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quarta-feira, 23 de março de 2022

Talibã revoga permissão para meninas irem à escola (Deutsche Welle)

EducaçãoAfeganistão

Talibã revoga permissão para meninas irem à escola

Deutsche Welle, 23/03/2022 

Volta às aulas para meninas e meninos estava prevista para esta quarta-feira, mas ordem do grupo que comanda o Afeganistão vetou a presença delas "até segunda ordem". Missão da ONU no país critica a medida.

O Talibã determinou nesta quarta-feira (23/03) às autoridades do Afeganistão que impeçam meninas de participarem de aulas em escolas do ensino fundamental e médio no país, segundo o Ministério da Educação afegão.

"Informamos a todas as escolas de ensino médio para meninas e às escolas com alunas acima do sexto ano que elas estão vetadas até segunda ordem", informou um comunicado do Ministério da Educação.

A pasta informou que as escolas para meninas seriam reabertas assim que um plano fosse elaborado de acordo com a "lei islâmica e a cultura afegã".

O anúncio veio um dia depois de o porta-voz do Ministério da Educação ter divulgado um vídeo parabenizando os alunos pela volta às aulas. A pasta havia anunciado que abriria as escolas para todos os alunos, inclusive para meninas, a partir desta quarta-feira.

Imagens de meios de comunicação afegãos mostraram garotas chorando e protestando contra a mudança repentina.

ONU e EUA criticam medida

"A ONU no Afeganistão deplora o anúncio feito hoje pelo Talibã de que eles estão prorrogando ainda mais sua proibição por tempo indeterminado de que estudantes femininas acima da sexta série sejam autorizadas a voltar às aulas", disse a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama) em um comunicado.

Ian McCary, encarregado da embaixada dos Estados Unidos em Cabul, que está operando atualmente a partir de Doha, no Catar, escreveu no Twitter que estava "muito preocupado" com a ordem. "Todos os jovens afegãos merecem ser educados", disse.

O Talibã ainda não decidiu os próximos passos, disse Waheedullah Hashmi, um membro sênior do grupo fundamentalista. Segundo ele, matricular meninas no ensino médio poderia corroer o apoio ao governo do Talibã. "A liderança não decidiu quando ou como eles permitirão que as meninas retornem à escola", disse.

Hashimi afirmou que havia apoio para a educação das meninas nos centros urbanos, mas que grande parte do Afeganistão rural, especialmente nas regiões tribais de Pashtun, permanecia contra a ideia de educar as meninas.

Talibã cerceia os direitos das mulheres

Desde que assumiu o poder em agosto, após a retirada das tropas dos Estados Unidos e da Otan do Afeganistão, o Talibã impôs uma série de restrições às mulheres, incluindo a proibição de frequentarem escolas.

Em fevereiro, algumas universidades públicas foram reabertas e o Talibã disse que permitiria que as mulheres fossem às aulas, desde que as classes permanecessem segregadas e baseadas em princípios islâmicos. No entanto, houve relatos mistos sobre a medida, com mulheres sendo tanto permitidas como proibidas de frequentar as universidades.

O Talibã proibiu a educação para mulheres na última vez em que o grupo esteve no poder, de 1996 a 2001. A comunidade internacional tem repetidamente feito da educação de meninas e mulheres um ponto-chave de suas exigências, enquanto o Talibã busca o reconhecimento internacional de seu governo e mais ajuda estrangeira para o país.

bl/ek (AP, Reuters)

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Se Putin vencer, será o retorno à barbárie - Miodrag Soric (DW)

CONFLITOS UCRÂNIA

Se Putin vencer, será o retorno à barbárie

 Miodrag Soric

https://www.dw.com/pt-br/opinião-se-putin-vencer-será-o-retorno-à-barbárie/a-60929574?maca=bra-GK_RSS_Chatbot_Mundo-31505-xml-media

Vladimir Putin precisa vencer rápido a sua guerra de ofensiva contra a Ucrânia. Não porque tenha uma consciência ou escrúpulos. A questão é, antes, que caixões de jovens russos mortos na luta contra o povo-irmão ortodoxo suscitam dúvidas quanto à propaganda estatal de que esta seria uma guerra defensiva.

Em breve chega no Leste Europeu a época de jejum pré-pascoal, que o ex-homem da KGB, o serviço secreto da União Soviética, aproveitará para se apresentar como cristão devoto, de vela na mão. Só que isso não combina com as imagens de mulheres, crianças e homens que, por estes dias, morrem nos ataques do exército da Rússia.

Mas essa guerra não vai passar tão rápido. Mesmo que tenham que lutar com coquetéis molotov e com as mãos nuas, os ucranianos não vão desistir! O povo russo provou grande capacidade de sofrer durante a era soviética, e coragem na Segunda Guerra Mundial, mas os ucranianos não ficam nada atrás. Além disso, têm a primazia moral: estão defendendo seu país, suas famílias, sua vida. Os soldados russos, em contrapartida, chegam como agressores, ocupadores, fratricidas.

Paz e liberdade não são grátis

Para o tão reticente Ocidente, a questão é a seguinte: até agora, não havia hostilidade em relação à Rùssia. Pelo contrário: fazíamos negócios, cooperávamos na política, cultura e ciência. Milhões de russos vinham como turistas à Espanha, Turquia ou Grécia, lá onde também os europeus ocidentais passam suas férias. Justamente por isso, quase ninguém no Ocidente conseguia imaginar que Putin cometeria esse crime, e que os russos seguiriam essa loucura.

Sim, o presidente da Rússia tem razão: os europeus estão mal equipados, têm tomado a sua vida na prosperidade como um fato inquestionável. Mas isso está mudando, agora mesmo. Pois todo europeu que ame a liberdade e a paz percebe essa ofensiva contra os ucranianos como um ataque contra si mesmo. Todo mundo está vendo que Putin mente quando abre a boca, que não se atém a nenhum pacto nem regra internacional.

De repente, muitos na Alemanha compreendem, com nitidez maior do que lhes conviria, que só os Estados Unidos garantem a sua segurança – e estão gratos por isso. Mas é justo exigir de uma mãe do Mississipi que seus filhos se engajem pela segurança da Europa, quando outra mãe em Berlim não está disposta a isso? A Alemanha precisa acordar e compreender: a paz, a liberdade e a nossa democracia não são de graça.

A disposição de tornar as Forças Armadas alemãs novamente aptas à mobilização e a fortalecer a Otan cresce com cada foto de mulheres e crianças em prantos nos metrôs de Kiev, onde vão buscar proteção das bombas russas. Os europeus de dispõem a fazer sacrifícios em nome de seus valores. E vão fazer frente à declaração de guerra da Rússia contra a ordem pacítica da Europa.

Putin mente, China observa

As perspectivas que o mundo civilizado tem de ganhar essa luta, são boas. Putin pode bem tentar convencer seus compatriotas e o mundo de que a Rússia é forte, mas também isso é uma mentira. A moral dos russos é forte quando eles sabem que estão do lado do bem. Apesar da imprensa manipulada pelo Estado, vão cada vez mais perceber que sua guerra contra o povo-irmão ucraniano é um crime.

Além disso, a Rússia está economicamente fraca, pois Putin é incapaz de modernizar seu país. A atual classe política é ainda mais corrupta do que nos tempos do líder do Soviete Supremo Leonid Brejnev. E o presente chefe do Kremlin só suporta a seu redor servidores submissos, que ainda por cima humilha diante das câmeras.

Sanções econômicas e gastos de defesa significativamente mais altos não bastarão para vencer a confrontação com o ditador. A elite criminosa da Rússia tem que ser isolada; as relações diplomáticas, reduzidas ao mínimo.

Acima de tudo, entretanto, o Ocidente não deve fechar suas portas aos jovens russos. A economia alemã e americana procura desesperadamente centenas de milhares de profissionais. Quem queira emigra da Rússia, a fim de levar uma vida normal em ambiente seguro, deve ser bem-vindo.

Pois uma coisa é certa: a guerra da Rússia contra a Ucrânia vai custar muito dinheiro. Putin só conseguirá manter seu domínio se transformar seu país num grande presídio – como a China.

O que, aliás, é mais um motivo por que a civilização amante da liberdade deve vencer esse conflito: Pequim está acompanhando minuciosamente o que ocorre na Ucrânia. Caso Putin tenha sucesso, a China atacará Taiwan e, em algum momento, também outras nações.

Aí, só o que vai valer por todo o mundo é a lei do mais forte. A humanidade se precipitaria de volta na barbárie. Mas a coisa não precisa ir tão longe se, a partir de já, estivermos dispostos a também fazermos sacrifícios em nome da nossa liberdade.

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Miodrag Soric é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Economia tem pouco a comemorar no Bicentenário - Alexander Busch (Deutsche Welle)

Economia tem pouco a comemorar no Bicentenário

Alexander Busch

O Brasil teve forte crescimento em apenas 50 dos 200 anos que passaram desde que se declarou independente de Portugal. No resto do tempo, a economia ou estagnou, ou encolheu. Qual é o motivo para esse desempenho fraco? 


Este ano, em 7 de setembro, o Brasil comemora os 200 anos de sua independência. Do ponto de vista econômico, o balanço desses dois séculos é modesto. Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, demonstrou recentemente esse fato com uma análise estatística, segundo a qual o Produto Interno Bruto da população brasileira, de cerca de 5 milhões de pessoas em 1822, equivalia mais ou menos à metade do PIB dos americanos no mesmo ano. Um terço do povo brasileiro era escravizado.

Cem anos depois, a população cresceu para cerca de 30 milhões de pessoas. Com o café e a borracha, o Brasil viveu um boom de exportações. Mas a produção econômica havia encolhido para parcos 18% do PIB americano.

A partir de 1930, com o início da industrialização, começou a fase de crescimento mais longeva do Brasil até hoje. O país foi industrializado, aberto para a infraestrutura, cidades brotaram, também no interior. O Estado investiu maciçamente em megaprojetos como a Usina de Itaipu ou a fabricante de aeronaves Embraer. Alguns desses projetos tiveram sucesso. Muitos fracassaram.

Essa fase de crescimento durou meio século, até 1980, ano no qual foi registrado o pico do rendimento dos brasileiros em comparação com o dos americanos. Mesquita estima que o PIB per capita dos brasileiros era de 30 a 40% em comparação com o dos americanos. Desde então – principalmente nos últimos dez anos –, voltou a encolher para cerca de 25% do PIB americano.

O economista-chefe do Itaú Unibanco vê a abertura inexistente do país e o consequente protecionismo como motivo decisivo para o fraco desempenho do Brasil no contexto internacional.

No jornal Valor Econômico, Mesquita escreve que "o modelo de crescimento acelerado baseado em substituição de importações e liderado pelo Estado, que selecionava, protegia e financiava os chamados 'campeões nacionais'" é a razão para a estagnação econômica.

Eu vejo as coisas de maneira um pouco diferente.

Certamente, o isolamento de sua economia e a subvenção de empresas individuais é um motivo importante para explicar a falta de dinâmica na economia brasileira. Mas não é o motivo decisivo.

É que modelos similares já funcionaram relativamente bem na Ásia, a exemplo da Coreia do Sul. Com incentivos estatais direcionados a "campeões nacionais" e longos anos de substituição de importações, Seul criou uma indústria com capacidade para alto desempenho. O PIB per capita no país deixou o brasileiro para trás.

Mais decisivo, na minha visão, é que o Brasil sempre só incluiu uma pequena parte da população em sua economia. Isso começou nos tempos coloniais, com a escravidão. Até hoje, porém, a maioria da população é excluída ou participa da economia apenas marginalmente.

Há poucas possibilidades de ascensão para a maior parte dos brasileiros: a má qualidade do ensino público e do sistema de saúde, a segurança pública ausente e a infraestrutura fraca impedem que a maioria da população tenha chance de se integrar na produção econômica.

Isso vale principalmente para a grande fatia afrodescendente da população (56%) e também para os 30 milhões de brasileiros que têm apenas até um salário-mínimo à sua disposição. Quem não consegue obter uma educação também ganhará pouco dinheiro e nunca conseguirá consumir de forma a catalisar um salto de desenvolvimento na economia.

Enquanto a elite brasileira – ou seja, as classes média e alta – dividir entre si os cargos públicos administrativos e nas empresas estatais, além dos postos nos conselhos administrativos e cargos de diretoria nas empresas privadas, o Brasil continuará crescendo abaixo de seu potencial.

Apesar de todos os avanços e tentativas das últimas duas décadas, o Brasil está cada vez menos preparado para a transformação digital da sociedade e da economia que acontece atualmente no mundo todo.

Há pouco a comemorar nas celebrações do bicentenário da Independência.

--

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.



domingo, 26 de dezembro de 2021

Rússia e Ucrânia: a cronologia de uma guerra não declarada - Roman Goncharenko (Deutsche Welle)

Rússia e Ucrânia: a cronologia de uma guerra não declarada

Roman Goncharenko
há 3 horas

As raízes do conflito entre Rússia e Ucrânia são bastante profundas. No cerne da questão está o fato de Moscou não aceitar a independência ucraniana, enquanto tenta bloquear a aproximação de Kiev com o Ocidente.

As tensões entre a Rússia e a Ucrânia têm uma história que remete à Idade Média. Ambas possuem raízes comuns que se estendem até a época do antigo Estado da Rússia de Kiev, nas terras eslavas do leste. Esse é o motivo pelo qual o presidente russo, Vladimir Putin, se refere aos dois países como "um só povo".

O fato, porém, é que as duas nações estão divididas há séculos, o que resultou no surgimento de dois idiomas e duas culturas proximamente relacionadas, mas bastante distintas.

Quando a Rússia se desenvolveu politicamente em um império, a Ucrânia se provou incapaz de estabelecer um Estado próprio. No século 17, uma ampla região do que é hoje o território ucraniano se tornou parte do Império Russo.

Após a desintegração desse império, em 1917, o país vivenciou um breve período de independência, antes de a União Soviética o reconquistar à força.

Anos 1990: Rússia se desprende da Ucrânia

Em dezembro de 1991, Ucrânia, Rússia e Belarus assinaram um acordo que selava efetivamente o fim da União Soviética. Moscou, porém, pretendia manter sua influência na região através da recém-criada Comunidade dos Estados Independentes (CEI).

O Kremlin também calculava que o fornecimento de gás natural a baixo custo manteria a Ucrânia em sua órbita. Mas as coisas se desenrolaram de maneira bem diferente. Enquanto Rússia e Belarus forjaram uma aliança próxima, a Ucrânia se aproximava cada vez mais do Ocidente.

Isso não passou desapercebido pelo Kremlin, apesar de não bastar para gerar um conflito entre os dois lados na década de 1990. Moscou parecia não estar preocupada, enquanto o Ocidente não demonstrava qualquer intenção de integrar a Ucrânia à sua esfera de influência. A Rússia lidava com uma depressão econômica e se via amarrada no conflito militar na Tchetchênia.

Em 1997, Rússia e Ucrânia assinaram o Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria, conhecido como o "Grande Tratado", através do qual Moscou reconhecia as fronteiras oficiais da Ucrânia, incluindo a Península da Crimeia, região que abriga uma maioria étnica russa.

Racha na amizade pós-soviética

A primeira grande crise diplomática entre os dois lados surgiu com a chegada de Putin ao poder. Em 2003, a Rússia começou a construir, inesperadamente, uma barragem no estreito de Kerch, próximo à ilha ucraniana de Tulza – entre o território russo e a Península da Crimeia.

Kiev considerou isso uma tentativa russa de redesenhar as fronteiras nacionais. O conflito somente foi resolvido após um encontro frente a frente entre os dois presidentes. A construção foi suspensa, mas a fachada de amizade entre os dois lados começou a demonstrar rachaduras.

As tensões de agravaram durante as eleições presidenciais na Ucrânia em 2004, com Moscou colocando todo seu peso a favor do candidato pró-Rússia Viktor Yanukovych. A chamada Revolução Laranja evitou que ele assumisse. A eleição foi declarada fraudulenta, e o candidato pró-Ocidente Viktor Yushchenko se tornou presidente.

Uma invasão russa na Ucrânia?

A Rússia reagiu ao cortar o fornecimento de gás para a Ucrânia em duas ocasiões, em 2006 e 2009, além de interromper também o abastecimento para a União Europeia.

Em 2008, o então presidente dos Estados Unidos George W. Bush pressionou pelo início do processo de adesão da Ucrânia e da Geórgia à Otan, apesar dos protestos de Putin, cujo governo não reconhece totalmente a independência ucraniana.

A Alemanha e a França frustraram os planos de Bush em uma cúpula da Otan em Bucareste, na Romênia, onde a adesão ucraniana foi discutida, mas sem que fossem estabelecidos os prazos para esse processo.

Após as coisas não irem tão bem quanto o esperado em relação à Otan, a Ucrânia fez uma nova tentativa de reforçar seus laços com o Ocidente, através de um acordo de associação com a União Europeia. Mas, no verão de 2013, poucos meses antes da assinatura do documento, Moscou passou a exercer forte pressão econômica sobre Kiev e forçou o governo do então presidente Yanukovych a congelar o acordo. 

O governo russo impôs um embargo sobre produtos ucranianos exportados para o país, o que insuflou os protestos em massa em toda a Ucrânia. Em fevereiro do ano seguinte, o presidente ucraniano fugiu para a Rússia.

Anexação da Crimeia se torna ponto de inflexão

O Kremlin se aproveitou do vácuo de poder em Kiev e anexou a Península da Crimeia em março de 2014. Esse foi um ponto de inflexão nas relações entre os dois países e o início de uma guerra não declarada.

Ao mesmo tempo, forças paramilitares russas começaram a mobilizar um levante separatista na região de Donbass, no leste ucraniano, e instituíram "repúblicas populares" lideradas por Moscou, com simulacros de Estados em Donetsk e Lugansk.

O governo de Kiev esperou até depois da eleição presidencial de maio de 2014 para lançar uma grande ofensiva militar, que chamou de operação antiterrorismo. 

Em junho de 2014, o presidente recém-eleito Petro Poroshenko se reuniu com Putin na ocasião dos 70 anos da invasão da Normandia, na Segunda Guerra Mundial. O encontro, que passaria a ser conhecido como as conversações em Formato Normandia, ocorreu sob mediação da Alemanha e da França.

Ao mesmo tempo, o Exército ucraniano se mostrou incapaz de expulsar os separatistas. No final de agosto, Kiev acusou Moscou de intervir militarmente em larga escala, o que o Kremlin nega. Forças ucranianas próximas a Iloviask, a leste de Donetsk, foram derrotadas, em um episódio que se tornou um ponto de virada na guerra. O conflito foi oficialmente encerrado em setembro, com a assinatura de um cessar-fogo em Minsk.

Guerra de exaustão em Donbass

O que se seguiu foi uma guerra de exaustão que continua até os dias atuais. No início de 2015, os separatistas lançaram uma nova ofensiva, segundo Kiev, apoiados por tropas russas que, antes dos combates, removeram de seus uniformes suas identificações, o que Moscou também nega.

As forças ucranianas sofreram uma nova derrota, dessa vez na cidade estrategicamente importante de Debaltseve, de onde foram forçadas a se retirar. A intermediação do Ocidente resultou no que passaria a ser conhecido como o Protocolo de Minsk, um acordo que serve como base para os esforços de paz, mas que até hoje não chegou a ser cumprido.

A última vez em que houve uma ponta de esperança de paz na região foi no outono de 2019, quando soldados dos dois lados foram retirados das linhas de frente. A chamada Cúpula da Normandia em Paris, em dezembro de 2019, marcou a última vez em que os dois lados se sentaram à mesma mesa.

O presidente russo não tem interesse em se reunir frente a frente com seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, a quem Moscou acusa de não cumprir o Tratado de Minsk. Putin continua a exigir que os Estados Unidos mantenham a Ucrânia fora da Otan e que o país não receba ajuda militar. A Otan rejeita categoricamente essa exigência.


sábado, 11 de dezembro de 2021

Explosão do número de brasileiros detidos na fronteira México-EUA - Bruno Lupion (DW)

Os migrantes ilegais do Brasil para os EUA são uma vergonha para o país, mas não do ponto de vista de quem tenta: eles estão em busca de uma vida melhor, o que tem sido praticamente impossível para alguns aqui no Brasil, tanto por retrocessos econômicos como pela corrupção e insegurança (que é o que motiva a classe média a sair do país, ou seja, não mais emigração de braços, mas de cérebros).

Vai demorar para consertar, infelizmente.

Paulo Roberto de Almeida

 

Por que a migração de brasileiros para os EUA explodiu

Bruno Lupion

Deutsche Welle, 10/12/2021

Sob pressão, México começa a exigir visto de brasileiros neste sábado. Em um ano, 56,7 mil foram detidos cruzando fronteira americana, um recorde. Decisão de partir envolve crise econômica, contatos e vontades pessoais.

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A partir deste sábado (11/12), brasileiros que querem viajar ao México precisarão de visto – e isso não tem a ver com a relação entre os dois países. A nova exigência é fruto de pressão do governo dos Estados Unidos, que tenta reduzir a entrada de brasileiros sem documentos em busca de uma vida melhor em solo norte-americano.

A preocupação de autoridades dos EUA com a imigração de brasileiros é relativamente nova. Até 2018, a apreensão anual de brasileiros na fronteira sul dos Estados Unidos nunca representou mais de 1% do total de detidos. Houve uma mudança importante em 2019, quando 17,9 mil brasileiros foram apreendidos (2,1% do total).

Em 2020, ano do auge da pandemia, as apreensões caíram para 6,9 mil (1,7% do total). E neste ano bateram o recorde da série histórica com 56,9 mil brasileiros detidos (3,3% do total). Os dados referem-se ao ano fiscal, que começa em outubro do ano anterior e termina em setembro do ano corrente.

O fenômeno ocorrido neste ano tem explicações locais, como a crise econômica que força as pessoas a buscarem alternativas e a rede de brasileiros cada vez mais estruturada nos Estados Unidos que facilita a atração de novos migrantes.

Mas não se trata de algo somente brasileiro. Neste ano fiscal de 2021, os americanos aprenderam 1,7 milhões de migrantes indocumentados na sua fronteira sul, o maior número da série histórica e o dobro do recorde anterior. Isso tem a ver com a crise social decorrente da pandemia em diversos países, e à expectativa de que o governo Joe Biden teria políticas mais favoráveis aos migrantes, que não se confirmou.

A maior preocupação dos americanos continua sendo os migrantes da América Central. Neste ano fiscal, foram apreendidos na fronteira sul dos EUA 655 mil mexicanos, 319 mil hondurenhos e 283 mil guatemaltecos.

Crise econômica como estímulo

Um dos aspectos que provocam a migração para outros países é a situação econômica na origem. E, nessa área, o Brasil tem apresentado resultados desanimadores. O atual PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país é o mesmo do que o de 12 anos atrás, ou seja, mais de uma década de estagnação. A inflação deve atingir 10% neste ano, que corrói o poder de compra, e o desemprego também está alto.

O padre Jairo Guidini, diretor executivo da Rede Internacional para Migrações (SIMN, na sigla em inglês), sediada em Nova York, é responsável por uma rede de casas e centros de acolhida a migrantes nos Estados Unidos e em outros países que atua inclusive nas três cidades americanas com grandes comunidades de brasileiros: Boston, Nova Jersey e Miami. Ele afirma à DW Brasil que a deterioração das condições de vida no Brasil é um fator determinante por trás da alta de migrações.

"Falta de emprego, inflação, aumento da miséria. As pessoas são obrigadas a tentar sair, e algumas tentam aqui uma oportunidade", diz, ressaltando que muitas são ludibriadas por propagandas enganosas de quem oferece o serviço de travessia. "Os coiotes dizem que elas vão arrumar emprego bom, que vão atravessar a fronteira tranquilamente, mas chegam aqui e se deparam com outra realidade, e muitas vezes têm que pedir ajuda a igrejas, parentes e amigos para poder pagar aluguel e comer", diz.

Ele relata que os coiotes cobram de 10 a 20 mil dólares pelo serviço (R$ 56 mil a R$ 112 mil). "Eles prometem que vão hospedar a pessoa em hotel, mas chegam aqui ficam amontoados em casas, dizem que vão usar um barco na travessia, mas na hora é uma canoa, e às vezes abandonam alguns na travessia", lembrando o caso da brasileira Lenilda dos Santos, técnica de enfermagem de 49 anos que morreu em setembro após ter sido deixada para trás no deserto.

Atração das redes brasileiras

A decisão de se mudar para outro país, porém, não se baseia somente na situação econômica. Pesam também os contatos pessoais que cada um possui e o desejo de tentar fazer a vida em outro lugar.

O demógrafo Dimitri Fazito, professor de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em migrações, destaca que a rede de brasileiros hoje morando nos Estados Unidos que estimula e apoia a chegada de mais conterrâneos é muito maior do que nas décadas passadas. Essa rede incluiu familiares e parentes que já emigraram e podem ajudar financeiramente e o acesso a documentos falsos e ofertas de emprego.

"A questão econômica é um estopim. Mas não aconteceria esse volume de migrações se não tivesse já um sistema operando para isso", afirma. Ele diz que essa estrutura começou a ganhar corpo no final dos anos 90 e cresceu nas duas décadas seguintes, e hoje há brasileiros nos Estados Unidos que ganham dinheiro para facilitar a migração de pessoas indocumentadas.

Fazito cita também uma "cultura migratória estabelecida" em algumas regiões do país e o fator cultural de uma juventude "hoje muito mais disposta a esse deslocamento, sem aquelas famílias que te prendem". "E há uma nova geração que adquiriu mais capital humano nos últimos 10 a 15 anos e busca realização pessoal."

Mudança de política sob Bolsonaro

Se a crise econômica e as redes pessoais estimulam a migração, por outro lado a política externa do governo Jair Bolsonaro não ajuda os brasileiros indocumentados a receberem um melhor tratamento das autoridades americanas, afirma Alex Brum, especialista em migrações e pesquisador do Centro de Estudos Estadunidenses da Universidade Federal Fluminense.

Ele relata que, em 2006, após os trabalhos de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso sobre emigração que analisou a situação dos brasileiros vivendo no exterior e as vulnerabilidades a que estavam expostos, o Itamaraty passou a adotar uma "postura mais ativa" na defesa dessa comunidade. "A conclusão da CPI foi que nossos cidadãos estavam sendo tratados de maneira desrespeitosa e houve uma mudança na política, passou-se a aplicar reciprocidade", afirma.

No governo Bolsonaro, a política de reciprocidade deixou de ser aplicada e o Itamaraty, segundo Brum, "passou a se mostrar favorável à deportação e à repatriação" de brasileiros. Ele cita como exemplo a emissão de atestados de nacionalidade de brasileiros sem documentos no exterior, que começaram a ser emitidos pelo governo brasileiro a pedido das autoridades americanas.

"O brasileiro é preso nos Estados Unidos e as autoridades americanas querem deportá-lo. Mas precisa de um documento. E o Itamaraty tem colaborado com o governo americano nesse sentido. É algo sério, é como se fosse outra pessoa pedindo ao governo um documento que é seu", diz.

O aumento das apreensões de brasileiros também levou o governo americano a contratar voos fretados de repatriação. A política começou a ser implementada no governo Donald Trump, com um voo semanal. A gestão Biden tentou elevar para três voos semanais, e o governo brasileiro aceitou receber dois por semana. "Os brasileiros vêm algemados", diz Brum.

Decepção com Biden

O padre Guidini, da SIMN, relata que havia entre muitos migrantes que tentaram a sorte neste ano uma expectativa de que o governo Biden teria uma política mais benéfica nesse tema, mas isso não ocorreu. "Foi uma decepção, a política de estado continua fechando a fronteira e expulsando os migrantes. A política americana nos últimos anos é a mesma, mesmo que mude o governo e o novo presidente seja mais humano e racional", afirma. "A atuação da polícia de fronteira está muito exigente.".

Ele espera que, se houver alguma mudança no setor, será para os migrantes já estabelecidos há mais tempo nos EUA, e não para aqueles que estão atravessando a fronteira agora.

"A expectativa de que as políticas migratórias do Biden fossem mais brandas colaborou [para o aumento das migrações]", concorda Brum. "Mas o atual governo está mantendo bastante da política migratória do Trump."

A nova exigência do México de visto para os brasileiros não resolverá o problema da migração de pessoas indocumentadas, mas terá como consequência o aumento da vulnerabilidade dos que tentam se mudar para os Estados Unidos, segundo Guidini. "Não adianta colocar novas travas legais, a migração continua. Isso vai aumentar a irregularidade e a violência dos coiotes", diz.

Muros e cercas do mundo

Donald Trump quer um "grande e belo muro" entre os EUA e o México para frear a migração e o narcotráfico. Em outros lugares, barreiras de concreto e metal feitas para resolver problemas tiveram variados graus de êxito.

Foto: Getty Images/J. Moore

Muro americano cresce

Antes de Donald Trump, Bill Clinton já mandou construir cercas na fronteira. Após os atentados de setembro de 2001, George Bush acelerou a construção. Desde então, quase 1.100 quilômetros de fronteira receberam paredes de concreto, vigas de aço e outros tipos de obstruções. 

Foto: Getty Images/D. McNew

"Muro da separação"

Desde 2002, Israel está construindo uma barreira ao longo da Cisjordânia. O projeto, oficialmente justificado como proteção contra o terrorismo, é altamente controverso e muitas vezes chamado "muro da separação". Há mais de dez anos, a Corte Internacional de Justiça declarou que ele viola o direito internacional. Israel, no entanto, continua construindo o muro, que deverá ter 759 km de extensão.

Foto: A. Al-BazzErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

"Linha de controle"

Um muro de controle militar de mais de 700 km na região da Caxemira divide a Índia e o Paquistão desde 1971. Em muitos lugares, esta "linha de controle" é reforçada por minas e arame farpado. A barreira de arame, que em alguns locais tem 3 metros de altura, também pode ser eletrificada. 

Foto: Getty Images/AFPErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Dividindo classes

Paredes divisórias também separam classes econômicas. Como em Lima, onde uma parede de concreto de 3 m de altura separa os moradores pobres de um bairro de ricos. Aliás, "condomínios fechados" são frequentes na América Latina. Os moradores da capital do Peru chamam a parede de "muro da vergonha". 

Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/S. CastanedaErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Sunitas e xiitas

Na capital do Iraque, um muro de 4 metros de altura e 5 km de extensão corta a cidade. Ele foi construído pelos militares dos EUA na região dominada pelos xiitas em 2007. Hoje, o muro separa quase 2 milhões de pessoas. Também em outros bairros de Bagdá, paredes de concreto separam enclaves sunitas de bairros xiitas.

Foto: Getty Images/W. KuzaieErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Um muro para a paz? 

O governo britânico construiu os chamados "muros da paz" na Irlanda do Norte em 1969 para separar católicos e protestantes. Portões permitiam a passagem para o outro lado. Em caso de conflitos, eles eram fechados. Alguns moradores dizem, no entanto, que as paredes acentuaram ainda mais a divisão na mente das pessoas. 

Foto: picture-alliance/dpa/M. SmiejekErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Entre o Norte e o Sul

Desde o final da Guerra da Coreia, nos anos 1950, uma zona desmilitarizada separa a Coreia do Norte, comunista, e a Coreia do Sul, capitalista. A faixa de cerca de 4 km de largura e 250 km de comprimento é uma das áreas restritas mais vigiadas do mundo. Em alguns pontos, muros marcam a fronteira entre as duas Coreias.

Foto: Getty Images/AFP/E. JonesErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Fortaleza Europa

Também a Europa está se isolando. Desde outubro de 2015, a Hungria está fechando sistematicamente sua fronteira para evitar refugiados. No início, a cerca ainda não era hermética. Hoje, no entanto, quase ninguém consegue mais passar para o outro lado. A Hungria também quer construir uma cerca ao longo da fronteira com a Sérvia. 

Foto: picture-alliance/dpa/S. UjvariErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Ceuta e Mellila

Nos enclaves espanhóis de Ceuta e Mellila, no Marrocos, há fortificações especialmente altas. Para superá-las, é preciso passar por até três cercas. Para complicar, há detectores de movimento, câmeras infravermelhas e um arame farpado que penetra fundo na pele. Mesmo assim, muitos se arriscam e acabam se ferindo. 

Turquia e Síria

Bruno Lupion Repórter

 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Xi Jinping, o presidente eterno (Na verdade, Imperador do Novo Império do Meio) - Dang Yuan (Deutsche Welle)

O jornalista usa pseudônimo para garantir sua segurança e de sua família. 

Opinião

Opinião: Xi Jinping, o presidente eterno

Partido Comunista governa a China desde 1949, mas nenhum de seus políticos jamais teve tanto poder quanto Xi, opina o jornalista Dang Yuan. Líder chinês garantiu mais um mandato até 2027.

Deutsche Welle, 12/11/2021 

https://www.dw.com/pt-br/opini%C3%A3o-xi-jinping-o-presidente-eterno/a-59805306?maca=bra-GK_RSS_Chatbot_Mundo-31505-xml-media

Pessoas caminham em calçada em frente a cartaz com a figura de Xi Jinping. O presidente de 68 anos assegurou sua permanência como líder da China para além de 2022

Xi Jinping, de 68 anos, assegurou sua permanência como líder da China para além de 2022

Trata-se de um título que exige atenção: os 348 delegados do Comitê Central do Partido Comunista da China (CCP) aprovaram sua terceira "Resolução Histórica". O documento, porém, tem só um propósito: consolidar no poder um homem que, segundo as regras anteriores do partido, deveria se retirar da política no próximo ano, depois de dois mandatos de secretário-geral.

Xi Jinping, de 68 anos, assegurou sua permanência como líder do Comitê Central para além do 20º Congresso do Partido Comunista, em novembro de 2022. A nova resolução deixa isso claro, de maneira inequívoca. Como presidente da República Popular e da Comissão Central Militar (comandante supremo das Forças Armadas), Xi vai ditar os rumos do país até 2027.

Governar e assegurar o poder

O poder vicia. É por isso que, no início dos anos 1980, o visionário líder chinês Deng Xiaoping limitou a permanência no cargo dos ocupantes mais altos do poder a dois mandatos de cinco anos, e com boas razões.

Até hoje, todos os seus sucessores acataram esse limite. Jiang Zemin e Hu Jintao governaram a China por dez anos, nada além disso. 

Hoje, porém, a realidade é outra. O Partido Comunista governa a China desde 1949, mas nenhum político em seus cem anos de história teve tanto poder quanto Xi tem hoje. E a China nunca foi tão poderosa quanto é hoje em dia – em termos políticos, econômicos e militares.

Xi, que assumiu o poder em 2012, jamais deixou dúvidas de que desejava ficar mais tempo, e conseguiu garantir isso. Por exemplo, em 2017, o Comitê Permanente do Politburo não admitiu nenhum membro mais jovem do Comitê Central que pudesse vir a suceder Xi em 2022, ao final dos dois mandatos consecutivos. Isso foi algo inédito.

Em 2018, a pedido de Xi, foi aprovada uma emenda constitucional que aboliu o limite de mandatos presidenciais. Já a quantidade de anos que os membros do Politburo podem se manter no poder jamais chegou a ser limitada pela Constituição.

Mão de ferro e temores de guerra

Xi é visto publicamente, dentro e fora do país, como o garantidor da ascensão da China e de sua crescente prosperidade. Afinal, foi ele que proclamou a iniciativa Nova Rota da Seda, que fez com que a China colocasse em sua órbita países da Ásia, da África e da Europa e, ao fazê-lo, desafiasse a ordem mundial em vigor desde a Segunda Guerra Mundial.

Ele administra o partido com mão de ferro. Indica para os cargos mais importantes apenas aqueles nos quais confia. Se seus rivais não jurarem fidelidade a ele publicamente, ele os persegue sem misericórdia. Um delegado do Comitê Central, por exemplo, está ausente há alguns dias. Ele é investigado desde outubro por "graves violações das leis e da disciplina do partido”. Ironicamente, ele é um ex-ministro da Justiça. A suspeita é que ele pertença à facção errada dentro do partido.

Fora do Comitê Central quase não se fala em justiça socialista em concordância com a missão do partido. Ao contrário, Xi se apoia fortemente em um confronto ideologizado com os Estados Unidos. Esta é a sua maneira de tentar desafiar o capitalismo e legitimar seu próprio comando comunista. 

Nesse embate entre os dois sistemas, Taiwan é usada como trunfo. Em 2005, a República Popular aprovou a Lei Antisecessão, que legitima possíveis ataques à ilha. O uso de força militar contra aquela que Pequim considera uma província secessionista levaria os Estados Unidos e seus aliados a um conflito armado.

Tabus mantidos e quebrados

Governos e partidos autoritários jamais usam os tempos de turbulência para criar paz duradoura ou dar ao povo uma perspectiva de futuro. Ao contrário, preferem criar medo e usar o medo para governar, como uma ameaça de pano de fundo que os permite ficar no poder por mais tempo.

Houve uma tal onda de medo na semana passada que pessoas nas principais cidades chinesas começaram a comprar e estocar arroz e óleo de cozinha. Muitos acreditavam que Xi iria atacar Taiwan a qualquer momento.

Em seu comunicado final após o congresso, o Comitê Central não economiza nos elogios a si mesmo. É um texto repleto de autocongratulações e autoglorificações. Acima de tudo – e isso é algo inédito – a "Resolução Histórica" é um documento que trata Xi como uma divindade, destacando suas "conquistas gloriosas". Suas ideias são descritas como "marxismo do século 21" e como um "salto quântico do pensamento marxista da China".

Ao adotar essa narrativa, o partido rompe um tabu. Mas outros permanecem. Erros históricos, como a Revolução Cultural (1966-1976), da qual o próprio pai de Xi foi uma vítima, ou a violenta repressão aos protestos estudantis de 1989, ainda não podem ser mencionados.

O jornalista da DW Dang Yuan escreve sob um pseudônimo para garantir sua segurança, assim como de sua família na China.


quinta-feira, 1 de abril de 2021

Celso Amorim sobre os militares e a antidiplomacia bolsolavista - Deutsche Welle

O ex-chanceler de Itamar e de Lula e ex-ministro da Defesa de Dilma, e eterno candidato a voltar ao Itamaraty, caso Lula volte ao poderá diz algumas quantas mentiras nesta entrevista à Deutsche Welle, mas acerta na maior parte das vezes em que critica a antidiplomacia e a não-política externa do desgoverno do genocida e seu patético chanceler acidental... PRA

ENTREVISTA, Deutsche Welle, 1/04/2021

"Nosso erro foi ter tido condescendência", diz Celso Amorim

Ex-ministro da Defesa no governo Dilma faz autocrítica sobre a falta de uma postura mais firme em situações de desrespeito de generais à prevalência do poder civil. "Eu não teria indicado o Villas-Bôas."

Celso Amorim

Celso Amorim chefiou Ministério da Defesa entre 2011 e 2015, no governo Dilma, e pasta das Relações Exteriores entre 2003 e 2010, sob Lula

O ex-ministro da Defesa Celso Amorim, que ocupou a pasta no primeiro mandato de Dilma Rousseff, acredita que os governos petistas erraram ao ter "condescendência” com posturas consideradas inadequadas de generais da ativa.

Sem especificar quais teriam sido os comportamentos acima do tom, Amorim defende que uma posição mais firme deveria ter sido tomada em situações de desrespeito à prevalência do poder civil.

"Deixaram pessoas com uma visão menos afinada com a prevalência do poder civil. É uma dificuldade intrínseca deles, que se expressou não por ser governo do PT”, afirma, em entrevista à DW Brasil.

Em entrevista à DW Brasil, o ex-ministro afirma que não teria indicado o general Villas-Bôas para o comando do Exército. A nomeação ocorreu em fevereiro de 2015, quando já havia deixado o cargo.

"Menos por uma percepção política de que ele ia fazer o que fez, e mais por eu ver nele uma pessoa que queria aparecer um pouco demais”, comenta. "Acho que a discrição é uma qualidade de um general. O militar não pode falar muito, pois está armado”.

Aos 78 anos, Amorim acompanha com preocupação o movimento "arriscado” do presidente Jair Bolsonaro que resultou na saída conjunta dos três comandantes das Forças Armadas. Ressaltando a dificuldade de decifrar as movimentações internas dos militares, ele não vê qualquer sinalização golpista entre os generais até agora.

Tendo chefiado o Itamaraty entre 1993 e 1995, no governo Itamar Franco, e nos dois mandatos do governo Lula, o ex-ministro diz acreditar que levará muito tempo para que o Brasil consiga reconstruir sua imagem internacional após os danos diplomáticos provocados no governo Bolsonaro, assim como se observou no pós-ditadura.

"Agora, o problema é mais grave, porque se trata de um governo eleito. Certas posições afetam a credibilidade do país. Quando um representante nosso, seja um jovem embaixador ou secretário, levanta a plaquinha nas assembleias, ali não está escrito ‘governo Bolsonaro', está escrito ‘Brasil'”.

DW: O livro de memórias do general Villas-Bôas explicita que havia um desconforto interno com os governos petistas, que atingiu seu ápice com a Comissão Nacional da Verdade. Isso era sentido por você à frente da Defesa?

Celso Amorim: A Comissão da Verdade realmente mexeu muito com as pessoas da reserva, sobretudo por ser um tema que lida com relações humanas e parentesco. Tem muitos formados da mesma família, às vezes o professor. Sem querer de forma alguma justificar, foi um assunto que pegou nervos expostos em vários setores. Eu não sentia nos comandantes uma oposição à Comissão. Obviamente que eles talvez não fossem elogiar. Mas a questão principal deles era a barganha por um equilíbrio a partir da Lei de Anistia, de investigar a verdade sem punir. A lei que criou a Comissão da Verdade reafirma a Lei de Anistia. Eu acho que eles absorviam, mas sofriam pressões externas, de ex-chefes, e deixavam a coisa delicada.

Mas nunca perdemos o diálogo a esse respeito. Eu fui intermediário entre a Comissão e eles em alguns momentos. A coisa me parecia bem manejada, mas isso tudo aflorou porque as instituições civis se debilitaram, sobretudo com o impeachment da Dilma. Uma parte importante da elite econômica e da mídia brasileira foi atrás deles, aí eles apoiaram. Não acho que nasceu lá. Podia haver descontentamento, mas, pouco antes do fim da Comissão, os jornais trouxeram como manchete um documento muito importante, em que eles admitem que violações de direitos humanos podem ter ocorrido nas organizações militares. Não é tudo, quem conhece um pouco de psicanálise sabe que a não negação é o primeiro passo para você chegar ao entendimento.

Houve ingenuidade dos governos petistas em relação aos militares e ao próprio general Villas-Bôas, nomeado comandante do Exército pela então presidente Dilma?

Não vou criticar a Dilma nem meus sucessores, mas eu não teria indicado o Villas-Bôas. Menos por uma percepção política de que ele ia fazer o que fez, e mais por eu ver nele uma pessoa que queria aparecer um pouco demais.

O comandante do Exército naquela época, assim como o chefe do Estado Maior e o comandante de Operações Terrestres eram pessoas muito discretas. E acho que a discrição é uma qualidade de um general. O militar não pode falar muito, pois está armado. Mas é uma questão de julgamento, as pessoas podem errar, assim como podem ter visto outros méritos que eu pessoalmente não veria. Ao mesmo tempo, não teria certeza, não diria "não ponha de jeito nenhum”. Não tivemos qualquer problema pessoal. Quando ele era comandante da Amazônia e eu tiver que ir lá, fui muito bem tratado.

Fui surpreendido quando o general Sérgio Etchegoyen assinou um manifesto contra a inclusão do pai dele no relatório da Comissão, sem por o nome como general, e sim como familiar. Deixaram pessoas com uma visão menos afinada com a prevalência do poder civil. É uma dificuldade intrínseca deles, que se expressou não por ser governo do PT. Acho que muitos realmente guardaram um ranço, mas o governo do Lula e da Dilma investiram muitíssimo. É só pegar projetos como o submarino nuclear, os caças Gripen, tudo aconteceu no governo do PT. Não houve falta de atenção na tarefa organicamente importante deles que é defender o país. 

No conjunto da obra, sem pensar em uma ação específica, acho que o nosso erro foi ter tido um pouco de condescendência nesses aspectos. Não em temas como a remuneração e condições adequadas para defender o país. Isso é justo e tinha que ser reivindicado. Mas, em algum momento, você tem que adotar uma posição mais firme.

Como ex-ministro de duas pastas importantes em que ocorreram trocas no início da semana, como você observa essas mudanças?

Pensando internacionalmente, até, eu não me lembro de ver a demissão dos ministros da Defesa e das Relações Exteriores no mesmo dia. São dois pilares do Estado. E ainda trocaram o ministro da Justiça, o terceiro pilar. Este foi numa espécie de dança de cadeiras, mas não deixa de ser um fato importante. É um movimento muito ousado, que deve ser lido com atenção.

O Bolsonaro é uma pessoa que luta principalmente pela sobrevivência. Seu objetivo, como ele mesmo enunciou, é desconstruir a realidade. Não é só contra os governos petistas. O chanceler que acaba de sair critica a política externa dos últimos 45 anos, do período Geisel para cá já não serve. O presidente fala o que agrada ao clã. Ele fez isso num momento em que se sentiu enfraquecido, com o manifesto dos banqueiros, a volta do Lula, os efeitos da pandemia e a derrubada do ministro das Relações Exteriores pela unanimidade do Senado. Era uma pessoa de quem ele gostava, e não teve uma voz que se levantasse para o defender.

Com esse movimento super arriscado, o Bolsonaro pode achar que ganha tempo. E, talvez, tenha razão. Para ele chegar a 2022, tem que passar pelos meses que faltam. Nesse período, pode ser que a pandemia arrefeça, por força da natureza ou avanço da vacinação. A economia mundial pode progredir, já há um crescimento da China e há muita expectativa sobre os EUA. Tudo isso pode fazer o preço das commodities subir, o que já está ocorrendo. Na expectativa dele, pode ser que a situação não seja tão ruim após uns cinco, seis meses.

Com que grau de preocupação você acompanha a crise entre o comando das Forças Armadas e o presidente Bolsonaro?

É complicado, entrar lá exige uma senha especial. Como estive lá por três anos e meio, tive alguns desses códigos, mas é sempre um pouco difícil. Por exemplo, eu não tenho certeza sequer se eles foram demitidos porque se sabia que iriam renunciar, ou se renunciaram porque sabiam que seriam demitidos. É uma coisa intrincada. Seja como for, é uma crise muito grande. Nunca houve um fato como este na história do Brasil.

Ele sentiu que precisava ter uma iniciativa, numa área que para ele é fundamental, a da segurança. O Bolsonaro tem muita confiança que poderá usar as polícias e outras forças que possam surgir. Ele próprio mencionou que poderia haver no Brasil um episódio como a invasão do Capitólio, nos EUA. O Bolsonaro precisa das Forças Armadas para agirem em seu favor, em face de uma dessas situações, ou para ao menos estarem neutralizadas. Foi esse conjunto de coisas que o levou a esse gesto totalmente inusitado, que não ocorreu nos governos militares nem em qualquer governo civil.

Você concorda com a leitura de que o comando das Forças Armadas sinalizou que não haverá endosso a iniciativas golpistas?

Sim, mas só estou falando com base em informações que saem na imprensa. Não fico chateando os poucos militares que conheço, pois sei que é uma situação muito difícil para eles. Uma das coisas que dizem é que o Bolsonaro esperava uma manifestação da Defesa, do Alto Comando ou do Exército crítica ou manifestando preocupação sobre a decisão do Supremo que trouxe o Lula de volta ao cenário político. Aparentemente, teria havido uma negativa do general Pujol de ir nessa direção. Obviamente, é algo que o incomoda muito e denota o respeito à institucionalidade.

Por um lado, é verdade que muitos militares se deixaram envolver pelos cargos, benefícios, e isso obviamente acaba tendo um reflexo na postura deles, mas o Alto Comando teve a preocupação de manter uma certa independência. Minha leitura até agora é de que iria acabar como na fábula em que o coelho começa a bater para pegar o melado e, no final, acaba grudado no melado, sem ter mais como sair. Mas a visão que eu tenho com esses últimos acontecimentos é que ele não estava totalmente grudado.

Qual é o legado deixado pela política externa conduzida pelo ex-ministro Ernesto Araújo ao longo de mais de dois anos?

É um desastre absoluto, de qualquer ângulo que você puder olhar. A própria percepção do Senado, de que uma má diplomacia estava tendo efeitos danosos para a vida das pessoas, nunca se viu antes. Havia interesses específicos. Às vezes, a agricultura achava que você podia fazer uma coisa, e a indústria não. Mas nunca houve uma unanimidade como desta vez em relação ao efeito danoso. E este é só o efeito interno. Em termos de substância e posicionamentos internacionais, o Brasil vai levar muito tempo para recuperar a credibilidade. Eu digo isso com muito pesar, porque queria que recuperasse rápido. Mas não é assim, no dia seguinte.

Após a ditadura militar, até o Brasil voltar a ter um papel importante na área de direitos humanos e voltar a ter uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, levou um tempo. E olha que a ditadura, em matéria de política externa, não foi tão ruim assim, sobretudo do Geisel para cá. Basta lembrar o Acordo Nuclear com a Alemanha, à revelia dos EUA. Com um governo militar de direita, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo auto-proclamado marxista-leninista em Angola, pensando nos seus interesses estratégicos com este país, entre outros aspectos.

Agora, o problema é mais grave, porque se trata de um governo eleito. Certas posições afetam a credibilidade do país. Quando um representante nosso, seja um jovem embaixador ou secretário, levanta a plaquinha nas assembleias, ali não está escrito "governo Bolsonaro”, está escrito "Brasil”.

A política externa adotada pelos governos petistas, na qual você teve papel central, também é apontada como "ideológica” por grupos mais moderados, de centro-direita. Como você reage?

Não se trata apenas de uma interpretação errada. É uma mentira. Dizem que o Brasil virou as costas para os EUA e a Europa. O Brasil assinou uma parceria estratégica com a União Europeia em 2007, a convite deles, uma coisa que a Europa só tinha com quatro ou cinco países.

Tomamos inciativas conjuntas com França,  Noruega, Portugal e Espanha. Mantivemos, ainda, uma excelente relação com a Alemanha. A Angela Merkel me recebeu para conversar sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC). Vá perguntar quantas vezes um chefe de Estado da Alemanha recebeu um ministro brasileiro. Não deve ter havido muitas. Eu não tenho registros. É porque davam importância ao Brasil nas negociações da OMC. O Brasil era central em muitas coisas que estavam acontecendo no mundo.

Com relação aos EUA, o Bush veio aqui duas vezes nos seis anos de coincidência de mandato, uma frequência incomum. E convidou o Lula também duas vezes, além das demais ocasiões em que o presidente foi lá por outros motivos. Um dos convites foi para Camp David, casa de campo do presidente norte-americano. Eu nem ligo para esses símbolos, mas quando as pessoas dizem que a gente virou as costas, é preciso lembrar essas questões.

No governo Dilma, por um bom trabalho feito pelos meus sucessores e ela própria, reflexo de um capital acumulado, elegemos os diretores-gerais da OMC e também da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). São inclusive organizações que se chocam, mas do primeiríssimo time do sistema internacional. Se você olhar, não vai encontrar com frequência duas pessoas da mesma nacionalidade exercendo esses dois cargos ou equivalentes ao mesmo tempo. Isso reflete o peso imenso que o Brasil tinha entre os países da África, Ásia e América Latina, sem perder prestígio com a Europa.

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