Brasilia, 5/08/2019
sábado, 22 de outubro de 2011
Brics: pequeno debate sobre seu
papel mundial - Paulo R. Almeida e Alexander Zhebit
Registro aqui, em primeiro lugar, o comentário de Alexander
Zhebit a meu artigo sobre o papel dos Brics na atual conjuntura mundial de
crise -- neste artigo de
Mundorama --, fazendo-o seguir de meus próprios
comentários-resposta.
Quem desejar se associar ao debate, sinta-se livre para
enviar-me comentários neste post, aos quais darei o devido destaque, em função
de argumentos substantivos.
Grato ao Alexander pela atenção demonstrada, mas como se
verifica pela minha resposta, ainda não sou capaz de aderir à essência de sua
posição.
Paulo Roberto de Almeida
Uma resposta to “Os Brics na
nova conjuntura de crise econômica mundial, por Paulo Roberto de Almeida”
Parabenizando o autor pelo ensaio conceitual e
profundo e concordando com muitas teses dele, gostaria de ressaltar que a
plataforma ideacional da aproximação dos BRICS não é econômica, embora a ideia
da correlação entre os BRICS se origine do estudo econômico da Goldman Sachs,
mas é axiológica. BRICS, uma rede transgovernamental de governança ad hoc,
persegue principalmente o objetivo alternativo da reconstrução da ordem
internacional que entrou em obsolência. O fato de acolher no seu grupo a África
do Sul, incompatível com os outros BRIC em termos econômicos e populacionais,
mas muito útil no sentido de representatidade de alter mundo, demonstra esta
sua ânsia de alteratividade em nível mundial. É indiscutível que a proposta de
prestar assistência financeira à Europa, descartada logo em seguida, teve uma
intenção propagandística, o que em si não desmente a capacidade acrescida de
auxílios financeiros pelos BRICS, devido à elevação da cota de participação e
do peso de votação dos BRICS no FMI.
Comentário-resposta de Paulo Roberto de Almeida:
Agradeço ao Alexander Zhebit pelo seu comentário e como é de meu estilo -- sem
qualquer floreio verbal ou hipocrisias relacionais -- vou direto ao assunto
central, que se prende não às concordâncias entre ambos, mas ao ponto que nos
separa.
Alexander pretende que a "plataforma ideacional dos BRICS
não é econômica (...), mas é axiológica". Esta plataforma, segundo ele,
"persegue principalmente o objetivo alternativo da reconstrução da ordem
internacional que entrou em obsolência" (sic). Os Brics, nessa concepção,
demonstram "ânsia de alteratividade em nível mundial" (sic,
novamente, mas por razões substantivas).
Enfim, deixo de lado essa questão de ajudar ou não os caloteiros
de fato (Grécia) e de intenção (Portugal e talvez outros) de uma Europa
arrastada pela crise que ela própria criou -- e que para mim tem pouco a ver
com a crise original americana -- pois esse ponto é absolutamente irrelevante
para o ponto central que pretendo discutir, o que faço a partir de agora.
A questão relevante, expressa tanto na criação dos Brics e nos argumentos de
certos acadêmicos, como talvez seja o caso de Zhebit, é o fato de os Brics
representarem, supostamente, um modelo alternativo, uma contestação da ordem
global, uma proposta de um mundo diferente, do que o existente atualmente,
feito pelas potências que emergiram economicamente no meio século que decorreu
desde a Segunda Guerra (algumas ascendentes, outras declinantes).
Seria essa tal de "alteratividade em nível mundial",
para construir uma "nova ordem", substituindo a velha, que teria
entrado em obsolescência. Isso corresponde, em termos um pouco mais elegantes e
refinados, ao que vêem fazendo os tais alternativos, o pessoal do "outro
mundo possível", com sua recusa da globalização capitalista e suas
demandas por um mundo menos desigual e imperfeito, mais solidário, não
assimétrico, justo e humano.
Bem, se não for isso que Alexander Zhebit pretende, desde já me
desculpo pela má interpretação de suas palavras, mas o fundo da questão é que
ele pretende que os Brics representem uma proposta nova, supostamente melhor do
que a que está aí (que aliás não foi proposta por nenhum comitê acadêmico, nem
por algum diretório do poder mundial, mas que simplesmente surgiu, em
decorrência de movimentos reais, nos campos militar, econômico, tecnológico,
financeiro, etc.).
Meu problema com os sonhadores acadêmicos -- e desde já me desculpo pela
designação, mas ela corresponde ao que imagino ser verdade, ou seja, acadêmicos
passam seus conceitos e vontades acima e além da realidade dos fatos -- e
também com os proponentes e sustentadores dos Brics é essa capacidade que eles
têm de enganar a si próprios e de pretender, no mesmo movimento, enganar aos
outros.
Como sou um realista-idealista -- depois explico o que seria
isso -- fico na modesta racionalidade dos fatos, nos elementos materiais e nas
expressões de poder real, de capacidade material e de determinação dos
movimentos efetivos do mundo real, que constato visualmente e por leituras do
que ocorre no mundo, e deixo essas elaborações mentais de lado, por mais
elegantes e mais atrativas que elas possam ser.
Pois bem, qual é o meu problema com os Brics, com o conceito e com a realidade?
Eu começaria por dizer que os Brics não existem, embora isso
possa parecer exagerado, e correndo o risco de que me tomem por maluco. Mas
corro o risco e reincido no argumento.
Os Brics não existem, por mais reuniões de alto nível e de
coordenação ministerial que tenham feito e por mais esforços que façam para
afirmar sua realidade.
Em primeiro lugar se trata de uma construção artificial, feita
por um analista de banco de investimentos, para justificar direcionamento de
capitais e oportunidades de ganhos, com base em algumas constatações
simplórias: tamanho, crescimento, influência crescente em determinados
mercados, etc.
Pois foi com base nesse tipo de argumento instrumental, que
responsáveis políticos de dois dos Brics -- Rússia e Brasil -- decidiram, por
motivos os mais diversos, mas por vezes coincidentes, e certamente oportunistas
do ponto de vista político-diplomático, decidiram transformar essa construção
mental em realidade diplomática. Que seja: os homens, mormente os políticos,
têm todo o direito de transformar sonhos e vontades em realidades, e de
proclamar objetivos conjuntos na busca de realização de seus objetivos reais.
E quais são esses objetivos reais? Obviamente aumentar o seu
poder, relativo e absoluto, tanto interna, quanto externamente. Ponto,
parágrafo.
Os Brics, individualmente ou coletivamente, só pretendem isso,
só sonham com isso, são dominados por essa ideia obsessiva: aumentar seu poder,
ponto.
E o que se opõe a esse objetivo?
Nada, a não ser sua própria falta de capacidade.
O que fazer então?
Bem, o caminho mais lógico é crescer, inovar, aumentar seu poder
financeiro, fazer investimentos em outros países, propor respostas a problemas
comuns, oferecer soluções a determinados dramas planetários, enfim, se fazer
forte, grande e belo, e como tal admirado por todos, suscetível de despertar
invejas, ter a pretensão de ver outros imitando-o e desejando se aproximar de
si, para aproveitar um pouco de todas essas bondades e felicidades.
Afinal de contas, ninguém quer ser um fracasso, objeto de
desprezo, negligenciado, não é mesmo?
Como qualquer ser humano narcisista, os Brics querem ser
admirados, mas também querem ter o poder de influenciar os outros.
Essa é a minha versão -- realista crua -- dessa tal de "alteridade"
proclamada por alguns analistas. O que fazer com ela? Nada, pois versões de
acadêmicos têm menos importância, para mim, do que a verdade dos fatos.
A verdade dos fatos é que os Brics gostariam de diminuir o poder
dos atuais poderosos para aumentar o seu próprio. Tem sentido isso? Pode ter,
sobretudo se não significar uma ação puramente negativa, de diminuição
compulsória do poder de outrem, e sim positiva, de aumentar o seu próprio
poder, em conjunção com a prosperidade conjunta, numa perfeita interdependência
econômica global. Esse seria o mundo ideal.
Mas nem sempre funciona assim, pois os poderosos do momento
detêm certas regras normativas e bloqueiam um processo de redistribuição do
poder mundial.
Certo, mas a solução, então, é crescer e oferecer suas
propostas, que precisariam ser melhores do que as existentes, para vê-las então
serem aceitas pelo conjunto de participantes da ordem mundial.
E o que têm os Brics a oferecer de melhor para a ordem mundial?
Um mundo mais feliz, e gentil, mais pacífico, mais próspero,
mais respeitador dos valores democráticos, dos direitos humanos, com maior
aceleração da criação de riqueza e mecanismos consensuais para sua
distribuição, um mundo mais educado, mais limpo, menos poluído, mais seguro,
sem bandidos, sem proliferadores, ou violadores dos direitos humanos, enfim um
mundo mais perfeito do que o atualmente existente?
Se os acadêmicos, e os patrocinadores dos Brics me provarem que é isso que
ambos pretendem, que essa "nova ordem", essa alteridade prometida,
esse "outro mundo possível" que ele prometem ou anunciam é melhor do
que o atualmente existente, então eu estou de acordo com a tal de proposta
axiomática, e passarei a achar que os Brics, essa última novidade no supermercado
da História, é uma maravilha, um emplastro glorioso que merece ser promovido,
propagandeado e sustentado -- academicamente e politicamente -- e vou então dar
a mão à palmatória e só escreverei coisas boas a respeito dos Brics.
A julgar, porém, por certas votações e propostas de resoluções no Conselho de
Segurança da ONU, eu só posso chegar à conclusão de que o mundo dos Brics não é
tão perfeito assim, que em face de certos problemas reais eles preferem a
recusa, a inação, a omissão, em lugar de assumir certas responsabilidades, que
eles são por um mundo de perfeita aceitação da soberania absoluta das nações
(ou melhor, dos Estados), em oposição aos direitos dos indivíduos, dos
cidadãos, dos simples direitos humanos.
Enfim, o mundo é cruel e arbitrário, todos sabemos, embora
algumas situações sejam mais cruéis e arbitrárias do que outras: massacres de
civis, por exemplo.
Meu critério é o do indivíduo, não do Estado, e é isso, acho,
que me separa da maior parte desses analistas de Brics, que acham que a
proposta deles é melhor do que a atualmente existente.
Sinto muito discordar, mas ainda não acho que o mundo dos Brics
é melhor do que o atualmente existente.
Sempre quando os analistas e proponentes me PROVAREM que o mundo
dos Brics é capaz de garantir tudo aquilo de bondades, que eu descrevi cinco
parágrafos acima, estou pronto a revisar minhas concepções e apoiar as propostas
dos Brics. Até lá, fico com a modesta racionalidade de meus argumentos.
Grato a todos pela atenção,
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/102011
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