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sexta-feira, 14 de maio de 2021

Brasil não fecha acordo do spray nasal em Israel; dados têm sigilo até 2036 - Jamil Chade (UOL)

 Brasil não fecha acordo do spray nasal em Israel; dados têm sigilo até 2036

Jamil Chade
Colunista do UOL
14/05/2021 04h00

RESUMO DA NOTÍCIA
-Em resposta ao PSOL, Itamaraty admitiu que proposta de carta de intenções não foi fechada durante visita de Ernesto Araújo para Israel
-Telegramas diplomáticos sobre viagem foram classificados como confidenciais e serão acessíveis apenas no ano de 2026 ou mesmo 2036
-Custo da viagem foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o avião da FAB que levou a comitiva
-Ministério da Saúde não deu respostas sobre o motivo da falta de um acordo
-Proposta de carta de intenções com outro instituto israelense tampouco foi concluída

O Itamaraty admite que a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo para Israel, em meio à pandemia, não resultou na assinatura de um acordo por escrito de cooperação com o hospital Ichilov para o desenvolvimento ou importação de um tratamento contra a covid-19 conhecido como spray nasal.

Tampouco houve a assinatura de um convênio final com outra entidade israelense, o Instituto Weizmann, responsável por diversas pesquisas no campo da pandemia. O governo brasileiro ainda decidiu classificar os telegramas diplomáticos entre Brasília e Tel Aviv como reservado ou secretos, impedindo alguns deles de serem consultados pelos próximos 15 anos.

Na prática, as informações completas sobre a viagem da delegação brasileira, que foi alvo de polêmica, serão conhecidas apenas em 2036.

As revelações fazem parte de uma resposta de mais de 40 páginas submetida pelo novo chanceler Carlos França à bancada do PSOL na Câmara, no dia 7 de maio. Os deputados tinham solicitado explicações sobre a viagem de uma delegação do governo brasileiro para Israel, na primeira semana de março.

Além de Ernesto Araújo, que chegou a levar um pito público durante a viagem por não usar máscara, o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) transportou para Israel o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o deputado Helio Lopes (PSL-RJ), o assessor especial Filipe Martins, e o então secretário de Comunicações, Fabio Wajngarten, além de diplomatas.

Da área técnica, a delegação contava com apenas dois representantes: Hélio Angotti Neto, do Ministério da Saúde, e Marco Morales, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

No total, o custo da missão foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o transporte no avião da FAB e a parcela de gastos arcada pelo governo de Israel.

Antes da missão, Eduardo Bolsonaro e outros membros do governo justificaram a ida para Israel por conta, entre outros fatores, de uma perspectiva de cooperação no desenvolvimento de um spray que ajudaria a combater a covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro também usou sua live nas redes sociais para tocar no assunto. O produto teria tido bons resultados contra a covid-19. Mas tinha sido testado em apenas 30 pessoas.

Ao escrever para os deputados do PSOL, o chanceler Carlos França confirmou que houve reunião com a direção do hospital Ichilov, responsável pelo desenvolvimento do spray, oficialmente denominado de EXO-CD24.

No encontro, foi acordado um programa de cooperação "com vistas à participação do Brasil no desenvolvimento conjunto do produto (fase 2 e 3 de estudos), caso a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa autorizem ensaios clínicos no país".

"Foi proposto que o Brasil integrasse a fase 2 do desenvolvimento do medicando EXO-CD24", fazendo parte de pool internacional", explicou o chanceler.

Mas, na mesma resposta, o Itamaraty também afirma que a cooperação em relação ao spray nasal não se concretizou por meio de um documento, apesar de a delegação ter preparado em inglês e português um modelo de carta de intenções que foi levada para Israel.

"No que diz respeito à carta de intenções entre o Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde e OBCTCCD24 LTDA [empresa que desenvolve o produto] sobre cooperação em relação ao spray nasal EXO-CD24, cujo objetivo seria consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com aquela empresa, o projeto da carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociações internacionais", diz o texto assinado por França.

Aos deputados, o chanceler submeteu a proposta de texto do acordo. Ela traz as assinaturas de Ernesto Araújo e da parte israelense, mas a do Ministério da Saúde está ausente.

Procurada, a pasta hoje comandada por Marcelo Queiroga não explicou o motivo de o texto não ter sido assinado, mesmo com um representante do Ministério da Saúde na delegação em Israel. Seus assistentes chegaram a pedir à reportagem mais tempo para que a informação pudesse ser buscada pela pasta. Mas não deram mais retorno.

Ainda nas respostas dadas aos parlamentares, o ministro França insistiu que a viagem "não deve ser reduzida às iniciativas de cooperação no domínio da Saúde, muito menos às tratativas para potencial desenvolvimento do spray nasal".

Procurada, a embaixada de Israel no Brasil explicou que "o trabalho da delegação brasileira que foi a Israel foi muito frutífero e positivo". "Muitas discussões estão sendo feitas. Os hospitais Hadassah e Ichilov estão em contato com o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil", disse.

"Uma série de acompanhamentos por videoconferência sobre o assunto está em andamento", completou.

No hospital Ichilov, a coluna tentou em diversas ocasiões contato com os responsáveis pelo projeto após a viagem de Araújo. Mas os pedidos de informação não foram atendidos.

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, "em 9/3/2021, a delegação brasileira que foi a Israel reuniu-se com o diretor do Hospital lchilov/Sourasky, Dr. Ronni Gamzu, e com o chefe do Centro de Pesquisa Médica daquela instituição, Dr. Nadar Arber, e com representantes da empresa OBTCD24. O lchilov é o maior hospital de Tel Aviv, responsável pelo desenvolvimento do spray nasal EXO-CD24, para fins de tratamento da COVID-19".

Mas a chancelaria confirma que o acordo não foi concluído. "Carta de intenções sobre cooperação em relação ao ''spray" nasal "EXO-CD24" foi rubricada pelo então Ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, com o objetivo de consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com a empresa OBCTCD-24", disse.

"O projeto de carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não se chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociação internacional", disse.

"O projeto de carta de intenção, apenas rubricado, não continha elementos juridicamente vinculantes, nem previsão de gravames financeiros ou obrigações de qualquer espécie para as partes participantes naquela etapa das tratativas", apontou.

Ausência de assinatura de acordo com instituto
Esse não foi o único assunto que não resultou num acordo por escrito. Diferentemente do que o site do governo dá a entender, o Itamaraty declarou em sua carta aos deputados que "não há registro da assinatura de instrumento com o Instituto Weizmann, apesar da propositura do Ministério da Ciência e Tecnologia". Ou seja, a intenção do governo era de ter um convênio assinado.

O Instituto é um dos maiores centros de pesquisa do mundo. De acordo com a resposta da chancelaria, houve despachos telegráficos sobre o tema. No entanto, assim como todos os demais telegramas solicitados, os parlamentares apenas receberam o trecho em que diz que os documentos foram classificados como sigilosos ou secretos.

Segundo o Itamaraty, quatro telegramas diplomáticos se referem à cooperação com o Instituto Weizmann. Mas toda a informação está embargada por anos.

No texto da explicação assinado pelo chanceler Carlos França, ele confirma, porém, que houve um encontro com o presidente do Instituto Weizmann, Alan Chen, durante o qual foi debatido intercâmbio de acadêmicos e que, no curto prazo, "acordou-se que a prioridade da parceira será a cooperação em temas ligados à pandemia".

Ao terminar a viagem, num comunicado de imprensa, o governo anunciou que a delegação de autoridades brasileiras "firmou cooperação, de curto prazo, com o Instituto Weizmann, para pesquisas de combate à covid. A longo prazo, foi estabelecida cooperação em outras áreas, entre elas, a bioeconomia."

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, no dia 7 de março, a delegação liderada pelo então Ministro das Relações Exteriores, com a participação de Secretários do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Ministério da Saúde (MS), "manteve produtiva reunião com o presidente do Instituto Weizmann, Dr. Alon Chen". "O Weizmann é um dos dez maiores institutos de pesquisa do mundo, que dispõe de 65 linhas de pesquisa sobre o COVID-19, incluindo desenvolvimento de vacinas", diz a chancelaria.

"Ao final do encontro, decidiu-se pela adoção simbólica, por consenso e sem assinatura, de um plano de trabalho entre o MCTI e o Instituto Weizmann", completou.

Telegramas em sigilo até o ano de 2036
Os deputados ainda solicitaram que todos os telegramas diplomáticos sobre a viagem fossem disponibilizados. Mas o Itamaraty enviou 28 Termos de Classificação de Informação, no qual apontava como todos os documentos passaram a ser impedidos de ter seus conteúdos revelados.

Alguns deles estão sob sigilo até 2026, enquanto outros até o ano 2036. O Itamaraty ainda colocou tarjas negras para impedir que se saiba até mesmo o motivo pelo qual os telegramas foram classificados como secretos

Viagem estava em discussão havia um ano
Entre as diversas respostas, o Itamaraty ainda indicou que a viagem era um tema que há meses vinha sendo tratado. O primeiro convite partiu do governo de Israel, ainda em maio de 2020 e, naquele momento, não tinha como principal objetivo buscar soluções para a pandemia, mas a manutenção e aprofundamento do laço preferencial com Israel. A pandemia, porém, foi adiando a possibilidade de uma viagem.

Segundo o governo, foi o "agravamento dos efeitos da pandemia e o surgimento de variantes do novo coronavírus no mundo" que deram um "sentido de urgência" à ideia de uma missão até Israel.

Entre as metas estava "conhecer in loco os notáveis resultados obtidos por Israel no combate à pandemia". Além da "premência de colher frutos, sobre tudo em termos de cooperação técnica e científica, da parceira estratégica entre Brasil e Israel".

Nas declarações emitidas ao final da viagem, porém, os dois governos deixaram claro que a questão da pandemia não era o único assunto. Naquele momento, o então chanceler deu apoio aos israelenses em suas críticas contra a decisão da procuradoria do Tribunal Penal Internacional de abrir investigações contra membros do governo de Israel por suas ações contra palestinos.

Na resposta aos deputados, porém, o Itamaraty adota uma postura mais equilibrada e diz respeitar a independência da corte, em Haia.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/14/brasil-nao-fecha-acordo-do-spray-nasal-em-israel-dados-tem-sigilo-ate-2036.htm

terça-feira, 11 de maio de 2021

Covid: Governos ignoraram alertas e OMS não tinha como agir, diz auditoria - Jamil Chade (UOL)

 O mundo falhou, os países falharam, a OMS não tinha poderes ou alavancas suficientes para cumprir as medidas necessárias para combater a pior pandemia em um século.


Covid: Governos ignoraram alertas e OMS não tinha como agir, diz auditoria

Jamil Chade
Colunista do UOL
11/05/2021 04h00

No início do século 21, a humanidade fazia transplantes considerados até pouco tempo atrás como impossíveis, tinha a cura de doenças que assolaram o mundo por séculos e havia promovido uma revolução tecnológica. Mas, quando foi confrontada por um novo vírus, fracassou.

O obstáculo não foi exatamente a ciência. Mas a incapacidade de líderes e instituições em dar uma resposta política à crise e o fato de terem colocado considerações econômicas sobre a prioridade de proteger vidas.

Auditorias realizadas ao longo de quase um ano constataram que, de forma deliberada ou não, "a grande maioria dos governos" ignorou os alertas e recomendações internacionais, impedindo que o vírus da covid-19 fosse controlado a tempo e abrindo caminho para a pior pandemia em cem anos.

As conclusões fazem parte de uma série de documentos que será submetida aos governos, no fim de maio, durante a reunião dos ministros de Saúde de todo o mundo, na OMS (Organização Mundial da Saúde).

As investigações, porém, também revelam que a agência mundial da Saúde não tinha os instrumentos necessários, poder ou dinheiro para dar uma resposta à crise e não agiu de forma rápida o suficiente.

Medidas de controle de viagens, por exemplo, poderiam ter freado a disseminação do vírus, assim como uma maior pressão sobre a China para compartilhar dados.

Países não seguiram medidas criadas por eles próprios
Três processos de avaliação foram iniciados em 2020 com o objetivo de examinar e até refundar o sistema sanitário internacional.

Ao mergulhar nas entranhas de governos e entidades, dois desses esforços já indicaram suas conclusões em documentos enviados aos governos, enquanto um terceiro documento elaborado por um painel independente será publicado na quarta-feira (12), em Genebra, sob a liderança de ,Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia.

Numa das auditorias internas na OMS distribuída aos diplomatas e realizada por 20 especialistas convocados pela agência, já se constata alguns pontos fundamentais que explicam o fracasso coletivo. Liderado por Lothar Wieler, o Comitê de Revisão sobre a Resposta à covid-19 concluiu que países não seguiram as orientações que eles mesmos criaram para lidar com pandemias e que perderam mais de um mês ignorando a gravidade da crise.

O mundo tinha uma arma: o Regulamento Sanitário Internacional, criado depois das epidemias na Ásia no começo do século, e que tinha como objetivo identificar surtos e preparar os demais países a reagir a tempo.

Depois de mais de cem entrevistas e dezenas de reuniões, os auditores constataram que houve uma "falta de cumprimento por parte dos estados de certas obrigações, em especial no que se refere à preparação" e concluíram que isso foi fundamental para que "a pandemia se transformasse em uma emergência global".

Os textos das auditorias insistem que não visam culpar um país ou outro e, portanto, optaram por não dar nomes aos casos mais graves. Mas a coluna apurou que o Brasil foi um dos países examinados "com lupa", segundo uma das fontes envolvidas no processo.

''Milhões de vidas foram perdidas, incontáveis outras pessoas estão sofrendo de complicações a longo prazo da doença aguda e muitas outras lutam com a saúde mental precária resultante de meses de ansiedade, depressão, privação e isolamento social. Crianças perderam meses de educação na escola, adultos perderam meses de trabalho, e as desigualdades existentes foram exacerbadas. As viagens têm sido gravemente interrompidas. As economias da maioria dos países experimentaram declínios significativos em 2020, e os governos acumularam níveis de dívida não vistos desde a Segunda Guerra Mundial''.
Trecho de documento da OMS

Proteger economias e poder; saúde pode esperar
Num dos trechos das conclusões, a auditoria revela que "a tensão inerente entre o objetivo do Regulamento Sanitário Internacional de proteger a saúde e a necessidade de proteger as economias, evitando restrições de viagens e comércio, foi apontada pelo Comitê (de auditores) como o fator mais importante limitando o cumprimento dos Regulamentos".

Ainda que governos adotem discursos de apoio às medidas de controle, "esse apoio contrasta fortemente com a realidade".

Ou seja, não havia tradução dos discursos em medidas reais, principalmente diante de uma competição geopolítica por influência e diante de líderes políticos domésticos mais preocupados em se manter no poder ou ganhar as próximas eleições.

Além da tensão entre economia e saúde, o que a pesquisa revelou é que houve uma falha coletiva em termos de reação, principalmente diante da dificuldade em se ter acesso aos dados da China.

''A OMS poderia ter usado suas próprias avaliações de risco, sem esperar pela aprovação dos países afetados ou pelo conselho do Comitê de Emergência. Outro fator importante foi a incapacidade coletiva de prever, logo no início da evolução da pandemia, o impacto sanitário, social e econômico, na ausência de intervenções farmacológicas eficazes. O mundo não estava preparado para este tipo de ameaça''.
Trecho de documento da OMS

Os auditores sugeriram que, no futuro, um "mecanismo robusto de responsabilização" seja estabelecido para avaliar quem não cumpriu as regras e que governos sejam alvos de uma espécie de sabatina regular para avaliar como estão se preparando para futuras pandemias.

Alertas ignorados de forma deliberada e falta de investimentos
Ao avaliar os motivos pelos quais o mundo caiu de joelhos diante do vírus, os especialistas apontam que, antes de 2019, "muitos países ainda não dispunham das capacidades de saúde pública necessárias para proteger suas próprias populações e para dar avisos oportunos a outros países e à OMS".

Mas não foi apenas uma falta de recursos. De acordo com a apuração, governos optaram por "deliberadamente ignorar" o regulamento sanitário internacional.

"A máxima romana, ignorantia juris non excusat (o desconhecimento da lei não é desculpa), pode conter alguma verdade neste contexto", alertou o documento, numa sugestão de que governos poderiam ser responsabilizados por não agir.

Se a origem da crise é reveladora de um fracasso coletivo, os auditores perguntam: "Mais de um ano depois, por que o mundo ainda está lutando para conter a Sars-CoV-2?" A resposta é dura: "A capacidade nacional de prevenir, detectar e responder aos riscos à saúde pública é fraca".

''A grande maioria dos países tem atualmente níveis baixos ou moderados de preparação nacional. Além disso, foram relatadas capacidades fracas de preparação e resposta a emergências nos pontos de entrada. Por exemplo, a falta de flexibilidade na gestão das finanças públicas e nas leis de compras impediu o rastreamento rápido da aquisição de medicamentos e produtos médicos''.
Trecho de documento da OMS

Mecanismos insuficientes e OMS sem poder
Também ficou explícito que o mundo não contava com mecanismos internacionais adequados ou suficientes para lidar com uma pandemia.

Ao abrir documentos internos da OMS e questionar departamentos, a constatação foi de que a agência não contava com poderes para ter acesso a informação e fazer alertas globais. Isso teria sido fundamental para explicar a demora numa reação inicial, ainda em dezembro de 2019 e janeiro de 2020.

Pequim não colaborou como se esperava e dias considerados como "preciosos" foram perdidos. No entanto, segundo a investigação, a agência poderia ter sido "mais proativa para compartilhar informações, mesmo não verificadas, com outros países".

Seria então apenas em 30 de janeiro de 2020 que se declararia uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. Mas, ainda assim, os critérios usados deixaram muito espaço para interpretação. Não estava claro o que era um "evento extraordinário", a gravidade, o risco potencial de propagação e o que significava a necessidade de "uma resposta internacional coordenada".

Pandemia poderia ter sido declarada antes
Os auditores ainda se dedicaram a avaliar um outro aspecto: o que teria ocorrido se a OMS tivesse usado, já naquele momento, o termo "pandemia"?

De acordo com o informe, a realidade é que a palavra não faz parte das regras internacionais de saúde. Mas a investigação notou que "a maioria dos países começou a implementar medidas de resposta, em particular restrições de viagens, bem como coordenação de esforços para o desenvolvimento e distribuição de vacinas, somente após o evento ter sido caracterizado pela OMS como pandêmico em 11 de março de 2020".

Mais de um mês foi perdido, enquanto o vírus percorria o mundo.

"Isso foi percebido por muitos países como um nível mais alto de alerta e resposta do que a emergência de saúde pública de preocupação internacional", constata o documento.

No fundo, esse foi o "gatilho mais importante" para iniciar uma resposta global, com abastecimento de equipamentos e outros materiais que apenas puderam ser demandados quando a pandemia tivesse sido declarada.

Sistema precisa mudar
Diante de um enredo que relata uma sequência de fracassos, as auditorias indicam a necessidade de que haja uma mudança radical na estrutura global de saúde. Uma das propostas apresentadas aos governos é de que se crie, no sistema de alerta mundial, um nível intermediário de emergência, com recomendações claras sobre ações de preparação.

Outra recomendação é para que a OMS, diante de um evento de risco, possa compartilhar com os demais países informações sobre um surto, mesmo que o país onde a crise ocorra não esteja disposto ou capaz de fornecer os dados.

A proposta é ainda de que a OMS desenvolva "um mecanismo para que os países compartilhem automaticamente informações de emergência em tempo real, incluindo sequenciamento genômico".

Mas uma das grandes mudanças propostas seria o reconhecimento de que restrições de viagens e bloqueios de movimentação são legítimos, em caso de um risco global. Pelo atual sistema, a OMS desaconselha a suspensão de viagens, uma medida considerada como atendendo apenas aos interesses econômicos.

''Os países que implementaram restrições antecipadas de viagens para reduzir a importação, como parte de um pacote abrangente de medidas sociais e de saúde pública, mantiveram a incidência do vírus a um nível baixo''.
Trecho de documento da OMS

Pandemia expôs falhas
Ao concluir o processo de avaliação, os peritos constataram que o fracasso foi coletivo. A pandemia de covid-19 expôs "falhas na preparação e resposta a pandemias em todo o mundo e um déficit de segurança e igualdade na saúde".

Os resultados, portanto, foram catastróficos, com milhões jogados à pobreza e a previsão de uma década perdida para muitas regiões do mundo.

O que ainda preocupa os investigadores é que "a pandemia ainda não foi controlada e a maioria dos países ainda tem restrições de viagem em vigor".

Para os auditores, a pandemia testou a OMS como nunca antes. E alertam que um controle da crise não ocorrerá no curto prazo.

''Vacinas altamente eficazes, cuja velocidade de desenvolvimento tem sido notável, oferecem razões para o otimismo. Entretanto, o lançamento desigual de vacinas em todo o mundo e o reconhecimento de raras preocupações de segurança, a dificuldade de sustentar a implementação efetiva de outras medidas de saúde pública e o surgimento de novas variantes de vírus significam que o controle da pandemia levará algum tempo''.
Trecho de documento da OMS

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/11/covid-19-governos-ignoraram-alertas-e-oms-nao-tinha-poder-para-frear-virus.htm


segunda-feira, 26 de abril de 2021

Duas tragédias da pandemia: Brasil e Índia - Jamil Chade (UOL) e Paulo Roberto de Almeida

 Por mais triste que tenha sido a trajetória da Covid-19 no Brasil, sob o desgoverno inepto do capitão incompetente — que provocou muito mais mortes do que ocorreria “naturalmente” —, ela não é nada comparada ao que ainda vai ocorrer na triste e catastrófica experiência da Índia: haverá mortes às centenas de milhares, infelizmente, e isso vai perturbar o fornecimento de vacinas e insumos para o resto mundo, para o Brasil inclusive. Ou seja, uma tragédia magnificada!

Paulo Roberto de Almeida 


Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia

Jamil Chade
Colunista do UOL
26/04/2021 04h00

Tímida com Brasil, comunidade internacional se mobiliza para socorrer Índia
APRIL 26, 2021
A comunidade internacional se mobiliza para ajudar a Índia a superar seu pior momento da pandemia da covid-19, com a organização do envio de oxigênio, equipamentos, máscaras e até insumos para vacinas. A resposta global se contrasta com a reação tímida que ocorreu no momento em que o Brasil vivia, há poucas semanas, o que a OMS chegou a chamar de "inferno".

No domingo, a Índia voltou a registrar mais de 340 mil novos casos da doença, com 2,8 mil mortes. Hospitais lotados e escassez de produtos, porém, são sinais de que a crise pode se aprofundar ainda mais.

No final da semana passada, o chanceler indiano, S. Jaishankar, fez um apelo por ajuda internacional e promoveu um encontro virtual com governos da Alemanha, EUA e UE. Poucas horas depois, tanques de oxigênio estavam sendo enviados pelo governo de Cingapura. Na Arábia Saudita, sinais de que uma ajuda seria organizada também foram dados.

Um gesto similar ainda foi anunciado por parte dos Emirados Árabes Unidos, além da UE e Rússia. Mesmo entidades da sociedade civil no Paquistão também ofereceram ajuda. Mesmo o governo rival do Paquistão fez questão de "expressar solidariedade" com os indianos.

Nos EUA, a Casa Branca anunciou no final de semana que iria providenciar insumos para a produção de vacinas, assim como testes e respiradores. "Os EUA estão trabalhando 24 horas por dia para enviar os recursos disponíveis", disse uma porta-voz do governo americano.

Um gesto positivo também foi feito no fim de semana por Anthony Fauci, líder da resposta americana à pandemia, que indicou que Washington ajudará os indianos a aumentar sua produção local de vacinas.

Já o Reino Unido seguiu o exemplo de outros governos prometendo o envio de oxigênio. O primeiro-ministro, Boris Johnson, afirmou que seu país estaria "ao lado da índia como amigo e parceiro".

Parte da preocupação da comunidade internacional é de que, fora de controle, a pandemia na Índia possa gerar novas mutações do vírus, ameaçando uma vez mais o restante dos países.

Mas o mundo também contava com a Índia para ser a maior fornecedora de vacinas. Com a crise atingindo novos patamares no país, o governo local tem sido obrigado a proibir as exportações de doses para poder atender sua própria população. Em janeiro, antes da nova onda de infecções, o primeiro-ministro Narendra Modi usou um discurso no Fórum Econômico Mundial para garantir ao mundo que seu país abasteceria a todos com vacinas.

"O mundo precisa apoiar a Índia, da mesma forma que a Índia ajuda o mundo", declarou o chanceler do país nas redes sociais.

Bolsonaro e Itamaraty tiveram dificuldades para obter apoio
A mobilização, porém, se contrasta com a resposta global que o governo brasileiro recebeu de parceiros internacionais quando saiu pelo mundo para pedir socorro. Ainda no início do ano e no pior momento da pandemia em Manaus, o então chanceler Ernesto Araújo não conseguiu que seu maior aliado - Donald Trump - enviasse oxigênio para a cidade. A ajuda acabou vindo de Nicolas Maduro, que nunca foi agradecido pelo governo.

Recursos também chegaram de ongs estrangeiras, assim como do governo da Espanha. Madri anunciou na semana passada a doação de medicamentos do kit intubação, usado no tratamento de pacientes graves internados com covid-19.

Em abril de 2020, enquanto a OMS lançava um mecanismo global para distribuir vacinas aos países em desenvolvimento, Araújo evitou fazer parte e, no primeiro encontro da iniciativa, o governo brasileiro sequer estava presente. Semanas depois, sob pressão, o Itamaraty decidiu aderir ao projeto.

Para negociadores, porém, a falta de uma resposta internacional mais sólida ao Brasil é resultado de dois anos de uma política externa do governo Bolsonaro que ofendeu líderes estrangeiros, rompeu relações com tradicionais parceiros e transformou a diplomacia em um braço da ofensiva ideológica da extrema-direita.

Durante os primeiros meses da pandemia, o governo brasileiro ainda criticou a direção da OMS, não compareceu a reuniões com a China e atacou propostas da Índia

Nas últimas semanas, governadores e senadores fizeram apelos para que entidades internacionais e parceiros ampliassem a ajuda ao Brasil.

Com a OMS, a esperança é de que a entidade consiga enviar 4 milhões de doses de vacinas até o final de abril. O volume, porém, se refere a uma entrega que já estava prevista. Mas que, diante da escassez do produto, havia sido colocada em questão. Para maio, serão mais 4 milhões de doses, também dentro do cronograma.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/26/timida-com-brasil-comunidade-internacional-se-mobiliza-para-socorrer-india.htm

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Como o mundo está vendo e avaliando o Brasil? Conversa com Jamil Chade - República do Amanhã

 Como o mundo está vendo e avaliando o Brasil? 

Conversa com Jamil Chade. 

Parte 1/2

128 visualizações
21 de abr. de 2021
https://www.youtube.com/watch?v=sglXuzJ2Wto


O think tank República do Amanhã convidou o jornalista Jamil Chade, para discutir o tema: Como o mundo está vendo e avaliando o Brasil: o alcance das sequelas da imagem do país no exterior. Residente em Genebra desde 2000, Jamil é formado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com mestrado pela Universidade de Genebra. É correspondente internacional de vários veículos de imprensa e foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo até 2016. Integra a rede de jornalistas no combate à corrupção da Transparência Internacional. Presidiu a Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e foi pesquisador da Comissão Nacional da Verdade. É autor de cinco livros, dois deles finalistas ao Prêmio Jabuti. Não bastasse a degradação de imagem do país que já ocorria com a leitura que o mundo faz do desapego de Bolsonaro com a democracia, com valores civilizatórios e com o meio ambiente, o desprezo governamental com a tragédia social na pandemia macula ainda mais a imagem que o mundo faz do país. Essa combinação é explosiva: governante desprezível e dramática tragédia social na pandemia. O encontro virtual, organizado em 17/04/2021, foi mediado pelo jornalista Eugênio Bucci. A segunda parte do vídeo está disponível no nosso canal youtube https://youtu.be/899QQAsCaR0 Visite nosso site http://republicadoamanha.org​​​​


segunda-feira, 1 de março de 2021

Símbolos monárquicos e religiosos geram críticas contra Araújo no Itamaraty - Jamil Chade (UOL), Paulo Roberto de Almeida

Fiz a nota introdutória abaixo, para a transcrição no FB deste artigo de Jamil Chade:

 

Símbolos monárquicos e religiosos geram críticas contra Araújo no Itamaraty

Jamil Chade

Uol Notícias, 28/02/2021

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/27/bandeiras-alimentam-criticas-contra-araujo-no-itamaraty.htm?


 PRA:

O chanceler acidental não deve ser o único templário do Itamaraty, mas os demais cruzadistas devem ser mais discretos, sem pretender exibir o seu fanatismo para não serem objeto de discriminação dos demais colegas.

O chanceler capacho não se peja de exibir sua ideologia fundamentalista, pois tem de provar aos seus amos e senhores que é um soldado da causa, ainda que todas essas demonstrações de adesismo a causas reacionárias sejam anacrônicas e sumamente ridículas.
Finalmente, ele ficou no armário durante quase 30 anos, amargando (e apoiando) tucanices e petismos, como burocrata obediente e subserviente que é, chegando até a defender a “luta armada em defesa da democracia” na presidência de Madame Pasadena.
Segue a trilha do pai, que serviu à República de 1946, no Partido Libertador, mas se distinguiu mesmo na ditadura militar, quando rejeitou quatro pedidos de extradição de um criminoso nazista refugiado ilegalmente no Brasil, no que descurou completamente o caráter imprescritível dos crimes contra a Humanidade, tal como definido em Nuremberg, em 1946, princípio que se agregou ao Direito Internacional, que deve ser acatado pelos governos de todos os países membros da ONU.
O lado ridículo desse exibicionismo do chanceler acidental me faz lembrar de algumas passagens irônicas contra os cavaleiros templários, no Nome da Rosa, de Umberto Eco. O capacho do Itamaraty se sentiria bem bem melhor nessas eras longínquas dos cruzadistas e templários, do que em nossos tempos iluministas e seculares, o que ele transgride despudoradamente, inclusive no que se refere a símbolos republicanos.
Já pensaram no diplomata EA sob o jacobinismo de um Floriano Peixoto? Seria um Quaresma medieval?
Temos algum Lima Barreto no Itamaraty, para fazer uma nova crônica desse novo episódio ridículo? Estou certo que o Batman do Itamaraty, o cronista misterioso da Casa de Rio Branco, que se esconde sob o curioso pseudônimo de Ereto da Brocha, tem nesta matéria de Jamil Chade mais um bom tema para novo petardo à propos...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A política soberana ANTI-SOBERANA do governo Bolsonaro na Amazônia - Jamil Chade (UOL)

 O governo brasileiro naquele seu estilo falsamente patrioteiro, bate no peito e diz que está defendendo a soberania do país contra intrusões estrangeiras na Amazônia, mas ao mesmo tempo renuncia completamente à soberania, pois diz que depende da ajuda externa – o que é uma espécie de chantagem – para preservar os recursos naturais.

Nada mais hipócrita, falso e fraudulento, achando que assim pode enganar os parceiros estrangeiros com sua retórica vazia.

Paulo Roberto de Almeida 

Técnicos de Biden não compram versão do Brasil sobre esforços na Amazônia

Jamil Chade

UOL | 19/2/2021, 4h

Técnicos da administração de Joe Biden adotaram cautela e não se deixaram convencer com a versão do Brasil de que o governo de Jair Bolsonaro está lidando de forma eficiente com o desmatamento no país. Nesta quarta-feira, o representante de Joe Biden para assuntos climáticos, John Kerry, manteve uma primeira reunião virtual com os ministros brasileiros Ernesto Araújo e Ricardo Salles.

No evento, de pouco mais de 40 minutos, o governo brasileiro insistiu em repetir seu mantra adotado nos últimos meses: o Brasil está disposto a cumprir suas metas ambientais e reduzir o desmatamento. Mas, para isso, precisa de recursos e de apoio internacional.

Em outras palavras: o Brasil fará sua parte se contar com dinheiro da Casa Branca e de outros atores estrangeiros.

Esse recado passado à equipe de Biden havia sido o mesmo que o Planalto usou nas reuniões do Fórum Econômico Mundial, neste ano. O governo brasileiro indicou que, diante da recessão e dos gastos com a pandemia, teria sérias dificuldades para manter o orçamento para a proteção ambiental. A solução, portanto, teria de passar por recursos externos.

Em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou no evento de Davos o fato de que a comunidade internacional, apesar da pressão, não estar ampliando financiamento para operações na Amazônia para lidar com o desmatamento e proteger a biodiversidade. Segundo ele, depois da pandemia, governos não terão recursos para destinar para a região e o setor privado terá de ampliar sua participação. "Apesar de o interesse internacional no status da Amazônia ter aumentado de forma importante, o mesmo não pode ser dito da cooperação financeira e técnica internacional", disse o vice-presidente. "Ficou abaixo as necessidades atuais", alertou.

O que causa estranheza entre os delegados estrangeiros é que o pedido por dinheiro tanto para Biden como para a comunidade internacional ocorre dois anos depois que o governo brasileiro, de forma unilateral, interrompeu o acordo que existia de financiamento com alemães e noruegueses.

Biden e o cheque de US$ 20 bilhões

No caso americano, Washington está comprometido em colocar recursos para ajudar o Brasil e um pacote poderia chegar a US$ 20 bilhões. Mas um entendimento sobre como os recursos entrarão e quais serão os critérios exigirá uma conversa detalhada entre técnicos, que promete ser frequente.

Na condição de anonimato, embaixadores e negociadores confirmaram à coluna que, apesar de o contato ter sido um passo importante na aproximação entre os dois países e uma sinalização positiva por parte dos americanos, a reunião serviu do lado americano para confirmar de que terão de cobrar Brasília por conta dos dados relacionados ao desmatamento e as ações do governo.

De acordo com fontes diplomáticas, a Casa Branca fez questão de dizer que não existe qualquer ameaça à soberania brasileira na Amazônia. Mas a equipe de Kerry não se deixou convencer pelos argumentos apresentados por Araújo e Salles sobre a situação na região e nem sobre o que o governo vem realizando para frear o desmatamento.

Em Washington, os argumentos foram considerados como "insuficientes", inclusive sobre as metas do Brasil para atingir seus compromissos no Acordo de Paris. No final do ano passado, a ONU não aceitou o pacote apresentado por Salles e deixou o Brasil de fora de uma cúpula marcada para determinar a ambição das metas de cada um dos países.

Um dos resultados da reunião foi o compromisso de estabelecer um diálogo técnico reforçado e praticamente semanal para tratar tanto do desmatamento, como do apoio que o governo americano poderá dar para os esforços brasileiros. Também ficou estabelecido que esse diálogo técnico também envolverá a questão do financiamento, um ponto defendido pelo Brasil. "Todos os temas estão sobre a mesa", admitiu um interlocutor no Itamaraty.

Serão nesses diálogos técnicos que os americanos pressionarão por transparência por parte do Brasil, além de garantias de que haverá um compromisso político.

No encontro, os EUA reforçaram o convite para que o Brasil participe do encontro Earth's Summit (Cúpula da Terra) proposto por Biden. Os americanos confirmaram que estão preparando um pacote para assumir metas ambiciosas de redução de CO2 e que estão promovendo um diálogo com os principais interlocutores na área ambiental, a fim de antecipar visões convergentes para garantir que a Conferência do Clima, em Glasgow em novembro de 2021, não termine em mais um impasse internacional.

Do lado brasileiro, há uma aceitação de que o tema ambiental estará no centro da agenda diplomática internacional e que não há como escapar da discussão. Mas a percepção é de que cabe também ao governo americano provar que sua adesão do Acordo de Paris será acompanhada por medidas efetivas. Na visão do governo Bolsonaro, recai aos países ricos a maior responsabilidade pelas mudanças climáticas.

Após o encontro, um comunicado discreto do Itamaraty sobre a reunião foi emitido, evitando entrar em detalhes sobre o tom a conversa. De acordo com a nota, "os Ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mantiveram reunião virtual com o enviado presidencial para o clima do governo dos EUA, John Kerry, na tarde de 17 de fevereiro".

"Na ocasião, foram examinadas possibilidades de cooperação e diálogo entre o Brasil e os EUA na área de mudança do clima e de combate ao desmatamento. Acordou-se aprofundar o diálogo bilateral nas áreas mencionadas, com processo estruturado em encontros frequentes, em busca de soluções sustentáveis e duradouras aos desafios climáticos comuns", completou.

A reunião ainda foi seguida por uma mensagem nas redes sociais por parte do chanceler brasileiro, indicando uma postura no mesmo sentido. "O diálogo e cooperação sobre meio ambiente e clima serão mais um elemento agregador na parceira Brasil-EUA que continuamos construindo", disse. Salles também foi às redes sociais para insistir sobre a cooperação que se iniciava com os EUA.

Mas, da parte do americano, o encontro não foi alvo imediato de comentários oficiais. Foi apenas na quinta-feira que Kerry, em suas redes sociais, reforçou a ideia de que Washington está comprometido em reconstruir a cooperação em temas climáticos.

"Lidar com a crise climática exige impactos grandes que apenas podem ser atingidos por parcerias globais", escreveu o americano. "Boa conversa ontem sobre cooperação climática, liderança do Brasil e crescimento econômico sustentável com Ernesto Araújo e Ricardo Salles", completou.

A ordem dentro da Casa Branca é a de sinalizar com incentivos ao Brasil no tema ambiental, antes de falar em sanções ou afastamento de posições. Numa espécie de crédito, Washington continuará a tratar o Brasil como um aliado e convidar o governo a suas iniciativas, como a cúpula do clima em abril.

Mas Washington saiu do encontro convencido de que esse aceno da Casa Branca terá de ser traduzido em ação por parte do governo em termos ambientais e uma capacidade de medir avanços concretos. Biden, que se elegeu em parte por conta de uma agenda ambientalista e de direitos humanos, está sendo pressionado por congressistas americanos, ativistas e uma ala mais progressista de seu partido a manter uma postura dura em relação ao governo Bolsonaro.

Durante a campanha eleitoral nos EUA, Biden chegou a criticar a destruição da floresta brasileira e ensaiou uma ameaça. Na ocasião, Bolsonaro criticou a postura de Biden. Mais recentemente, no pacote ambiental do novo presidente americano, mais uma vez a proteção da Amazônia faz parte dos planos. Mas, pelo menos por enquanto, com gestos de colaboração.

Já Kerry, em 2020, usou uma premiação à líder indígena Alessandra Korap, da tribo Munduruku, para chamar a atenção sobre a situação da floresta. Para ele, os Munduruku resistiram "ao avanço constante, violento, ilegal e às vezes patrocinado pelo estado por madeireiros e mineiros para explorar suas terras".

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/19/tecnicos-de-biden-nao-compram-versao-do-brasil-sobre-esforcos-na-amazonia.htm

Governo Bolsonaro diz que reduzirá desmatamento na Amazônia apenas se Biden pagar

Em primeira reunião com Estados Unidos sobre o tema, Brasil disse que precisa de verba estrangeira para se comprometer com metas de preservação

Revista Fórum | 19/2/2021, 6h44

 

O governo Bolsonaro realizou sua primeira reunião com o governo dos Estados Unidos para tratar questões sobre o meio ambiente. Nesse encontro, autoridades brasileiras condicionaram a proteção ambiental no país a um eventual incentivo financeiro por parte do país norte-americano.

De acordo com reportagem do jornal Estado de S.Paulo, o argumento utilizado pelo governo Bolsonaro foi que, sem recursos estrangeiros, não é possível se comprometer com acordos internacionais de preservação.

Com isso, segundo uma fonte do governo brasileiro, o espírito da conversa entre os dois países foi o do “a gente faz, mas vocês vão ter de pagar”.

Participaram do encontro os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o enviado especial do Clima do governo americano, John Kerry.

Na conversa, Kerry teria dito reconhecer “a legitimidade e a soberania do Brasil para cuidar de seus temas” e que a gestão Biden não tem “nenhuma resistência em trabalhar com o governo brasileiro”.

Durante a campanha eleitoral, Joe Biden prometeu diversas vezes aplicar sanções econômicas ao Brasil caso o país não mudasse sua política ambiental e continuasse permitindo a devastação da Amazônia.

https://revistaforum.com.br/global/governo-bolsonaro-diz-que-reduzira-desmatamento-na-amazonia-apenas-se-biden-pagar/

Bolsonaro é uma das maiores ameaças aos direitos humanos na América Latina - Jamil Chade (UOL)

 Bolsonaro é uma das maiores ameaças aos direitos humanos na América Latina

Jamil Chade

UOL | 18/2/2021, 18h25

O presidente Jair Bolsonaro representa uma das "maiores ameaças aos direitos humanos na América Latina". Mas a sociedade brasileira está dando sua resposta e precisa receber créditos por isso. A análise é do americano Kenneth Roth, diretor-executivo da entidade Human Rights Watch, ex-procurador federal dos EUA e uma das vozes mais ativas no campo dos direitos humanos no mundo.

Em resposta à coluna, o líder de uma das principais organizações no campo dos direitos humanos deixa claro que a situação brasileira preocupa. "Vemos uma séria deterioração no campo dos direitos no Brasil", disse. "E vemos isso tanto com Bolsonaro dando luz verde para ataques contra defensores do meio ambiente, abrindo caminho para as queimadas na Amazônia, vemos na deferência que ele concede à polícia que atira em suspeitos nas favelas, vemos em seus ataques contra a sociedade civil", explicou.

Seus comentários ocorrem às vésperas da primeira reunião do ano do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a partir de segunda-feira. Para o evento, o Brasil será representado pelo chanceler Ernesto Araújo e pela ministra de Família, Mulheres e Direitos Humanos, Damares Alves.

De acordo com o Itamaraty, em sua intervenção, Araújo "tratará dos persistentes desafios às liberdades fundamentais e aos direitos humanos no mundo hoje". Já Damares indicou que irá relatar o que o governo tem feito em sua resposta à pandemia da covid-19.

A reunião, porém, será marcado por um tsunami de denúncias contra o Brasil por parte de governos estrangeiros, relatores da ONU e dezenas de ongs.

Roth acredita que o Brasil hoje pode ser qualificado como uma "democracia que tem um líder autoritário que tem sido desastroso para tudo, desde pandemia à proteção de pessoas". "Mas trata-se de uma sociedade que está conduzindo uma autocorreção importante", defendeu.

"Ainda que ele (Bolsonaro) seja um dos maiores ameaças aos direitos humanos na América Latona, quero dar crédito às pessoas e as instituições democráticas por lutar de forma tão vigorosa até agora", disse Roth.

Roth acredita que existe um lado positivo diante da situação brasileira. "A boa notícia é que o Brasil é uma democracia muito forte e está lutando contra isso de diversas formas", disse. "Vemos limites sendo colocados contra a Bolsonaro no Congresso, pelas cortes, pela imprensa, pela pressão pública", disse.

Credibilidade do Grupo de Lima

Apesar da situação do Brasil, ele vê como um aspecto positivo no campo dos direitos humanos o fato de que, pela primeira vez em décadas, os governos da região estão dispostos a enfrentar a situação de repressores na América Latina. Em específico, ele cita o fato de que o Grupo de Lima tenha surgido para colocar pressão sobre a Venezuela e Nicaragua.

"O que foi revolucionário é que, pela primeira vez, latino-americanos assumiram o papel de criticar um governo latino-americano. Tradicionalmente, isso era algo de Washington e visto como imperialista". afirmou.

"Isso é algo novo. Na verdade, isso ocorreu com Trump quando ficou claro que ele não seria um ator com credibilidade para falar de direitos humanos na América Latina", disse.

Mas, para Roth, o teste de credibilidade do Grupo de Lima será se esses governos forem capazes de também lidar com outros problemas de direitos humanos na região. "Venezuela e Nicaragua não são os únicos violadores. Será um teste da democracia da América Latina lidar com os outros problemas da região, o que inclui lidar com Cuba. Mas também lidar com grandes países como Brasil e México", completou.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/18/bolsonaro-e-uma-das-maiores-ameacas-aos-direitos-humanos-na-america-latina.htm

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Vacina chega após arrogância e erros homéricos - Jamil Chade (Veja)

 Vacina chega após arrogância e erros homéricos (Por Jamil Chade) 

Veja | 20/1/2021, 2h

Aqui jaz os restos conceituais da política externa do governo de Jair Bolsonaro, responsável por isolar o país do grupo das grandes democracias do mundo e destruir a reputação de uma nação. Na lápide da diplomacia do Brasil, essa bem poderia ser a descrição para quem um dia for visitar o memorial dedicado às ideias, projetos e políticas que não sobreviveram à pandemia.

Entre 2020 e 2021, o Brasil foi vítima de um vírus que desconhecia ideologia, a noção de soberania e zombava de fronteiras. Mas só nas últimas semanas, o Governo descobriu que o país está de joelhos diante de uma pandemia que ganha força. Descobriu que está sem imunizante, sem oxigênio, sem plano e sem alternativas. Nada disso, porém, é culpa exclusiva do Sars-Cov-2. Depois de ter politizado a origem do vírus, a máscara e tratamentos, o governo tomou a decisão deliberada de repetir esse roteiro com o imunizante.

A demora e indefinição para começar a vacinação não foram acidentes de última hora. Trata-se de o resultado dramático de decisões políticas adotadas ao longo de meses. O primeiro passo nesse longo processo foi o de não aderir inicialmente ao projeto de uma coordenação global. Em abril de 2020, a OMS iniciou a construção de um sistema que permitiria uma distribuição equitativa da vacina pelo mundo. Uma espécie de fundo de vacinas que permitiria que, uma vez autorizados os produtos, a coalizão garantiria a distribuição do imunizante para todos os países, atendendo inicialmente a 20% das populações de cada nação.

A ideia era simples: se for deixado às forças do mercado ou ao sistema internacional, os países emergentes e pobres poderiam ficar para o fim da fila na vacinação. Exemplos já existiam disso. Quando o H1N1 se abateu sobre o mundo, países ricos foram os primeiros a imunizar suas populações. Quando a vacina chegou aos países pobres, o surto já tinha terminado.

A Aids também trouxe uma história similar. Por anos, as economias mais pobres ficaram sem acesso aos tratamentos, enquanto o coquetel já era uma realidade nos EUA e Europa. Quando os remédios finalmente desembarcaram na África, os países mais pobres já somavam 9 milhões de mortes.

Na OMS, técnicos e diretores estavam convencidos de que, na atual pandemia, esses erros não poderiam se repetir. Mas a ordem no Itamaraty era a de não permitir que, durante a pandemia, os organismos internacionais ganhassem força ou fossem os locais de coordenação de uma resposta global. Mergulhado em seu combate contra o “globalismo” que destruiria as identidades nacionais, o Itamaraty ficou de fora de reuniões internacionais e, quando participou, fez questão de usar o palanque para rejeitar qualquer ideia que significasse um reconhecimento da necessidade de um plano global contra o vírus.

Naquele mês de abril de 2020, o Ministério da Saúde informaria que não faria parte da aliança, batizada de Covax. Sua explicação: temos outros acordos bilaterais sendo costurados. Nunca explicaram quais eram esses planos. Pressionado, porém, o Brasil acabou cedendo alguns meses depois e aderiu ao projeto, mas sem grande entusiasmo. Ao fazer seu pedido por vacinas no fundo global, solicitou o mínimo que poderia ser comprado: o equivalente a 10% de sua população. Pelas regras, países poderiam ter solicitado até 50% de sua população.

Hoje, sem apoio internacional suficiente, sem recursos e diante de governos pseudo-nacionalistas como o do Brasil, a aliança sofre para começar a distribuir vacinas. Em Genebra, não são poucos os negociadores que acreditam que um envolvimento mais direto do Brasil no projeto poderia ter convencido outros a aderir e teria transformado a aliança numa realidade imediata.

Se a via multilateral não interessava, a escolha por acordos bilaterais também se mostrou inapta e permeada por considerações ideológicas. Tentando frear a expansão da influência da China no mundo e mais preocupado em atacar o “comunavírus”, o Governo optou por promover uma campanha contra as vacinas chinesas. Diversas empresas, nos últimos meses, relataram como entregaram propostas ao Governo e se surpreenderam com respostas frias por parte do Planalto. No governo federal, a ideia era de apenas a vacina da AstraZeneca seria suficiente.

Enquanto isso, pelo mundo, países tomaram a decisão de evitar a todo custo colocar todas suas apostas em apenas uma ou dois fornecedores de vacinas. Em Bruxelas, por exemplo, a União Europeia fechou acordos com seis empresas diferentes. Nos EUA, mesmo o governo de Donald Trump decidiu estabelecer acordos com seis fornecedores.

Na Coreia do Sul, o país garantirá seu abastecimento com três empresas, além de desenvolver projetos de uma vacina nacional com outros 15 laboratórios nacionais. Na China, além de ter quatro vacinas já em negociações com a OMS para conseguir uma aprovação global, o governo fez questão de fechar um acordo com os alemães da BioNTech para um abastecimento extra de 100 milhões de doses. Outros também estão sendo negociados com empresas ocidentais.

Sim, existe uma profunda escassez de vacinas no mundo. Mas é justamente num momento de crise que a capacidade de um país navegar e recorrer a aliados se mostra vital. No caso do Brasil, a aposta se mostrou desastrosa. Quando precisou de ajuda, descobriu que seus parceiros nacionalistas eram, de fato, nacionalistas.

Num dos episódios mais reveladores do amadorismo do Itamaraty, o governo preparou um avião para ir buscar os insumos da Índia, necessários para a vacina da AstraZeneca. Com pires na mão, Bolsonaro escreveu ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. Mas, por enquanto, Nova Delhi rejeitou fazer a entrega ao Brasil, dando (obviamente) prioridade para o início de sua campanha nacional de vacinação.

Opções começam a ser buscadas em Israel e mesmo nos EUA. Mas, ao apagar das luzes do Governo Trump e o desembarque de Joe Biden, o Governo já começa a descobrir a tradução da palavra pária. As opções para pedir ajuda ainda são limitadas. Afinal, a chancelaria fez questão de dedicar parte de seu tempo, esforço e dinheiro dos contribuintes brasileiros nos últimos anos para ofender líderes estrangeiros e queimar pontes que tinham sido construídas por décadas com parceiros internacionais.

O mais irônico e trágico disso tudo é que a história poderia ter sido radicalmente diferente. O Brasil é um dos únicos países do mundo com uma capilaridade no sistema de saúde, experiência, conhecimento científico e capacidade de mobilização para vacinar milhões de pessoas por dia. A crise brasileira, não por acaso, chama a atenção internacional. Nos bastidores da OMS, diretores não escondem o espanto sobre a situação do Brasil. “Vocês são um país com ótimos cientistas, orgulhosos de seu passado de saúde pública. O que ocorreu?”, perguntou um dos líderes da agência no esforço contra a pandemia.

A resposta não se limita à dimensão da incompetência daqueles no poder. O fracasso é um resultado direto de uma política externa que tem como pilar a ideologia, e não os interesses dos cidadãos.

A maior campanha de vacinação da história do país dependerá num primeiro momento de uma vacina chinesa, justamente aquele que havia sido desprezada, ironizada e evitada pelo governo federal. Independente da ironia de uma cena digna do realismo mágico, a demora do país em começar a vacinação e a falta de imunizantes suficientes não são acidentes. Mas consequência de uma diplomacia que mostrou todos os seus limites e fracassou ao ser confrontado por seu maior teste. Gestos como o de minar a confiança em uma vacina apenas por sua origem ou se negar a promover uma resposta global fazem parte de um pacote negacionista que explica o colapso de Manaus e a dor de milhares de famílias brasileiras. Nesse caso, o impeachment seria insuficiente.

https://veja.abril.com.br/blog/noblat/vacina-chega-apos-arrogancia-e-erros-homericos-por-jamil-chade/


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Em cúpula sem o Brasil, europeus falam em fechar mercados para quem desmata - Jamil Chade (UOL)

 Este "isolamento" do Brasil, um verdadeiro "cordão sanitário" em volta do país e do seu presidente e chanceler, é um enorme banho de água fria, um gigantesco sinal de que estamos, sim, isolados do mundo, condenados ao corredor dos infectados, como os antigos leprosários medievais.

A notícia é muito mais importante do que parece, e vai ter repercussões gravíssimas para o país. Querem achar os culpados? Eles são principalmente três, JMB, EA, RS, mas tem muito milico burro, muito nacionalista beócio nessa história também. Todos eles são culpados por afundar o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Em cúpula sem o Brasil, europeus falam em fechar mercados para quem desmata

Jamil Chade

UOL | 11/1/2021, 18h25

Um só planeta. E o Brasil de fora. Num evento organizado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, a ampliação de uma aliança foi anunciada nesta segunda-feira com cerca de 50 países para garantir um compromisso de governos contra o desmatamento e pela defesa da biodiversidade.

O governo de Jair Bolsonaro não participou. Os organizadores informaram que o convite foi feito. Mas o Itamaraty assegura que isso não ocorreu e que o país não recebeu convites nem para fazer parte da cúpula realizada nesta segunda-feira e nem para integrar a aliança. 

A ampliação da coalizão foi anunciada em um evento de cúpula que ganhou o nome de "Um Planeta pela Biodiversidade". Na América Latina, fazem parte da iniciativa governos como o do Chile, Colômbia, Peru, México e Costa Rica, mas também outros países tropicais como República Democrática do Congo, Ruanda ou Gabão.

O projeto ainda inclui Alemanha, China, Itália, Emirados Árabes, Reino Unido, Espanha, Suíça, Japão, Paquistão e outros países. O bloco - chamado de Coalizão da Ambição pela Natureza e Povos - está sendo apoiado pela direção da ONU e do Banco Mundial. 

A meta da aliança é a de garantir um compromisso dos governos para ampliar as medidas de proteção ambiental. Um dos objetivos é o de preservar 30% da área terrestre do planeta e 30% dos oceanos até 2030.

Mercados poderão fechar para quem desmata 

Mas a ausência do Brasil não significou a ausência do tema mais espinhoso para o governo Bolsonaro na cena internacional: a Amazônia. Em discursos e vídeos projetados durante o encontro entre os líderes, o desmatamento na floresta foi citado, além dos incêndios. 

O encontro ainda serviu como plataforma para que os europeus reforçassem o alerta de que irão começar a fechar seu mercado para exportadores que não consigam dar garantias de que vão abastecer os consumidores da UE sem desmatar florestas pela América Latina, Sudeste Asiático ou África.

É o que Macron chama de "importação de desmatamento", um conceito que também foi usado por Mark Rutte, primeiro-ministro da Holanda. Um dos pontos: evitar a importação de alimentos como carnes, café, açúcar, soja e outros produtos consumidos nos países ricos que possam gerar um desmatamento em seus locais de produção. 

Pascal Canfin, presidente do Comitê de Meio Ambiente do Parlamento Europeu, indicou que a Europa deverá ter, até junho, a primeira lei para "colocar fim à importação de desmatamento". 

"Isso vai pelo sentido de acordos com empresas que garantem que não vão importar de fornecedores que desmatam para plantar", explicou. Para ele, haverá uma "redução de acesso ao mercado para empresas" que não contribuam para proteger a floresta. 

Segundo ele, o mundo conta hoje com tecnologias que permitem que satélites possam saber e medir o que existe em cada hectare de terra. Para os europeus, é o momento de usar isso para proteger o planeta. "Se uma empresa não consegue provar que é sustentável, não terá mais acesso ao mercado europeu", prometeu. 

Ele ainda deixou claro que quer "mudar as regras sobre acordos comerciais". Para ele, exportações não podem ocorrer "às custas do meio ambiente". "Não queremos sanções contra parceiros. Mas não podemos ir mais como se nada estivesse ocorrendo", disse.

Macron defendeu a mesma tese. "Importamos muita coisa que resulta em desmatamento. Precisamos garantir que reduzimos essa tendência", disse. 

Já Marco Lambertini, presidente da WWF, alertou para o consumo de carnes e outros produtos que poderiam causar desmatamento, caso não seja feita de forma adequada.

"Estamos destruindo nosso planeta" 

Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, também usou o evento para lançar um alerta . "2021 deve ser o ano para reconciliar a humanidade com a natureza. Até agora, temos estado destruindo nosso planeta", disse. 

"Se compararmos a história da Terra com um ano, usamos um terço de seus recursos naturais nos últimos 0,2 segundos", afirmou. "Temos envenenado o ar, a terra e a água - e enchido os oceanos com plásticos. Agora, a natureza está voltando a atacar", disse.

"As temperaturas estão alcançando níveis recordes. A biodiversidade está em colapso. Os desertos estão se espalhando", constatou. Ele ainda lamenta que o mundo não tenha cumprido nenhuma das metas globais de biodiversidade estabelecidas para 2020.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/01/11/em-cupula-sem-o-brasil-europeus-falam-em-fechar-mercados-para-quem-desmata.htm

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Fracasso da diplomacia bolsolavista: Bolsonaro e o chanceler acidental perdem mais uma : TPI

Se a intenção era ter alguém para barrar qualquer investigação contra o capitão no TPI, por violação de direitos humanos – como morte de indígenas, por exemplo –, então a "recepção" pelos demais países da candidata selecionada a dedo pelo genocida de brasileiros inocentes, dada sua irresponsável postura no caso da pandemia, foi um rotundo e humilhante fracasso. 

Com a sua antipolítica externa, e uma criminosa política interna, o capitão continua isolado na cena internacional. Não chegam aos cinco dedos de uma só mão os dirigentes estrangeiros que teriam disposição para convidá-lo a uma visita, que seja de trabalho, para discutir assuntos de interesse mútuo. Não existe: o capitão está sozinho no seu labirinto, com um chanceler medíocre e tão despreparado quanto ele. Enquanto isso, o Brasil afunda no descrédito internacional.

Paulo Roberto de Almeida


 Ernesto Araújo, o competente: Brasil prestes a perder vaga em tribunal que julgará bolsonaro por genocídio 

TPI é uma das três principais cortes do sistema multilateral

Época Negócios | 23/12/2020, 13h22

Ernesto Araújo tem dado mais uma demonstração de sua reconhecida competência no comando da diplomacia brasileira.

O Brasil está prestes a perder uma vaga de juiz no Tribunal Penal Internacional. Haverá daqui a pouco mais uma rodada de votações, mas a brasileira Monica Sinfuentes deve ser derrotada.

O TPI é uma das três principais cortes do sistema multilateral, com a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Internacional sobre Direito do Mar.

Bolsonaro foi aconselhado a indicar juristas com experiência no tema, mas preferiu o nome da desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 

Essa será a segunda derrota neste ano, dado que o candidato brasileiro ao Tribunal sobre Direito do Mar ficou em terceiro de quatro candidatos para duas vagas na América Latina, na eleição que ocorreu em agosto.

O TPI deveria preocupar o governo Bolsonaro.

A representação contra ele, de incitação ao genocídio, apresentada ao TPI por entidades de direitos humanos, pela forma como Bolsonaro conduz o combate à pandemia, não foi arquivada de pronto, como esperava o governo.

Ficou sob análise.

https://epoca.globo.com/guilherme-amado/ernesto-araujo-competente-brasil-prestes-perder-vaga-em-tribunal-que-julgara-bolsonaro-por-genocidio-1-24809381?%3Futm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=post

 

Isolado, Brasil não consegue eleger juíza para Tribunal Penal em Haia

Jamil Chade, UOL | 23/13/2020, 14h28

Em uma derrota diplomática para o governo de Jair Bolsonaro, a desembargadora Mônica Sifuentes não consegue somar votos suficientes e fica sem um assento de juíza no Tribunal Penal Internacional. Ela abandonou a corrida, depois de um desempenho fraco nas urnas e revelador do isolamento político do Itamaraty. 

A votação é interpretada como um teste da popularidade internacional do governo, justamente num momento em que é o maior devedor da corte em Haia. Além disso, o presidente é alvo de uma comunicação por parte de entidades de direitos humanos, que o acusam em Haia de incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade no caso dos povos indígenas.

Seis vagas para juizes estavam em disputa e um total de 18 candidatos concorriam. Pelo sistema do tribunal, são os países que votam e rodadas são realizadas até que seis nomes consigam dois terços dos votos. 

Pela América Latina, foram eleitos Sergio Ugalde, da Costa Rica, e Maria del Socorro Flores, do México. Eles acumularam 87 votos cada. Foram eleitos ainda nomes do Reino Unido, Sierra Leoa e Geórgia.

Faltando três candidatos na corrida na disputa pela última e sexta vaga no Tribunal, a brasileira abandonou o processo. Ela tinha somado apenas 16 votos na última rodada. 

O processo continua, mas com apenas dois candidatos disputando uma vaga. Eles representam Trinidade e Tobago e Tunísia. Sempre distante das líderes, a brasileira viu suas chances aumentarem quando os candidatos do Uruguai, Colômbia e Equador abandonaram a corrida. A migração desses votos, portanto, poderia ser decisiva. Mas não foram suficientes para eleger a brasileira.

Bolsonaro havia ignorado uma recomendação de juristas brasileiro para a nomeação de um candidato do país para concorrer ao cargo de juiz no Tribunal Penal Internacional. O Palácio do Planalto optou por uma escolha de um nome fora da lista sugerida. 

Os nomes sugeridos eram os de Marcos Coelho Zilli e Leonardo Nemer Caldeira Brant. Zilli defendeu sua tese de doutorado sobre a questão de admissão de provas no TPI. Já Brant foi membro do corpo jurídico na Corte Internacional de Justiça e com ampla produção acadêmica sobre o direito internacional. 

Os nomes foram submetidos por Celso Lafer, Antonio Augusto Cançado Trindade, Nadia de Araújo e Eduardo Grebler, brasileiro que ocupam cargos de juizes em instâncias internacionais. No passado, o Brasil já contou com uma representante no TPI, a juíza Sylvia Steiner. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/12/23/isolado-brasil-nao-consegue-eleger-juiza-para-tribunal-penal-em-haia.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola