Neste 31 de março de 2016, ecos do golpe militar de 1964 aparecem nos discursos governistas contra o processo de impeachment contra a atual incumbente, que deve perder o emprego em algumas semanas mais.
O discurso petista, ou petralha, neste caso, já está pronto, preventivamente: se houver impeachment, e deve haver, será um golpe, e os mais desonestos remetem ao golpe militar de 1964. Desta vez, afirmam, não será militar, mas "constitucional", seja lá o que isso queira dizer.
Como está marcado um protesto a favor, dos petistas, petralhas e assemelhados neste dia 31, e será inevitável referências -- desairosas, certamente -- contra o golpe militar de 1964, resolvi ver o que eu havia escrito em 2014 -- nos 50 anos do golpe -- sobre esse momento relevante da história política brasileira. Devo ter escrito mais algumas coisas em outros anos também, mas fiquei só em 2014.
Nem tudo o que está listado abaixo está disponível, notadamente minha exposição na Brown University, onde devo ter sido o único a me pronunciar num sentido diferente dos demais palestrantes, todos simplisticamente condenatórios do golpe militar (quando eu, contrariamente a todos eles, simplesmente afirmei que sse tratava de uma crise maior, quando a sociedade, especialmente a classe média, resolveu colocar para fora um presidente inepto, que permitiu inflação e corrupção, e agitação social, um pouco como agora, justamente). Depois vou disponibilizar esse trabalho.
Todos os demais estão linkados, menos um, que não conseguui terminar, e que por isso transcrevo abaixo, na sequência da lista. Um dia termino e coloco à disposição.
Divirtam-se, neste 31 de março. Explico que foi nesse dia que comecei a me politizar muito precocemente, e logo passei à oposição ao regime militar. Por essas e outras passei sete ano num autoexílio. Aprendi muito, lendo história, como recomendariam alguns...
Paulo Roberto de Almeida
30 de março de 2016
O golpe militar de 1964:
trabalhos
de Paulo Roberto de Almeida
2581. “Governance in Brazil during Dictatorship and
Democracy: 50 years since the 1964 Military Coup”, Hartford, 8 March 2014, 1 p.
Outline of a presentation for a Seminar at Brown University, 9-12 April, 2014:
“Brazil: From Dictatorship to Democracy (1964-2014); A Brown Student and Alumni
Conference and International Symposium (April 9-12, 2014); Watson Institute for
International Studies, Brown University (111 Thayer Street, Providence, Rhode
Island); to be prepared as a PowerPoint presentation.
2589. “Governance in Brazil during
Dictatorship and Democracy”, Hartford, 14 março 2014, 25 slides para
apresentação no “Brazil:
From Dictatorship to Democracy (1964-2014)”; A Brown Student and Alumni
Conference and International Symposium (Watson Institute for International
Studies, Brown University; 111 Thayer Street, Providence, Rhode Island; - April
9-12, 2014).
2590. “Deformações da História do Brasil: o
governo Goulart, o mito das reformas de base e o maniqueísmo historiográfico em
torno do movimento militar de 1964”, Hartford, 14 março 2014, 22 p.
Reelaboração dos trabalhos 1990 e 2580, para fins de publicação, a convite do
seu editor, na revista do Clube Militar
(Rio de Janeiro: ano LXXXVI, no 452, fevereiro-março-abril de 2014; edição
especial: “31 de Março de 1964 – A Verdade”, p. 107-122; ISSN: 0101-6547).
Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9430621/2590_Deforma%C3%A7%C3%B5es_da_Hist%C3%B3ria_do_Brasil_o_governo_Goulart_o_mito_das_reformas_de_base_e_o_manique%C3%ADsmo_historiogr%C3%A1fico_em_torno_do_movimento_militar_de_1964_2014_).
Relação de Publicados n. 1127.
2591. “O Brasil de 1964, e mais além:
perguntas e respostas”, Hartford, 18 março 2014, 7 p. Tentando restabelecer a
balança dos equívocos deliberados ou involuntários, sobre o golpe e o período
militar. Encaminhado aos mesmos interlocutores do trabalho precedente. Em
desenvolvimento. [Não terminado, reproduzo abaixo, o que escrevi...]
2595. “O Brasil na crise de 1964 e a
oposição armada ao regime militar: um retrospecto histórico, por um observador
engajado”, Hartford, 30 março 2014, 15 p. Considerações sobre a conjuntura
histórica de 1964 e os anos de contestação armada, aproveitando extratos dos
trabalhos 2329 e 2470. Dividido em dez partes para o Instituto Millenium e para
o Dom Total. Publicado nas Colunas
Dom Total, a partir de 3/04/2014 até 2/05/2014, link: 1. http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4170; etc. até o 10. http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4179);
divulgado no blog, sob o título geral de “O regime militar e a oposição armada” (1: 31/03/2014; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-1.html; 2. 31/03/2014; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-2.html; 3. 31/03/2014, link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-3.html; 4. 31/03/2014, link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-4.html; até o 10. http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/o-regime-militar-e-oposicao-armada-10.html).
O Brasil de 1964, e mais
além: perguntas e respostas
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor universitário
A passagem de meio século
desde o movimento civil-militar de 31 de março de 1964, que derrocou um governo
e inaugurou um outro, teve o efeito de reforçar a grande divisão política
existente entre os defensores e os opositores daquele evento histórico e do
processo que se lhe seguiu, ambos com enormes consequências para o Brasil
atual. Essa divisão, na verdade, sempre existiu, mas ela parece não se refletir
tanto no plano do regime constitucional em vigor, quanto se revela na
mentalidade dos atores políticos.
O país mudou
significativamente desde aquela época, mas aparentemente isso não repercutiu da
mesma forma nas percepções respectivas dos dois grandes grupos de atores
políticos que estiveram dos dois lados da contenda em 1964, e que hoje voltam a
se digladiar na arena política: os militares, que estiveram no centro das
transformações então ocorridas, e as esquerdas, as grandes derrotadas naquele
processo, mas que, desde 2003, ocupam grande parte do cenário político, com maior
intensidade nos meios de comunicação e no sistema educacional (aqui desde
sempre, como se sabe). Como revelado nos inúmeros debates, nem sempre racionais
ou objetivos, em torno desses processos, eles deixaram profundas marcas no
Brasil contemporâneo, tanto positivas quanto negativas, mas os jovens de hoje
não sabem discernir por que, exatamente.
Percebe-se um acirramento
de posições e muitas diatribes, entre defensores e opositores da ruptura de
regime e do longo período dominado pelos militares, nem sempre com
posicionamentos didáticos, que poderiam esclarecer aos mais jovens o que foi, o
que representou, e quais implicações tiveram os eventos e processos iniciados
entre os anos 1961 e 1964 e que redundaram numa mudança fundamental da política
e da economia no Brasil, com consequências que se estendem aos dias de hoje.
Tenho lido muita coisa
sobre o período e suas consequências para os dias atuais, concordando com
alguns escritos, discordando de outros, mas percebendo, sobretudo, o espírito
maniqueísta que anima muitas dessas posições favoráveis ou contrárias ao
movimento de 1964. Em função dessa constatação, resolvi elaborar esta livre
digressão em torno do assunto, comentando, em formato de perguntas e respostas,
o que se me afigura relevante em torno do assunto, ou seja, o que representou,
exatamente, 1964 na vida do país, suas repercussões, bem além do que pensavam
seus promotores imediatos, nos diversos campos de importância nacional, e dando
a minha visão dos eventos e dos processos ligados a essa data. Espero que meus
argumentos possam ajudar a esclarecer algumas dessas dúvidas que muitos jovens
da atualidade mantém sobre o Brasil de meio século atrás.
Creio ser importante
informar, por dever de honestidade e de transparência, que, em 1964, eu tinha
apenas 14 anos, e não tinha, até então, uma posição definida sobre os eventos;
justamente, em função deles, me politizei rapidamente, tornando-me um opositor
decidido do regime militar então inaugurado; isso me levou a me ligar a grupos
de esquerda que buscavam derrubar o regime, e depois a um longo exílio de sete
anos na Europa, quando continuei a combater, por outros meios, o regime
autoritário, mas também lendo, me informando e refletindo sobre todo o
processo. Aos poucos fui revisando minhas concepções sobre a economia e a
política, no Brasil e no mundo, e é com base em intensas leituras, uma grande experiência
internacional adquirida em viagens a quase todos os continentes, e muita autocrítica,
que cheguei a algumas das respostas que apresento aqui, em total independência
em relação aos dois grupos de atores políticos acima mencionados.
1964 representou um golpe militar no Brasil?
Não exatamente. Golpes
militares se manifestam sob a forma de quarteladas, controle do palácio
presidencial, prisão ou envio para o exílio do chefe de Estado derrocado, e
fechamento ou alteração dos demais poderes do Estado. Não foi o que ocorreu no
país, pois o Congresso não foi fechado, o presidente decidiu sair do país, e
nunca houve um planejamento centralizado para concretizar um golpe de Estado. O
que ocorreu foi uma formidável crise política, aliás latente desde muitos anos,
e as elites se revelaram incapazes de resolver suas diferenças pela via normal
da democracia, fazendo apelo – ambos os lados – aos militares, para virar o jogo
a seu favor. As várias crises foram criadas e mantidas basicamente pelos
políticos, com eventual intervenção tópica de militares em diversos momentos do
processo político brasileiro desde o início da Guerra Fria e no decorrer dos
anos 1950. O período que sucedeu à renúncia do presidente Jânio Quadros, após
menos de sete meses de governo, exacerbou todo o processo, sobretudo depois da
revolução cubana e do envolvimento soviético na ilha convertida em bastião do
socialismo na América Latina.
Os militares brasileiros,
como vários outros na região, se opunham vigorosamente ao comunismo, com total
apoio dos Estados Unidos, e no caso do Brasil havia a memória ainda vida da
intentona comunista de novembro de 1935, que não apenas inaugurou o
anticomunismo como política oficial do Estado brasileiro, como foi um dos
fatores mais importantes para a instauração do Estado Novo, dois anos depois. Em
1964, porém, os militares mais do que iniciar um golpe, seguiram o movimento
que partia de certas lideranças políticas – os governadores dos três principais
estados do país – e que era alimentado pelo imenso temor da classe média em
relação ao comunismo e à erosão inflacionária de seus ganhos e na poupança. As
iniciativas de políticos golpistas ou de fato preocupados com os rumos do país
– todos eles prováveis candidatos nas eleições de 1965 – na sensibilização das
lideranças militares regionais, bem como a pressão de amplos setores da opinião
pública empurraram os militares a ações não necessariamente coordenadas, mas
que acabaram confluindo na queda do governo, que mais abandonou o poder do que
foi expulso por um golpe.
O Brasil estava ameaçado de ter um regime comunista?
Improvável que isso
ocorresse; os militares, justamente, jamais o permitiriam, e os próprios
comunistas não estavam preparados, nunca estiveram, para tomar o poder e
assumir o comando do país. Mas, como em 1935, provavelmente, havia a enorme
ilusão de que tal mudança fosse possível, em parte estimulada por impulsos
externos, em grande medida alimentada pelos próprios comunistas, que queriam
forçar mudanças no Brasil, sem necessariamente apostar novamente na tomada de
poder. O fantasma do comunismo estava em todas as partes, com o aparente
fortalecimento pós-guerra da União Soviética, a grande simpatia gerada pela
revolução cubana em todos aqueles que explicavam o subdesenvolvimento da América
Latina pela “exploração imperialista”, ou nos que acreditavam que os problemas
do Brasil eram a existência do latifúndio, a ausência de uma reforma agrária e
a incapacidade da “burguesia industrial” em fazer o país avançar de modo
autônomo e rapidamente. Percepções são, por vezes, mais poderosas do que
processos reais, e as percepções apontavam para a possibilidade de um regime
comunista no Brasil, sem que houvesse chances reais disso ocorrer.
Da mesma forma, muitos
militares daquela geração, ainda ativos atualmente, acreditam que os atuais detentores
o poder estejam comprometidos com o projeto de um Brasil comunista, mas essa
percepção não tem qualquer fundamento na realidade, ainda que existam muitos comunistas
entre os companheiros do partido hegemônico. Não pelo alegado “fim da
História”, mas pela lógica elementar dos processos econômicos, tal
possibilidade está excluída completamente, o que não significa que o projeto
atual não passe pelas mesmas concepções de Estado e sociedade que os militares
alimentaram durante a maior parte de seu itinerário dentro dos processos
decisórios que criaram o Brasil contemporâneo: um Estado forte,
intervencionista e dirigista, comprometido com uma versão conhecida do
nacionalismo econômico, que passa pelo protecionismo e pela autonomia quase
completa da oferta nacional em relação ao abastecimento externo. Em outros
termos, o Brasil atual não é muito diferente do “socialismo” estatal.
Era o Governo Goulart era uma administração reformista,
democrática, comprometida com reformas importantes para a sociedade brasileira?
Talvez em intenção, mas
totalmente inepto para o que pretendia fazer, inclusive partindo de
diagnósticos equivocados sobre a realidade brasileira e propondo soluções que
tornariam o Brasil pior, não melhor, do que já era: uma economia atrasada,
fechada sobre si mesma, dotada de um Estado ineficiente, sem uma visão clara do
que era preciso empreender para transformar o Brasil num sentido progressista e
moderno. Isto não quer dizer que o movimento que derrubou o governo Goulart e
implantou um novo regime no Brasil tivesse ideias precisas sobre o que era
preciso fazer. Os militares, estimulados pelos civis conspiradores (vários
golpistas, de fato), estavam antes de tudo evitando o que se imaginava um mal
maior, que era a imposição de um regime de tipo socialista no Brasil. Goulart
dava sinais – empurrado por espíritos mais radicais como Brizola – de que faria
tudo para implantar as suas “reformas de base”, com o Congresso ou sem ele, “na
lei ou na marra”, como proclamava Brizola.
Por um determinado momento,
tanto do lado dos “reformistas”, quando do lado dos golpistas, se pensou que o
Brasil estava, de fato, e na “melhor” das hipóteses, no limiar de um golpe ao
estilo peronista ou nasserista, o que teria sido inaceitável para capitalistas
e líderes militares; na pior, seria a inauguração de um regime cubano ou
maoísta, improvável, sob vários aspectos, mas essa era uma das percepções em
voga entre os militares; elas provavelmente os induziram a passar decisivamente
à ação.
Goulart poderia encarnar
tendências reformistas sinceras, mas no fundo era um líder não só timorato, mas
basicamente incompetente para as grandes tarefas reformistas que estavam na
agenda dos movimentos da esquerda moderada. Ao final, ele acabou buscando apoio
nos líderes sindicais e em lideranças comunistas que tinham um outro projeto
para o Brasil. As “reformas de base” que tinham sido propostas por reformistas
como San Tiago Dantas não tinham nenhuma chance de serem implementadas na forma
como ele pretendia. Elas terminaram sendo gradualmente efetivadas pelo novo
regime.
O que regime que se instalou no Brasil em 1964, e que acabou
durando 21 anos, era um regime militar?
Era certamente um regime
dominado por militares, mas dificilmente se poderia chamá-lo de militar, no
sentido clássico da palavra. Nem se pretendia, ao início, que ele durasse duas
décadas, pois o projeto imediato era afastar os perigos presumidos e inverter o
caos político e administrativo que caracterizou os dois últimos anos de
Goulart. Castelo Branco, o primeiro general presidente, empossado pelo
Congresso, chegou a pensar que as eleições previstas para 1965 pudessem ser
realizadas, mas o cenário político se inverteu, com eventuais ameaças de
reações armadas por grupos de esquerda ou brizolistas. Por um conjunto de
circunstâncias, inclusive derivadas dessas percepções e de uma direita militar
bem mais radical do que as posições basicamente civilistas e democráticas de
Castelo Branco, o regime continuou a ler comandado por militares –
exclusivamente generais do Exército, com uma espécie de colegiado militar a
endossar as decisões sobre os “sucessores” – mas os governos não eram dominados
por militares, mas essencialmente por técnicos civis, tecnocratas, e alguns
políticos.
O Congresso só foi fechado
em circunstâncias excepcionais, e as medidas mais drásticas – como repressão
violenta, censura e violações repetidas dos direitos humanos, como o uso da
tortura, pela polícia e pelos militares – ocorreu concomitantemente aos ataques
deslanchados pela guerrilha urbana e rural. A esquerda armada não reconhece até
hoje que ela foi responsável em grande medida pelo endurecimento do regime, e
por sua “militarização” nos momentos de maiores enfrentamentos contra os grupos
guerrilheiros. Mesmo assim, o governo não se tornou mais militar, pois as
políticas econômicas e setoriais continuaram a serem pautadas por objetivos de
desenvolvimento econômico, não perseguindo metas exageradas de potência
militar. De fato, os militares queriam transformar o Brasil numa “grande
potência”, mas tal objetivo era perseguido mediante instrumentos basicamente
civis, de fortalecimento econômico e de capacitação tecnológica. Igualmente no
plano político, os militares brasileiros eram essencialmente legalistas,
buscando sempre dourar o arbítrio que praticavam por meio de atos
institucionais, ou mudanças na Constituição.
Fora dos ministérios
propriamente militares, os únicos profissionais da carreira que exerceram
cargos ministeriais eram da reserva, ou passavam a ela quando assumiam algum
cargo numa autarquia, com muito poucas exceções. Uma comparação do regime
“militar” brasileiro com seus congêneres no resto da América Latina comprovaria
o caráter essencialmente civilista dos governos brasileiros mesmo em momentos
de quase completa militarização no continente. Os orçamentos militares, por uma
medida, nunca corresponderam a um regime verdadeiramente militarista.
A oposição que atuou nos “anos de chumbo” do regime militar, tentando
derrubar o governo de armas na mão, estava lutando pela democracia?
Absolutamente, e isso eu posso afirmar por
conhecimento direto. Nenhuma das organizações que adotou o caminho das armas,
recusando a via política, de acumulação de forças, proposta pelos políticos de
oposição e pelo Partido Comunista de linha soviética, estava lutando apenas
para derrubar o governo; a intenção era transformar completamente o regime
político e econômico no sentido da “ditadura do proletariado”. Obviamente, o
cálculo estratégico dessas organizações era completamente equivocado e nunca
correspondeu ao que a sociedade brasileira esperava como regime politico e como
sistema econômico. A alegação de que o regime militar não deixou nenhuma outra
via de atuação aos seus opositores é totalmente falsa, inclusive porque o
início de atentados, de assaltos, sequestros e mesmo assassinatos a sangue frio
se deu numa fase anterior ao endurecimento do regime, tendo sido uma estratégia
traçada em Havana pelas lideranças castristas, como forma de aumentar a pressão
sobre o imperialismo, durante a fase mais aguda da guerra do Vietnã. O Brasil
se tornou pior, durante os “anos de chumbo”, por causa da esquerda armada, não
por causa do regime militar.
O retorno a um regime civil no Brasil, a partir de 1985,
representou uma melhoria de padrões na administração pública ou maior
crescimento econômico?
O regime autoritário
modernizador do Brasil foi essencialmente reformista, em todas as áreas
passíveis de serem transformadas no sentido da eficiência burocrática – que
costuma caracterizar todas as estruturas militares, feitas de planejamento,
muita logística e cálculo quanto aos resultados – e acelerou os processos de
criação de riqueza, aumentando a carga fiscal, mas também a taxa de
investimentos e a concentração de capital. Na primeira metade do regime, o
Brasil conheceu as maiores taxas de crescimento econômico de sua história, fase
que foi interrompida pelos dois choques do petróleo e pela relutância dos
governantes civis e militares em fazer os ajustes necessários, o que provocou o
super-endividamento e as pressões inflacionarias, que acabaram precipitando as
crises dos anos 1980.
A segunda fase, final, foi
errática, o deveria ter sido corrigido por um governo comprometido com a
estabilidade e a responsabilidade fiscal, o que infelizmente não ocorreu. Ao
contrário, não apenas os governos que se seguiram não souberam adotar as
ferramentas estabilizadoras requeridas para aquele momento, mas o próprio
Congresso Constituinte agravou a situação ao aprovar um rol imenso de
benefícios sociais sem qualquer sustentação na base fiscal. Desde então, o
Brasil vem se arrastando no baixo crescimento, tanto em função desse
compromisso estrutural com a redistribuição, em lugar da acumulação para fins
de investimento, quanto em virtude de uma quebra de padrões de qualidade na
administração pública (com exceção do governo reformista de Fernando Henrique
Cardoso, ele também vítima de crises financeiras externas).
Obviamente não foi o
regime autoritário, ou militar, que produziu altas taxas de crescimento
econômico nos anos 1970, assim como não foi exatamente a democracia, em si, que
atenuou o ritmo do crescimento, mas políticas econômicas desajustadas aos desafios
internos e externos a cada momento da conjuntura nacional e internacional. O
principal erro dos militares foi, provavelmente, a exagerada estatização e
autarquia que marcaram as políticas econômicas, que eram essencialmente
desenhadas por civis, ou seja, tecnocratas, embora os militares
indubitavelmente pressionavam por altas taxas de expansão do produto, como
forma de trazer o Brasil para o pelotão de frente da economia mundial (o que de
certa forma foi logrado, com algumas distorções). Os governos civis que se
seguiram não corrigiram os erros mais visíveis, ao mesmo tempo em que agravaram
os desequilíbrios fiscais, que só seriam corrigidos depois de fortes impulsos
inflacionários pela equipe econômica reunida pelo ministro Fernando Henrique
Cardoso, sob o governo Itamar Franco. Como presidente, FHC conduziu o maior
processo de reformas do Estado e das estruturas econômicas do país desde o
regime militar, mas os padrões de qualidade da administração pública foram
novamente e dramaticamente reduzidos sob os governos petistas que se seguiram,
sem que se tenha recuperado o impulso de crescimento (temporariamente elevados
apenas por indução externa, graças à demanda chinesa por produtos primários
brasileiros de exportação).
[A continuar...]
Hartford, 18 de Março de 2014.