação militar especial”, Moscou reconheceu a independência de Donbass e Putin esclareceu que a medida fora adotada porque Kiev afirmara publicamente que não cumpriria os Acordos de Minsk.

Lembra-se que, em fevereiro de 2014, o governo democraticamente eleito da Ucrânia fora derrubado pelo chamado movimento Euromaidan, que teria sido apoiado por potências ocidentais. O golpe desencadeou um conflito sangrento nas regiões orientais do país, onde parte da população – predominantemente de expressão russa – recusou a nova liderança de Kiev. Formaram-se, então, as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk (RPD e RPL, respectivamente). Kiev, então, tentou subjugar rapidamente as repúblicas recém-formadas por meios militares, sem sucesso. Não tendo conseguido vitória decisiva no campo de batalha, visto o apoio militar da Rússia aos dissidentes e o apelo das potências europeias por uma solução pacífica para o conflito, a Ucrânia recorreu a negociações. Estas foram dificultadas pela relutância do governo ucraniano em falar diretamente com os líderes de RPL e RPD.

Foram, então, formados o Grupo de Contato Trilateral sobre a Ucrânia, composto por Kiev, Moscou, Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e o Formato Normandia, incluindo Ucrânia, Rússia, Alemanha e França. Chegou-se, assim, ao que ficou conhecido como os Acordos de Minsk, por terem as negociações sido realizadas na capital bielorrussa, considerada terreno neutro.

O primeiro desses acordos, o Protocolo de Minsk, foi assinado em 5 de setembro de 2014. Diante da ausência de resultados positivos, foi realizada nova versão, conhecida como Acordos de Minsk-2, assinada em 12 de fevereiro de 2015. O acordo Minsk-2 foi firmado durante uma reunião do Formato da Normandia, que incluiu o presidente russo, Vladimir Putin, a então Chanceler alemã Ângela Merkel, o então presidente francês, François Hollande, e o então presidente ucraniano Pyotr Poroshenko. Nota-se, na perspectiva dos parágrafos iniciais acima, que se estabelecia, então, que solução do problema regional dependeria também da garantia de potências da Europa Ocidental, nos moldes do ordenamento definido nos anos pós-1945.

As partes prometeram: cessar-fogo e retirar suas forças da linha de contato; a presença de armas pesadas na área da zona-tampão foi estritamente proibida; os sistemas de foguetes de lançamento múltiplo Uragan e Smerch, bem como o de mísseis balísticos de curto alcance Tochka, deveriam ser retirados a 70 km da linha de contato; observadores da OSCE deveriam monitorar a implementação dessas regras; além da troca de prisioneiros de acordo com o princípio “todos por todos”, os lados foram obrigados a realizar a anistia dos capturados durante os confrontos armados; o lado ucraniano também deveria adotar a lei sobre o status especial dos distritos separados de RPL e RPD e realizar eleições locais, levando em consideração o posicionamento dos representantes de ambas as Repúblicas de Donbass. No dia seguinte às eleições, Kiev deveria assumir o controle total da fronteira estatal ucraniana; além disso, os Protocolos de Minsk estipulavam a implementação de uma reforma na Ucrânia, que previa a introdução de um conceito de descentralização na Constituição do país que deveria ter levado em consideração as especificidades de “certos distritos das regiões de Donetsk e Lugansk”.

Segundo Moscou, contudo, nos últimos cinco anos, “o lado ucraniano simplesmente se absteve de implementar as cláusulas políticas dos Acordos de Minsk, exigindo, em vez disso, que o controle da fronteira entre os territórios de RPL e RPD fosse entregue primeiro a Kiev”. Essas exigências, no entanto, foram rejeitadas pelas autoridades das ditas repúblicas e por Moscou, que suspeitava que, uma vez que as forças ucranianas assumissem o controle da fronteira e isolassem efetivamente as repúblicas do mundo exterior, Kiev poderia então tentar esmagar a oposição por meios militares. A RPD e a RPL, assim como a Rússia, também acusaram o governo ucraniano de ocupar assentamentos ilegalmente na zona-tampão e de colocar equipamento militar pesado na região. A situação foi ainda mais agravada pelo fato de que as potências ocidentais repetidamente fecharam os olhos à recusa de Kiev em aderir aos Acordos de Minsk, ao mesmo tempo em que repreendiam constantemente a RPD e a RPL por supostas violações dos mesmos acordos.

Em 21 de fevereiro de 2022, Putin assinou um decreto para reconhecer a independência das repúblicas de Donbass, que mais tarde se tornaram parte da Rússia. A iniciativa resultou em ataques ucranianos crescentes de bombardeios e sabotagem contra a RPL e a RPD. O decreto foi seguido por anúncio de Putin quanto ao início da operação militar especial russa contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro.

O Papel da Belarus

“Bielorrussos são simplesmente russos, com um selo de qualidade”, assim definiu o Presidente Lukashenko, quando perguntado sobre diferenças entre os dois povos, por ocasião da Abertura do Parlamento de seu país, em 2016.

Sua afirmação, naquele momento – quando eu exercia o cargo de Embaixador em Minsk – pretendia indicar “wishful thinking” de que a preservação de valores e formas de governança da época estalinista, ainda em vigor, na Belarus, poderiam mesmo ser o caminho para um plano de integração euroasiática, nos termos propostos pelo Presidente Putin. Nesse processo, parecia acreditar, algumas práticas de organização política e econômica bielorrussas determinariam modelo civilizacional, diferente e melhor do que o adotado no Ocidente, conforme alardeado pelo líder russo.

No contexto do projeto euroasiático do Presidente Putin, a Belarus desejaria ser “o centro de integração das integrações”. Sobre o assunto, caberia o aproveitamento da moldura da Comunidade de Estados Independentes – herdeira de países que formaram a URSS – estabelecida, em Minsk, em 8 de dezembro de 1991 – antes, portanto, da extinção da União Soviética.

Lembra-se que 11 antigos membros da URSS decidiram manter vínculos entre si, com o objetivo de estabelecer sistema econômico e de defesa entre antigas repúblicas da União Soviética. De qualquer forma, existem adormecidos na CEI – sempre repetindo que tem sede na capital bielorrussa – mecanismos de articulação que eventualmente poderiam ser acionados no que diz respeito a conflitos entre antigos camaradas soviéticos, como o da Questão da Ucrânia.

Minsk, nesse contexto, tem sido escolhida, em consenso com países ocidentais, como local para acordos destinados a negociar tais disputas. Não há protagonismo bielorrusso na busca de solução dos problemas. O papel de facilitador nas negociações, no entanto, eleva o perfil diplomático da Belarus no cenário mundial. Este país, sabe-se, é objeto de sanções internacionais por seu sistema de governo autoritário, que o leva a ser conhecido como “A Última Ditadura da Europa”.

No âmbito da Comunidade de Estados Independentes, foi assinada, em 15 de maio de 1992, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva por Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão, na cidade de Tashkent. O Azerbaijão assinou o tratado em 24 de setembro de 1993, a Geórgia em 9 de dezembro de 1993 e a Belarus em 31 de dezembro de 1993. O tratado entrou em vigor em 20 de abril de 1994. Sua fundação reafirmava o desejo dos Estados participantes em se abster do uso ou ameaça da força. Os signatários não poderiam aderir a outras alianças militares – como a OTAN – ou outros grupos de estados, enquanto a agressão contra um signatário seria percebida como uma agressão contra todos.

Até recentemente, os que tinham ouvido falar de Minsk sabiam apenas que Lee Oswald, antes de assassinar o Pres. Kennedy, havia residido e trabalhado naquela cidade. Além disso, confiava-se que, na ausência de uma máquina que viajasse ao passado, a alternativa seria ir à Belarus para conhecer uma “espécie jurássica de Homo Sovieticus”.

Hoje, poderia ser conveniente, estrategicamente, haver reflexão sobre a possibilidade de que a crise em curso na Ucrânia proporcione a elevação da Belarus de alvo de sanções para uma respeitável plataforma de reuniões de cúpula, com vistas a negociações pacíficas que envolvam seu entorno regional.

Nesse sentido, em linhas gerais, poder-se-ia considerar que o Ocidente apoie esforços do Presidente Lukashenko de fortalecer um estado bielorrusso, que seria neutro com relação à Rússia, enquanto seriam reduzidas as pressões para a liberalização da política interna daquele país.

Como cenário alternativo, há quem cogite que ocorra simplesmente a incorporação da Belarus à Rússia, que contaria, assim, com uma fronteira ainda mais próxima à União Europeia.

Retorna-se, neste ponto, à ideia de reanimar e fortalecer a Comunidade de Estados Independentes, com sede estabelecida em Minsk, a partir de 1991. A Belarus fica reforçada, nesta hipótese, por seu ingresso da SCO, tendo em vista o envolvimento da China.

Conforme sugerido acima, o arcabouço disponível na referida Comunidade, poderia sondar fórmulas para o debate de temas, como, por exemplo:

- O compromisso de que a não adesão ucraniana à OTAN pudesse permitir às convenções adormecidas na CEI levar a Rússia a retirar suas tropas das regiões da Ucrânia, Donbass e outras, que ocupara em 2022. Caberia, então, decidir se essas permaneceriam sob a soberania da Ucrânia, mas um grau mais elevado de autonomia lhes seria garantido.

- Poder-se-ia, também, considerar o congelamento da crise na Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Ou seja, não haveria um reconhecimento internacional de que a região passe a fazer parte da Rússia. Seria necessário, contudo, não haver um questionamento sobre o fato de que, na prática, a região permaneceria controlada e administrada por Moscou.

- Haveria espaço, em compromissos assumidos no âmbito da CEI, sobre Direitos Humanos, para discutir o tema do emprego do idioma russo por aqueles que o tenham como parte de sua cultura original. Lembra-se que não apenas a Ucrânia é habitada por tais minorias.

- Seria garantida, ainda com maior ênfase, a segurança dos membros da CEI contra eventuais ameaças de países ou alianças militares vizinhas.

Nesse contexto, registra-se que, para alguns observadores, existe para a Rússia a dúvida quanto a sua inserção internacional, como um estado europeu ou eurasiano, com implicações na orientação de valores e busca de foro mais apropriado para a resolução de conflitos com países vizinhos.

Aqueles que seguem a opção por ser um estado europeu são reconhecidos como “pró-Ocidente” e enfatizam os atributos russos com características europeias, enquanto evitam seus traços eurasianos. De sua parte, contudo, os países europeus sempre consideraram a Rússia como um país diferente. Os russos, assim, se sentem rejeitados pelos europeus.

Tive a experiência pessoal, por ocasião de palestra que proferi na Universidade de Herzen, de São Petersburgo, em 2018. No período reservado a perguntas, uma aluna me perguntou se, naquela cidade, “eu me considerava na Europa ou na Rússia”. Respondi, diplomaticamente, que “me sentia na cidade russa mais europeia”.

Os russos eurosianistas insistem que seu país pertence nem à Europa, nem à Ásia, apesar de possuírem traços de personalidade europeus e asiáticos. Segundo esse ponto de vista, na medida em que seu país seja uma mistura de ambas as civilizações, deveria desempenhar papel importante na vinculação entre o Oriente e o Ocidente, garantir a segurança do “hinterland” da Ásia e da Europa e assegurar interesses estratégicos por meio de intercâmbio e cooperação entre países da Europa e da Ásia.

Assim, Moscou deveria atribuir importância à Comunidade de Estados Independentes (CEI), que abrange países de ambos os continentes. Daí, quando houver momento propício para eventual negociação de paz na questão da Ucrânia, reitero a importância da possibilidade de que se recorra a estruturas disponíveis em arcabouço deixado pela antiga União Soviética.

Tendo como capital a cidade de Minsk, a CEI é estruturada administrativamente por dois conselhos, sendo um composto por chefes de governo e outro por chefes de Estado.

Tive oportunidade de visitar a sede da CEI, em Minsk, a título de cortesia, enquanto fui Embaixador na Belarus, entre 2015 e 2019, e verifiquei que se trata de organização simbólica, que funcionaria como uma espécie de banco de reservas, onde permanecem disponíveis acordos, mecanismos de negociação e projetos da antiga URSS, que poderiam ser colocados em campo, caso alguma proposta de integração ou de resolução de conflito fosse realmente almejada.

Embaixadores dos países membros da referida comunidade, acreditados em Minsk, apresentam credenciais também ao Diretor da CEI. A lista de participantes tem variado, com inclusão ou separação de antigos membros da URSS, de acordo com dinâmica regional de aproximação ou distanciamento da Rússia. De qualquer forma, existem adormecidos na CEI mecanismos de articulação que eventualmente poderiam ser acionados no que diz respeito à Questão da Ucrânia.

Minsk, nesse contexto, tem sido escolhida, em consenso com países ocidentais, como local para acordos destinados a negociar disputas entre países membros da antiga União Soviética. Em certa medida, sugestão de esforço no sentido de valorizar tal organização semiadormecida poderia servir de aceno ao Presidente Putin, em seus devaneios de ressuscitar um projeto eurasiano, sob influência de Moscou.

Dessa forma, o dirigente russo poderia argumentar que eventuais negociações, no âmbito da CEI, em Minsk, incluindo países da Europa e Ásia, seriam vitória de iniciativa que a Rússia alegaria ser sua.


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