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domingo, 31 de março de 2019

Daniel Aarão Reis: 1964, Historia e Memoria (FSP)

Daniel Aarão Reis: Historiador rebate mitos sobre o golpe de 1964


Ilustríssima / Folha de S. Paulo, 31/03/2019

À esquerda e à direita, Daniel Aarão Reis revê fantasmas que cercam a ditadura

A orientação do presidente Jair Bolsonaro para que unidades militares comemorem neste domingo o golpe de 31 de março de 1964, que iniciou a ditadura no país, suscitou polêmicas que merecem análise mais equilibrada, evitando-se “histórias oficiais” à direita e à esquerda.

Vamos por partes. Em fins de março de 1964 instaurou-se no país uma ditadura através de um golpe de Estado. Trata-se de um fato objetivo. Um presidente legítimo, João Goulart, foi deposto pelas armas, ao que se seguiu um regime de exceção, em que o direito da força prima sobre a força do direito. Em outras palavras: em que a vontade do poder se sobrepõe, ou nega, à existência das leis, (re)criando legislações a seu bel-prazer.

Entretanto, a ditadura não se tornou vitoriosa apenas pela ação militar. Foi um golpe civil-militar. Houve apoio social, que se exprimiu nas Marchas da Família com Deus e pela Liberdade no país, na força das tradições conservadoras e autoritárias.

Naquele momento encontramos as raízes que explicam, ao menos em parte, a ascensão atual da extrema direita no país. Além disso, dirigentes civis, políticos, empresários e religiosos participaram do golpe, além instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e as principais mídias.

A simpatia suscitada pelo golpe era consequência do medo de uma ditadura comunista. A chamada Guerra Fria, entre os EUA e a União Soviética, estava no auge. Na América Latina, a Revolução Cubanaacontecera. No Brasil, um amplo movimento reformista propunha mudanças estruturais, visando a “democratização da democracia”.

Aparentemente, havia ali um equilíbrio de forças, contribuindo para o acirramento das contradições.

Assim, a vitória fulminante do golpe de 1964 foi uma surpresa, mesmo para os golpistas mais otimistas.

Como compreender a derrota das esquerdas? Seria resultado de vacilações de suas lideranças mais importantes, que temeriam enfrentamentos imprevisíveis? De organizações populares muito dependentes do Estado e de suas iniciativas? De dúvidas de militantes acerca de engajar-se ou não numa luta decisiva para defender aquela República? Um pouco de tudo isto? O fato é que, até hoje, a derrota das esquerdas carece de melhor compreensão.

Muitos que apoiaram a instauração da ditadura a desejavam de curta duração. Ela eliminaria as forças de esquerda e as eleições do ano seguinte se realizariam. Aí houve uma surpresa. Os chefes militares apropriaram-se do poder por longo tempo, afirmando a preeminência indisputada das corporações (Exército, Marinha e Aeronáutica). Daí ser exato conceituar o regime como uma ditadura militar.

O primeiro governo ditatorial, chefiado pelo general Castelo Branco, apostou numa orientação liberal. A ideia era enterrar as heranças varguistas e a cultura política nacional-estatista. A aposta foi perdida. A propósito deste governo, brotou a formulação de que teria sido uma ditadura branda, uma “ditabranda”.

Como então classificar, entre outras arbitrariedades, as prisões e cassações de direitos políticos e civis, as torturas acobertadas, a dissolução dos partidos políticos, o fechamento do Congresso e a alteração arbitrária da legislação eleitoral? Recusar evidências não é rever a história, mas negá-la. É negacionismo, a eliminação da história.

Os governos ditatoriais seguintes, principalmente no período Médici-Geisel (1969-1979), retomaram o parâmetro nacional-estatista, mas excluindo o povo. Isso não os impediu de conservar e ampliar apoios civis.

Daí ter surgido a ideia de uma ditadura civil-militar, para aprofundar a reflexão sobre as complexas relações entre a ditadura e a sociedade, e evidenciar as cumplicidades de segmentos civis, inclusive de camadas populares. Muito já se fez para desvendar essas cumplicidades, muito ainda há que se fazer para compreender como se comportaram os cidadãos comuns sob a ditadura. Mais pistas poderão daí advir para entender o “mito Bolsonaro”.

A ditadura, porém, sempre suscitou oposições, moderadas e radicais. No grupo dos moderados estavam muitos apoiadores iniciais do golpe, depois decepcionados com os militares, e os que nunca aceitaram a ditadura, mas também não acreditavam em enfrentamentos violentos. Entre os radicais encontravam-se as correntes revolucionárias, armadas, que tentaram derrotar os militares, destruir o capitalismo e construir uma sociedade alternativa. Almejavam uma ditadura revolucionária que asseguraria a transição nos moldes do socialismo autoritário plasmado pela Revolução Russa e confirmado pelo exemplo cubano.

A ditadura massacrou os radicais —com o uso e o abuso da tortura como política de Estado— e neutralizou os moderados, alguns dos quais também presos e torturados. Mais tarde, muitos destes últimos contribuiriam no processo de transição rumo à restauração democrática.

Entre os críticos da ditadura houve um triplo equívoco. Imaginaram-na destinada à estagnação econômica, à subserviência aos EUA e à pura e simples repressão violenta, exercida por boçais. Não foi o que aconteceu. O capitalismo mudou de patamar, embora à custa de desigualdades sociais e regionais. Recuperou-se o nacional-estatismo como programa. E a própria repressão, sempre impiedosa, combinou-se com políticas de conciliação e de acomodação. Anos de chumbo, certamente. Mas também de ouro, e para não poucos.

A transição começou no início do governo Geisel, em 1974, e foi até a aprovação da Constituição de 1988. Foi transicional, estendendo-se no tempo, e transacional, baseada na negociação. A primeira fase terminou com a extinção dos atos institucionais, em 1979. Estendeu-se, a partir daí, outra etapa, em que já não havia ditadura, mas ainda não surgira um Estado democrático de Direito. A tese, ainda dominante, de que a ditadura terminou com a posse de José Sarney, em 1985, tende a privilegiar a preeminência militar e ocultar a participação civil no processo ditatorial.

É certo que o último general presidente, João Figueiredo, tomou posse ainda nos marcos da ditadura, mas governou sem o apoio dos atos institucionais. Sua gestão se conciliava com os aparelhos repressivos e com atentados terroristas de extrema direita, mas os tribunais agiam com autonomia. Não havia presos políticos. A imprensa não era mais censurada. Os partidos políticos e os sindicatos funcionavam em liberdade.

Nas eleições de 1982, elegeram-se candidatos das oposições, e os resultados não foram questionados. Houve ainda greves parciais e gerais, além do gigantesco movimento pelas eleições diretas para a Presidência da República em 1983 e 1984. Tudo isso aconteceu às claras, nas ruas, sem repressão sangrenta. Como falar, então, em ditadura? Trata-se de uma impropriedade.

Em outubro de 1988, a nova Constituição encerrou a transição, mas não agradou a todos. Conservando a cultura nacional-estatista, irritou os liberais. Desagradou também as esquerdas, ao não priorizar a reforma agrária e reivindicações históricas, como a estabilidade no emprego e a semana de trabalho de 40 horas.

Por outro lado, junto a inovações concernentes aos direitos civis, políticos e sociais, nela permaneceram as marcas da transição longa e negociada, os legados da ditadura. Entre outros, a hegemonia do Poder Executivo e da União, o modelo econômico, o monopólio dos meios de comunicação e da terra, a hegemonia do capital financeiro e a tutela —mal disfarçada— das Forças Armadas. Uma Constituição híbrida. Chamá-la de “cidadã”, como quis Ulysses Guimarães, foi uma licença poética.

De 1988 a 2018, 30 anos se passaram. O que se fez em relação à memória da ditadura? Infelizmente, muito pouco. Como em relação à ditadura do Estado Novo (1937-1945), prevaleceu a ideia de que “olhar pelo retrovisor” revolveria “feridas abertas”. É verdade que pesquisas foram empreendidas nas universidades e que a mídia divulgou controvérsias.

Nada capaz, todavia, de fazer a sociedade ver que a ditadura não era um passado que passara, mas algo que permanecia, através de seus legados. Não se convocaram as Forças Armadas para um debate sobre suas funções numa sociedade democrática. Ao contrário, só foram chamadas para assegurar a ordem pública, cumprindo papel de polícia, o que só fez aumentar seu prestígio. É certo que uma Comissão Nacional da Verdade funcionou, mas suas resoluções cedo caíram no esquecimento.

Enquanto isso políticos e partidos, de esquerda e de direita, compraziam-se em dizer, por motivos variados, que a democracia no país estava consolidada. Seus erros geraram consequências, com o ressurgimento, à luz do dia, das tradições conservadoras e autoritárias que permaneciam subterrâneas, mas vivas.

Compreendê-las e superá-las, através do debate e das lutas políticas, é um desafio e tanto. Esconder evidências históricas ou distorcê-las não será um bom caminho para a sempre necessária “democratização da democracia” brasileira.

Gostaria agora de explicitar de que ponto de vista falo, pois ninguém pensa sem premissas ou princípios. Depois de uma longa trajetória, identifiquei-me com o socialismo democrático, ainda por nascer, a ser alcançado pela persuasão, pela participação e pelo voto, distante do capitalismo, sempre desigual e injusto, e também do socialismo autoritário. Essas referências não devem incidir sobre o que é essencial no ofício do historiador —a busca da evidência e da verdade.

Atento a isto, Nikita Kruschev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética entre 1953 e 1964, advertiu que a “história era muito séria para ser deixada nas mãos de historiadores”. Exprimiu a ambição do Estado de controlar a historiografia e fazê-la serva das “histórias oficiais”.

Aos historiadores cabe resistir, afirmando, para além de interpretações que podem e devem variar, os compromissos éticos com as evidências e as verdades —por mais fugazes e provisórias que essas sejam, apenas entrevistas como ruínas sob os relâmpagos das tempestades, na bela metáfora de Walter Benjamin.

*Daniel Aarão Reis, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense, é autor de “A Revolução que Mudou o Mundo” e “Ditadura e Democracia no Brasil”.

quarta-feira, 27 de março de 2019

"Não houve golpe em 1964", diz chanceler acidental (O Globo)

Ernesto Araújo diz que não houve golpe em 1964 e que movimento dos militares foi 'necessário'

Golpe que deu início a regime militar no Brasil completará 55 anos no próximo dia 31. Segundo chefe do Itamaraty, ação de militares serviu para que o Brasil 'não se tornasse uma ditadura'.

Por Mateus Rodrigues, TV Globo — Brasília, 27/03/2019 14h31
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante reunião em comissão na Câmara — Foto: Vinicius Loures/Câmara dos DeputadosO ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante reunião em comissão na Câmara — Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante reunião em comissão na Câmara — Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados 
O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou nesta quarta-feira (27) que não considera que tenha havido um "golpe" no país em 1964. Segundo ele, o que houve na ocasião foi um "movimento necessário" para que o país não se tornasse uma "ditadura". 
O golpe militar que depôs o então presidente João Goulart ocorreu em 31 de março de 1964. Após o ato, iniciou-se uma ditadura que durou 21 anos. No período, não houve eleição direta para presidente. O Congresso Nacional chegou a ser fechado, mandatos foram cassados e houve censura à imprensa. 
A declaração de Araújo foi dada em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. A pergunta fazia referência à orientação, dada pelo presidente Jair Bolsonaro, para que quartéis celebrassem o 31 de março, em referência ao dia do golpe militar. 
"Vossa Excelência me perguntava se eu considero 1964 um golpe. Eu não considero um golpe. Considero que foi um movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura. Não tenho a menor dúvida disso. Essa é minha leitura da história", disse o ministro.
Após a resposta de Ernesto Araújo, deputados voltaram a questionar a fala do ministro: "Não considera um golpe?", "Não teve ditadura no Brasil?", entre outras perguntas. O momento foi interrompido pelo presidente da comissão, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP): 
"Por favor, vamos continuar com a palavra aqui do ministro, todos ouviram pacientemente os deputados, agora é a vez de o ministro falar, depois a gente abre novamente para as considerações", disse. 
Segundo a Comissão da Verdade, 434 pessoas foram mortas pelo regime militar ou desapareceram durante o período – somente 33 corpos foram localizados. 
Diante disso, a comissão entregou em 2014 à então presidente Dilma Rousseff um documento no qual responsabilizou 377 pessoas pelas mortes e pelos desaparecimentos durante a ditadura.

'Nao considero um golpe', diz chanceler atual sobre 1964

Não foi golpe em 1964, e não houve ditadura militar. O pai do ministro acidental – que aliás deixou de extraditar um criminoso nazista para um dos quatro países que buscavam processá-lo por crimes contra a humanidade, portanto imprescritíveis – exerceu, por acaso, o cargo de censor chefe de um governo democrático, que só queria defender os brasileiros de influências nefastas trazidas por elementos comunistas pervertidos pela esquerda marxista cultural.
Vamos ter de reescrever os manuais de História do Brasil, inclusive ou sobretudo no Itamaraty.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de março de 2019

'Não considero um golpe', diz ministro das Relações Exteriores sobre 1964

Durante a audiência, o ministro afirmou que a defesa da democracia é fundamental, mas se negou a responder se o País viveu um ditadura militar entre 1964 e 1985


postado em 27/03/2019 15:00 / atualizado em 27/03/2019 15:01O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou nesta quarta-feira, 27, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados, que a intervenção militar de 1964 não foi um golpe. Durante a audiência, o ministro afirmou que a defesa da democracia é fundamental, mas se negou a responder se o País viveu um ditadura militar entre 1964 e 1985. 

"Não considero (a intervenção militar) um golpe. Considero que foi um movimento necessário para que o País não virasse uma ditadura. Não tenho a menor dúvida em relação a isso", defendeu o ministro.

Questionado pelo deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) se o período posterior à intervenção em que os militares estiveram no poder - de 1964 a 1985 - poderia ser considerado uma ditadura, o ministro não respondeu. 

O jornal O Estado de S. Paulo mostrou no domingo que o presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a "data histórica" do aniversário do dia 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o governo João Goulart e iniciou um regime ditatorial que durou 21 anos. Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pediram cautela. 

Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (1964-1985) - o que já gerou insatisfação de parlamentares -, a comemoração da data deixou de ser uma agenda "proibida". Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos. 

A determinação do presidente Jair Bolsonaro gerou repúdio de órgãos ligados à defesa dos direitos do cidadão e medidas para barrar os eventos na Justiça. Nesta terça, a Defensoria Pública da União anunciou que ajuizará ação civil pública para impedir que o 31 de Março, data de início do movimento golpista, seja comemorado nas unidades militares.

sábado, 8 de outubro de 2016

João Goulart: a vida no exílio, pelo filho João Vicente (livro)



Babel
BLOG

Babel: Em livro, filho de Jango faz inventário afetivo da família e dos últimos anos do pai

Maria Fernanda Rodrigues
08 Outubro 2016 | 05h00
NÃO FICÇÃO:
 Filho de João Goulart lança livro sobre o exílio da família
Jango livro
Jango e João Vicente em Paris (Acervo pessoal/Divulgação)
Abril de 1964. João Vicente Goulart tinha 7 anos quando viu a vida de sua família – como a de milhões de brasileiros – virar de cabeça para baixo. O golpe militar depôs João Goulart e o então ex-presidente, seu pai, se exilou. Mais de 50 anos depois da ida da família ao Uruguai, viagem da qual Jango (1919-1976) nunca regressou ao Brasil, seu filho organizou um inventário afetivo em que mistura fatos históricos e registros pessoais. Previsto para o fim do mês pela Civilização Brasileira, Jango e Eu: Memórias de Um Exílio Sem Volta resgata as lembranças de um tempo de incerteza, da falta de notícias, do avanço dos governos totalitários nas Américas, da difícil adaptação ao cotidiano uruguaio e evoca inúmeros amigos, como Paulo Freire e Glauber Rocha.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Golpe militar de 1964 no Brasil: mais documentos dos EUA - NSArchives

Continuando a postagem de alguns documentos relevantes para nossa própria história.
Paulo Roberto de Almeida
LBJ Library Photo by Yoichi Okamoto (Image Number: W1-20)
BRAZIL MARKS 40th ANNIVERSARY OF MILITARY COUP

DECLASSIFIED DOCUMENTS SHED LIGHT ON U.S. ROLE
Audio tape: President Johnson urged taking "every step that we can" to support overthrow of Joao Goulart
U.S. Ambassador Requested Pre-positioned Armaments to aid Golpistas; Acknowledged covert operations backing street demonstrations, civic forces and resistance groups
Edited by Peter Kornbluh
peter.kornbluh@gmail.com / 202 994-7116
Washington D.C., 31 March 2004 - "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do," President Johnson instructed his aides regarding preparations for a coup in Brazil on March 31, 1964. On the 40th anniversary of the military putsch, the National Security Archive today posted recently declassified documents on U.S. policy deliberations and operations leading up to the overthrow of the Goulart government on April 1, 1964. The documents reveal new details on U.S. readiness to back the coup forces.
The Archive's posting includes a declassified audio tape of Lyndon Johnson being briefed by phone at his Texas ranch, as the Brazilian military mobilized against Goulart. "I'd put everybody that had any imagination or ingenuity…[CIA Director John] McCone…[Secretary of Defense Robert] McNamara" on making sure the coup went forward, Johnson is heard to instruct undersecretary of State George Ball. "We just can't take this one," the tape records LBJ's opinion. "I'd get right on top of it and stick my neck out a little."
Among the documents are Top Secret cables sent by U.S. Ambassador Lincoln Gordon who forcefully pressed Washington for direct involvement in supporting coup plotters led by Army Chief of Staff General Humberto Castello Branco. "If our influence is to be brought to bear to help avert a major disaster here-which might make Brazil the China of the 1960s-this is where both I and all my senior advisors believe our support should be placed," Gordon wrote to high State Department, White House and CIA officials on March 27, 1964.
To assure the success of the coup, Gordon recommended "that measures be taken soonest to prepare for a clandestine delivery of arms of non-US origin, to be made available to Castello Branco supporters in Sao Paulo." In a subsequent cable, declassified just last month, Gordon suggested that these weapons be "pre-positioned prior any outbreak of violence," to be used by paramilitary units and "friendly military against hostile military if necessary." To conceal the U.S. role, Gordon recommended the arms be delivered via "unmarked submarine to be off-loaded at night in isolated shore spots in state of Sao Paulo south of Santos."
Gordon's cables also confirm CIA covert measures "to help strengthen resistance forces" in Brazil. These included "covert support for pro-democracy street rallies…and encouragement [of] democratic and anti-communist sentiment in Congress, armed forces, friendly labor and student groups, church, and business." Four days before the coup, Gordon informed Washington that "we may be requesting modest supplementary funds for other covert action programs in the near future." He also requested that the U.S. send tankers carrying "POL"-petroleum, oil and lubricants-to facilitate the logistical operations of the military coup plotters, and deploy a naval task force to intimidate Goulart's backers and be in position to intervene militarily if fighting became protracted.
Although the CIA is widely known to have been involved in covert action against Goulart leading up to the coup, its operational files on intervention in Brazil remain classified-to the consternation of historians. Archive analyst Peter Kornbluh called on the Agency to "lift the veil of secrecy off one of the most important episodes of U.S. intervention in the history of Latin America" by completely declassifying the record of CIA operations in Brazil. Both the Clinton and Bush administrations conducted significant declassifications on the military regimes in Chile and Argentina, he noted. "Declassification of the historical record on the 1964 coup and the military regimes that followed would advance U.S. interests in strengthening the cause of democracy and human rights in Brazil, and in the rest of Latin America," Kornbluh said.

On March 31, the documents show, Gordon received a secret telegram from Secretary of State Dean Rusk stating that the Administration had decided to immediately mobilize a naval task force to take up position off the coast of Brazil; dispatch U.S. Navy tankers "bearing POL" from Aruba; and assemble an airlift of 110 tons of ammunition and other equipment including "CS agent"-a special gas for mob control. During an emergency White House meeting on April 1, according to a CIA memorandum of conversation, Secretary of Defense Robert McNamara told President Johnson that the task force had already set sail, and an Esso tanker with motor and aviation gasoline would soon be in the vicinity of Santos. An ammunition airlift, he reported, was being readied in New Jersey and could be sent to Brazil within 16 hours.
Such U.S. military support for the military coup proved unnecessary; Castello Branco's forces succeeded in overthrowing Goulart far faster and with much less armed resistance then U.S. policy makers anticipated. On April 2, CIA agents in Brazil cabled that "Joao Goulart, deposed president of Brazil, left Porto Alegre about 1pm local time for Montevideo."
The documents and cables refer to the coup forces as "the democratic rebellion." After General Castello Branco's takeover, the military ruled Brazil until 1985.

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Hear/Read the Documents
l) White House Audio Tape, President Lyndon B. Johnson discussing the impending coup in Brazil with Undersecretary of State George Ball, March 31, 1964
This audio clip is available in several formats:
Windows Media Audio - High bandwidth (7.11 MB)
Windows Media Audio - Low bandwidth (3.57 MB)
MP3 - (4.7 MB)

In this 5:08 minute White House tape obtained from the Lyndon Baines Johnson Library, President Johnson is recorded speaking on the phone from his Texas ranch with Undersecretary of State George Ball and Assistant Secretary for Latin America, Thomas Mann. Ball briefs Johnson on that status of military moves in Brazil to overthrow the government of Joao Goulart who U.S. officials view as a leftist closely associated with the Brazilian Communist Party. Johnson gives Ball the green light to actively support the coup if U.S. backing is needed. "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do" he orders. In an apparent reference to Goulart, Johnson states "we just can't take this one." "I'd get right on top of it and stick my neck out a little," he instructs Ball.
2) State Department, Top Secret Cable from Rio De Janiero, March 27, 1964
Ambassador Lincoln Gordon wrote this lengthy, five part, cable to the highest national security officers of the U.S. government, including CIA director John McCone and the Secretaries of Defense and State, Robert McNamara and Dean Rusk. He provides an assessment that President Goulart is working with the Brazilian Communist Party to "seize dictatorial power" and urges the U.S. to support the forces of General Castello Branco. Gordon recommends "a clandestine delivery of arms" for Branco's supporters as well as a shipment of gas and oil to help the coup forces succeed and suggests such support will be supplemented by CIA covert operations. He also urges the administration to "prepare without delay against the contingency of needed overt intervention at a second stage."
3) State Department, Top Secret Cable from Amb. Lincoln Gordon, March 29, 1964
Ambassador Gordon updates high U.S. officials on the deterioration of the situation in Brazil. In this cable, declassified on February 24, 2004 by the LBJ Presidential Library, he reiterates the "manifold" need to have a secret shipment of weapons "pre-positioned prior any outbreak of violence" to be "used by paramilitary units working with Democratic Military groups" and recommends a public statement by the administration "to reassure the large numbers of democrats in Brazil that we are not indifferent to the danger of a Communist revolution here."
4) CIA, Intelligence Information Cable on "Plans of Revolutionary Plotters in Minas Gerias," March 30, 1964
The CIA station in Brazil transmitted this field report from intelligence sources in Belo Horizonte that bluntly stated "a revolution by anti-Goulart forces will definitely get under way this week, probably in the next few days. The cable transmits intelligence on military plans to "march toward Rio." The "revolution," the intelligence source predicted, "will not be resolved quickly and will be bloody."
5) State Department, Secret Cable to Amb. Lincoln Gordon in Rio, March 31, 1964
Secretary of State Dean Rusk sends Gordon a list of the White House decisions "taken in order [to] be in a position to render assistance at appropriate time to anti-Goulart forces if it is decided this should be done." The decisions include sending US naval tankers loaded with petroleum, oil and lubricants from Aruba to Santos, Brazil; assembling 110 tons of ammunition and other equipment for pro-coup forces; and dispatching a naval brigade including an aircraft carrier, several destroyers and escorts to conduct be positioned off the coast of Brazil. Several hours later, a second cable is sent amending the number of ships, and dates they will be arriving off the coast.
6) CIA, Secret Memorandum of Conversation on "Meeting at the White House 1 April 1964 Subject-Brazil," April 1, 1964
This memorandum of conversation records a high level meeting, held in the White House, between President Johnson and his top national security aides on Brazil. CIA deputy chief of Western Hemisphere operations, Desmond Fitzgerald recorded the briefing given to Johnson and the discussion on the progress of the coup. Defense Secretary reported on the movements of the naval task force sailing towad Brazil, and the arms and ammunition being assembled in New Jersey to resupply the coup plotters if necessary.
7) CIA, Intelligence Information Cable on "Departure of Goulart from Porto Alegre for Montevideo," April 2, 1964
The CIA station in Brazil reports that the deposed president, Joao Goulart, left Brazil for exile in Uruguay at l pm, on April 2. His departure marks the success of the military coup in Brazil.

sábado, 6 de agosto de 2016

O golpe de 1964 e os academicos de 2013: persistem os maniqueísmos - Paulo Roberto de Almeida


O golpe de 1964 e os acadêmicos de 2013: persistem os maniqueísmos

Paulo Roberto de Almeida

Leio, num dos trabalhos apresentados no VI ENABED, Sexto Encontro Nacional da Associação dos Estudos de Defesa (2013), esta frase, emblemática do pensamento de acadêmicos atuais, sobre o golpe de 1964:
As novas gerações de oficiais ainda são formadas com a ideia de que o golpe de 1964 foi um bem para o país! Nada mais revelador da subordinação da sociedade ao falso e vão orgulho corporativo. A grandeza está no reconhecimento da verdade, não em sua obtusa negação. Esse passo é fundamental para que as corporações [militares] se abram efetivamente ao diálogo amplo com a sociedade.

A razão desse texto encontra-se num parágrafo anterior, no qual o mesmo acadêmico diz o seguinte:
Muitos brasileiros concordam que é premente a necessidade de equipar as corporações militares em consonância com as aspirações do Estado brasileiro no que diz respeito à presença no cenário internacional. (...) Mas é intrigante o silêncio quanto a algo fundamental para a legitimação das instituições militares: o pedido de desculpas pelos crimes praticados contra comunistas, patriotas e democratas durante a sangrenta ditadura militar.

O autor acredita que:
Esse assunto é tabu até em certos ambientes acadêmicos, pretensamente mais livres para a expressão do pensamento. (...) A simples menção de fatos do passado recente é tida como provocação desajuizada. O fato de mencionar que brasileiros... foram torturado em estabelecimentos militares é tido como 'revanchismo de derrotado'. Ora, os derrotados não foram os que lutaram contra a ditadura, mas os que a sustentaram!

Meu comentário a partir do que li. O autor parece acreditar que o golpe de 1964 foi um mal para o país, ou pelo menos para pessoas como ele, que se opuseram ao golpe e foram provavelmente submetidas a tratamento rigoroso por parte da repressão policial e militar, eventualmente tortura. Esse fato, essa realidade, a da repressão e da tortura, são o resultado de um desenvolvimento ulterior do movimento militar que derrubou o governo Goulart que não estava necessariamente inscrito na lógica do “golpe” enquanto tal, ou seja, o ato de derrubada de um governo e a instalação de um governo autoritário, que pretendia corrigir certas “mazelas” do sistema político brasileiro, para depois tentar voltar à “normalidade”, isto é, um regime democrático civil, mas expurgado daqueles “elementos subversivos” que os militares identificavam como responsáveis pela deterioração da governança sob o regime Goulart.
O autor fala de “crimes praticados contra comunistas, patriotas e democratas durante a sangrenta ditadura militar”, mas esquece de mencionar que esses crimes foram perpetrados depois que a esquerda armada deu início a uma ofensiva contra o regime e o governo, num projeto de luta pelo socialismo no Brasil. Em outros termos: esses “crimes” teriam ocorrido se a oposição política ao regime e ao governo fosse apenas limitada ao terreno político civil, sem as tentativas de guerra de guerrilhas, urbana ou camponesa? Ele também esquece que o golpe não foi dado por uma motivação de seus principais atores no sentido de instaurarem um regime de exceção, autoritário, ou de imediato comprometido com a eliminação física de seus oponentes. Esses traços da ditadura militar são uma consequência ulterior de um longo processo político que viu o governo Goulart entrar em virtual colapso, no plano do parlamento e dos movimentos civis, quando forças aparentemente majoritárias na sociedade pressionam os militares para intervir mais uma vez no cenário político, que vivia praticamente em colapso nos momentos finais desse governo.
Com todos os equívocos de julgamento sobre o “golpe de 1964”, o autor em questão representa uma communis opinio de grande parte, senão da maioria, da comunidade acadêmica brasileira, que parece desempenhar o papel dos historiadores jacobinos da revolução francesa, ou seja, uma visão comprometida com uma versão peculiar da história, feita mais de ideologia do que de exposição objetiva dos fatos.
A trajetória do Brasil sob o regime militar merece uma avaliação menos passional e mais equilibrada de uma deterioração política que deve tanto à esquerda armada quanto à direita radical o fato de ter enveredado por caminhos tortuosos e desenvolvimentos dramáticos, que provavelmente não teriam ocorrido caso a oposição, a resistência e a luta contra a ditadura tivesse assumido formas essencialmente políticas, ou seja pacíficas, de expressão.
Vou escrever a respeito, aliás já estou escrevendo. Divulgarei no momento oportuno.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 6 de agosto de 2016

quarta-feira, 30 de março de 2016

O golpe militar de 31 de marco de 1964: trabalhos de Paulo Roberto de Almeida

Neste 31 de março de 2016, ecos do golpe militar de 1964 aparecem nos discursos governistas contra o processo de impeachment contra a atual incumbente, que deve perder o emprego em algumas semanas mais.
O discurso petista, ou petralha, neste caso, já está pronto, preventivamente: se houver impeachment, e deve haver, será um golpe, e os mais desonestos remetem ao golpe militar de 1964. Desta vez, afirmam, não será militar, mas "constitucional", seja lá o que isso queira dizer.
Como está marcado um protesto a favor, dos petistas, petralhas e assemelhados neste dia 31, e será inevitável referências -- desairosas, certamente -- contra o golpe militar de 1964, resolvi ver o que eu havia escrito em 2014 -- nos 50 anos do golpe -- sobre esse momento relevante da história política brasileira. Devo ter escrito mais algumas coisas em outros anos também, mas fiquei só em 2014.
Nem tudo o que está listado abaixo está disponível, notadamente minha exposição na Brown University, onde devo ter sido o único a me pronunciar num sentido diferente dos demais palestrantes, todos simplisticamente condenatórios do golpe militar (quando eu, contrariamente a todos eles, simplesmente afirmei que sse tratava de uma crise maior, quando a sociedade, especialmente a classe média, resolveu colocar para fora um presidente inepto, que permitiu inflação e corrupção, e agitação social, um pouco como agora, justamente). Depois vou disponibilizar esse trabalho.
Todos os demais estão linkados, menos um, que não conseguui terminar, e que por isso transcrevo abaixo, na sequência da lista. Um dia termino e coloco à disposição.
Divirtam-se, neste 31 de março. Explico que foi nesse dia que comecei a me politizar muito precocemente, e logo passei à oposição ao regime militar. Por essas e outras passei sete ano num autoexílio. Aprendi muito, lendo história, como recomendariam alguns...
Paulo Roberto de Almeida
30 de março de 2016


O golpe militar de 1964: 
trabalhos de Paulo Roberto de Almeida


2580. “O governo Goulart e o mito das reformas de base”, Hartford, 6 Março 2014, 15 p. Ensaio baseado no trabalho 1990, sobre as falácias em torno do golpe militar de 1964 (10/09/2009), para número especial da Revista Estudos em Jornalismo e Mídia (vol. 11 n. 1, janeiro-junho de 2014; Tema: 50 anos do Golpe Militar de 64; não aceito. Adaptado, ampliado, no trabalho 2590, para a revista do Clube Militar.

2581. “Governance in Brazil during Dictatorship and Democracy: 50 years since the 1964 Military Coup”, Hartford, 8 March 2014, 1 p. Outline of a presentation for a Seminar at Brown University, 9-12 April, 2014: “Brazil: From Dictatorship to Democracy (1964-2014); A Brown Student and Alumni Conference and International Symposium (April 9-12, 2014); Watson Institute for International Studies, Brown University (111 Thayer Street, Providence, Rhode Island); to be prepared as a PowerPoint presentation.

2589. “Governance in Brazil during Dictatorship and Democracy”, Hartford, 14 março 2014, 25 slides para apresentação no “Brazil: From Dictatorship to Democracy (1964-2014)”; A Brown Student and Alumni Conference and International Symposium (Watson Institute for International Studies, Brown University; 111 Thayer Street, Providence, Rhode Island; - April 9-12, 2014).

2590. “Deformações da História do Brasil: o governo Goulart, o mito das reformas de base e o maniqueísmo historiográfico em torno do movimento militar de 1964”, Hartford, 14 março 2014, 22 p. Reelaboração dos trabalhos 1990 e 2580, para fins de publicação, a convite do seu editor, na revista do Clube Militar (Rio de Janeiro: ano LXXXVI, no 452, fevereiro-março-abril de 2014; edição especial: “31 de Março de 1964 – A Verdade”, p. 107-122; ISSN: 0101-6547). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9430621/2590_Deforma%C3%A7%C3%B5es_da_Hist%C3%B3ria_do_Brasil_o_governo_Goulart_o_mito_das_reformas_de_base_e_o_manique%C3%ADsmo_historiogr%C3%A1fico_em_torno_do_movimento_militar_de_1964_2014_). Relação de Publicados n. 1127.

2591. “O Brasil de 1964, e mais além: perguntas e respostas”, Hartford, 18 março 2014, 7 p. Tentando restabelecer a balança dos equívocos deliberados ou involuntários, sobre o golpe e o período militar. Encaminhado aos mesmos interlocutores do trabalho precedente. Em desenvolvimento. [Não terminado, reproduzo abaixo, o que escrevi...]

2595. “O Brasil na crise de 1964 e a oposição armada ao regime militar: um retrospecto histórico, por um observador engajado”, Hartford, 30 março 2014, 15 p. Considerações sobre a conjuntura histórica de 1964 e os anos de contestação armada, aproveitando extratos dos trabalhos 2329 e 2470. Dividido em dez partes para o Instituto Millenium e para o Dom Total. Publicado nas Colunas Dom Total, a partir de 3/04/2014 até 2/05/2014, link: 1. http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4170; etc. até o 10. http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4179); divulgado no blog, sob o título geral de “O regime militar e a oposição armada” (1: 31/03/2014; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-1.html; 2. 31/03/2014; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-2.html; 3. 31/03/2014, link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-3.html; 4. 31/03/2014, link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-4.html; até o 10. http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-10.html).

2717. “Sobre as ‘causas’ do golpe militar de 1964”, Hartford, 23 novembro 2014, 7 p. Sobre artigo de Carlos Fico, “50 anos do golpe: balanço”, blog Brasil Recente, 20/11/2014; link: http://www.brasilrecente.com/2014/11/50-anos-do-golpe-balanco.html?spref=fb), criticando o suposto “medo” da classe média e das elites das reformas de base de João Goulart. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/11/sobre-as-causas-do-golpe-militar-de.html), no Academia.edu (link: https://www.academia.edu/10006736/2717_Sobre_as_causas_do_golpe_militar_de_1964_2014_) e disseminado no Facebook.

O Brasil de 1964, e mais além: perguntas e respostas

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor universitário

A passagem de meio século desde o movimento civil-militar de 31 de março de 1964, que derrocou um governo e inaugurou um outro, teve o efeito de reforçar a grande divisão política existente entre os defensores e os opositores daquele evento histórico e do processo que se lhe seguiu, ambos com enormes consequências para o Brasil atual. Essa divisão, na verdade, sempre existiu, mas ela parece não se refletir tanto no plano do regime constitucional em vigor, quanto se revela na mentalidade dos atores políticos.
O país mudou significativamente desde aquela época, mas aparentemente isso não repercutiu da mesma forma nas percepções respectivas dos dois grandes grupos de atores políticos que estiveram dos dois lados da contenda em 1964, e que hoje voltam a se digladiar na arena política: os militares, que estiveram no centro das transformações então ocorridas, e as esquerdas, as grandes derrotadas naquele processo, mas que, desde 2003, ocupam grande parte do cenário político, com maior intensidade nos meios de comunicação e no sistema educacional (aqui desde sempre, como se sabe). Como revelado nos inúmeros debates, nem sempre racionais ou objetivos, em torno desses processos, eles deixaram profundas marcas no Brasil contemporâneo, tanto positivas quanto negativas, mas os jovens de hoje não sabem discernir por que, exatamente.
Percebe-se um acirramento de posições e muitas diatribes, entre defensores e opositores da ruptura de regime e do longo período dominado pelos militares, nem sempre com posicionamentos didáticos, que poderiam esclarecer aos mais jovens o que foi, o que representou, e quais implicações tiveram os eventos e processos iniciados entre os anos 1961 e 1964 e que redundaram numa mudança fundamental da política e da economia no Brasil, com consequências que se estendem aos dias de hoje.
Tenho lido muita coisa sobre o período e suas consequências para os dias atuais, concordando com alguns escritos, discordando de outros, mas percebendo, sobretudo, o espírito maniqueísta que anima muitas dessas posições favoráveis ou contrárias ao movimento de 1964. Em função dessa constatação, resolvi elaborar esta livre digressão em torno do assunto, comentando, em formato de perguntas e respostas, o que se me afigura relevante em torno do assunto, ou seja, o que representou, exatamente, 1964 na vida do país, suas repercussões, bem além do que pensavam seus promotores imediatos, nos diversos campos de importância nacional, e dando a minha visão dos eventos e dos processos ligados a essa data. Espero que meus argumentos possam ajudar a esclarecer algumas dessas dúvidas que muitos jovens da atualidade mantém sobre o Brasil de meio século atrás.
Creio ser importante informar, por dever de honestidade e de transparência, que, em 1964, eu tinha apenas 14 anos, e não tinha, até então, uma posição definida sobre os eventos; justamente, em função deles, me politizei rapidamente, tornando-me um opositor decidido do regime militar então inaugurado; isso me levou a me ligar a grupos de esquerda que buscavam derrubar o regime, e depois a um longo exílio de sete anos na Europa, quando continuei a combater, por outros meios, o regime autoritário, mas também lendo, me informando e refletindo sobre todo o processo. Aos poucos fui revisando minhas concepções sobre a economia e a política, no Brasil e no mundo, e é com base em intensas leituras, uma grande experiência internacional adquirida em viagens a quase todos os continentes, e muita autocrítica, que cheguei a algumas das respostas que apresento aqui, em total independência em relação aos dois grupos de atores políticos acima mencionados.

1964 representou um golpe militar no Brasil?
Não exatamente. Golpes militares se manifestam sob a forma de quarteladas, controle do palácio presidencial, prisão ou envio para o exílio do chefe de Estado derrocado, e fechamento ou alteração dos demais poderes do Estado. Não foi o que ocorreu no país, pois o Congresso não foi fechado, o presidente decidiu sair do país, e nunca houve um planejamento centralizado para concretizar um golpe de Estado. O que ocorreu foi uma formidável crise política, aliás latente desde muitos anos, e as elites se revelaram incapazes de resolver suas diferenças pela via normal da democracia, fazendo apelo – ambos os lados – aos militares, para virar o jogo a seu favor. As várias crises foram criadas e mantidas basicamente pelos políticos, com eventual intervenção tópica de militares em diversos momentos do processo político brasileiro desde o início da Guerra Fria e no decorrer dos anos 1950. O período que sucedeu à renúncia do presidente Jânio Quadros, após menos de sete meses de governo, exacerbou todo o processo, sobretudo depois da revolução cubana e do envolvimento soviético na ilha convertida em bastião do socialismo na América Latina.
Os militares brasileiros, como vários outros na região, se opunham vigorosamente ao comunismo, com total apoio dos Estados Unidos, e no caso do Brasil havia a memória ainda vida da intentona comunista de novembro de 1935, que não apenas inaugurou o anticomunismo como política oficial do Estado brasileiro, como foi um dos fatores mais importantes para a instauração do Estado Novo, dois anos depois. Em 1964, porém, os militares mais do que iniciar um golpe, seguiram o movimento que partia de certas lideranças políticas – os governadores dos três principais estados do país – e que era alimentado pelo imenso temor da classe média em relação ao comunismo e à erosão inflacionária de seus ganhos e na poupança. As iniciativas de políticos golpistas ou de fato preocupados com os rumos do país – todos eles prováveis candidatos nas eleições de 1965 – na sensibilização das lideranças militares regionais, bem como a pressão de amplos setores da opinião pública empurraram os militares a ações não necessariamente coordenadas, mas que acabaram confluindo na queda do governo, que mais abandonou o poder do que foi expulso por um golpe.

O Brasil estava ameaçado de ter um regime comunista?
Improvável que isso ocorresse; os militares, justamente, jamais o permitiriam, e os próprios comunistas não estavam preparados, nunca estiveram, para tomar o poder e assumir o comando do país. Mas, como em 1935, provavelmente, havia a enorme ilusão de que tal mudança fosse possível, em parte estimulada por impulsos externos, em grande medida alimentada pelos próprios comunistas, que queriam forçar mudanças no Brasil, sem necessariamente apostar novamente na tomada de poder. O fantasma do comunismo estava em todas as partes, com o aparente fortalecimento pós-guerra da União Soviética, a grande simpatia gerada pela revolução cubana em todos aqueles que explicavam o subdesenvolvimento da América Latina pela “exploração imperialista”, ou nos que acreditavam que os problemas do Brasil eram a existência do latifúndio, a ausência de uma reforma agrária e a incapacidade da “burguesia industrial” em fazer o país avançar de modo autônomo e rapidamente. Percepções são, por vezes, mais poderosas do que processos reais, e as percepções apontavam para a possibilidade de um regime comunista no Brasil, sem que houvesse chances reais disso ocorrer.
Da mesma forma, muitos militares daquela geração, ainda ativos atualmente, acreditam que os atuais detentores o poder estejam comprometidos com o projeto de um Brasil comunista, mas essa percepção não tem qualquer fundamento na realidade, ainda que existam muitos comunistas entre os companheiros do partido hegemônico. Não pelo alegado “fim da História”, mas pela lógica elementar dos processos econômicos, tal possibilidade está excluída completamente, o que não significa que o projeto atual não passe pelas mesmas concepções de Estado e sociedade que os militares alimentaram durante a maior parte de seu itinerário dentro dos processos decisórios que criaram o Brasil contemporâneo: um Estado forte, intervencionista e dirigista, comprometido com uma versão conhecida do nacionalismo econômico, que passa pelo protecionismo e pela autonomia quase completa da oferta nacional em relação ao abastecimento externo. Em outros termos, o Brasil atual não é muito diferente do “socialismo” estatal.

Era o Governo Goulart era uma administração reformista, democrática, comprometida com reformas importantes para a sociedade brasileira?
Talvez em intenção, mas totalmente inepto para o que pretendia fazer, inclusive partindo de diagnósticos equivocados sobre a realidade brasileira e propondo soluções que tornariam o Brasil pior, não melhor, do que já era: uma economia atrasada, fechada sobre si mesma, dotada de um Estado ineficiente, sem uma visão clara do que era preciso empreender para transformar o Brasil num sentido progressista e moderno. Isto não quer dizer que o movimento que derrubou o governo Goulart e implantou um novo regime no Brasil tivesse ideias precisas sobre o que era preciso fazer. Os militares, estimulados pelos civis conspiradores (vários golpistas, de fato), estavam antes de tudo evitando o que se imaginava um mal maior, que era a imposição de um regime de tipo socialista no Brasil. Goulart dava sinais – empurrado por espíritos mais radicais como Brizola – de que faria tudo para implantar as suas “reformas de base”, com o Congresso ou sem ele, “na lei ou na marra”, como proclamava Brizola.
Por um determinado momento, tanto do lado dos “reformistas”, quando do lado dos golpistas, se pensou que o Brasil estava, de fato, e na “melhor” das hipóteses, no limiar de um golpe ao estilo peronista ou nasserista, o que teria sido inaceitável para capitalistas e líderes militares; na pior, seria a inauguração de um regime cubano ou maoísta, improvável, sob vários aspectos, mas essa era uma das percepções em voga entre os militares; elas provavelmente os induziram a passar decisivamente à ação.
Goulart poderia encarnar tendências reformistas sinceras, mas no fundo era um líder não só timorato, mas basicamente incompetente para as grandes tarefas reformistas que estavam na agenda dos movimentos da esquerda moderada. Ao final, ele acabou buscando apoio nos líderes sindicais e em lideranças comunistas que tinham um outro projeto para o Brasil. As “reformas de base” que tinham sido propostas por reformistas como San Tiago Dantas não tinham nenhuma chance de serem implementadas na forma como ele pretendia. Elas terminaram sendo gradualmente efetivadas pelo novo regime.

O que regime que se instalou no Brasil em 1964, e que acabou durando 21 anos, era um regime militar?
Era certamente um regime dominado por militares, mas dificilmente se poderia chamá-lo de militar, no sentido clássico da palavra. Nem se pretendia, ao início, que ele durasse duas décadas, pois o projeto imediato era afastar os perigos presumidos e inverter o caos político e administrativo que caracterizou os dois últimos anos de Goulart. Castelo Branco, o primeiro general presidente, empossado pelo Congresso, chegou a pensar que as eleições previstas para 1965 pudessem ser realizadas, mas o cenário político se inverteu, com eventuais ameaças de reações armadas por grupos de esquerda ou brizolistas. Por um conjunto de circunstâncias, inclusive derivadas dessas percepções e de uma direita militar bem mais radical do que as posições basicamente civilistas e democráticas de Castelo Branco, o regime continuou a ler comandado por militares – exclusivamente generais do Exército, com uma espécie de colegiado militar a endossar as decisões sobre os “sucessores” – mas os governos não eram dominados por militares, mas essencialmente por técnicos civis, tecnocratas, e alguns políticos.
O Congresso só foi fechado em circunstâncias excepcionais, e as medidas mais drásticas – como repressão violenta, censura e violações repetidas dos direitos humanos, como o uso da tortura, pela polícia e pelos militares – ocorreu concomitantemente aos ataques deslanchados pela guerrilha urbana e rural. A esquerda armada não reconhece até hoje que ela foi responsável em grande medida pelo endurecimento do regime, e por sua “militarização” nos momentos de maiores enfrentamentos contra os grupos guerrilheiros. Mesmo assim, o governo não se tornou mais militar, pois as políticas econômicas e setoriais continuaram a serem pautadas por objetivos de desenvolvimento econômico, não perseguindo metas exageradas de potência militar. De fato, os militares queriam transformar o Brasil numa “grande potência”, mas tal objetivo era perseguido mediante instrumentos basicamente civis, de fortalecimento econômico e de capacitação tecnológica. Igualmente no plano político, os militares brasileiros eram essencialmente legalistas, buscando sempre dourar o arbítrio que praticavam por meio de atos institucionais, ou mudanças na Constituição.
Fora dos ministérios propriamente militares, os únicos profissionais da carreira que exerceram cargos ministeriais eram da reserva, ou passavam a ela quando assumiam algum cargo numa autarquia, com muito poucas exceções. Uma comparação do regime “militar” brasileiro com seus congêneres no resto da América Latina comprovaria o caráter essencialmente civilista dos governos brasileiros mesmo em momentos de quase completa militarização no continente. Os orçamentos militares, por uma medida, nunca corresponderam a um regime verdadeiramente militarista.

A oposição que atuou nos “anos de chumbo” do regime militar, tentando derrubar o governo de armas na mão, estava lutando pela democracia?
 Absolutamente, e isso eu posso afirmar por conhecimento direto. Nenhuma das organizações que adotou o caminho das armas, recusando a via política, de acumulação de forças, proposta pelos políticos de oposição e pelo Partido Comunista de linha soviética, estava lutando apenas para derrubar o governo; a intenção era transformar completamente o regime político e econômico no sentido da “ditadura do proletariado”. Obviamente, o cálculo estratégico dessas organizações era completamente equivocado e nunca correspondeu ao que a sociedade brasileira esperava como regime politico e como sistema econômico. A alegação de que o regime militar não deixou nenhuma outra via de atuação aos seus opositores é totalmente falsa, inclusive porque o início de atentados, de assaltos, sequestros e mesmo assassinatos a sangue frio se deu numa fase anterior ao endurecimento do regime, tendo sido uma estratégia traçada em Havana pelas lideranças castristas, como forma de aumentar a pressão sobre o imperialismo, durante a fase mais aguda da guerra do Vietnã. O Brasil se tornou pior, durante os “anos de chumbo”, por causa da esquerda armada, não por causa do regime militar.

O retorno a um regime civil no Brasil, a partir de 1985, representou uma melhoria de padrões na administração pública ou maior crescimento econômico?
O regime autoritário modernizador do Brasil foi essencialmente reformista, em todas as áreas passíveis de serem transformadas no sentido da eficiência burocrática – que costuma caracterizar todas as estruturas militares, feitas de planejamento, muita logística e cálculo quanto aos resultados – e acelerou os processos de criação de riqueza, aumentando a carga fiscal, mas também a taxa de investimentos e a concentração de capital. Na primeira metade do regime, o Brasil conheceu as maiores taxas de crescimento econômico de sua história, fase que foi interrompida pelos dois choques do petróleo e pela relutância dos governantes civis e militares em fazer os ajustes necessários, o que provocou o super-endividamento e as pressões inflacionarias, que acabaram precipitando as crises dos anos 1980.
A segunda fase, final, foi errática, o deveria ter sido corrigido por um governo comprometido com a estabilidade e a responsabilidade fiscal, o que infelizmente não ocorreu. Ao contrário, não apenas os governos que se seguiram não souberam adotar as ferramentas estabilizadoras requeridas para aquele momento, mas o próprio Congresso Constituinte agravou a situação ao aprovar um rol imenso de benefícios sociais sem qualquer sustentação na base fiscal. Desde então, o Brasil vem se arrastando no baixo crescimento, tanto em função desse compromisso estrutural com a redistribuição, em lugar da acumulação para fins de investimento, quanto em virtude de uma quebra de padrões de qualidade na administração pública (com exceção do governo reformista de Fernando Henrique Cardoso, ele também vítima de crises financeiras externas).
Obviamente não foi o regime autoritário, ou militar, que produziu altas taxas de crescimento econômico nos anos 1970, assim como não foi exatamente a democracia, em si, que atenuou o ritmo do crescimento, mas políticas econômicas desajustadas aos desafios internos e externos a cada momento da conjuntura nacional e internacional. O principal erro dos militares foi, provavelmente, a exagerada estatização e autarquia que marcaram as políticas econômicas, que eram essencialmente desenhadas por civis, ou seja, tecnocratas, embora os militares indubitavelmente pressionavam por altas taxas de expansão do produto, como forma de trazer o Brasil para o pelotão de frente da economia mundial (o que de certa forma foi logrado, com algumas distorções). Os governos civis que se seguiram não corrigiram os erros mais visíveis, ao mesmo tempo em que agravaram os desequilíbrios fiscais, que só seriam corrigidos depois de fortes impulsos inflacionários pela equipe econômica reunida pelo ministro Fernando Henrique Cardoso, sob o governo Itamar Franco. Como presidente, FHC conduziu o maior processo de reformas do Estado e das estruturas econômicas do país desde o regime militar, mas os padrões de qualidade da administração pública foram novamente e dramaticamente reduzidos sob os governos petistas que se seguiram, sem que se tenha recuperado o impulso de crescimento (temporariamente elevados apenas por indução externa, graças à demanda chinesa por produtos primários brasileiros de exportação).
  
[A continuar...]

Hartford, 18 de Março de 2014.