O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Bolsonaro escolheu ser o coveiro dele mesmo - Ricardo Noblat, Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil começa tardiamente a vacinação sem que o desgoverno do capitão degenerado tenha feito qualquer coisa para que esse dia começasse; ao contrário, fez tudo para atrapalhar a “vacina chinesa do Doria”, a única disponível no momento. 

O que Bolsonaro fez foi uma CAMPANHA DA MORTE, com seu desrespeito sistemático às medidas de prevenção, com a irresponsabilidade de recomendar “tratamento preventivo com cloroquina” (que não só não é recomendada, como pode levar à morte), e se opôs a que a União bancasse o investimento na Coronavac, ao mesmo tempo em que financiava largamente o experimento da FioCruz, até aqui inexistente. 

A prescrição para o degenerado é IMPEACHMENT!

Paulo Roberto de Almeida 

Bolsonaro escolheu ser o coveiro dele mesmo

 Ricardo Noblat, 18/01/2021

Doria fez barba, cabelo e bigode no presidente

Na medida em que se enfraquece, o presidente Jair Bolsonaro perde mais e mais o controle sobre os fatos produzidos ou não por seu governo. Dois episódios de ontem provam isso.

Os cinco diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nomeados por ele, anunciaram ao país que não existe tratamento preventivo contra a Covid-19.

Desmentiram Bolsonaro em transmissão nacional de rádio e de televisão. Até o ministro da Saúde, o general de peito estufado Eduardo Pazuello, também o fez com todo o cuidado do mundo.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) deu início à vacinação em massa, o que o Ministério da Saúde disse que só poderia acontecer depois de sua autorização.

Doria também reteve a cota paulista de doses da vacina fabricada pelo Butantan que o Ministério da Saúde esperava receber para em seguida devolver a São Paulo. Uma estupidez, por certo.

Foi um ato de rebeldia do governador que, ao ser acusado por Pazuello de promover um “golpe de marketing”, respondeu que há 11 meses Bolsonaro promove um “golpe de morte”.

O presidente da República vai fazer o quê? Processar Doria? Pressionar a Justiça para que mande prendê-lo por crime de desobediência civil? Se o fizer, perderá.

Vamos ao mantra adotado por 9 entre 10 estrelas da política: presidente pode muito, mas não tudo. Bolsonaro, por mais que diga o contrário aos berros, cada dia que passa manda menos.

A derrota que colheu com a aprovação emergencial das vacinas foi a maior derrota desde que acidentalmente se elegeu há dois anos e tomou posse da presidência sem estar preparado para isso.

Mais de 70% dos brasileiros queriam se vacinar. O percentual crescerá com o início da vacinação em massa. Bolsonaro sempre desacreditou a vacina e diz que não se vacinará.

Em todos os países onde começou, a vacinação foi festejada pelos chefes de Estado. Aqui, Bolsonaro não deu um pio. Desapareceu. Apareça, Bolsonaro! Livre-se do colete à prova de vacina. Não dói.

No passado, quando um time goleava o outro, dizia-se que fez dele barba, cabelo e bigode, lembrou o jornalista Ricardo Kotscho. Perfeito! Doria fez barba, cabelo e bigode em Bolsonaro.

O 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo de 2014 é pouco para dar a verdadeira dimensão da surra que Bolsonaro levou de Doria. Outras surras virão em breve.

Os bolsonaristas e seus cúmplices construíram a falsa narrativa da invencibilidade de Bolsonaro, fizesse ele o que fizesse. E que ele se tornara de alguns meses para cá um presidente normal.

Jamais Bolsonaro será um presidente normal porque como ser humano jamais foi normal. Não pode ser normal quem defende a tortura, tem fixação em armas, detesta gays e sabota a vida.

Aturá-lo por mais dois anos será insuportável, mas talvez sirva para ensinar os brasileiros a votar melhor.




sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

A covid-19 e as paranoias associadas: algumas recomendações práticas

*𝐅𝐢𝐧𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞, 𝐚𝐥𝐠𝐨 𝐩𝐫á𝐭𝐢𝐜𝐨 𝐞 𝐡𝐨𝐧𝐞𝐬𝐭𝐨 𝐝a 𝐂𝐡𝐞𝐟𝐞 𝐝𝐚 𝐂𝐥í𝐧𝐢𝐜𝐚 𝐝𝐞 𝐃𝐨𝐞𝐧ç𝐚𝐬  𝐈𝐧𝐟𝐞𝐜𝐜𝐢𝐨𝐬𝐚𝐬 𝐝𝐚 𝐔𝐧𝐢𝐯𝐞𝐫𝐬𝐢𝐝𝐚𝐝𝐞 𝐝𝐞 𝐌𝐚𝐫𝐲𝐥𝐚𝐧𝐝, 𝐄𝐔𝐀:*

1. Talvez tenhamos que morar com o COVID 19 por meses ou anos. *Não* vamos negar ou entrar em pânico. *Não*  vamos tornar nossas vidas inúteis. *Vamos aprender a conviver com esse fato.*

2. Você *não pode destruir* os vírus COVID19 que penetraram nas paredes das células, bebendo galões de água quente - você *só irá* ao banheiro com mais frequência.

3. *Lavar as mãos é o melhor método* para sua proteção.

4. Se você *não tem* um paciente COVID19 em casa, *não há necessidade* de desinfetar as superfícies da sua casa.

5. Cargas embaladas, bombas de gás, carrinhos de compras e caixas eletrônicos não causam infecção. *Lave as mãos,* viva sua vida como sempre.

6. COVID19 *não é uma* infecção alimentar. Está associado a *gotas de infecção* como a gripe. *Não* há risco demonstrado de que o COVID19 seja *transmitido* pelos alimentos.

7. Você *pode* perder o sentido do olfato com muitas alergias e infecções virais. Este é *apenas um sintoma* inespecífico de COVID19.

8. Uma vez em casa, você *não precisa* trocar de roupa com urgência e tomar banho! Pureza é uma virtude, *paranóia não é!*

9. O vírus COVID19 *não está* no ar. Esta é uma infecção respiratória por gotículas que requer *contato próximo.*

10. O ar está limpo, você *pode caminhar* pelos jardins, pelos parques, apenas *evite aglomerações.*

11. É suficiente usar *sabão normal* contra COVID19, não sabão antibacteriano. Este é um *vírus, não uma bactéria*.

12. Você *não precisa* se preocupar com seus pedidos de comida. Mas você pode aquecer tudo no microondas, se desejar.

13. As *chances* de levar o COVID19 *para casa* com os *sapatos* são *como ser atingido* por um raio duas vezes por dia. Trabalho contra vírus há 20 anos - as *infecções* por gota *não* se espalham assim!

14. Você *não pode* ser protegido contra o vírus tomando vinagre, suco de cana e gengibre! Estes *são para imunidade*, não para cura.

15. Usar uma máscara por longos períodos *interfere* nos *níveis de respiração* e oxigênio. Use-a *apenas* na multidão.

16. Usar *luvas* também é uma *má idéia*; o vírus pode se acumular na luva e ser facilmente transmitido se você *tocar em seu rosto.* Melhor *apenas* lavar as mãos regularmente.

17. A *imunidade* é muito enfraquecida ao *permanecer sempre* em um ambiente estéril. Mesmo se você comer alimentos que aumentam a imunidade, *saia regularmente* de sua casa para qualquer parque / praia. A *imunidade é aumentada* pela exposição a patógenos, não por ficar em casa e consumir alimentos fritos / condimentados / açucarados e bebidas gaseificadas, e não praticar atividades físicas.

*Fonte:*

 https://www.impala.pt/noticias/atualidade/covid-19

Enviado por meu amigo e colega Sérgio Florêncio, embaixador.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A última mensagem do ano do FMI é uma homenagem à globalização e ao globalismo; Leu EA?

 

IMF Blog Logo
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Dear Colleague,

We just published a new blog—please find the full text below. 


 

Reclaiming Our World Post-2020

By Atish Rex Ghosh

As 2020 draws to a close, many of us cannot wait for this annus horribilis to end. And for good reason: this year has seen more than a million and a half COVID-19 deaths; an economic collapse far greater than that of the 2008 financial crisis; a boiling-over of resentment against decades of racial and social injustice; record numbers of wildfires decimating millions of acres of pristine forests; and locust plagues of Biblical proportions.

Yet, 2020 also gives us reason for hope. The development, within a few short months, of at least three COVID-19 vaccines that promise a high degree of efficacy is nothing short of miraculous: a great triumph of medical science, technology, and yes, globalization.

Consider how impossible the discovery and distribution of these vaccines would have been without the cross-border exchange of ideas, goods, and services. Between the research labs and the researchers as well as the testing and manufacturing (including the various ancillary materials such as glass vials and syringes and special refrigerants), at least a dozen or more countries have already been involved in the development and production of these vaccines.    

Toward a Better World

One hundred years ago, the famed Spanish artist José Marià Sert laid out a vision for a better world on the walls of the Council Chamber in the Palais des Nations in Geneva, Switzerland—seat of the first great experiment in international cooperation, the League of Nations, and the current European offices of the United Nations. His murals depict all that separates fellow human beings—war, hatred, cruelty, vengeance, exploitation, injustice—and all that brings them together—peace, liberty, and freedom from drudgery and enslavement.

There is Hope, a mother and child standing astride defunct cannons, reveling in peace while crowds joyously hurl away their guns now that wars have ended; Scientific Progress, doctors liberating humanity from the scourge of disease; Social Progress, slaves shattering their chains; and Technical Progress, technology relieving humans from physical toil and bringing the promise of economic prosperity. On the ceiling, towering above the chamber, are five great, sinewy giants, allegories of the continents, reaching across the room with clasped hands, drawing the peoples of the world together—as the only means of achieving a brighter future for all.

Of course, it was the end of a war that gave birth to the IMF—an institution dedicated to international monetary cooperation, thus helping to avoid trade and currency wars, and providing the basis for jobs for people across the world amid sound economic growth. The form of that cooperation—and the nature of the shocks impinging on the world economy—has evolved considerably in the 75 years since the IMF was established.

The great insight of the founders was that, regardless of the specific disturbances—the oil price hikes of the 1970s, the developing country debt crisis of the 1980s, the capital account crises and the transformation of the centrally planned to market economies in the 1990s, the current account imbalances, global financial crisis, and the Great Recession in the 2000s, or the pandemic and Great Lockdown this year—both the shocks themselves and the national policy responses to them inevitably create cross-border spillovers that often result in tensions between countries.

Resolving them requires cooperation, not confrontation: when each country tries to be first, all end up as last.

Onward and upward

As the COVID-19 pandemic unfolded, the IMF went into overdrive—even as it scrambled to re-organize operations for its staff to work from home—helping its members secure urgent financing and facilitating debt relief so countries could prioritize health expenditures. But the IMF’s work—and that of its membership—is just beginning.

Once there is widespread distribution of the vaccine and the recovery gets underway, there are bound to be economic and financial dislocations as governments and societies grapple with the legacies of the global financial crisis, the pandemic, and the Great Lockdown, and strive to rebuild a better, more equitable, and more environmentally sustainable world. Helping to manage the international economic repercussions of these dislocations—manifested through exchange rate dynamics, net and gross capital flows, and asset price movements—is very much the bread and butter of the IMF’s work, and will be a vital part of its contribution to crafting a better world for tomorrow.

Atish Rex Ghosh is the IMF’s Historian. 

*****

Thank you again for your interest in IMF Blog. Read more of our latest content here.

Take good care,

Glenn


Glenn Gottselig
Blog Editor, IMF
GGottselig@IMF.org

domingo, 20 de dezembro de 2020

Covid-19 – Deve ou não o governo promover a vacinação?, por Felipe A. P. L. Costa (Jornal GGN)

Covid-19 – Deve ou não o governo promover a vacinação?

 SIM, responde este biólogo, Felipe A. P. L. Costa, autor de muitos livros de biologia, evolucionismo, história da ciência, entre eles, O Evolucionista Voador e Poesia Contra a Guerra. Este artigo traz evidências históricas sobre a luta de médicos e cientistas contra as grandes epidemias que ceifaram milhares, milhões de vidas ao longo dos séculos. NÃO, a Covid não nos deixará, como foi o caso da varíola, mas os governos têm a obrigação de organização a vacinação e imunização em massa. Essa dama em trajes turcos, uma nobre ingles, participou dos esforços de erradicação da varíola. Leiam...

Paulo Roberto de Almeida 

Covid-19 – Deve ou não o governo promover a vacinação?, por Felipe A. P. L. Costa

Doenças epidêmicas não são eventos aleatórios que afligem as sociedades de modo caprichoso e sem aviso prévio. Ao contrário, cada sociedade produz suas próprias vulnerabilidades específicas.

https://jornalggn.com.br/coronavirus/covid-19-deve-ou-nao-o-governo-promover-a-vacinacao-por-felipe-a-p-l-costa/

Doenças epidêmicas não são eventos aleatórios que afligem as sociedades de modo caprichoso e sem aviso prévio. Ao contrário, cada sociedade produz suas próprias vulnerabilidades específicas. Estudá-las é compreender a estrutura dessa sociedade, seu padrão de vida e suas prioridades políticas. – Frank Snowden (2019).



A.

Seres humanos abrigam centenas de espécies de organismos infecciosos, muitos dos quais são patogênicos. A lista inclui vírus, bactérias, protozoários, fungos e vermes (helmintos). Doenças infeciosas (e.g., pneumonia, amebíase, tuberculose, Aids, malária e meningite) são responsáveis por cerca de 15% das mortes registradas anualmente em todo o mundo [1]. A maioria dessas doenças teve origem em alguma população animal, sendo então transmitida aos seres humanos por meio do consumo ou de algum outro tipo de contato íntimo ou repetido. Doenças que procedem de animais são referidas como zoonoses (do grego: zoo–, animal + –nose, doença) [2].

B.

Uma zoonose bem conhecida é a raiva, doença causada por um rabdovírus (vírus da família Rhabdoviridae). Indivíduos sadios adquirem o patógeno por meio da mordida de algum animal infectado, na maioria das vezes um cão. O vírus infecta as células do sistema nervoso central, o que quase sempre resulta em uma encefalite fatal. Em 2016, mais de 24 mil seres humanos morreram em decorrência da doença. Mordidas em regiões ricas em fibras nervosas, como a face e as mãos, são especialmente perigosas [3].

No entanto, embora ainda seja um grave problema de saúde pública, sobretudo em certas regiões da Ásia e da África (ver aqui), a raiva já não é mais o bicho-papão de outrora. Em outras palavras, ser mordido por um cão infectado já não é mais uma sentença de morte. Meios de cura e prevenção vêm sendo investigados desde o final do século 19.

Uma vacina pioneira contra a raiva, desenvolvida pelo químico e biólogo francês Louis Pasteur (1822-1895), foi aplicada pela primeira vez em um ser humano em 6/7/1885. O ‘voluntário’ foi Joseph Meister (1876-1940), então com 9 anos de idade (ver o artigo Por que o Dia Mundial das Zoonoses é comemorado em 6 de julho?). O garotinho francês, que havia sido mordido por um cão, conseguiu se recuperar. A invenção de Pasteur foi um marco na história da luta contra as doenças infecciosas. Para lembrar o feito e marcar a data, a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu o Dia Mundial das Zoonoses [4].

C.

Uma zoonose de grande importância histórica é a varíola, doença causada por um ortopoxvírus (vírus da família Poxviridae). Diferentemente da raiva, trata-se de uma doença contagiosa: indivíduos infectados transmitem o parasita para novos hospedeiros pela simples proximidade ou por meio de contato físico.

O vírus da varíola infecta vários órgãos internos do corpo antes de ganhar a corrente sanguínea e ir se alojar na epiderme. O crescimento do vírus nas camadas epidérmicas da pele causa as lesões (pústulas). A letalidade da doença é das mais expressivas: cerca de 20% dos indivíduos infectados morriam.

Ademais, sendo a varíola uma doença contagiosa, os riscos de surtos epidêmicos sempre foram muito elevados. De fato, até meados do século 18, em cidades europeias densamente povoadas, como Londres e Paris, 10% ou mais de todos os óbitos eram atribuídos à doença. Entre as crianças pequenas, mais especificamente, costumava ser a principal causa de morte.

Em regiões densamente povoadas, portanto, a varíola era uma temida fonte de mortalidade. Razão pela qual havia uma justificada expectativa de que algum método de cura ou prevenção fosse inventado. Foi nesse contexto que emergiu uma discussão a respeito da variolação (= enxertia ou inoculação) [5], uma técnica rudimentar de imunização induzida que havia sido introduzida na Europa em 1721.

Entre os críticos da inoculação estava o matemático e naturalista francês Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783). Entre os defensores estava o seu colega suíço Daniel Bernoulli (1700-1782). Na opinião desde último, o problema poderia ser colocado da seguinte maneira: Deve ou não o governo promover a vacinação de todos os recém-nascidos?

Em um artigo escrito em 1761 (mas que só seria publicado em 1766), Bernoulli confrontou os riscos e os benefícios das duas alternativas em questão: não vacinar (assumindo o risco de morrer da doença) versus vacinar (assumindo o risco de morrer em decorrência da vacinação) [6]. E concluiu a sua análise de modo afirmativo, sustentando que a inoculação deveria ser encorajada, visto que resultava em um aumento significativo na expectativa média de vida.

D.

A inoculação pode ser vista como um processo em duas etapas: (i) extrair material das pústulas de varíola de um indivíduo doente; e (ii) esfregar o material extraído sobre um arranhão feito na pele (em geral na mão ou no braço) de um indivíduo sadio.

Não era um procedimento inteiramente seguro. No entanto, visto que as probabilidades envolvidas eram desiguais (i.e., as chances de um indivíduo sadio morrer em decorrência da inoculação eram menores que as chances de um indivíduo infectado morrer da doença), o uso da técnica terminou se estabelecendo entre os médicos europeus. Tudo correndo bem, o indivíduo inoculado desenvolvia uma forma branda da doença, da qual se recuperava gradativamente. A partir de então estava protegido (imunizado).

A inoculação foi introduzida na Inglaterra – de onde foi levada para outros países ocidentais – por Mary Wortley [Pierrepont] Montagu (1689-1762), aristocrata e escritora inglesa, esposa do embaixador britânico junto ao Império Otomano (Turquia) [7].

Além de ter perdido um irmão para a varíola (1713), a própria Montagu teve a doença (1715). Enquanto esteve na Turquia (1716-1718), entrou em contato com um grupo de senhoras que aplicavam a técnica (chamada pelos turcos de enxerto). Chegou a presenciar ao menos uma sessão. O processo que Montagu conheceu – o mesmo que ela aplicaria mais tarde em seus dois filhos – já seria uma modificação do procedimento original, desenvolvido na China. Consta que crianças chinesas sadias eram preventivamente imunizadas. O procedimento consistia em fazer com que elas inalassem partículas de pó de material seco previamente retirado das feridas de algum doente. Desse modo, elas ganhariam alguma imunidade.

E.

A inoculação continuou sendo usada em toda a Europa. Não tardou muito, porém, para que um método alternativo fosse desenvolvido.

Em 1796, o naturalista e médico inglês Edward Jenner (1749-1823), ele próprio vítima da varíola durante a infância, descobriu que a forma bovina da doença (cowpox, em inglês) conferia aos seres humanos que estavam em contato com os animais alguma proteção contra a forma letal (smallpox). Após uma série de estudos e testes, Jenner desenvolveu uma técnica de imunização artificial (vacinação). Publicou seus achados em 1798.

F.

A varíola é uma doença muito antiga, havendo indicações de que o vírus esteve conosco desde tempos pré-históricos [8]. É também a única doença infecciosa que nós conseguimos erradicar. Consta que o último portador conhecido da doença (infectado de modo natural) vivia na Somália, tendo sido curado em 1977 (ver aqui). Em 1980, a OMS declarou que a varíola havia sido extinta.

É pouco provável que nós consigamos extinguir a Covid-19. Todavia, se Bernoulli estivesse vivo, não tenho dúvidas de que ele responderia à pergunta do título de modo afirmativo e bastante taxativo: “Sim, o governo deve vacinar a população. E o mais rápido possível.”

No caso brasileiro, a julgar pelo que vem ocorrendo desde o início de novembro, cada dia de atraso (deliberado) na campanha de vacinação implicará inevitavelmente na morte (criminosa) de algumas centenas a mais de brasileiros – algo entre 500-1.000 mortes/dia, levando em conta os resultados obtidos para a semana passada (7-12/12) (ver o artigo O ‘V’ da pandemia: País ladeira abaixo, estatísticas ladeira acima).

Notas.

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] De acordo com as estatísticas de 2016 (WHO 2018): pneumonias (e outras infecções do trato respiratório inferior) mataram 2,96 milhões de seres humanos; diarreia (amebiana e outras), 1,38 milhão; tuberculose, 1,29 milhão; Aids, 1 milhão; malária, 446 mil; e meningite, 279 mil. Esse percentual já foi maior, tendo caído significativamente ao longo dos últimos anos: 33% (1996), 23% (2000) e 15% (2016) – ver WHO (1996) e WHO (2018).

[2] Todos os grupos taxonômicos que abrigam patógenos humanos possuem percentuais expressivos de espécies de origem zoonótica: 80% dos vírus que infectam seres humanos são de origem zoonótica, 50% das bactérias, 40% dos fungos, 70% dos protozoários e 95% dos vermes. Para detalhes, ver Taylor et al. (2001).

[3] Mesmo a lambida de um animal infectado pode ser perigosa, pois o vírus presente na saliva pode penetrar em lesões ínfimas. Para detalhes, ver Tortora et al. (2006). Sobre a estatística mencionada, ver WHO (2018).

[4] Entre nós, a data (6 de julho) passou despercebida. Quer dizer, nem mesmo a pandemia da Covid-19 (mais uma doença de origem zoonótica) foi capaz de fazer com que a nossa imprensa abrisse os olhos e saísse de sua habitual letargia. Em outros países, a imprensa costuma manter ao menos um dos olhos abertos – ver aqui.

[5] Para uma caracterização do processo, ver Fenner et al. (1988).

[6] Sobre a polêmica Bernoulli versus D’Alembert, ver Colombo & Diamanti (2015).

[7] Sobre a introdução da variolação na Inglaterra, ver Weiss & Esparza (2015); para detalhes sobre a vida e obra de MWM, ver Brunton (1991) e Soares (2018). Personagem das mais fascinantes, Montagu nos legou uma rica e variada obra literária (e.g., aqui).

[8] Há evidências de varíola em múmias egípcias com mais de 3.000 anos de idade. Do Egito a doença teria sido exportada para a Índia, há uns 2.000 anos, onde se tornou endêmica. E teria sido introduzida na China no século 1. Na Europa, a despeito de surtos ocasionais, a doença só teria se estabelecido entre os séculos 11 e 12, já durante as Cruzadas. Para detalhes, ver Fenner et al. (1988).

*

Referência citadas.

++ Brunton, D. 1991. Pox Britannica: Smallpox inoculation in Britain, 1721-1830. Tese de Doutorado. Filadélfia, University of Pennsylvania.

++ Colombo, C & Diamanti, M. 2015. The smallpox vaccine: the dispute between Bernoulli and d’Alembert and the calculus of probabilities. Lettera Matematica 2: 185-92.

++ Fenner, F. & mais 4. 1988. Smallpox and its eradication. Genebra, World Health Organization.

++ Snowden, FM. 2019. Epidemics and society: From the black death to the present. New Haven, Yale UP.

++ Soares, MJO. 2018. Mary Montagu e a inoculação da varíola na Inglaterra no século XVIII. Khronos, Revista de História da Ciência 5: 35-46.

++ Taylor LH; Latham SM & Woolhouse MEJ. 2001. Risk factors for human disease emergence. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 356: 983-9.

++ Tortora, GJ; Funke, BR & Case, CL. 2006. Microbiologia, 8ª ed. Porto Alegre, Artmed.

++ Weiss, RA & Esparza, J. 2015. The prevention and eradication of smallpox: a commentary on Sloane (1755) ‘An account of inoculation’.  Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 370: 20140378.

++ WHO. 1996. World health report 1996: fighting disease, fostering development. Genebra, World Health Organization.

++ —. 2018. Global health estimates 2016: disease burden by cause, age, sex, by country and by region, 2000-2016. Genebra, World Health Organization.

* * *


Um número inteiro do Shanghai Daily dedicado quase que inteiramente, exclusivamente, ao tema da Covid-19

 Um número inteiro do Shanghai Daily dedicado quase que inteiramente, exclusivamente, ao tema da Covid-19: December 20, 2020 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

O caso curioso dos assassinatos inconscientes - Paulo Roberto de Almeida

 O caso curioso dos assassinatos inconscientes

(Mas ainda não solucionados por Hercule Poirot)

Paulo Roberto de Almeida


Da postagem em Twitter de jornalista ou atuante em comunicação:

“Hoje conversei com um médico que atua em um famoso hospital de  SP. 

E ele: 

“Perdi a conta de quantos intubei, você que atua em comunicação, me diz, o que eu preciso fazer para que as pessoas não façam festas e reuniões no fim do ano? O que vc acha que funciona? Faço qualquer coisa!” 

Eu: ...”


PRA: Em algumas circunstâncias, em processos judiciais, o dono da arma também pode ser considerado culpado se não foi responsável o suficiente para evitar uma tragédia. Por exemplo, o adulto que deixou arma carregada em caso de suicídio ou morte indesejada de menor.

Seria igualmente o caso desses disseminadores do virus no caso da morte de inocentes alheios a qualquer evento onde se propagou o virus?

Estamos assistindo à normalização de todo um contingente de irresponsáveis inconscientes?

Deveriam eles ser responsabilizados criminalmente, caso comprovada a transmissão?

Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Brasil se alia aos países ricos e acesso à vacina se transforma em crise - Jamil Chade (UOL)

 O argumento da diplomacia bolsolavista não se sustenta: o próprio GATT e as legislações nacionais sobre comércio e patentes ressalvam questões cruciais desse tipo, e em casos de saúde pública, segurança nacional e ordem doméstica podem ser derrogados ou suspensos determinados critérios e cláusulas de tratados e legislações internas.

E não se trata nem de investimentos: patentes podem ser objeto de licenciamento compulsório em casos como esse,  sendo que os contratos podem oferecer uma justa remuneração aos fabricantes.

O que ocorre aqui é que, mais uma vez, o chanceler acidental e a diplomacia bolsolavista se dobraram às ordens que vieram de Washington.

Paulo Roberto de Almeida

Brasil se alia aos países ricos e acesso à vacina se transforma em crise

Jamil Chade
Colunista do UOL
20/11/2020 11h38, Atualizada em 20/11/2020 13h56

Se a vacina contra a covid-19 começa a se transformar em realidade, a disputa por seu controle ganha dimensões políticas e ares de um novo confronto comercial.

Nesta sexta-feira, a OMC voltou a se reunir para debater a proposta liderada pela Índia e África do Sul de suspensão da propriedade intelectual de todos os produtos relacionados com o tratamento contra a covid-19. Mas os países ricos e o Brasil se recusaram a aceitar a ideia, abrindo um impasse.

No total, 99 dos cerca de 160 países membros da entidade anunciaram o apoio ao projeto de suspender a aplicação de patentes para produtos relacionados com a covid-19. A meta é a de garantir que a propriedade intelectual não seja um obstáculo para o acesso de bilhões de pessoas pelo mundo à vacina, até que haja uma imunidade de rebanho contra o vírus no mundo. Entidades internacionais, como a OMS, saíram em apoio da ideia, além de movimentos sociais e igrejas de todo o mundo.

Mas, revertendo décadas de uma postura tradicional da diplomacia brasileira, o Itamaraty optou por se recusar a se unir ao grupo que sugere a suspensão das patentes.

Sem um acordo, a OMC anunciou uma nova reunião para o dia 10 de dezembro. Mas, segundo diplomatas, dificilmente haverá uma mudança na postura dos governos até la.

O argumento dos países ricos e do Brasil é de que suspender patentes poderia afetar os incentivos que suas empresas farmacêuticas teriam para investir em inovações. Hoje, as três grandes promessas de vacinas contra a covid-19 vêm justamente de companhias com sede na Europa ou EUA. Nas negociações para a venda de produtos, nenhuma delas abriu mão de suas patentes.

Sem patentes, a ideia é de que países poderiam ampliar a produção de genéricos ou reduzir o pagamento de royalties para essas empresas. Além disso, as condições favoráveis que estão sendo negociadas apenas são válidas por um período de pandemia. No caso do Brasil, o acordo com a AstraZeneca revela que é a empresa quem tem o poder de declarar quando esse período de pandemia termina.

Para o Itamaraty, as regras do comércio sobre propriedade intelectual - conhecidas como TRIPS - já permitem uma flexibilidade suficiente para que, em caso de necessidade, governos solicitem a quebra de patentes. Nos anos 90 e início do século 21, o Brasil liderou o movimento global por um acesso mais justo ao tratamento contra a Aids.

No caso do Brasil e dos países ricos, a ordem na reunião de hoje era de se opor firmemente à proposta, observando que não há indicação de que os direitos de propriedade intelectual tenham sido uma verdadeira barreira ao acesso a medicamentos e tecnologias relacionados com a COVID-19.

Brasil questiona proposta e alerta que não seria solução global 
No caso do Brasil, depois de já pedir esclarecimentos, o Itamaraty voltou a usar a reunião para solicitar novas explicações por parte dos emergentes. O governo questiona por qual motivo haveria uma suspensão em copyright ou desenhos industriais.

O Brasil também questionou se a proposta seria mesmo a via mais rápida para ter acesso aos produtos, já que tais medidas precisariam passar por parlamentos nacionais.

"Neste cenário, a utilização de flexibilidades do TRIPS, tais como licenças obrigatórias, poderia ser uma via rápida para aceder a fornecimentos vitais de medicamentos e terapêuticas relacionados com a COVID-19", defendeu o Itamaraty.

O governo também deixou claro que a suspensão das patentes não seria uma solução global. "Uma suspensão dificilmente seria uma solução global se considerarmos que vários membros podem não a implementar", alertou. Isso por optarem não seguir o caminho ou por dificuldades legislativas. A recusa em suspender as patentes ainda poderia estar vinculada a obrigações que esses governos teriam por acordos bilaterais ou regionais.

Para o Brasil, a estratégia deve ser outra. "Gostaríamos de reiterar a nossa opinião de que as flexibilidades TRIPS, entre outros instrumentos à disposição dos estados membros, tais como a colaboração internacional e o licenciamento voluntário, poderiam e deveriam ser utilizados para aumentar a produção de produtos médicos e garantir uma oferta suficiente e acessível", defendeu o governo.

O Itamaraty sugeriu aos emergentes que essas vias sejam exploradas para "atingir os seus objetivos de política de saúde".

Países ricos dizem que não são as patentes que impedem acesso

Já os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão, o Canadá e a Suíça reconheceram que o fornecimento sustentado e contínuo de tais medicamentos e tecnologias é uma tarefa difícil.

Mas alertaram que os sistemas de saúde e de compras não eficientes e sem recursos, a demanda e a falta de capacidade de fabricação são muito mais susceptíveis de impedir o acesso a estes materiais que patentes.

Para os países ricos, a suspensão das patentes, mesmo durante um período de tempo limitado, não só era desnecessária, como prejudicaria também os esforços de colaboração para combater a pandemia que já estão em curso.

Carência
Já os autores da proposta - Índia, África do Sul e Quênia - alertaram que a pandemia requer um acesso rápido a produtos médicos acessíveis, tais como kits de diagnóstico, máscaras médicas, outros equipamentos de proteção pessoal e ventiladores, bem como vacinas e medicamentos.

Para ele, o surto levou a um rápido aumento da procura global, com muitos países a enfrentarem carências, limitando a capacidade de responder eficazmente ao surto. Segundo o grupo, à medida que novos diagnósticos, terapêuticas e vacinas para a COVID-19 são desenvolvidos, continuam a existir preocupações significativas sobre como elas serão disponibilizadas rapidamente, em quantidades suficientes e a preços acessíveis para satisfazer a procura global.

A defesa dos emergentes foi no sentido de que a OMC deve agir para derrotar a pandemia e que os governos devem assumir responsabilidade coletiva e colocar a vida das pessoas acima de qualquer outra coisa.

"Como guardiães da ordem comercial mundial, creio que ninguém gostaria de ser conhecido por salvar peixe, mas não vidas humanas", disse o Paquistão.

Outro grupo de membros, incluindo China, Ucrânia, Chile, Equador, México, Turquia e El Salvador, aplaudiram a proposta, mas disseram que ainda a estavam estudando seus detalhes e pediram esclarecimentos sobre certos pontos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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