Denise Dweck
Revista Veja, Ed.2005,
25 de abril 2007
Os
indígenas americanos, aqueles idealizados pelo cinema como guerreiros
indômitos do oeste selvagem, chegaram aos tempos modernos em condições
nada gloriosas. Pobres, habitando aldeias precárias ou a periferia de
grandes cidades, ainda enfrentaram ao longo do século XX sucessivas
quebras de acordos feitos com o governo sobre a delimitação de suas
terras. Há vinte anos, a sorte dos peles-vermelhas começou a mudar. A
Suprema Corte americana decidiu que os estados não poderiam proibir os
jogos de azar nas reservas indígenas caso os permitissem no restante de
seu território. A lei foi promulgada para proteger um dos negócios de
fundo de quintal mantidos na época pelos índios: as casas de bingo.
Livres para explorar a jogatina, os caciques transformaram os bingos em
pequenos cassinos. O negócio se expandiu a tal ponto que hoje os
indígenas são os reis do jogo nos Estados Unidos – têm nada menos que
391 cassinos, inclusive alguns dos maiores e mais suntuosos do mundo.
Entre eles está o Morongo Casino Resort Spa, a 150 quilômetros de Los
Angeles, erguido por 250 milhões de dólares pela tribo morongo. Juntos,
os cassinos pertencentes a tribos indígenas faturam 22,6 bilhões de
dólares por ano, mais do que Las Vegas e Atlantic City juntas.
Há
quatro meses, a tribo dos seminoles, da Flórida, deu seu passo mais
ambicioso: desembolsou 965 milhões de dólares pela rede de restaurantes,
hotéis e cassinos temáticos Hard Rock. Ao anunciar a compra, numa
cerimônia em Times Square, no coração de Nova York, o chefe da tribo fez
blague referindo-se ao fato de que a Ilha de Manhattan foi comprada dos
índios pelos colonizadores no século XVII. "Vamos comprar todas as
terras de volta, um hambúrguer de cada vez", disparou. A riqueza ainda
não chegou a todas as 561 tribos do país. Calcula-se que, do total de
1,8 milhão de índios americanos, 26% ainda vivam abaixo da linha de
pobreza. Mas, para a maioria deles, os tempos mudaram. Além dos
cassinos, seus negócios incluem redes de postos de gasolina, shopping
centers e atrações turísticas. No mês passado, a tribo hualapai
inaugurou uma passarela sobre uma parte do Grand Canyon que fica em sua
reserva, e cobra 25 dólares pelo ingresso. A obra custou 40 milhões de
dólares. Para tocar suas empresas, os índios lançam mão de recursos dos
grandes bancos e fundos de investimento americanos. Parte do lucro dos
negócios é dividida entre os membros das tribos e parte é gerenciada por
administradores. Cada um dos 775 morongos adultos recebe hoje entre 15
000 e 20 000 dólares por mês.
O
sucesso dos índios incomoda muita gente. Como as reservas são
consideradas nações soberanas em muitos aspectos, os empreendimentos que
estão dentro de seus limites não seguem as mesmas leis dos estados onde
estão localizadas. Isso significa que os negócios indígenas pagam muito
menos impostos, ou não pagam imposto algum, criando uma concorrência
desleal com os caras-pálidas. Em cidades próximas às reservas,
comerciantes vão à falência por cobrar preços mais altos que os dos
estabelecimentos indígenas. Além disso, disseminou-se entre os índios
enriquecidos a prática de comprar terras e requerer do governo que
estenda a elas – e aos negócios que passarão a abrigar – os privilégios
fiscais das reservas. Geralmente os pedidos são atendidos, já que os
índios possuem um lobby forte em Washington. Nas últimas eleições
legislativas americanas, eles doaram 7,6 milhões de dólares para
campanhas de candidatos. A soma é o dobro do que foi doado pela
indústria de tabaco, um dos setores que mais contribuem para campanhas
eleitorais nos Estados Unidos. São freqüentes as denúncias de corrupção
na concessão de privilégios aos índios. "O sistema que regula os
cassinos indígenas está totalmente corrompido. Os índios já constroem
cassinos em estados onde a lei os proíbe", disse a VEJA o advogado
americano John Warren Kindt, professor de administração da Universidade
de Illinois.
No
caso da recém-adquirida rede Hard Rock, os seminoles terão de abrir mão
de suas prerrogativas com relação aos impostos. Não seria possível
transformar legalmente todas as filiais do complexo, a maioria delas
fincada no centro de grandes metrópoles, em território indígena. Mas os
seminoles, que compõem uma das tribos mais ricas dos Estados Unidos, não
sentirão a mordida do Leão. Seus sete enormes cassinos instalados na
Flórida geram capital suficiente – livre de impostos – para quitar as
dívidas contraídas com bancos para a compra da rede. A prosperidade dos
índios americanos é ainda mais surpreendente quando se considera que
três décadas atrás eles ainda faziam invasões armadas em áreas que
pertenceram a seus antepassados, como Wounded Knee, em Dakota do Sul,
para exigir mais atenção do governo. Hoje, eles compram terras em lugar
de invadi-las.
- Os
indígenas são donos de 391 cassinos, que faturam 22,6 bilhões de
dólares por ano, mais do que Las Vegas e Atlantic City juntas
• A tribo seminole, da Flórida, comprou recentemente a rede Hard Rock por 965 milhões de dólares
• Nas últimas eleições legislativas americanas, os índios doaram 7,6 milhões de dólares a campanhas de candidatos