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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Itamaraty desmantelou a agenda ambiental? - Felipe Frazão

Deputados da oposição cobram do Itamaraty explicação sobre agenda ambiental
Bancada do PSOL exige de chanceler justificativa sobre desmobilização da frente diplomática dedicada ao meio ambiente
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
12 de agosto de 2020 | 15h42

BRASÍLIA – A oposição ao governo Jair Bolsonaro decidiu cobrar explicações do Itamaraty sobre a desmobilização da frente diplomática brasileira dedicada a discussões ambientais. A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados fez um requerimento de informações ao chanceler Ernesto Araújo, após o Estadão mostrar a perda de protagonismo do País, com redução do quadro de diplomatas dedicados ao tema, rebaixamento na estrutura da pasta.
O Brasil perdeu prestígio em cúpulas globais das Nações Unidas, isolou-se de antigos parceiros que costumavam apoiá-lo nessas negociações e abriu espaço para um avanço da Colômbia sobre a antiga liderança nacional entre países amazônicos. Nesta terça-feira, dia 11, o presidente colombiano Iván Duque promoveu o segundo encontro da Cúpula do Pacto de Letícia, esforço liderado por ele para assumir protagonismo na discussão.
Por videoconferência, Bolsonaro participou de uma rara agenda diplomática voltada à questão ambiental e climática. Defendeu acordos “justos e efetivos”, no ano que vem, nas conferências da ONU sobre a Biodiversidade (COP 15) e o Clima (COP 26). O presidente cobrou que países ricos contribuam com dinheiro para a preservação nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. O foco em obter recursos tem sido a tônica da diplomacia brasileira. Em nenhum momento, citou nominalmente os países.
“Exortamos as nações de fato preocupadas com o futuro da Amazônia a honrar seus compromissos de financiamento no âmbito da Convenção do Clima e das demais convenções internacionais sobre o meio ambiente”, afirmou Bolsonaro.
Em tom reativo, Bolsonaro disse que o Brasil tem “tolerância zero” com desmatamento e crimes ambientais. Ele conclamou os presidentes por “união” e “resistência” dos países sul-americanos contra críticas de países europeus. Disse que os países da região amazônica devem ser “senhores” de seus “territórios e destinos”, numa alusão ao princípio da soberania nacional, a grande preocupação de militares.
“Nós bem sabemos da importância dessa região para todos nós, bem como os interesses de muitos países outros nessa região. E também sabemos o quanto nós somos criticados de forma injusta por parte de muitos países do mundo”, disse Bolsonaro, em discurso escrito. “Devemos resistir. Essa região é muito rica, é praticamente o que sobrou no mundo no tocante à questão ambiental, riquezas minerais, biodiversidade entre tantas outras. Vamos resistir, a nossa união é a prova de que valorizamos essa área.”
Bolsonaro afirmou que o Brasil tem 14% do território como demarcado em terras indígenas e convocou os demais países a resistirem também à pressão por novas demarcações. “O mundo, esse que quer nos ver sem a nossa Amazônia, pretendia no meu governo chegar a 20% (de terras indígenas). Isso inviabilizaria toda a nossa economia, em grande parte advinda do agronegócio. Talvez problemas semelhantes os senhores enfrentam nos seus países. Devemos resistir”, disse o presidente.
Bolsonaro vinculou as críticas ao Brasil ao fato de o País ser uma potência do agronegócio, associando a uma atitude protecionista. Disse que costuma convidar embaixadores estrangeiros a sobrevoar a Amazônia, entre Boa Vista (RR) e Manaus (AM), num bandeirante da Força Aérea Brasileira para constatarem a preservação da mata, que, segundo ele, “por ser floresta úmida não pega fogo”. “Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”, afirmou.
Também nesta terça, o governo decidiu reavivar a participação na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sediada em Brasília, mas antes desprezada pelo governo Bolsonaro como forma de articulação para coordenar esforços de preservação continentais. Dela faz parte a Venezuela, cujo governo Nicolás Maduro não é reconhecido pelo presidente brasileiro. Maduro rivaliza com Duque, a quem acusa de tentar derrubar o regime bolivariano por interesse dos Estados Unidos.
Um decreto publicado no Diário Oficial da União transferiu a Comissão Nacional Permanente do Tratado de Cooperação Amazônica, com representantes dos ministérios e antes coordenado pelo Itamaraty, para o âmbito do Conselho Nacional da Amazônia Legal, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
Os deputados do PSOL classificaram as mudanças na política externa como “desmonte organizacional”. “Além de confirmar o total descaso com a proteção do meio ambiente, o Brasil também deixa de lado o seu consolidado poder de influência e protagonismo nos fóruns internacionais na área ambiental”, afirmou a líder Fernanda Melchionna (RS), em documento protocolado nesta segunda-feira, dia 10, na Câmara.
Os parlamentares pedem justificativas para mudanças apontadas pelo Estadão, como a extinção da Subsecretaria-Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia e seu Departamento de Sustentabilidade Ambiental, e outras mudanças na organização interna do Ministério das Relações Exteriores. Atualmente, a unidade responsável por liderar as discussões ambientais é o Departamento de Meio Ambiente, com seis diplomatas em cargos de confiança. Antes, eram dez.
As mudanças no Itamaraty coincidiram com alterações também no Ministério do Meio Ambiente, classificadas como desmonte por especialistas, e a alta de desmatamento e incêndios florestais. O último relatório do sistema-alerta Deter, usado pelo governo, aponta que a área desmatada chegou a 9,2 mil km2 na Amazônia. A perda de florestas representa uma das principais fontes de emissão de gases estufa no Brasil, sendo considerada no exterior como principal problema ambiental do País.
Os deputados querem saber se o Itamaraty perdeu capacidade de interlocução e atuação internacional, se a pauta ambiental deixou de ser prioridade e qual a avaliação da chancelaria sobre o impacto da atual política interna para o meio ambiente no comércio exterior, investimentos estrangeiros e o Acordo do Mercosul com a União Europeia. Eles cobram documentos do MRE, como instruções a postos diplomáticos e negociadores, rubricas orçamentárias e quadro pessoal, e detalhamento das delegações enviadas a fóruns como a Conferência do Clima (COP) 25, realizada em dezembro passado.


sexta-feira, 3 de julho de 2020

Rejeição da ciência na crise tem origem em doutrina tradicionalista, diz autor - Beatriz Bulla

Rejeição da ciência na crise tem origem em doutrina tradicionalista, diz autor
Especialista em extrema direita diz que crise atual faz movimento - que atua nos bastidores e coloca a espiritualidade e religiosidade no centro do debate político - ganhar mais influência
Entrevista com
Benjamin Teitelbaum, autor de 'War for Eternity - Inside Bannon's Far-Right Circle of Global Power Brokers'
Beatriz Bulla / Correspondente, O Estado de S.Paulo
02 de julho de 2020 | 11h58
Desdenhar da ciência na atual pandemia é um traço comum de governos que têm, nos bastidores, pessoas ligadas a uma filosofia conhecida como tradicionalismo. É o que defende o pesquisador Benjamin Teitelbaum, autor do livro "War for Eternity - Inside Bannon's Far-Right Circle of Global Power Brokers” (em tradução livre: Guerra pela eternidade - dentro do círculo dos poderosos de direita radical de Bannon).
Teitelbaum é especialista extrema direita e professor de relações internacionais da Universidade do Colorado. Durante quase dois anos, ele acompanhou reuniões de Steve Bannon, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, e nome considerado responsável por bandeiras que ganharam apoio em outros países como a crítica à imigração e a defesa do nacionalismo.
No livro, o americano traça a forma de ação informal de Bannon e as relações com nomes como o conselheiro de Vladimir Putin Aleksandr Dugin e o ideólogo do governo BolsonaroOlavo de Carvalho, unidos pela doutrina do tradicionalismo. Em entrevista ao Estado, Teitelbaum explica por que o tradicionalismo vê na crise atual a oportunidade para ganhar ainda mais influência. Tradicionalistas, segundo ele, atuam sempre nos bastidores e, entre outras características, colocam a espiritualidade e religiosidade no centro do debate político e social.
A crise atual pode tornar os 'tradicionalistas' mais influentes?
Há figuras no governo brasileiro que rejeitam a expertise profissional e científica. Bolsonaro, Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho e toda essa ala do governo. As pessoas não percebem que isso pode vir das referências da ideologia tradicionalista. Há um tipo de incentivo religioso para desacreditar os conselhos de cientistas e profissionais que têm mérito oficialmente reconhecido. Isso esteve neste governo brasileiro o tempo todo.
Eles não gostam de universidades, do establishment político, da imprensa, desacreditam qualquer um que tenha credenciais oficiais. Outro aspecto visto é que pessoas como Ernesto Araújo explicitamente conectam o vírus à China e ao comunismo, de um lado, e à globalização, do outro, pelo fato de haver essa disseminação enorme do vírus pelo mundo e sua superação de fronteiras.
Há tradicionalistas que esperam que isso possa reforçar fronteiras, esse sentimento nacionalista. Há esse potencial. Não é que os tradicionalistas tentem fazer disso um caso de sucesso, é como se sentissem que não precisam fazer nada e poderão sair dessa crise com mais valor no nacionalismo. Mas, da perspectiva deles, a crise também é traiçoeira, porque há o argumento de que isto é algo que saiu da China, que tenta fazer uma espécie de um só governo mundial. 
Claramente Ernesto leu René Guénon (francês, considerado um dos precursores da doutrina tradicionalista ao lado do italiano Julius Evola) e Dugin. Olavo também. Acho que é relevante o fato de que essas pessoas, com um fervor suplementar, estão dispensando conhecimento científico. Todos os governos populistas de direita pelo mundo tiveram reações variadas sobre a pandemia. Muitos têm líderes anti-establishment. Mas há uma intensidade maior com essa dimensão espiritual, de uma forma que acho que é importante que brasileiros entendam.
O Brasil está em posição diferente de outros países na crise atual?
Com Trump (EUA), você vê Anthony Fauci e a força-tarefa (de combate ao coronavírus) conseguindo conduzir um pouco a situação. Quando você olha internacionalmente vê Rússia, Brasil, EUA e Índia neste cenário. Em termos de países que rejeitaram medidas protetivas contra o vírus, temos visto dois tipos diferentes de ideologia de direita. Uma, com os liberais pró-mercado e capitalistas, que que querem priorizar a economia.
O Brasil tem isso no ministro da Economia. Do outro lado, você tem os populistas de direita com conspirações, que podem ou ir para a direção do alarmismo e defender o isolamento do país ou acusar uma suposta conspiração produzida pelo establishment. No Brasil, há esta última opção. Há no Brasil o capitalista de mercado livre e também a atitude desdenhosa, conspiratória, juntos em um só governo. Isso é bem incomum, vejo o Brasil como um caso único. 
O fato de os tradicionalistas rejeitarem a ciência, em um momento em que só a ciência consegue nos guiar, não pode gerar forte reação contra governos que seguem essa linha?
Pode haver uma repreensão poderosa, realmente. Em várias partes do mundo, a rejeição da ciência e da experiência é motivada e alimentada por alguns ideólogos de governos que acham que o conhecimento científico é uma piada completa, isso pode provocar um desprezo em relação a esses governos em alguns países e aos influenciadores ideológicos que vivem neles. Absolutamente.
O que será determinante na reação à crise? O que pode enfraquecer essa doutrina ou fortalecê-la nos próximos meses? 
Se a média das pessoas relacionar o fechamento de fronteiras com um grande ganho em termos de saúde, isso pode produzir o ressurgimento do tradicionalismo. Será um passo em direção à segurança, a uma sociedade mais fechada, essencialmente em um momento em que as pessoas têm medo e também sentem que o mundo exterior é uma ameaça para elas.
Do outro lado, os governos inspirados por tradicionalistas podem ignorar todas as indicações ou conselhos de especialistas médicos e colocar em risco suas populações. O complicado aqui é que o tradicionalismo atua nos bastidores, não é conhecido pelas pessoas comuns. Não é como se houvesse um partido político tradicionalista tentando ganhar votos. É bom ter isso em mente. Mas, para responder à sua pergunta, acredito que será uma questão de ter as fronteiras mostradas como proteção versus a responsabilização pela morte e destruição como causa da rejeição à ciência.
Decisões de fechamento de fronteiras estão sendo tomadas no mundo todo. Em um governo com tendências nacionalistas e avesso à imigração, como o de Trump, é possível dizer se medidas de suspensão de entrada de estrangeiros são influência tradicionalista ou parte da conjuntura mundial?
Eu não acho que seja ou um ou outro. Ambos são verdadeiros. Vamos pegar o papel do tradicionalismo no governo Trump. Havia alguém com uma energia fanática, Steve Bannon, que via algo que já existia em Trump. Trump não é um tradicionalista, ele não iria ler nenhum desses livros. Mas Trump é nacionalista, instintivamente gosta de fronteiras, controle e ordem, enquanto Bannon tinha uma devoção espiritual mais religiosa a essas ideias e estava extremamente empenhado em vincular Trump a elas, fazer Trump se mostrar como alguém que apoiava fronteiras rígidas. 
Controlar as fronteiras faz sentido da perspectiva de quando você está pensando na pandemia, mas também pode se tornar um mecanismo para motivações ideológicas que já estavam presentes. Aleksandr Dugin acredita que o que está acontecendo é uma punição divina pelo globalismo e que nossa única esperança é parar com a ideia de que haja uma única comunidade mundial. Esse é a nova lógica que está emergindo deles.
Há reportagens recentes sobre a reaproximação de Bannon com integrantes da Casa Branca. Ele está se reaproximando de Trump no período eleitoral?
Sou cético sobre essas reportagens, porque seria muito difícil politicamente para Trump trazer Bannon formalmente de volta ao seu entorno. O que não duvido, no entanto, é que pessoas que trabalham na Casa Branca e provavelmente uma massa crítica de pessoas estejam consultando Bannon. E, na verdade, isso vem acontecendo há um bom tempo, mas só recentemente recebeu atenção da mídia.
O círculo de pessoas que o consultam é extremamente grande. O poder formal dele pode não estar mudando tanto, mas o poder informal já existia e pode crescer. Mark Meadows, chefe de gabinete da Casa Branca, é próximo dele e isso não é segredo.
O real poder de influência de Bannon é questionado, com muitas de suas iniciativas sem sucesso na Europa. Ele é superestimado?
Há quem diga que ele é superestimado e quem pense que ele é um mestre secreto por trás de fantoches. Não é que a verdade esteja entre essas duas avaliações, mas sim que esteja nas duas extremidades ao mesmo tempo. Ele tem muitos projetos que fracassam, mas, ao mesmo tempo, tem momentos e canais que realmente funcionam e projetos que são bem-sucedidos.
O segredo dele é que tem tantos projetos em andamento, tantas iniciativas, que você pode olhar para sua carreira e ver todo o fracasso e não entender que um em cada 20 projetos do Bannon se torna incrivelmente influente. A Europa pode ter sido um fracasso para ele, assim como outros projetos. E, no entanto, ele provavelmente vai continuar por ali e seguir em frente. É muito revelador para mim que as pessoas estão há três anos dizendo que ele é irrelevante e ele continua aí, agindo.
Olavo de Carvalho já criticou seu livro e disse que não pode ser enquadrado no tradicionalismo.
Ele não quer ser associado a nada além de si mesmo. Ele é certamente um híbrido, um tipo de tradicionalista muito complicado. Vejo muito em seu pensamento inspirado por essa escola. Isso não significa que ele não o modificou, mas quase todo mundo que se identifica com o tradicionalismo o modifica de alguma maneira, portanto esse é o padrão e não exceção.
No caso dele, é presente a rejeição dos especialistas, a vontade de ver a leitura do mundo como sendo definida por, digamos, líderes espirituais, líderes militares. É esse arcabouço conceitual que deriva do tradicionalismo, a crença de que o que realmente importa na política e na sociedade é cultivar e semear uma espécie de espiritualidade. Há também referências explícitas a René Guénon e, no passado, Olavo teve uma passagem por uma tariqa e há documentos sugerindo que ele se converteu ao Islã. Isso tudo está descrito no livro.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Frente parlamentar avalia pedir impeachment de Ernesto Araújo após declarações sobre China (OESP)

Não existe nenhuma razão RACIONAL para que membros do governo ataquem a China. Se eles o fazem, só existem duas explicações: ou são extremamente míopes política e ideologicamente, ou são apenas estúpidos...
Paulo Roberto de Almeida


Frente parlamentar avalia pedir impeachment de Ernesto Araújo após declarações sobre China
Ministro das Relações Exteriores falou sobre 'comunavírus' e fez críticas à China, maior parceiro comercial do Brasil
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
22 de abril de 2020 | 18h12

BRASÍLIA – O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), que preside frente parlamentar Brasil-China na Câmara, ameaça entrar com um pedido de impeachment do chanceler Ernesto Araújo por causa de críticas ao país asiático. O parlamentar encomendou a seus assessores jurídicos a elaboração de uma denúncia por crime de responsabilidade e pretende apresentá-la nos próximos dias ao Supremo Tribunal Federal e à Câmara dos Deputados. O motivo foi o texto intitulado “Chegou o Comunavírus”, publicado pelo chanceler na noite de terça-feira, 21, em seu blog pessoal, o Metapolítica 17.
No texto, o ministro comenta um livro de Slavoj Zizek e denuncia “o jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado”. O ministro reproduz trechos do livro e faz observações críticas sobre o regime do Partido Comunista Chinês e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de ‘solidariedade’ encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração. Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita”, escreveu o ministro das Relações Exteriores.
Pinato disse que vai processar o chanceler nos próximos dias por “reiteradamente externar posições irresponsáveis e depreciativas” contra a China, maior parceira comercial do Brasil. “Logo, contra os interesses do nosso País”, diz o deputado, que também preside a Comissão de Agricultura da Câmara e a frente parlamentar do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Pinato cita o artigo 5.º da Lei do Impeachment: “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”.
“Se couber, eu vou entrar (com pedido de impeachment), com denúncia na Mesa Diretora, caso não haja uma retratação. Vou fazer essa manobra jurídica e política”, afirmou o parlamentar. “O chanceler chamar o pessoal de parasita é ódio ideológico que vai contra o interesse do País nesse momento.”
Para o deputado, o aumento das cotas de importação de soja dos Estados Unidos pela China, em detrimento de produtores nacionais, foi influenciado não só pelos termos de acordo comercial entre as duas potências e pelo impacto da pandemia da covid-19 no Brasil, mas também por uma questão de “segurança política”.
“O chanceler é completamente despreparado. Ele está com a visão totalmente distorcida, muito limitada, quando temos que equilibrar saúde e economia, como diz o presidente, e a balança comercial. Ele vai na contramão dos interesses, chamando os caras de parasitas, e nós precisando aumentar exportação e buscar investimento fora. Estamos chutando um dos principais parceiros comerciais. O que o País vai ganhar com isso?”, disse.
Pinato observa que já silenciou em outros momentos da escalada de tensão com a China, iniciada em março, marcada por publicações interpretadas como ofensivas a Pequim feitas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Eduardo culpou o governo chinês pela pandemia, enquanto Weintraub ridicularizou o sotaque chinês e insinuou que o país asiático seria beneficiado geopoliticamente pela crise mundial.
Nas duas ocasiões, a Embaixada da China reagiu de forma dura e cobrou retratação. O chanceler agiu em defesa de Eduardo, ao repreender a reação do embaixador chinês, Yang Wanming, e se calou sobre o episódio com o ministro da Educação.
Agora, Araújo publica o artigo no momento em que a China tenta reagir globalmente a acusações sem prova de que o novo coronavírus teria sido fabricado em laboratório e difundido pela China como forma de subjugar os demais países.
Também recorre a argumentos da OMS contrários à estigmatização do país como forma de convencer pessoas a não usarem o termo pejorativo "vírus chinês". A expressão foi difundida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que cortou o financiamento à OMS por considerar a entidade “muito centrada” na China. As teses ganharam ampla adesão entre bolsonaristas.
A manifestação de Pinato, que já havia defendido o embaixador chinês e cobrou investigação de ameaças contra o diplomata, é mais um sinal de insatisfação no agronegócio, cujo principal importador é a China, o que gera uma relação de dependência de produtores rurais brasileiros. Pinato joga pressão agora para que haja uma repreensão dentro do governo Bolsonaro. Ele cobra censura ao chanceler por parte de ministros que cuidam de setores que fazem negócios com Pequim.
“Está na mão do governo. A ministra da Agricultura (Tereza Cristina) tem que falar, o Tarcísio (Freitas, ministro da Infraestrutura) que está mandando avião para buscar insumos, os ministros militares têm que falar. Isso pode prejudicar a gente. Dá a impressão de que quem quer gerar o caos é ele. Alguém precisa brecar isso”, protesta o deputado.

Saída
Além da frente parlamentar, o Cidadania também cobrou que Araújo deixe o cargo de chanceler. O presidente do partido, o ex-deputado Roberto Freire, e o deputado Marcelo Calero (RJ), que é diplomata de carreira, afirmam que o ministro é “lunático” e redigiu um artigo “paranoico”. “Ernesto Araújo trai as nossas melhores tradições diplomáticas e desonra a nação internacionalmente com suas ideias toscas, delirantes, desprovidas de lógica e com sentido beligerante”, afirmaram, em nota, Freire e Calero.
“Em plena pandemia, quando as nações precisam estreitar laços e ampliar a cooperação, o usurpador da nossa boa diplomacia insiste em ver um grande complô de um suposto comunismo internacional para dominar o mundo. O ‘des-ministro’ revela-se, em sua forma mais contundente, um incapacitado completo, capaz de atuar contra os mais sagrados interesses nacionais sem qualquer pudor ou cerimônia. Nesse sentido, não é viável que siga à frente do Itamaraty.”
Procurado, o Itamaraty disse que não vai comentar.


sexta-feira, 10 de abril de 2020

Se alguém entender, nos conte: os romances enigmáticos do bizarro chanceler acidental - Guilherme Amado

XARAB, MOGAR, QUATRO 3: OS LIVROS DE FICÇÃO DE ERNESTO ARAÚJO

A porta de Mogar, Xarab fica e Quatro 3, lançados entre 1998 e 2001, são incompreensíveis

"Desafio à realidade", "geografia imaginária", "história paralela", "país fictício", "situações irreais", "sistema anárquico de textos", "campo de confronto com a realidade objetiva": os apostos poderiam descrever a produção ensaística de Ernesto Araújo no blog Metapolítica 17 ou ainda no discurso de posse, aquele dos queixumes sobre a CNN e da ave-maria em tupi. Mas são termos usados nas apresentações de A porta de Mogar (1998), Xarab fica (1999) e Quatro 3 (2001), os três romances que o então jovem diplomata lançou pela pequena editora Alfa Ômega, de São Paulo. Embora curtos, os livros são exigentes, tamanha a dificuldade de entender os enredos.

A porta de Mogar, o primeiro, foi escrito quando Ernesto estava na Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias, em Bruxelas. Com jogos de pensamento e divagações, é cheio de situações filosóficas vividas pelos personagens Keniv e Mogar, num país fictício. Na epígrafe, uma frase do pré-socrático Heráclito [no livro, grafado Herakleitos, em grego], é sincera ao anunciar as elucubrações que vêm nas páginas seguintes: "Quem não espera o inesperado, não o encontrará".

A apresentação compara o estilo de Ernesto com o do alemão Herman Hesse, embora não tenha nada a ver, até pela dificuldade de compreensão. Alguns trechos, entretanto, podem ser interpretados como indicações do que seria o Ernesto chanceler de 2019, a exemplo de um diálogo de Keniv e outra personagem, chamada Tsanash:

"— Keniv, estou cansado dessa guerra de mentira, precisando de uma guerra de verdade. Ajude-me a inventar uma guerra. Contra o que podemos lutar?

— Deixe-me ver. Contra o sistema.

— Que sistema?

— Nenhum sistema em especial. Contra o sistema em si mesmo."

O segundo romance, Xarab fica, aprofunda a fantasia, e a própria Alfa Omega admite, na apresentação: "Mais uma vez, Ernesto Araújo surpreende". Cria novamente uma terra fictícia, Xarab, cidade marítima com um passado de guerras e que, embora tenha chegado à paz, "permanece inquieta, insatisfeita, sentindo que lhe cabe a missão de preservar algum tipo de segredo ou de virtude que o resto do mundo ignora".

Os livros de ficção do chanceler Ernesto Araújo: fantasia que beira a incompreensão Foto: Guilherme Amado / Agência O Globo
Os livros de ficção do chanceler Ernesto Araújo: fantasia que beira a incompreensão Foto: Guilherme Amado / Agência O Globo

Ainda em Bruxelas na época, o então terceiro-secretário, primeiro degrau na carreira diplomática, tem em Xarab seu mais longo e difícil livro, em que Auápnei, Glaraps, Ahalac e outros nomes impronunciáveis travam longos diálogos, mas desta vez com menos divagações filosóficas.

Em Quatro 3, lançado quando Ernesto servia na embaixada em Berlim, as reflexões são retomadas, novamente acenando aqui e ali ao chanceler que ele seria 18 anos depois.

Alguns trechos caberiam em suas postagens no Twitter:

"O Estado entorpece o homem. [...] O Estado é uma parede de concreto que nos esconde a verdadeira realidade e o abismo do mundo. [...] O Estado deveria existir para buscar tesouros, e não para organizar a coleta de lixo."

Ou ainda:

"Só entendo o Estado e o admito como instrumento da pátria. Pode haver pátria sem Estado, mas ultimamente inventaram esse monstro que é o Estado sem pátria. O Estado inibidor de pujanças, o Estado inibidor de pátrias. O próximo passo, repulsivo e podre, é o Estado mundial. Os Estados, em vez de lutarem uns contra os outros, vão se unir contra a humanidade."

Quatro 3 se apresenta como uma experiência literária, que "desafia a realidade e as convenções", "em que a humanidade parece cansada de sua aventura milenar e anseia pela paz perpétua do não-ser". "A cada página, [percebe-se] o esforço de defender o indivíduo contra a sociedade e abrir espaço para a transcendência."

Mas os romances não foram as primeiras incursões de Ernesto na literatura.

Em 1985, quando ainda cursava Letras na UnB, lançou, pela editora Roswitha Kempf, o livro de poemas Ocidente (1985), escrito durante o ensino médio. Com uma apresentação de Carlos Nejar, traz 51 textos, assumidamente "devaneios".

Diz a orelha do livro: " [...] ouvimos as primeiras impressões, sentimos os devaneios pelos quais o poeta Ernesto Araújo se lançou e se lança, navegando solitário e solidário pelo Ocidente, sua primeira viagem como eterno marinheiro".

O mar e as naus são os temas predominantes, e, apesar do título, não há nada no livro que sugira a cruzada que ele, ministro, empreenderia contra o "globalismo", acreditando estar salvando o que para ele é a cultura ocidental.

Os livros de Ernesto ainda podem ser encontrados no site da Alfa Ômega e em sebos, com preços que não passam de R$ 25 por exemplar. Preço bem menor do que outras obras que a editora lançou anos atrás no Brasil e que a notabilizaram: os textos clássicos do marxismo.

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sábado, 21 de março de 2020

A "diplomacia" olavo-bolsonarista e a embaixada da China - Hussein Kalout e Grupo Band de Comunicações

Confirmado que a diplomacia daquela parte do governo brasileiro sob influência do olavo-bolsonarismo é capaz de criar suas próprias crises, tivemos, na semana que se encerrou, um raro incidente nos anais de nossas relações exteriores, consubstanciado nas declarações em Twitter de um deputado que aspirava ser o embaixador do Brasil nos Estados Unidos – por uma suposta "amizade com a família Trump"–, ou talvez até o chanceler brasileiro, sobre a responsabilidade da China pela pandemia do Coronavirus, e uma inédita reação do embaixador da China, em linguagem pouco protocolar, reagindo às acusações.
Abaixo o artigo de Hussein Kalout sobre o incidente e, mais abaixo, um "editorial" falado no Jornal da Band, em termos incisivos contra o atual chanceler, que o Grupo Bandeirantes simplesmente designa de IDIOTA.
Paulo Roberto de Almeida


O 'DELFIM DA POLÍTICA EXTERNA' E A FÁBULA CHINESA

Diante de uma grave crise global e nacional de saúde pública, Eduardo Bolsonaro emplacou uma olímpica crise diplomática com a poderosa China
https://epoca.globo.com/colunistas/coluna-o-delfim-da-politica-externa-a-fabula-chinesa-24318831


O Padre José de Anchieta historiou sobre a dimensão da estupidez e da irracionalidade do comportamento do homem perante o óbvio. Convencido de que pau torto não se desentorta, concluiu: “As cores da vida são as que pintamos”.
Diante de uma grave crise global e nacional de saúde pública, Eduardo Bolsonaro, “o delfim da política externa”, emplacou uma olímpica (e desnecessária) crise diplomática com a poderosa China. Usando sua conta no Twitter, atacou a China, responsabilizando Pequim pela crise global do coronavírus, ao agir de maneira análoga ao regime soviético por ocasião do desastre de Chernobyl.
Jogou para a plateia de milicianos digitais, em nome do suposto “debate democrático”, quando o que estava por trás era algo muito diferente: o emprego de teorias conspiratórias para desviar a atenção de sua própria incompetência.
O grande problema é que escolheu o alvo errado. Agora, setores do governo e do empresariado correm atrás do prejuízo, desesperadamente, no desiderato de apagar o incêndio e fazer contenção de danos com esse país que é, simplesmente, o maior parceiro econômico e comercial do Brasil.
Em estado de perplexidade, diplomatas, políticos e empresários questionam a necessidade de deflagrar um entrechoque diplomático direto com um país cujos recursos de poder são infinitamente maiores do que os do Brasil – e tudo isso em meio a uma luta para salvar a vida de brasileiros e resguardar a combalida economia do país.
Diante da saraivada de críticas institucionais e debaixo de um panelaço nacional, a estratégia pode ter buscado desviar o foco da crise para um inimigo externo. Encontrar bodes expiatórios – sobretudo se for estrangeiro e ainda melhor se for vermelho e comunista – encaixa bem na narrativa fabricada da nossa extrema-direita, ajudando a desviar a atenção dos problemas reais e de suas soluções urgentes.
A insistência em dizer que se trata de um vírus chinês, copiando Trump, mal consegue esconder uma visão xenófoba que se associa à tese, corrente entre grupos bolsonaristas, segundo a qual a doença seria uma invenção chinesa para dominar o mundo.
A ignorância da política internacional, a cegueira imposta por sua ideologia lunática e a ausência do menor traço de bom senso e compostura levaram Eduardo Bolsonaro – secundado por seu ajudante de ordens que responde formalmente pelo Itamaraty – a cometer dois erros pueris: 1) não entendeu que o “timing” para engrossar com a China é inadequado; e 2) não percebeu que o que funciona como estratégia nos EUA não necessariamente funciona no Brasil. O tiro saiu pela culatra!
A reação do Embaixador da China, Yang Wanming, ocorreu dez horas após os tuites do Deputado Eduardo Bolsonaro. É inimaginável pensar que essa reação ocorreu sem consultas com Pequim e sem o respaldo de Xi Jinping.
O grau de descontentamento chinês não poderia ser maior, como demonstra a opção de deixar de lado a sua tradicional liturgia diplomática, mandando recados incisivos, frontais e sem camuflagem na linguagem diplomática ao núcleo duro do bolsonarismo. A China sente que o vento já sopra em outra direção.
Não é preciso lembrar de que a China é o principal investidor estrangeiro em infraestrutura e importador majoritário de ampla gama de nossos produtos agrícolas. Cabe lembrar, ainda, que foi a China quem, recentemente, salvou o governo Bolsonaro do maior fiasco no setor energético – o megaleilão do Pré-Sal promovido pela Petrobras no fim do ano passado. E a China é quem está socorrendo a Itália e também fornecendo insumos de saúde para o Brasil, tendo merecido inclusive agradecimento do ministro da Saúde!
O setor empresarial brasileiro e o agronegócio estão em alerta e atônitos com a irresponsabilidade da conduta do deputado. A nossa área de saúde, preocupada em mobilizar a cooperação internacional, em particular da China, está estupefata.
Sem investimento e sem o escoamento da produção para a China a situação econômica do povo brasileiro seria impactada em matéria de ingresso de capitais, empregos e renda, e, tudo isso, em uma hora que precisamos de toda a ajuda possível para combater uma pandemia viral e impedir o declínio total da economia brasileira.
Independentemente dos acontecimentos, a incompetência do comandante-em-chefe da nação já foi precificada. Eximir o governo e a si mesmo pelos resultados dessa tragédia, na tentativa de estancar o derretimento de massa de votos que o levou ao poder, já não é mais uma opção viável. A estratégia de culpar os outros – esquerda, isentões, chineses – não vai colar, como já não colou no teflon das panelas que soaram em protesto.
Em momento de aguda crise e estado de calamidade pública, o que se espera dos políticos e membros de Poderes é que estejam à altura do desafio de liderar o país, o que requer abnegação e espírito público. O momento é crítico, vidas humanas estão em jogo, o bem-estar dos mais vulneráveis está em perigo.
É hora de mostrar maturidade, colocando de lado objetivos pessoais e político-partidários em nome do bem comum. Os indignos da tarefa, insensatos de sempre e notórios ineptos fariam bem em ao menos não atrapalhar. Por enquanto, infelizmente, vão confirmando a tese de Anchieta.
HUSSEIN KALOUT é cientista político, professor de Relações Internacionais e pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2017-2018).
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Postura do Grupo Bandeirantes de Comunicação sobre a nota do chanceler a propósito do incidente entre um deputado e a embaixada da China (20/03/2020)

“A provocação desnecessária de um deputado irresponsável, seguida por um chanceler idiotizado, uma espécie de avesso do Barão do Rio Branco, colocou o Brasil em conflito com o seu maior parceiro comercial.
Pura inépcia. O chefe da diplomacia, que teria como missão zelar pelos interesses do país, torna-se assim um obstáculo, talvez o maior, no caminho de nossas relações com a China.
O lamentável chanceler realiza essa proeza de inverter seu papel, numa demonstração clara de que é incapaz de responder pelo cargo que lhe deram. Exigir, como ele exigiu, que o embaixador chinês se retratasse, depois de reagir ao destempero do deputado, é uma atitude descabida, que prova a inconsciência de um diplomata despreparado.
Uma atitude de desprezo pela amizade e respeito por um povo que, neste momento, mostra a sua tenacidade numa luta eficiente contra o Coronavirus, exatamente o contrário do que conseguem enxergar o deputado imaturo e o chanceler inepto.
Por quanto tempo ainda veremos um IDIOTA ocupar a cadeira de Rio Branco, Afonso Arinos e San Tiago Dantas.
Essa é a opinião do Grupo Bandeirantes de Comunicação.” (1:26)

https://m.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=VeNCehaybRE

domingo, 29 de dezembro de 2019

O gol (contra) do chanceler brasileiro - Jamil Chade (UOL)


Fomos surpreendidos, na última sexta-feira do ano (27/12), com uma declaração do chanceler, feita obviamente em tom defensivo, elogiando a sua (bem, isso é um exagero) política externa (que seria, segundo ele, a do povo brasileiro) e criticando a imprensa (sempre essa malvada, sempre do contra) pelas acusações inverídicas e malévolas contra as orientações diplomáticas do governo, e suas incontáveis vitórias.
Teve até uma tentativa de "popularizar" o panegírico apelando a uma linguagem de futebol.
Dizem, mas nem sempre é verdade, que elogio em boca própria é vitupério. Pode ser, mas vamos dizer que o chanceler descreveu o que, segundo ele, são conquistas da diplomacia desse governo.
O problema é que a descrição é incompleta e pouco verídica, segundo este jornalista que é um fino observador da política externa brasileira, não pelas declarações grandiosas que seus representantes fazem da própria, mas na prática das ações e omissões do governo.
Dou a palavra ao jornalista, como é hábito deste blog, que sempre reporta o que encontra de interessante, a favor e contra, para melhor debatermos a questão.
Não esquecer que da última vez que fiz isso, fui exonerado sumariamente do IPRI.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29/12/2010


O gol (contra) do chanceler brasileiro
Jamil Chade
UOL Notícias, 29/12/2019


O chanceler Ernesto Araújo, no pseudo-balanço de suas conquistas em 2019 publicado na noite de sábado, atacou a imprensa e garantiu que a credibilidade do país pelo mundo avançou sob sua gestão. Além disso, voltou a assegurar que sua diplomacia não era ideológica....
Numa estratégia mais que conhecida entre demagogos, ele negou a realidade...

Declaração de Ernesto Araújo (no Itamaraty):

Ministro Ernesto Araújo faz balanço da política externa brasileira em 2019


Ao longo do ano, tive acesso a mais de uma dezena de telegramas confidenciais. Alguns com sua própria assinatura. E as instruções mostram que sua política externa é essencialmente ideológica, com raros traços de realismo impostos por militares e exportadores agrícolas nacionais. Também percorri, como faço há quase 20 anos, os corredores da ONU, OMC, OMS, OIT e tantos outros organismos de forma quase diária. E, nesses fóruns internacionais, passamos ao longo dos últimos doze meses de alvos de chacota a motivo de uma imensa preocupação.
O que era "divertido" no início do ano se transformou em um pesadelo para governos que, por décadas, viram o Itamaraty como referência.

Mas a realidade é que, no seu balanço do ano, ele não citou que seu ministério se recusou a dar à imprensa por dias os detalhes do tratado assinado com a UE, enquanto repetia que o acordo era "histórico". Dias depois, descobriu-se que as cotas negociadas para as exportações brasileiras eram inferiores aos patamares considerados como "mínimos" por antigos governos brasileiros.
Ex-negociadores sem qualquer relação com o governo Lula ou Dilma comentaram ao descobrir os detalhes: "entregamos tudo". Meses depois, foi a vez de a própria UE indicar em um encontro que havia levado muito mais que cedido na negociação com o Brasil.
Tampouco ele explicou que a assinatura do tratado não significa sua ratificação. Assustados diante da postura do Brasil em temas climáticos, dezenas de deputados pela Europa alertaram não vão dar o sinal verde ao tratado comercial nas atuais condições. Até mesmo aqueles que defendem o acordo chamaram a política ambiental de Bolsonaro de "abominável...
Com os EUA, Ernesto comemorou que um telefonema de Bolsonaro à Trump derrubou a tentativa de os EUA impor uma sobretaxa ao aço brasileiro. Mas ele não contou que seu governo levou um susto quando acordou e leu o Tweet de Trump com o anúncio de que taxaria o Brasil. Um aliado faz ameaças pelas redes sociais, sem antes avisar o parceiro?
Por semanas, a mera ameaça da Casa Branca levou o setor siderúrgico nacional a ver uma suspensão de todos os novos contratos com clientes americanos.
O que ele comemora é algo que não deveria nem mesmo ocorrer. Mas, ainda assim, o conteúdo do telefonema continua sem a devida transparência. Os americanos pediram algo em troca de retirar a ameaça? Houve uma negociação ou uma futura promessa?\

Ernesto tampouco explicou como decidiu abrir o mercado do trigo para o produto americano, em detrimento dos produtores argentinos, nossos aliados no Mercosul.
Ele não contou que, depois de descobrir uma carta de Pompeo para a OCDE em que não incluía o Brasil entre os países que a Casa Branca queria vez na entidade, o governo foi pedir explicações aos EUA pela atitude. Nas horas seguintes à revelação, os americanos garantiram nas redes sociais que continuavam a apoiar a adesão do Brasil ao clube dos ricos. Mas jamais mandaram uma nova carta para a OCDE para "corrigir" o texto assinado por Pompeo. Na diplomacia, o que ainda conta é a correspondência oficial.

O chanceler não contou no vídeo que um de seus melhores embaixadores teve sua eleição vetada pela Índia para presidir uma negociação na OMC. O motivo: os indianos acusavam o Brasil de ter abandonado os interesses dos países emergentes ao aceitar as imposições americanas na OMC.
Ernesto também se esqueceu de dizer que nossas relações com Israel estão baseadas em uma aliança com um primeiro-ministro indiciado por corrupção. Tampouco mencionou em seu balanço do ano que apostou em Macri. E perdeu. Que apostou em Salvini. E perdeu. Que menosprezou Greta. Mas o gol nem teve tempo de ser comemorado. No contra-ataque, a pirralha foi eleita a pessoa do ano. Ele não contou que seu chefe ofendeu líderes estrangeiros, suas esposas e seus pais assassinados.
Ernesto não contou que sua aliança na Europa é com o governo que é acusado de abandonar a democracia, silenciar a imprensa e acabar com a independência do Judiciário.
Valores brasileiros? Bom saber.
Em seu balanço, o chefe da diplomacia de Bolsonaro (parece até paradoxo) não mencionou que a OIT chegou a colocar o Brasil na lista suja dos países suspeitos de violar leis trabalhistas. Tampouco aparece uma referência ao fato de ter sido 37 vezes denunciado na ONU por violações de direitos humanos. Sem contar o processo que eventualmente pode sofrer no Tribunal Penal Internacional.
Mais recentemente, o sub-Comitê contra a Tortura da ONU chegou à conclusão que o Brasil viola seus compromissos internacionais no combate à tortura. Mas, claro, para um governo que elogia Pinochet, tal conclusão deve até ser considerada como um golaço.
Até hoje, não sabemos por qual motivo somos amigos da ditadura saudita. Ou por qual motivo felicitamos num comunicado de imprensa a eleição da Mauritânia para o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na Mauritânia, mulheres vão para prisão por adultério e a lei permite a pena de morte em alguns casos contra homossexuais.
Ele também não disse que o projeto de mudança da embaixada para Jerusalém viola resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Para 2020, ele não mencionou que vamos sediar uma reunião promovida pelos EUA e rejeitada por grande parte dos principais atores por ser considerada como uma ofensiva anti-Teerã.
Quando foi eleito ao Conselho de Direitos Humanos, Ernesto não contou que barganhou votos e que a vitória não teve qualquer relação com direitos humanos. Ah, e não contou que fez campanha contra uma candidatura da Costa Rica para tentar frear os venezuelanos na ONU. Claro, o risco era de que os centro-americanos roubassem os votos do Brasil.

Ficou ainda devendo uma resposta ao STF, que lhe cobrou transparência e a entrega das instruções que ele enviou aos diplomatas sobre questões de gênero. Tampouco contou que suas propostas de modificação de textos de resoluções sobre mulheres foram amplamente derrubadas em reuniões em que eu estive presente.
Quando Ernesto pede em seu vídeo que se acredite apenas na versão oficial e que o público deixe de ler a imprensa, ele está dizendo: não verifiquem os detalhes, não descubram o que dizem os telegramas confidenciais, não busquem saber o que ocorreu nos bastidores.
Fiquem na arquibancada. Queremos torcida. Não queremos cidadãos.
VAR? Impossível diante da qualidade da filmagem.
Enfim, se queremos falar de um balanço de política externa e o papel da imprensa, vamos deixar as comparações do futebol de lado. Não apenas a realidade é mais complexa. Mas recorrer a isso é subestimar a inteligência dos cidadãos e até uma ofensa ao futebol.
Em um ano no comando do Itamaraty, Ernesto de fato reposicionou o Brasil no mundo. Mas, desta vez....Opa, opa.. calma lá...mais um gol da Alemanha.