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sábado, 10 de abril de 2021

Itamaraty muda tom com apoio a acordo por vacinas na OMC e sinaliza busca por “sobrevivência” do Governo - Afonso Benitez (El País)

Governo Bolsonaro

Itamaraty muda tom com apoio a acordo por vacinas na OMC e sinaliza busca por “sobrevivência” do Governo

Novo chanceler, Carlos França, assumiu tratando a pandemia como prioridade. Saída iminente de assessor olavista, Felipe Martins, seria outra mudança a caminho. Diplomata avalia que Bolsonaro busca sobreviver, acossado por CPI da Pandemia e frágil aliança com Centrão

O ministro Carlos Franco França e o presidente Jair Bolsonaro em 5 de abril, no Palácio do Planalto.
O ministro Carlos Franco França e o presidente Jair Bolsonaro em 5 de abril, no Palácio do Planalto.Marcos Corrêa/PR

Jornalista Afonso Benites
Brasília -

Nos últimos dias o Governo Bolsonaro começou a emitir sinais de que a política externa brasileira faz uma mudança de tom depois dos últimos dois anos desastrados do agora ex-ministro Ernesto Araújo. Nesta sexta-feira, circulou a informação em Brasília que o presidente Jair Bolsonaro decidiu demitir seu assessor especial para assuntos internacionais, Filipe Martins, o seguidor do escritor Olavo de Carvalho, que tinha sua cabeça pedida pelo Congresso Nacional por ter feitos gestos racistas em uma audiência pública na semana retrasada. A confirmação não veio por fontes oficiais, mas a sua saída é considerada iminente por falta de apoio político.

No Itamaraty, na terça-feira, foi empossado Carlos Franco França, em substituição a Ernesto Araújo, o ministro que seguia teorias conspiratórias e era submisso aos Estados Unidos. O novo chanceler é um embaixador que busca valorizar o corpo diplomático brasileiro, fazer com que ele finalmente seja ouvido pelo presidente Bolsonaro e tem como meta reforçar as parcerias com organismos multilaterais. 

O primeiro ato que leva a assinatura de França é o apoio a uma iniciativa articulada no âmbito da Organização Mundial do Comércio que pretende ampliar a produção e distribuição de vacinas contra a covid-19. Araújo sempre foi criticado por seguir em um outro caminho, o de desprezar o multilateralismo e confrontar países produtores de imunizantes ou insumos, como a China, além de não se esforçar para a aquisição massiva do produto. Não agiu sozinho, já que sempre teve o suporte de Filipe Martins e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com a palavra final do presidente. Nesta sexta, o novo chanceler conversou com o ministro chinês de Negócios Estrangeiros, Wang Yi, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Para o embaixador Paulo Roberto de Almeida, diplomata há 44 anos e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, Jair Bolsonaro se viu forçado a fazer essas alterações, assim como a reforma ministerial que promoveu há dez dias. Ele estava perdendo o apoio político no Congresso e, agora, está diante da CPI da Pandemia que deverá fazer o seu governo sangrar cada vez mais, por causa da omissão no combate ao coronavírus. “Estamos no terceiro Governo Bolsonaro. O primeiro, foi o da ofensiva, quando ele até ameaçou golpe diante do Comando do Exército. O segundo foi o recuo, quando se entregou ao Centrão no Congresso. O termo de agora é sobrevivência, sem fazer mudanças, ele fica enfraquecido ou cai”, avaliou.

Nesse sentido, o que se tem no momento na política externa é um meio termo na diplomacia da vacina. Não é radical e negacionista quanto a política de Araújo. O antigo chanceler votou nos organismos internacionais contra a quebra de patente dos imunizantes e minimizou a iniciativa Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS). A atual proposta visa fazer com que as farmacêuticas celebrem acordos de licenciamento para a transferência de tecnologia, expertise e know-how de medicamentos e vacinas contra o coronavírus.

Além disso, a medida na OMC pretende chegar a um consenso sobre barreiras comerciais e propriedade intelectual. Desde que Bolsonaro tomou posse, em 2019, essa é uma das primeiras vezes em que ele entra em algum acordo sem que receba o direcionamento direto dos Estados Unidos. O patrocínio à proposta também teve o apoio de Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Noruega, Nova Zelândia e Turquia.

Um dos fatores que pesaram na mudança, ainda que temporária e superficial, nas rotas da chancelaria foi o elevado número de mortos por covid-19. A segunda onda da doença tem ultrapassado os 4.000 óbitos diários. O descontrole fez com que o Brasil se tornasse a ser uma ameaça global, em que os cientistas temem que o país se transforme em uma incubadora de novas cepas e variantes do vírus.

Logo em seus primeiros discursos, França alertou que sua gestão terá três urgências para tentar ajudar a solucionar: no campo da saúde, na economia e no desenvolvimento sustentável. “A primeira urgência é o combate à pandemia da covid-19. Sabemos todos que essa é tarefa que extrapola uma visão unicamente de governo”, afirmou o chanceler. Ele ainda destacou que todos os diplomatas brasileiros estarão “cada vez mais engajados numa verdadeira diplomacia da saúde”.

Segue em direção oposta ao posicionamento de Ernesto Araújo, que, no primeiro semestre de 2020, foi contra o Brasil assinar a iniciativa Covax Facility por entender que ela fortaleceria a Organização Mundial da Saúde, naquele momento atacada pelo então presidente Donald Trump e pela militância bolsonarista. Em novembro do ano passado, a ideologia de Araújo ficou clara em outro momento, quando em reunião para tratar de cooperação no setor farmacêutico com o Governo da Índia, ele criticou o “globalismo” e não tratou em nenhum momento da aquisição de vacinas que eram produzidas naquele país. “As falas do novo ministro são absolutamente dentro dos conceitos, princípios, valores e fundamentos que guiaram a política externa brasileira nos últimos cem anos. O diferente era o Ernesto Araújo, não é o França”, disse o embaixador Almeida.

Antes de completar uma semana no cargo, França já promoveu uma série de reuniões com os diplomatas brasileiros e se encontrou virtualmente, nesta sexta-feira com representantes de cinco embaixadas: União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, Noruega e Alemanha. Para os próximos dias, também estão previstas reuniões com diplomatas da China e de outros países asiáticos. “Meu compromisso, enfim, é engajar o Brasil em intenso esforço de cooperação internacional, sem exclusões. E abrir novos caminhos de atuação diplomática, sem preferências desta ou daquela natureza”, afirmou França na posse.

O que não está claro, por enquanto, é como vai ficar a influência no bolsonarismo na gestão da política exterior com as saídas de Martins e de Araújo. Bolsonaro já mostrou que não tem o menor interesse em abandonar suas posições radicais a favor do tratamento precoce, por exemplo, e contra um lockdown nacional. Nesta sexta, o escritório da Organização das Nações Unidas no Brasil cobrou urgência num plano nacional de resposta à crise, alertando que “as vacinas são essenciais, mas elas não resolverão o problema imediato do país, que apresenta atualmente o maior número de óbitos diários por covid-19 do mundo”, diz em nota.

O ex-chanceler agora ocupa um cargo na Secretaria Geral de Administração. Em princípio, ele tentou nomear seu antigo chefe de gabinete, Pedro Wolney para a secretaria-geral do Ministério, que é uma espécie de vice-ministro, mas não conseguiu. A interferência de Eduardo Bolsonaro também ainda é incerta. Por ora, esse grupo articula um novo posto para Araújo, possivelmente no Consulado do Brasil em Paris, cargo para o qual não precisa da aprovação do Senado. Embaixadores precisam ser aprovados pelos senadores e dificilmente o ex-chanceler teria esse aval.

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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A diplomacia amadora do Brasil, da dupla Bolso-EA - Afonso Benitez (El País)

Diplomacia do Brasil é vista como amadora, ainda que pragmática

Especialistas e diplomatas avaliam discursos de Bolsonaro e de Ernesto Araújo e dizem que a Argentina é o alvo que a China já foi no passado recente

Afonso Benitez
El País, 31/10/2019
O príncipe saudita Mohammed bin Salman e o presidente Jair Bolsonaro.
O príncipe saudita Mohammed bin Salman e o presidente Jair Bolsonaro.José Dias (PR)
A duas semanas de sediar a reunião de cúpula dos BRICS, o Brasil expôs uma diplomacia marcada por instabilidade e amadorismo, segundo especialistas e diplomatas estrangeiros lotados no Brasil. As avaliações negativas são direcionadas ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e ao seu chanceler, Ernesto Araújo, responsáveis por liderar as tratativas com os parceiros internacionais. Em seu tour de 12 dias pela Ásia e Oriente Médio, Bolsonaro reforçou a percepção  de que prefere governar sob um discurso para agradar a seus eleitores radicais do que mandar mensagens para o mundo. Antes do imbróglio sobre a investigação de Marielle Franco, Bolsonaro causou espanto ao criticar a eleição de Alberto Fernandez para a presidência da Argentina e declarar que não iria parabenizá-lo. Disse ainda que mulheres gostariam de passar uma tarde com um príncipe (em referência ao príncipe saudita Mohammed bin Salman, acusado de matar um jornalista) e afirmou que tinha “afinidade” com Salman. Antes, falando para o seu público eleitor pelo Twitter já havia insinuado que o Foro de São Paulo estava vivo, por causa de um discurso do presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
O EL PAÍS entrevistou dois representantes de embaixadas estrangeiras que vivem no Brasil, um diplomata brasileiro e dois professores de relações internacionais e ciências políticas. Os membros dos corpos diplomáticos falaram sob a condição de não terem seus nomes publicados. “Em termos de valores e tradições da política externa e do nível de profissionalização de nossos diplomatas estamos diante de um retrocesso”, avaliou a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Fernanda Magnotta. Conforme essa especialista, colegas que atuam em universidades de outros países têm visto os representantes do Ministério das Relações Exteriores como amadores, algo que não ocorria em gestões passadas. “Do presidente Bolsonaro poderíamos esperar tudo, porque ele é um radical. Mas de seus diplomatas, esperávamos um pouco mais de bom senso. Algo que não temos visto na gestão Araújo”, afirmou um dos diplomatas estrangeiros entrevistados pela reportagem.
Na visão de Magnotta, o presidente Bolsonaro também tem demonstrado estar deslumbrado com o cargo máximo da República. “Antes de se empolgar com a suntuosidade do lugar que se visita, o presidente precisa pensar quais valores se está propagando”, afirmou a professora. Ao conversar com jornalistas em Riad, na Arábia Saudita, Bolsonaro foi questionado sobre o que esperava das reuniões que teria durante a tarde com o príncipe Salman. Ao que respondeu: “Todo mundo gostaria de passar a tarde com um príncipe. Principalmente vocês, mulheres”.
Quando o assunto foi a Argentina, o chanceler Ernesto Araújo manteve a estratégia de que sempre é necessário eleger um inimigo. Disse, por exemplo, que “forças do mal” celebraram a eleição de Fernandez. Em seu perfil no Twitter, Araújo escreveu que “as forças da democracia estão lamentando pela Argentina, pelo Mercosul e por toda a América do Sul”.
Já Bolsonaro afirmou que, apesar de não parabenizar o presidente eleito da Argentina, ele não pretende fechar portas a ele. As falas enviesadas a Fernandes responderam, de fato, ao que foi visto como provocação por parte do presidente brasileiro. “Estamos preocupados e receosos, tendo em vista até o gesto que ele [Fernández] fez de Lula Livre”. Defensor da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernández já criticou Bolsonaro em entrevistas anteriores. Disse, por exemplo, que celebrava quando o presidente brasileiro o criticava. O chamou de racista, misógino, violento e defensor da tortura. “Com Bolsonaro, não tenho problema em ter problemas”, disse em entrevista a uma emissora argentina.
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Nascimento diz que a diplomacia brasileira tem se esquecido que as relações entre os países são entre Estados, não entre Governos. “A ideologia não deve ser trazida a nenhuma mesa de discussão”, disse.

Vitória do pragmatismo

Apesar dos discursos radicais de Araújo e Bolsonaro, até o momento o pragmatismo, defendido principalmente pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem vencido essa disputa interna no Governo. Meses após assumir a presidência, Bolsonaro chegou a dizer que os chineses queriam comprar o Brasil, e não do Brasil. Afirmou que as relações exteriores do Brasil seriam abertas a todo mundo, independentemente da ideologia, mas sempre criticou o comunismo chinês. “O Governo é obrigado a recuar por causa da realidade”, ponderou Nascimento.
Há quase uma década, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Dados do Ministério da Economia mostram que de janeiro a setembro deste ano a balança comercial entre os dois países atingiu a marca de 72,8 bilhões de dólares (291,2 bilhões de reais), o que representa 24% de tudo o que o Brasil comercializou com o restante do mundo.
Já a Argentina, o alvo da vez, está em terceiro lugar nesse ranking – atrás dos Estados Unidos. Registrou comércio de 15,2 bilhões de dólares (60,8 bilhões de reais) no período. É o principal parceiro na América Latina. “O presidente adota a estratégia do morde assopra. Tem uma narrativa muito agressiva, mas que não é acompanhada de uma prática do mesmo tom. Já mudou com a China. Em breve, também deve mudar com a Argentina”, ponderou a professora Magnotta. Os afagos ao príncipe árabe também respondem a uma ação concreta. A Arábia Saudita anunciou investimento de 10 bilhões de dólares em infraestrutura no Brasil.