Amazônia
vira maior revés da imagem do Brasil em 50 anos, dizem diplomatas
Jamil Chade,
UOL, 23/08/2019
Com protestos
previstos para está sexta-feira pelo mundo, Itamaraty confirma que embaixadas
brasileiras já reforçaram sua segurança. Ao colocar Amazônia no G7, Macron
alerta que não vai dar seu apoio ao acordo Mercosul-UE e manda mensagem de que
Bolsonaro não tem capacidade de lidar, sozinho, com a crise. "Jamais
tivemos nos últimos 50 anos um desastre de imagem tão catastrófico e
irreparável como esse", afirmou ex-ministro Rubens Ricupero.
GENEBRA – A fumaça das
queimadas na Amazônia já sufocou o governo Jair Bolsonaro, pelo menos em sua
imagem no exterior. No plano internacional, observadores apontam que a crise já
poderia ser considerada como o maior revés do Brasil no cenário externo em meio
século. Em apenas sete dias, mais de 10 milhões de tuítes foram publicados
sobre a crise no país.
O acordo
comercial entre Mercosul e UE também está ameaçado, depois que França e Irlanda
anunciaram nesta sexta-feira que vão se opor ao tratado diante da postura
brasileira no clima. Até mesmo um pedido de sanções contra o País foi lançado
no Reino Unido, enquanto se proliferam pedidos da sociedade civil para que
governos se distanciem de Bolsonaro.
Emmanuel Macron,
que recebe os líderes do G-7 neste fim de semana, decidiu colocar a Amazônia em
sua agenda e chamou o tema de "crise internacional". No fundo, a
manobra é vista como tendo o potencial de criar uma pressão internacional sobre
o Brasil em termos ambientais.
O UOL apurou que
a França, antes de fazer a sugestão, já havia estabelecido um entendimento de
que teria o apoio da Alemanha e da chanceler Angela Merkel, ridicularizada por
Bolsonaro. A alemã suspendeu sua colaboração para o Fundo Amazônia e, como
resposta, recebeu do presidente brasileiro a sugestão de usar o dinheiro para
reflorestar a Alemanha.
O cenário
desenhado é de que, ao tratar da crise, Macron estipule que Bolsonaro, sozinho,
não tem como lidar com a situação da Amazônia.
Nesta
sexta-feira, Merkel já saiu em apoio à proposta francesa e declarou a situação
no Brasil como sendo uma "emergência aguda".
Em Bruxelas, a
Comissão Europeia afirmou estar "profundamente preocupada" com a
situação e disse que está disposta a ajudar o Brasil. A UE ainda apoiou a ideia
de Macron de tratar da crise durante a reunião do G7.
Em Dublin e
Paris, os governos já deixam claro que poderão simplesmente vetar o acordo com
o Mercosul, assinado há poucas semanas, abrindo uma crise na relação entre a
Europa e o Brasil.
Macron ganhou
ainda o sinal verde de Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá e que também
estará no G7.
Além da pressão,
os governos poderiam lançar um apelo para que o Brasil se comprometa a retomar
iniciativas como o Fundo Amazônia ou simplesmente aceitar recursos
estrangeiros. Em qualquer um dos casos, isso significaria um monitoramento
estrangeiro do que ocorre no Brasil e uma tentativa de blindar o desmonte da
política ambiental do País.
Brasil sem voz no G7 só contaria com
Trump
Não por acaso, a
iniciativa deixou parte do governo enfurecido, diante do risco de que decisões
sejam tomadas no fim de semana sem sequer consultar o Brasil. Um dos
negociadores que estará na reunião acredita que, ainda mais prejudicial, será o
fato de o país não poder se defender diante de um grupo que conta com Macron e
Merkel.
Para os
funcionários da chancelaria francesa, a dúvida é se Donald Trump sairá ao
resgate de seu novo aliado, Jair Bolsonaro. Entre diplomatas brasileiros, a
percepção é de que, mesmo que a Casa Branca monte uma blindagem para o Brasil,
ela não o fará sem um custo. "Nada é feito nos EUA sem uma
contrapartida", admitiu um diplomata.
O ex-ministro do
Meio Ambiente e embaixador Rubens Ricupero foi contundente. "No dia 21 de
agosto, percorri todos os principais noticiários da televisão mundial: RAI 1,
France 2, BBC, CNN. Todos, até na seção de previsão de tempo, dedicavam atenção
principal às queimadas na Amazônia", disse à reportagem.
"Jamais
tivemos nos últimos 50 anos um desastre de imagem tão catastrófico e
irreparável como esse", afirmou o embaixador. "É muitas vezes pior em
intensidade, horário nobre, repercussão junto a estadistas e gente do povo do
que sucedeu nos piores momentos do regime militar", alertou.
Segundo Ricupero,
está sendo destruído "em poucas horas um esforço que se iniciou na época
de Sarney e demandou mais de 30 anos e enormes esforços e recursos".
"Houve dois
momentos em que o Brasil começava a recuperar um pouco sua imagem. O primeiro
foi quando Sarney ofereceu o Rio de Janeiro para sediar a maior conferência do
clima de todos os tempos, a Rio 92 e Collor honrou o compromisso, um momento
alto da diplomacia ambiental brasileira", argumentou.
"O segundo
foi mais recente, a partir do ano em que a taxa de desmatamento principiou a
cair e assim permaneceu durante alguns anos. Mesmo assim, a imagem geral,
aquela que ficava lá no fundo da mente das pessoas, é que o Brasil era um país
agressor do meio ambiente, uma vez que, mesmo nos bons momentos, não faltavam
episódios lamentáveis de invasão de terras de índios por garimpeiros,
assassinatos de líderes ambientais como o de Chico Mendes e atentados de todo
tipo. Agora, o que está ocorrendo pôs tudo a perder", alertou.
"Desmantelamento"
Ele, porém, não
vê uma saída clara. "A situação desta vez é mais grave. Nos governos
anteriores, existia uma vontade sincera, mais ou menos eficaz de tentar
controlar a destruição. Infelizmente, mesmo os ministros e governos melhor
intencionados lutavam em posição desfavorável, uma vez que os empenhados na
destruição -grileiros, madeireiros, garimpeiros, fazendeiros pecuaristas – se
encontravam presentes em toda a região amazônica, ao contrário do governo, cuja
presença era débil e precária", disse.
"Às vezes,
reservas maiores que um país europeu tinham apenas dois funcionários na
vigilância! Faltava tudo: aviões, helicópteros, equipamento moderno de
comunicação, viaturas. O pouco que se obteve foi graças a doações como as do
Fundo Amazônia, que o atual desgoverno está em vias de liquidar", afirmou.
Para Ricupero,
Bolsonaro e seu "antiministro do Meio Ambiente estão consciente e
deliberadamente empenhados em destroçar todas as instituições e mecanismos de
fiscalização e controle".
"Desde o
começo, o governo intimidou os fiscais, desmoralizou a fiscalização ao
denunciar o que chamou de "indústria das multas", quando é mais
sabido que mais de 90% das multas nunca são pagas. Em seguida, afastou os
funcionários de carreira e nomeou para dirigir o IBAMA e o Instituto Chico
Mendes oficias da PM de São Paulo que prosseguiram o trabalho do
desmantelamento", alertou.
Para ele, é
falsa a percepção de que Bolsonaro "peca apenas pela língua, pelas suas
desastrosas declarações". "Na verdade, o governo federal a rigor nem
precisa fazer nada de especial para que o desmatamento aumente. Basta cruzar os
braços, já que os destruidores estão apenas esperando o sinal verde para agir.
Sinal que este governo vem fornecendo a cada dia, a cada hora, por meio da
impunidade", disse.
"O que está
ocorrendo lembra um episódio sinistro de nossa história: o fim do tráfico de
escravos. Foi preciso que a esquadra inglesa começasse a capturar navios
tumbeiros dentro de águas territoriais brasileiras e até dentro de nossos
portos para que finalmente o governo imperial se decidisse em 1850 a colocar
fim ao tráfico. Por que do contrário, os ingleses o fariam. É isso que deseja
Bolsonaro?", questionou.
Na ONU
A percepção de
Ricupero ecoa dentro da ONU, onde o Brasil vê sua reputação afetada. Dois
embaixadores que pedem para não ser identificados confirmam que, em décadas,
jamais viram uma reação internacional contra o Brasil de tal magnitude.
"Não me lembro da última vez que o Brasil passou a ser tratado como um
pária, como está sendo hoje", admitiu um deles.
O caso foi
considerado como sendo de tal gravidade que Antônio Guterres, secretário-geral
das Nações Unidas, saiu de seu tradicional silêncio em temas polêmicos para
pedir que a Amazônia seja protegida. "Estou profundamente preocupado pelo
fogo na floresta amazônica", escreveu, alertando que o mundo não poderia
se dar ao luxo de perder tal "fonte de oxigênio".
A Organização
Mundial da Saúde (OMS) também se pronunciou, alertando que os acontecimentos no
Brasil revelam o risco que enfrenta o planeta.
Fontes na
entidade apontam que a crise não se limitará aos assuntos ambientais. Para
diplomatas, a capacidade de o Brasil liderar esforços ou campanhas em outras
áreas deve ser afetada. "O Brasil é hoje meio tóxico e são poucos os que
estão dispostos a embarcar em algum projeto com o país", disse um
experiente negociador.
Pela Europa,
parlamentares que terão de votar uma ratificação do acordo comercial com o
Mercosul estão sendo pressionados por seus eleitores a não chancelar o tratado
com o Brasil. Numa rua de uma cidade austríaca, nesta semana, jovens simularam
um enforcamento. Enquanto o gelo aos seus pés derretia, seguravam um cartaz
contra o Mercosul e Bolsonaro.
Diplomatas que
conversaram com a reportagem do UOL admitiram que as imagens enfraquecem o
governo brasileiro e ameaçam até mesmo ser traduzidas em perdas reais para as
exportações.
Com os partidos
ambientalistas ganhando força pela Europa, deputados sabem que precisam dar uma
roupagem "climática" para seus discursos. O resultado, com um Brasil
debilitado, pode ser a transformação de Bolsonaro numa espécie de "bola da
vez" para que políticos locais mostrem que estão comprometidos com o meio
ambiente.
Sanções
No Reino Unido,
uma petição foi lançada ao Parlamento Britânico solicitando que o governo faça
pressão para que sanções sejam impostas contra o Brasil, por conta da floresta.
Até a manhã de sexta-feira (horário europeu) e em poucas horas, a petição já
contava com 40 mil assinaturas.
Não faltaram
ainda aqueles que, se aproveitando de um clima deteriorado para o Brasil,
embarquem numa nova campanha para minar as exportações brasileiras e evitar a
concorrência.
Na Noruega, que
negocia um acordo de livre comércio com o Mercosul, a Associação dos Produtores
Agrícolas alertou ao governo de Oslo que os consumidores noruegueses precisavam
ser respeitados e que um acordo com o Brasil não deveria ser fechado.
Para eles, um
norueguês deve poder comer uma carne "sem ter de ter a consciência
pesada" por estar desmatando a Amazônia. Mas sua real preocupação era
outra: a capacidade dos produtos agrícolas do Brasil de minar a rentabilidade
de seus próprios agricultores.
Na França,
entidades de agricultores que sempre foram contra um acordo com o Mercosul
agora adotaram o lema ambientalista para justificar seu pedido por barreiras.
De fato, em
Brasília, o governo oficialmente instruiu seus diplomatas a defender a soberania
do país sobre a Amazônia e a colocar em questão as reais intenções de ONGs. O
discurso ainda inclui uma tentativa de qualificar os ataques contra o Brasil
como uma espécie de estratégia de protecionismo comercial.
Mas, entre uma
parcela menos radical do governo, o temor é de que não apenas as chamas na
floresta saíram do controle. Com uma ampla campanha internacional, a percepção
é de que a imagem do País queima junto com sua floresta. E os prejuízos podem
ser enormes, politicamente e em termos comerciais.
Segurança reforçada
No centro do
mundo e na periferia do Brasil, a realidade é que a floresta conseguiu unir
artistas, políticos de diferentes partidos e, acima de tudo, a opinião pública
contra o chefe de estado brasileiro.
Para esta
sexta-feira, protestos estão sendo organizados diante de embaixadas do Brasil
pelo mundo, enquanto nos bastidores do Itamaraty muitos temem depredações e
ações mais contundentes. Desde o início do governo, foram pelo menos quatro
incidentes e quase todos com recados sobre a situação ambiental do país.
Ao UOL, o
Itamaraty confirmou que "os postos no exterior já adotaram medidas de
reforço de segurança, conforme avaliação da necessidade local".
Grupos de
estudantes querem usar o dia de protestos, nesta sexta-feira, para também
dedicar uma mensagem especial ao presidente brasileiro.
Nesta semana,
personalidades como Leonardo DiCaprio e Greta Thunberg usaram as redes sociais
para denunciar a destruição da floresta, levando críticas a Bolsonaro a milhões
de seguidores.
Em diversos
países europeus, o assunto se transformou em um dos "trending topics"
das redes sociais, obrigando até mesmo membros do governo a postar mensagens em
inglês.
Dentro da ONU,
um antigo chefe de negociações de desarmamento comentava ao ver estampada as
imagens da Amazônia em chamas na imprensa de todo o mundo, na prateleira de uma
banca de jornais dentro das Nações Unidas.
"Bom, quem
até agora não conhecia Bolsonaro, agora sabe quem é: aquele que está permitindo
a destruição da floresta", completou.
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