O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Jamil Chade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Jamil Chade. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Brasil: a pior imagem internacional desde a redemocratização - Jamil Chade

Série de denúncias na ONU dá ao Brasil pior imagem desde redemocratização

Jamil Chade
UOL, 11/12/2019
27.fev.2019 - Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote ao discurso do chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, que discursava na reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas - Jamil Chade/UOL
27.fev.2019 - Cadeira do Brasil na sala de conferências da ONU, em Genebra, fica vazia durante boicote ao discurso do chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza, que discursava na reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Imagem: Jamil Chade/UOL
O governo de Jair Bolsonaro foi alvo de pelo menos 37 denúncias na ONU por parte de entidades estrangeiras e brasileiras, além de ações lideradas por deputados e mesmo pela OAB. Em meio às comemorações do Dia Mundial dos Direitos Humanos, nesta terça-feira, a constatação de organizações e diplomatas é de que o Brasil vive seu pior momento internacional em termos de direitos humanos desde o restabelecimento da democracia, em 1985.
Há poucos meses, numa reunião entre governos e ONGs, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, qualificou o Brasil de "exemplo e inspiração" no que se refere aos direitos humanos. Mas, nas correspondências sigilosas e nos bastidores das entidades internacionais, essa não é a realidade que se constata.
Entre os relatores da ONU, um total de doze cartas sigilosas foram enviadas ao governo brasileiro ao longo do ano para se queixar de violações cometidas pelo Estado e cobrando respostas, inclusive sobre ameaças sofridas por líderes indígenas, ameaças contra a liberdade de imprensa e a apuração do assassinato de Marielle Franco.
Em praticamente todos os textos, pode-se ler termos como "profunda preocupação" ou "alarmados" em relação às medidas adotadas pelo governo, além de pedidos para que algumas das iniciativas sejam suspensas.

Ecos da ditadura militar

Para além das cartas enviadas pelos relatores das Nações Unidas, a entidade já vive uma rotina diferente em relação ao Brasil. Escritórios da ONU em Genebra passaram a ver uma frequente chegada de documentos e denúncias formalizadas contra o Estado brasileiro.
A onda foi interpretada como um sinal de um profundo mal-estar no país e da suspeita de que as instituições nacionais não estão sendo capazes de lidar com o desmonte do sistema de direitos humanos.
Diplomatas mais experientes relatam que tal cenário de ataques internacionais ao Brasil só se assemelha aos anos do regime militar (1964-1985), quando a situação do país também entrou na agenda da ONU de maneira constante.
Durante os governos FHC, Lula, Dilma e Temer, as denúncias também existiram e as mesmas ONGs que hoje atacam o governo Bolsonaro também recorreram aos organismos internacionais contra aquelas gestões.
Mas, nos últimos meses, a dimensão dos ataques e a frequência dos casos se multiplicou de forma inédita.
A situação das prisões, a violência policial, o fechamento de conselhos, o desmonte de mecanismos de combate à tortura, meio ambiente, as situações das barragens, o comportamento de Bolsonaro sobre o golpe de 1964, e a condição dos indígenas foram apenas alguns dos temas denunciados diante das entidades internacionais desde janeiro de 2019.
FHC diz que Bolsonaro nega golpe de 1964 porque "não estava lá"
UOL Notícias

Deterioração de imagem e credibilidade

Ainda que a ONU não conte com uma polícia internacional e nem mecanismos para forçar o estado brasileiro a modificar seu comportamento, a enxurrada inédita de denúncias criou um constrangimento para o governo. Em dezenas de reuniões ao longo do ano, o Brasil passou a ter de se defender, criando um esquema entre diplomatas para que se revezem nos encontros para ler declarações elaboradas em Brasília sobre os diferentes temas sob ataque.
Além disso, recomendações dos peritos colocam pressão sobre o governo e ainda aprofundam o processo de deterioração de sua imagem na comunidade internacional. Ao não cumprir uma recomendação da ONU, o Brasil ainda enfraquece sua posição e afeta sua credibilidade no que se refere a assuntos relacionados a direitos humanos.
Apenas a entidade Conectas fez um total de 14 denúncias em eventos relacionados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. A mesma entidade também apresentou seis apelos urgentes, em cartas para diferentes organismos internacionais. A entidade ainda planeja outras três denúncias ainda no mês de dezembro.
Já a entidade Justiça Global liderou mais doze apelos urgentes para a ONU, ao lado de organismos nacionais e internacionais. Entre as denúncias está o desmantelamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o caso da intervenção e censura no Conselho Nacional de Direitos Humanos, as retaliações contra a Subprocuradora-Geral da República Deborah Duprat e casos de violência policial.
Um caso ainda mais problemático para o país é o que foi apresentado por parte de advogados e da Comissão Arns perante o Tribunal Penal Internacional, acusando o governo de "incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil".
10.set.2019 - Índio guajajara, "guardião da floresta", segura uma arma enquanto se prepara para buscas por madeireiros ilegais - Ueslei Marcelino/Reuters
10.set.2019 - Índio guajajara, "guardião da floresta", segura uma arma enquanto se prepara para buscas por madeireiros ilegais
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Indígenas foram até a ONU

Ao longo do ano, diversos grupos indígenas ainda viajaram até a ONU para apresentar suas queixas. Um deles foi o povo Xavante, que entregou um dossiê ao Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial. O grupo denunciou o "desmonte" da Funai e pediu que obras de estradas planejadas para suas terras sejam suspensas até que consultas possam ser realizadas.
Em novembro, uma delegação composta por vários povos indígenas brasileiros ainda entregou dados de uma nova denúncia às Nações Unidas. Já nesta semana, a ONU e a OEA se uniram em lançar um apelo ao governo para que as mortes das lideranças indígenas Firmino Praxede Guajajara, Raimundo Guajajara e Paulino Guajajara sejam alvo de investigações imparciais.
No início de dezembro, a Human Rights Watch ainda entregou ao relator especial da ONU sobre resíduos tóxicos uma denúncia sobre novas regras de classificação de agrotóxicos no Brasil e a aprovação de novos produtos.
Organizações internacionais da França e Suíça ainda denunciaram a Ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, por demitir a coordenadora geral do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Caroline Dias dos Reis.
Para o Observatório para a Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, o ato "constitui mais um passo no retrocesso dos direitos humanos no país".
Entre as atividades realizadas pelo Conselho estão o monitoramento das políticas públicas de direitos humanos, a elaboração de propostas legislativas, a articulação com entidades públicas e privadas, como com os sistemas internacionais e regionais de direitos humanos.
Parte das queixas recebidas pela ONU também vieram de parlamentares. Liderados pelo PSOL, um grupo de deputados apresentou uma denúncia sobre situação de torturas em presídios do Pará.
23.ago.2019 - Presidente Jair Bolsonaro (SPL) participa de cerimônia do Dia do Soldado - Marcos Corrêa/Presidência da República
23.ago.2019 - Presidente Jair Bolsonaro (SPL) participa de cerimônia do Dia do Soldado
Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Negação do golpe militar de 1964

Já a OAB e Instituto Vladimir Herzog se uniram para denunciar o comportamento do governo brasileiro em relação à insistência do presidente Jair Bolsonaro de negar a existência de um golpe de Estado em 1964.
As duas entidades apresentaram aos relatores internacionais dados ligando apoio do atual chefe de Estado à ditadura e seu trabalho de desmonte de estruturas de memória, verdade e justiça
Ao longo do ano, diversos ativistas também viajaram até a ONU para apresentar suas denúncias. Uma delas foi Mônica Benício, companheira de Marielle Franco.
Para especialistas, a ação internacional contra o Brasil é considerada como fundamental diante da situação interna do país. "Bolsonaro e seu governo têm recuado de propostas nefastas quando há reação", disse Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora do Cebrap e membro da Comissão Arns.
"Portanto, fazer pressão para que recue de iniciativas danosas para o país e para a maioria da população é sempre bom. Esse é um presidente de inclinação claramente autoritária que governa uma democracia. Pressões internas e externas são necessárias para mante-lo na linha", disse.
Segundo ela, porém, "pressões internacionais são especialmente importantes quando o que está em questão são políticas para as quais há pouco apoio interno efetivo — por exemplo a proteção ambiental — ou os direitos de grupos mais vulneráveis como jovens negros pobre ou comunidades indígenas".
Macron, fotografado ao lado de Bolsonaro na reunião do G20, no Japão - JACQUES WITT/AFP
Macron, fotografado ao lado de Bolsonaro na reunião do G20, no Japão
Imagem: JACQUES WITT/AFP

Conselho de Direitos Humanos

Apesar dos ataques, o Brasil conseguiu votos suficientes para renovar seu mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Para isso, porém, o Itamaraty barganhou uma troca de apoios, em gestos políticos que pouca relação tinham com a situação dos direitos humanos.
Mesmo governos que registraram tensões com o Brasil acabaram votando pelo país, depois que Brasília negociou apoios recíprocos em outras entidades.
Com a França, por exemplo, o governo Bolsonaro prometeu apoiar um candidato de Paris para um comitê das Nações Unidas em troca do voto para o Conselho de Direitos Humanos.
Em seu comunicado de imprensa, no momento da eleição, o Itamaraty insistiu que a votação era um sinal do "sólido reconhecimento internacional das credenciais do Brasil em matéria de promoção e proteção dos direitos humanos".

Não era. O voto refletiu apenas a barganha política que se fez nos bastidores e que também garantiu a eleição de violadores de direitos humanos como Venezuela, Líbia, Sudão ou Mauritânia.

sábado, 12 de outubro de 2019

A guinada ultraconservadora da diplomacia brasileira na ONU a pedido dos EUA - Jamil Chade

Jamil Chade refaz a trajetória da inversão conservadora da diplomacia brasileira, atendendo a demandas dos EUA nas questões da mulher, e confirmando a submissão servil - redundante, eu sei - a tudo o que vem do governo Trump. Diplomatas brasileiros evitarão falar a respeito dessa nova vergonha política, pois todos eles dependem do Gabinete do chanceler para promoção, remoção ou chefias na Casa. 
Trata-se do maior afundamento da dignidade da diplomacia brasileira em décadas.
Paulo Roberto de Almeida 

Exclusivo: os bastidores da nova política externa brasileira, "inspirada" na Casa Branca. https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/10/12/eua-acionam-brasil-para-implementar-agenda-ultraconservadora-na-onu/ 

EUA acionam Brasil para implementar agenda ultraconservadora na ONU Jamil Chade 12/10/2019 04h00 Trump e Bolsonaro se cumprimentam durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington (REUTERS)   Nos bastidores, a guinada ideológica sem precedentes no Itamaraty teve pressão direta de Washington, resistência de diplomatas brasileiros e novo alinhamento do governo nas entidades internacionais.     GENEBRA – Em fevereiro deste ano, muitos na ONU respiraram aliviados. Numa primeira visita da ministra de Direitos Humanos às Nações Unidas, Damares Alves não criou polêmicas e falou abertamente sobre a questão de gênero, direitos das mulheres e educação sexual. Vítima de abus... - Veja mais em https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/10/12/eua-acionam-brasil-para-implementar-agenda-ultraconservadora-na-onu/?cmpid=copiaecola

Retomo (PRA):


Uma tal subserviência da diplomacia brasileira a diretrizes determinadas em Washington, em total contradição com posturas exibidas tradicionalmente pela diplomacia tradicional do Brasil, tem poucos precedentes, provavelmente nenhum, na nossa longa história de política externa orientada em função de critérios que refletem determinados consensos da sociedade brasileira.
Agora não mais: no afã de atender e de seguir recomendações ou sugestões emanadas dos setores ultraconservadores da administração Trump, ou pressionadas por setores identificados com as mesmas posturas no próprio Brasil, as novas instruções dadas pelo Gabinete do chanceler brasileiro se conformam fielmente às ideias extremistas defendidas por esses setores do governo bolsonarista.
Em resumo, a diretriz básica dessa diplomacia abjetamente servil adotada a partir de agora pelo Brasil da extrema-direita parece ser apenas esta:
The world according to Washington.
Não tenho registro histórico de episódios semelhantes que possam ter humilhado a diplomacia profissional brasileira nessa perda total de autonomia política decisória. Talvez tenha ocorrido algo similar no início da Guerra Fria, quando o então delegado brasileiro na ONU, Oswaldo Aranha, foi admoestado pelo Governo Dutra, extremamente servil aos EUA, por não ter votado exatamente como a delegação americana numa resolução qualquer, quando tinham sido os próprios americanos que mudaram repentinamente de posição, sem comunicar a nova postura aos seus “satélites” da época, entre os quais se incluia o Brasil alinhado com Washington. 
Salvo esse precedente, não se tem memória de casos em que tenhamos descido tão baixo na sabujice explícita. 
A “nova” diplomacia brasileira, supostamente “sem ideologia”, envergonha o corpo profissional do Itamaraty, pela extrema ideologia de suas posturas radicalmente em ruptura com padrões seguidos até recentemente. 
Cabe repetir o título de meu livro de 2014: “Nunca antes na diplomacia...”
Vou ter de reescrever esse livro.
Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 12/10/2019

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Jamil Chade: Amazonia queimando é o maior revés diplomático do Brasil em 50 anos

Amazônia vira maior revés da imagem do Brasil em 50 anos, dizem diplomatas
Jamil Chade, UOL, 23/08/2019

Com protestos previstos para está sexta-feira pelo mundo, Itamaraty confirma que embaixadas brasileiras já reforçaram sua segurança. Ao colocar Amazônia no G7, Macron alerta que não vai dar seu apoio ao acordo Mercosul-UE e manda mensagem de que Bolsonaro não tem capacidade de lidar, sozinho, com a crise. "Jamais tivemos nos últimos 50 anos um desastre de imagem tão catastrófico e irreparável como esse", afirmou ex-ministro Rubens Ricupero.

GENEBRA – A fumaça das queimadas na Amazônia já sufocou o governo Jair Bolsonaro, pelo menos em sua imagem no exterior. No plano internacional, observadores apontam que a crise já poderia ser considerada como o maior revés do Brasil no cenário externo em meio século. Em apenas sete dias, mais de 10 milhões de tuítes foram publicados sobre a crise no país.
O acordo comercial entre Mercosul e UE também está ameaçado, depois que França e Irlanda anunciaram nesta sexta-feira que vão se opor ao tratado diante da postura brasileira no clima. Até mesmo um pedido de sanções contra o País foi lançado no Reino Unido, enquanto se proliferam pedidos da sociedade civil para que governos se distanciem de Bolsonaro.
Emmanuel Macron, que recebe os líderes do G-7 neste fim de semana, decidiu colocar a Amazônia em sua agenda e chamou o tema de "crise internacional". No fundo, a manobra é vista como tendo o potencial de criar uma pressão internacional sobre o Brasil em termos ambientais.
O UOL apurou que a França, antes de fazer a sugestão, já havia estabelecido um entendimento de que teria o apoio da Alemanha e da chanceler Angela Merkel, ridicularizada por Bolsonaro. A alemã suspendeu sua colaboração para o Fundo Amazônia e, como resposta, recebeu do presidente brasileiro a sugestão de usar o dinheiro para reflorestar a Alemanha.
O cenário desenhado é de que, ao tratar da crise, Macron estipule que Bolsonaro, sozinho, não tem como lidar com a situação da Amazônia.
Nesta sexta-feira, Merkel já saiu em apoio à proposta francesa e declarou a situação no Brasil como sendo uma "emergência aguda".
Em Bruxelas, a Comissão Europeia afirmou estar "profundamente preocupada" com a situação e disse que está disposta a ajudar o Brasil. A UE ainda apoiou a ideia de Macron de tratar da crise durante a reunião do G7.
Em Dublin e Paris, os governos já deixam claro que poderão simplesmente vetar o acordo com o Mercosul, assinado há poucas semanas, abrindo uma crise na relação entre a Europa e o Brasil.
Macron ganhou ainda o sinal verde de Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá e que também estará no G7.
Além da pressão, os governos poderiam lançar um apelo para que o Brasil se comprometa a retomar iniciativas como o Fundo Amazônia ou simplesmente aceitar recursos estrangeiros. Em qualquer um dos casos, isso significaria um monitoramento estrangeiro do que ocorre no Brasil e uma tentativa de blindar o desmonte da política ambiental do País.

Brasil sem voz no G7 só contaria com Trump
Não por acaso, a iniciativa deixou parte do governo enfurecido, diante do risco de que decisões sejam tomadas no fim de semana sem sequer consultar o Brasil. Um dos negociadores que estará na reunião acredita que, ainda mais prejudicial, será o fato de o país não poder se defender diante de um grupo que conta com Macron e Merkel.
Para os funcionários da chancelaria francesa, a dúvida é se Donald Trump sairá ao resgate de seu novo aliado, Jair Bolsonaro. Entre diplomatas brasileiros, a percepção é de que, mesmo que a Casa Branca monte uma blindagem para o Brasil, ela não o fará sem um custo. "Nada é feito nos EUA sem uma contrapartida", admitiu um diplomata.
O ex-ministro do Meio Ambiente e embaixador Rubens Ricupero foi contundente. "No dia 21 de agosto, percorri todos os principais noticiários da televisão mundial: RAI 1, France 2, BBC, CNN. Todos, até na seção de previsão de tempo, dedicavam atenção principal às queimadas na Amazônia", disse à reportagem.
"Jamais tivemos nos últimos 50 anos um desastre de imagem tão catastrófico e irreparável como esse", afirmou o embaixador. "É muitas vezes pior em intensidade, horário nobre, repercussão junto a estadistas e gente do povo do que sucedeu nos piores momentos do regime militar", alertou.
Segundo Ricupero, está sendo destruído "em poucas horas um esforço que se iniciou na época de Sarney e demandou mais de 30 anos e enormes esforços e recursos".
"Houve dois momentos em que o Brasil começava a recuperar um pouco sua imagem. O primeiro foi quando Sarney ofereceu o Rio de Janeiro para sediar a maior conferência do clima de todos os tempos, a Rio 92 e Collor honrou o compromisso, um momento alto da diplomacia ambiental brasileira", argumentou.
"O segundo foi mais recente, a partir do ano em que a taxa de desmatamento principiou a cair e assim permaneceu durante alguns anos. Mesmo assim, a imagem geral, aquela que ficava lá no fundo da mente das pessoas, é que o Brasil era um país agressor do meio ambiente, uma vez que, mesmo nos bons momentos, não faltavam episódios lamentáveis de invasão de terras de índios por garimpeiros, assassinatos de líderes ambientais como o de Chico Mendes e atentados de todo tipo. Agora, o que está ocorrendo pôs tudo a perder", alertou.

"Desmantelamento"
Ele, porém, não vê uma saída clara. "A situação desta vez é mais grave. Nos governos anteriores, existia uma vontade sincera, mais ou menos eficaz de tentar controlar a destruição. Infelizmente, mesmo os ministros e governos melhor intencionados lutavam em posição desfavorável, uma vez que os empenhados na destruição -grileiros, madeireiros, garimpeiros, fazendeiros pecuaristas – se encontravam presentes em toda a região amazônica, ao contrário do governo, cuja presença era débil e precária", disse.
"Às vezes, reservas maiores que um país europeu tinham apenas dois funcionários na vigilância! Faltava tudo: aviões, helicópteros, equipamento moderno de comunicação, viaturas. O pouco que se obteve foi graças a doações como as do Fundo Amazônia, que o atual desgoverno está em vias de liquidar", afirmou.
Para Ricupero, Bolsonaro e seu "antiministro do Meio Ambiente estão consciente e deliberadamente empenhados em destroçar todas as instituições e mecanismos de fiscalização e controle".
"Desde o começo, o governo intimidou os fiscais, desmoralizou a fiscalização ao denunciar o que chamou de "indústria das multas", quando é mais sabido que mais de 90% das multas nunca são pagas. Em seguida, afastou os funcionários de carreira e nomeou para dirigir o IBAMA e o Instituto Chico Mendes oficias da PM de São Paulo que prosseguiram o trabalho do desmantelamento", alertou.
Para ele, é falsa a percepção de que Bolsonaro "peca apenas pela língua, pelas suas desastrosas declarações". "Na verdade, o governo federal a rigor nem precisa fazer nada de especial para que o desmatamento aumente. Basta cruzar os braços, já que os destruidores estão apenas esperando o sinal verde para agir. Sinal que este governo vem fornecendo a cada dia, a cada hora, por meio da impunidade", disse.
"O que está ocorrendo lembra um episódio sinistro de nossa história: o fim do tráfico de escravos. Foi preciso que a esquadra inglesa começasse a capturar navios tumbeiros dentro de águas territoriais brasileiras e até dentro de nossos portos para que finalmente o governo imperial se decidisse em 1850 a colocar fim ao tráfico. Por que do contrário, os ingleses o fariam. É isso que deseja Bolsonaro?", questionou.

Na ONU
A percepção de Ricupero ecoa dentro da ONU, onde o Brasil vê sua reputação afetada. Dois embaixadores que pedem para não ser identificados confirmam que, em décadas, jamais viram uma reação internacional contra o Brasil de tal magnitude. "Não me lembro da última vez que o Brasil passou a ser tratado como um pária, como está sendo hoje", admitiu um deles.
O caso foi considerado como sendo de tal gravidade que Antônio Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, saiu de seu tradicional silêncio em temas polêmicos para pedir que a Amazônia seja protegida. "Estou profundamente preocupado pelo fogo na floresta amazônica", escreveu, alertando que o mundo não poderia se dar ao luxo de perder tal "fonte de oxigênio".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também se pronunciou, alertando que os acontecimentos no Brasil revelam o risco que enfrenta o planeta.
Fontes na entidade apontam que a crise não se limitará aos assuntos ambientais. Para diplomatas, a capacidade de o Brasil liderar esforços ou campanhas em outras áreas deve ser afetada. "O Brasil é hoje meio tóxico e são poucos os que estão dispostos a embarcar em algum projeto com o país", disse um experiente negociador.
Pela Europa, parlamentares que terão de votar uma ratificação do acordo comercial com o Mercosul estão sendo pressionados por seus eleitores a não chancelar o tratado com o Brasil. Numa rua de uma cidade austríaca, nesta semana, jovens simularam um enforcamento. Enquanto o gelo aos seus pés derretia, seguravam um cartaz contra o Mercosul e Bolsonaro.
Diplomatas que conversaram com a reportagem do UOL admitiram que as imagens enfraquecem o governo brasileiro e ameaçam até mesmo ser traduzidas em perdas reais para as exportações.
Com os partidos ambientalistas ganhando força pela Europa, deputados sabem que precisam dar uma roupagem "climática" para seus discursos. O resultado, com um Brasil debilitado, pode ser a transformação de Bolsonaro numa espécie de "bola da vez" para que políticos locais mostrem que estão comprometidos com o meio ambiente.

Sanções
No Reino Unido, uma petição foi lançada ao Parlamento Britânico solicitando que o governo faça pressão para que sanções sejam impostas contra o Brasil, por conta da floresta. Até a manhã de sexta-feira (horário europeu) e em poucas horas, a petição já contava com 40 mil assinaturas.

Não faltaram ainda aqueles que, se aproveitando de um clima deteriorado para o Brasil, embarquem numa nova campanha para minar as exportações brasileiras e evitar a concorrência.
Na Noruega, que negocia um acordo de livre comércio com o Mercosul, a Associação dos Produtores Agrícolas alertou ao governo de Oslo que os consumidores noruegueses precisavam ser respeitados e que um acordo com o Brasil não deveria ser fechado.
Para eles, um norueguês deve poder comer uma carne "sem ter de ter a consciência pesada" por estar desmatando a Amazônia. Mas sua real preocupação era outra: a capacidade dos produtos agrícolas do Brasil de minar a rentabilidade de seus próprios agricultores.
Na França, entidades de agricultores que sempre foram contra um acordo com o Mercosul agora adotaram o lema ambientalista para justificar seu pedido por barreiras.
De fato, em Brasília, o governo oficialmente instruiu seus diplomatas a defender a soberania do país sobre a Amazônia e a colocar em questão as reais intenções de ONGs. O discurso ainda inclui uma tentativa de qualificar os ataques contra o Brasil como uma espécie de estratégia de protecionismo comercial.
Mas, entre uma parcela menos radical do governo, o temor é de que não apenas as chamas na floresta saíram do controle. Com uma ampla campanha internacional, a percepção é de que a imagem do País queima junto com sua floresta. E os prejuízos podem ser enormes, politicamente e em termos comerciais.

Segurança reforçada
No centro do mundo e na periferia do Brasil, a realidade é que a floresta conseguiu unir artistas, políticos de diferentes partidos e, acima de tudo, a opinião pública contra o chefe de estado brasileiro.
Para esta sexta-feira, protestos estão sendo organizados diante de embaixadas do Brasil pelo mundo, enquanto nos bastidores do Itamaraty muitos temem depredações e ações mais contundentes. Desde o início do governo, foram pelo menos quatro incidentes e quase todos com recados sobre a situação ambiental do país.
Ao UOL, o Itamaraty confirmou que "os postos no exterior já adotaram medidas de reforço de segurança, conforme avaliação da necessidade local".
Grupos de estudantes querem usar o dia de protestos, nesta sexta-feira, para também dedicar uma mensagem especial ao presidente brasileiro.
Nesta semana, personalidades como Leonardo DiCaprio e Greta Thunberg usaram as redes sociais para denunciar a destruição da floresta, levando críticas a Bolsonaro a milhões de seguidores.
Em diversos países europeus, o assunto se transformou em um dos "trending topics" das redes sociais, obrigando até mesmo membros do governo a postar mensagens em inglês.
Dentro da ONU, um antigo chefe de negociações de desarmamento comentava ao ver estampada as imagens da Amazônia em chamas na imprensa de todo o mundo, na prateleira de uma banca de jornais dentro das Nações Unidas.
"Bom, quem até agora não conhecia Bolsonaro, agora sabe quem é: aquele que está permitindo a destruição da floresta", completou.