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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 23 de agosto de 2014

Existiria uma diplomacia liberal e outra menos liberal? - Paulo Roberto de Almeida


Existe alguma relação entre a diplomacia e o liberalismo?

Paulo Roberto de Almeida

            Ainda algumas reflexões a propósito de meu livro recentemente publicado Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), desta vez a respeito das relações que a política externa, ou o seu corpo profissional, possam ter com orientações mais ou menos liberais no mundo econômico.

Não creio, sinceramente, que a diplomacia brasileira, no seu sentido estrito, ou seja, enquanto corpo profissional dedicado a procedimentos de política externa, tenha de se guiar por ideias liberais, uma vez que estas são expressões do pensamento, ou posturas relativas aos temas de organização política e econômica que pertencem ao terreno das definições de políticas públicas. Sendo assim, a diplomacia executará aquelas opções de política que forem determinadas pelo governo de turno, tendo em vista as grandes definições constitucionais e os compromissos internacionais. Acredito que cabe ao diplomata avisar ao seu superior, cabe ao chanceler avisar ao presidente, quando determinada iniciativa política possuindo impacto externo venha a contrariar compromissos assumidos externamente pelo Brasil enquanto Estado, não enquanto governo (mas o governo deve se submeter ao Estado).
Dou um exemplo prático, que aliás deve ter ocorrido em outras instâncias (ou com os nosso vizinhos argentinos, por exemplo): por mais que sejam as dificuldades das nossas empresas industriais, com a falta de competitividade trazida pelo chamado custo Brasil e todo o horrível ambiente de negócios que prevalece entre nós, o governo brasileiro não pode, simplesmente, adotar medidas ultra-protecionistas, ou totalmente contrárias aos compromissos que assumimos sob o Gatt, a OMC e todos os demais acordos internacionais ou regionais contraídos pelo Estado brasileiro anteriormente, inclusive no âmbito do Mercosul. Se isto ocorresse, nossos parceiros no Mercosul, ou as partes contratantes ao Gatt teriam o direito, e não hesitariam em fazê-lo, de levar o Brasil ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul ou da OMC para obrigá-lo, sob ameaça de retaliações, a revogar as medidas contrárias aos compromissos existentes. Seria impensável que o Brasil o fizesse, e seria impensável que o Brasil se eximisse de cumprir suas obrigações externas.
Nesse caso, as ideias por trás das obrigações podem até ser liberais, mas elas não têm nada a ver com isso. Pacta sunt servanda, isto é, os tratados devem ser cumpridos, por mais que nos desagradem. Temos, é verdade, o direto de denunciar um tratado, nos retirarmos de um organismo internacional, mas acredito que seja dever de qualquer diplomata, em primeiro lugar do chanceler, avisar ao presidente, e aos seus conselheiros mal avisados, das consequências práticas de tais gestos, que sempre virão em detrimento do país e de seus interesses práticos. O Gatt poderia ser até uma organização mercantilista e dedicada não ao livre comércio – o que aliás ele não, estando bem mais voltado para a liberalização do comércio, de modo geral – mas dedicada, por exemplo, ao comércio administrado, e totalmente equilibrado, como se pretendia fazer em outras épocas, mas caberia ao Brasil respeitar os compromissos assinados sob a sua égide.
Obviamente, para alguém que defende ideias liberais, para um governo que defende o livre comércio, seria muito mais interessante ter a sua diplomacia a serviço dessas ideias, pois a experiência histórica, e um modesto consenso econômico, ensinam que a liberalização mais ampla de todos os fluxos comerciais, financeiros e de serviços trazem uma melhor situação de bem estar, para todos, indistintamente, do que a situação prevalecente atualmente, quando você tem, basicamente, um mundo de fluxos regulados, não uma perfeita liberalização, mas um espaço mundial dividido em esquemas de liberalização mais amplos – como a OCDE, por exemplo – e outros países, ou grupos de países, ainda dominados pelas ideias mercantilistas do passado, como pode ser o próprio Brasil e muitos outros na região e fora dela. O socialismo já acabou, com duas ou três exceções, mas as ideias socialistas, e mercantilistas, ainda perduram.
Mas repare que isso não tem nada a ver com o fato de a diplomacia ser mais ou menos liberal, ou mais protecionista e introvertida. A diplomacia sempre fará o que os seus decisores assim o decidirem, o chanceler ou o próprio presidente. São as políticas formuladas nesse nível que determinam o conteúdo da diplomacia, não o seu envelope corporativo que é a diplomacia estrito senso.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

A diplomacia profissional e a engajada - Paulo Roberto de Almeida


A diplomacia profissional e a engajada: minha experiência pessoal

Paulo Roberto de Almeida

            Sempre refletindo alguns dos temas do meu livro recentemente publicado Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), trato aqui de um dos maiores problemas "existenciais" que possam existir na carreira de um diplomata, ou seja, a de ser obrigado a cumprir instruções com as quais ele possa estar em profundo desacordo, tanto por razões políticas quanto de ordem moral. Sei o que é isso, por ter enfrentado o mesmo dilema durante meus primeiros anos de carreira, quando era servidor do Estado, sob o governo militar, contra o qual eu estava em profundo desacordo, tanto que o combati, e por isso enfrentei um exílio de sete anos e meio.

Trata-se de uma das questões mais complicadas que possam existir em instituições de Estado, mas que respondem a ordens de governo, e uma das mais difíceis para o profissional isento, que costuma ter uma visão suprapartidária dos negócios do Estado, o que pode ocorrer com muita frequência na área econômica, em geral, mas também na diplomacia, como parece ser o meu caso.
Eu ingressei no Itamaraty em plena ditadura militar, em 1977. Aliás, estava prestando um dos exames de ingresso no próprio dia, 12 de outubro, quando o ministro do Exército, general Sílvio Frota, parecia estar empreendendo um golpe interno contra o presidente de então, general Ernesto Geisel, por julgar que este tinha sido muito ousado, justamente, na sua política externa, considerada muito terceiro-mundista e de apoio aos comunistas, tendo antes reconhecido os regimes e estabelecido relações diplomáticas com a China então comunista, com o governo pró soviético de Angola, e coisas do gênero. O general Sílvio Frota considerava o Itamaraty muito esquerdista, no que talvez ele tivesse razão. Mas a política externa era a do presidente Geisel, não a do Itamaraty, que podia até concordar, ou não, com essa política, mas não tomaria essas iniciativas se não tivesse sido autorizado, instruído e ordenado fazê-las, o que de certo modo causou comoção em certos meios militares de direita (em alguns grande jornais conservadores também). Em algum momento, Brasil e Cuba estavam na prática juntos em apoio ao governo de Luanda, que lutava contra dois grupos guerrilheiros, um deles apoiado, contraditoriamente, pelos chineses e pelos americanos, ao mesmo tempo. São as surpresas e as contradições da vida, ou das relações internacionais.
Pois bem, eu entrei num Itamaraty que aparentemente estava sob a tutela do regime militar – e de fato havia vários assuntos tabu, como a própria Cuba, a União Soviética, e os países socialistas em geral – mas nunca me senti tão livre na profissão como naqueles tempos de aparente tutela militar sobre a nossa corporação. Salvo esses poucos assuntos, o Itamaraty tinha total autonomia para conduzir seus assuntos diplomáticos, com perfeita observância dos preceitos constitucionais e liberdade operacional. Tínhamos, por exemplo, de consultar a secretaria do Conselho de Segurança Nacional para conceder vistos para cidadãos e funcionários dos governos socialistas, mas no resto tínhamos muita autonomia de ação. E estou falando de um tempo em que eu ainda assinava artigos políticos com pseudônimo, justamente porque vivíamos sob um regime autoritário de direita. Mas esse é um aspecto que jamais interferiu na minha atividade propriamente diplomática, que se desenvolvia em consonância com o que se imagina serem os interesses nacionais. Dou exemplos.
Qualquer decisão, no relacionamento externo do país, era objeto de extensas consultas internas – lembro de memorandos com mais de 30 páginas, com pareceres de todas as áreas, política, econômica, jurídica, etc. – e depois ainda se convocavam reuniões de coordenação com outros órgãos – Fazenda, Banco Central, Planejamento, Agricultura, etc. – para extrair os elementos do processo decisório que contemplassem um amplo espectro de opiniões e fundamentos no próprio governo. Não raro se consultavam as associações de classe – em negociações comerciais externas, por exemplo – para saber o impacto de tais e tais acordos em nossa economia ou sistema jurídico. Também me lembro de exposições de motivos ao presidente da República, algumas vezes assinadas por dois ministros de Estado, que levavam a decisão última ao máximo responsável. Também era muito frequentes as “Informações ao Presidente”, que o ministro levava ao presidente em seus despachos, para que este apusesse sua assinatura na, ou numa das opções de ação apresentadas pelo Itamaraty. Vi muito desses papéis com a rubrica ou a assinatura do Geisel, do Figueiredo, depois do Sarney, do Collor, do Itamar e de FHC. Os arquivos do Itamaraty abundam nesse tipo de registro objetivo, factual, preciso, sobre como certas decisões foram tomadas, e se aprofundarmos a pesquisa ao nível dos memorandos ou das notas técnicas que fundamentaram cada uma dessas informações ou exposições de motivos, saberemos exatamente como cada decisão foi tomada, por quem e sob quais argumentos.
Esta é a diplomacia profissional à qual eu me refiro. Posso estar enganado, mas muitas das decisões tomadas nos anos do lulo-petismo carecem do mesmo grau de formalização quanto ao processo decisório, e muitas podem até carecer de registros apropriados, sem mencionar o aspecto deletério já referido da interferência partidária em assuntos que deveria merecer um exame técnico, isento, por parte dos diversos setores do Estado brasileiro e até de representantes da chamada sociedade civil. O diplomata, ou o funcionário de qualquer outra área do Estado, que tem inevitavelmente de servir ao governo de turno, percebe imediatamente quando os parâmetros, os métodos e os procedimentos profissionais estão sendo seguidos, ou quando existe uma clara ruptura nesses padrões de funcionamento do Estado. Creio que esse é o principal motivo de angústia para muitos dos meus colegas diplomatas, como para mim mesmo.


Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Nunca Antes na Diplomacia...: ideias boas e menos boas na politica externa - Paulo Roberto de Almeida


Nunca Antes na Diplomacia...: quais foram as boas e as más ideias na diplomacia brasileira dos últimos tempos?

Paulo Roberto de Almeida

            Ainda a propósito da publicação de meu livro Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais (link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), permito-me argumentar sobre a questão das boas e das más ideias que afetaram a política externa nos últimos tempos. 
As ideias boas podem ser identificadas nas iniciativas para projetar de modo mais amplo ou mais ousado o nome do Brasil no cenário internacional, com uma intensificação extraordinária da chamada diplomacia presidencial. Nunca antes na história da diplomacia, ou na história do Brasil, um presidente tinha viajado tanto, e recebido tantos líderes estrangeiros quanto sob a presidência Lula: foi realmente exaustivo, em todos os sentidos que se possa dar a essa expressão. Foram tomadas iniciativas no âmbito regional, especificamente sul-americano, ou latino-americano, já que havia uma nítida prevenção contra o império – e a prova disso foi a constituição de organismos que afastassem os Estados Unidos de assuntos regionais – e foram tomadas várias outras iniciativas no âmbito da chamada diplomacia Sul-Sul, como o grupo Ibas, com a Índia e a África do Sul. No mesmo sentido, o Brasil promoveu a formalização go Brics, que está mais ou menos identificado com países anti-hegemônicos, ou seja, nenhum que tenha estado identificado com o velho colonialismo ou com a preeminência imperial americana nas últimas décadas, ou século.
Aqui já se revela um pouco do espírito da diplomacia lulista, bastante refletida e consubstanciada na chamada diplomacia Sul-Sul, que me parece um reducionismo absurdo e indevido de qualquer diplomacia digna desse nome. Entendo que é do interesse de qualquer país usar e aproveitar de todos os recursos do sistema internacional para impulsionar seu processo de desenvolvimento e para o aproveitamento de todas as oportunidades existentes nos mais amplos horizontes disponíveis. Limitar essa diplomacia, ou o escopo da sua política externa, a uma determinada região, ou a um tipo de cooperação impulsionada bilateralmente, é uma subtração de fato, que não me parece positiva sob qualquer aspecto ou critério.
O problema maior, porém, me parece ser a confusão entre partido e Estado, como muitas vezes referido nos meios de comunicação. Esse tipo de confusão foi feita pelo próprio chefe de Estado e eu fui testemunha disso: numa das ocasiões em que se comemorava no Itamaraty o dia do diplomata, Lula disse, clara e inequivocamente, com aquele estilo que sempre lhe foi peculiar, que ao lado da diplomacia profissional, entre Estados, conduzida pelo Itamaraty, estava ali o assessor presidencial, o companheiro do partido encarregado de manter relações com os partidos de esquerda da região, para também impulsionar ações diplomáticas. Deve existir gravação desse pronunciamento e posso buscar em meus arquivos a prova do que estou dizendo. Essa é uma típica má ideia de quem pretende conduzir um país com as viseiras de seu partido, que como o próprio nome diz, representa a parte não o todo. Essa má ideia perdurou na diplomacia brasileira, e na sua política externa durante todos os anos do lulo-petismo, e talvez ainda dure até hoje. Existem muitas outras más ideias, obviamente, mas a maior parte delas não tem nada a ver com o Itamaraty, e sim com os fantasmas ideológicos do partido no poder, como a leniência com ditaduras – mas que se reflete em votações diplomáticas a favor desses regimes, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, por exemplo – ou iniciativas financeiras que implicam custos ao Brasil sem benefícios aparentes.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Diplomacia e Política Externa: quão diferentes? - Paulo Roberto de Almeida


Quais as relações entre a diplomacia e a política externa?

Paulo Roberto de Almeida

            Aproveito a publicação de meu livro Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais (link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), para comentar sobre alguns dos temas ali presentes.

 Comento, em primeiro lugar, sobre a superposição que se faz frequentemente entre diplomacia e política exerna, e, adicionalmente, sobre as orientações mais liberais ou menos liberais, de uma política econômica interna e externa. 
Duas distinções são necessárias aqui: a primeira, entre a diplomacia estrito senso, por um lado, e a política externa, em seu sentido mais lato, por outro lado; a segunda distinção importante a ser feita, seria entre uma diplomacia que seria mais liberal, de uma parte, e uma outra que seria menos liberal, de outra, cada caso a depender do governo ou de alguma necessidade circunstancial. Existem aqui dois pequenos problemas, que são muitas vezes do público em geral, sobre o que se entende que seja a diplomacia, e sobre o que é política externa de um país.
Em meu livro, cujo título completo é, Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais, eu não faço tanto uma análise crítica da atuação do Itamaraty enquanto tal, ou seja, de nossa diplomacia, quanto sim, eu faço uma avaliação muito realista da política externa brasileira, tal como efetivamente conduzida na era do lulo-petismo. Talvez a junção dos dois conceitos no título do livro possa se prestar a essa confusão, que eu pretendo agora esclarecer.
A diplomacia, no sentido estrito da palavra, é uma mera técnica, ou seja, um dos instrumentos, ou ferramentas, usados por qualquer Estado organizado, para conduzir seus assuntos externos, suas relações com os demais países, sua presença nas organizações internacionais. Todos os Estados modernos possuem esse tipo de ferramenta, independentemente da natureza desse Estado – se democracias, se regimes autoritários, até mesmo se perfeitas tiranias – e independentemente do conteúdo de sua política externa. Esta pode ser mais tradicional, pautando-se pelas regras do direito internacional, ou talvez um pouco mais agressiva, mobilizando outros fatores de poder ou de projeção externa, como podem ser as forças armadas, ou até mesmo as empresas de maior capacidade de penetração internacional. Filmes de Hollywood podem ser uma forma de fazer política externa, utilizando, digamos assim, uma forma não muito usual de diplomacia. Projetar bases militares ao redor do mundo, também pode ser uma forma, embora heterodoxa, de fazer diplomacia, que seria, digamos, a ameaça velada como forma de persuasão.
Mas a diplomacia é uma técnica que tem suas regras e rituais, independentemente do seu conteúdo intrínseco. Na sua forma moderna, a de embaixadas permanentes e de organismos especializados, ela começou a tomar forma no Congresso de Viena, em 1815, e foi sendo aperfeiçoada, institucionalizada e organizada em função de alguns grandes acordos internacionais, que surgiram ao cabo de guerras globais – como a Liga das Nações, no final da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, ou a ONU, na conferência de São Francisco, ao final da guerra de 1939-1945 – ou que foram o resultado de conferências diplomáticas que codificaram algumas regras das relações diplomáticas. Temos, a esse respeito, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, que institucionaliza a forma pela qual os estados se reconhecem, se relacionam, trocam representantes, protegem esses representantes por meio de imunidades diplomáticas, e até regulam o rompimento dessas relações ou a denúncia de tratados bilaterais ou multilaterais e a retirada de Estados desses acordos ou organizações. Ou seja, tudo isso é pura técnica, e nada diz sobre o conteúdo da diplomacia, ou mais exatamente, sobre a natureza da política externa que é conduzida por cada Estado.
A política externa, esta sim, depende de cada Estado especificamente, e pode ser tão diferente entre dois Estados como é a conduta de um governo na frente interna, segundo ele seja plenamente democrático, ou uma perfeita tirania. Cada um deles usará a diplomacia de que dispõe para impulsionar seus interesses nacionais na frente interna e na frente externa. A política externa é a que dá substância ou conteúdo à diplomacia, que de outra forma permaneceria uma mera troca burocrática de expedientes – notas, comunicados, projetos de acordos – ou de representantes oficiais. É a política externa que determina como um governo, ou um Estado vai se relacionar no plano internacional, sendo mais ou menos cooperativo, ou mais agressivo, digamos, como também ocorre algumas vezes. Já vimos Estados invadindo outros, ou provocando uma guerra, por razões de fronteiras, ou qualquer outro motivo de conflito militar. Nesses casos, a diplomacia entra em campo para fazer o que sempre faz: tentar resolver disputas por meios pacíficos e apelando para tratados e organizações internacionais.
Em meu livro, portanto, eu não critico o Itamaraty, enquanto diplomacia, embora ele possa ter tido um maior ou menor engajamento com a política externa do governo, mas faço uma avaliação da política externa conduzida nos últimos anos, que pode não ter sido elaborada no Itamaraty, nem pelo Itamaraty, ou sequer conduzida por ele. Como sabemos, grande parte das iniciativas da era lulo-petista na frente externa foram concebidas e aplicadas a partir da própria presidência da República, o que pode até ser legítimo, uma vez que, num regime presidencial como o nosso, a política externa é a determinada pelo presidente da República, que pode, ou não, utilizar a diplomacia para suas finalidades pessoais. Como sabemos, muitas decisões ou iniciativas foram tomadas no próprio Palácio do Planalto, que possui um assessor presidencial para assuntos internacionais que é militante do partido, não integrante dos quadros diplomáticos como costumava ser anteriormente.
Indo agora para a segunda distinção, não se pode exatamente dizer que uma diplomacia seja mais liberal do que outra, uma vez que a mesma ferramenta pode ser utilizada para fins muito distintos, dependendo da natureza e das orientações de um governo, de um regime, de um Estado. O que as diferencia são os métodos empregados e o conteúdo das políticas impulsionadas. Democracias liberais de mercado tenderão naturalmente a promover acordos consensuais para alcançar seus objetivos típicos: abertura do maior número de países ao comércio e aos investimentos diretos, cooperação em bases voluntárias, respeitando a soberania de cada Estado, abstenção de recurso a meios militares ou a ameaças diretas para dirimir disputas ou resolver conflitos. Tiranias podem ser imprevisíveis, pois tanto podem conduzir uma diplomacia “pacífica”, digamos assim, reservando a repressão para o seu próprio povo, como impulsionar ações unilaterais, agressivas, no plano externo, desprezando tratados firmados ou a existência de organizações dedicadas à paz e à cooperação.
Democracias liberais são relativamente transparentes ao escrutínio público sobre suas políticas, inclusive a externa, com amplos debates no parlamento, na imprensa, entre a opinião pública, com os encarregados da diplomacia serem frequentemente convidados a se explicar, perante os legisladores, ou na imprensa, sobre o sentido e a direção que eles estão imprimindo à diplomacia e à política externa. Regimes autoritários são bem mais fechados, e esse tipo de debate raramente ocorre, e não porque a diplomacia seja mais liberal ou menos liberal, mas porque o próprio regime atua de forma antiliberal, ou seja, de modo autoritário, sem os famosos contrapesos dos regimes democráticos, sem a transparência existente nesse regimes.
Concluindo sua pergunta, eu diria: a diplomacia profissional brasileira sempre atuou do mesmo modo, em situações democráticas, ou sob o regime autoritário, digamos o período militar dos anos 1960 ou 1970, quando a preocupação dos dirigentes estava voltada para os cenários típicos da Guerra Fria: a luta contra o comunismo e contra os regimes esquerdistas na América Latina. O conteúdo da política externa é que mudou, e as orientações eram no sentido de impulsionar aqueles objetivos dos militares. Provavelmente, naquele período, a diplomacia brasileira tenha protagonizado episódios pouco gloriosos de sua história, no sentido de conduzir ações incompatíveis com os seus princípios tradicionais, que são os da absoluta neutralidade política e o da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Podem ser identificados esses episódios nos casos de ameaças esquerdistas, ou vistas como tal pelos militares, em governos vizinhos, de países como Uruguai, Bolívia ou Chile (sob Allende, por exemplo).
Mais recentemente podem ter ocorrido episódios semelhantes, mas em favor de regimes ditos progressistas na América Latina, como são os chamados bolivarianos, na mesma Bolívia, na Venezuela, ou no caso do regime comunista de Cuba. Digo podem ter ocorrido porque não há um registro perfeito de determinados episódios, uma vez que alguns deles, justamente, não foram conduzidos pela diplomacia profissional, e podem não ter deixado um registro sobre foram conduzidas determinadas ações. Imagino, por exemplo, que até hoje o Congresso brasileiro não tenha uma ideia precisa de como foi conduzido o programa Mais Médicos, com seu número extraordinariamente elevado de pessoal cubano – muitos deles de qualificação duvidosa – uma vez que faltam informações adequadas sobre a negociação e sobretudo sobre os compromissos financeiros contraídos ao abrigo desse programa; o Itamaraty, provavelmente, não foi o responsável pela sua tramitação. Trata-se ai de um nítido exemplo de política externa que pode ter sido subtraído aos canais habituais da diplomacia.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

domingo, 17 de agosto de 2014

Resenha de Nunca Antes na Diplomacia - Camila Amorim Jardim

Resenha de “Nunca antes na diplomacia…: A Política Externa Brasileira em tempos não convencionais” de Paulo Roberto de Almeida, por Camila Amorim Jardim


 
 
 
 
 
 
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Paulo Roberto de Almeida é diplomata, mestre em planejamento econômico e doutor em ciências sociais. Ao longo de sua carreira, publicou quatorze livros – além de dezenas de artigos –, que contribuem criticamente para o pensamento sobre  relações internacionais desenvolvido no Brasil em suas diversas dimensões – histórica, econômica e social. Integrante do Itamaraty desde 1977, teve a oportunidade não apenas de vivenciar os bastidores da política externa brasileira, mas também de acompanhar academicamente as suas nuances.
O livro aqui resenhado  é o reflexo de anos de estudo e experiência profissional – acerca de períodos desde o império até “A era do nunca antes”, a qual compreende a política brasileira a partir de 2003, com a chegada de Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência.
A respeito desse período, é importante destacar um movimento acadêmico importante no sentido de identificar uma mudança na política externa brasileira que, nos anos 1990, teria com os países desenvolvidos agendas prioritárias e em alguma medida procurava implementar medidas liberalizantes impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial, no contexto do denominado “Consenso de Washington”. A crítica acadêmica aponta que, nos anos 2000 e, especialmente, a partir do governo Lula (2003-2010), teria ocorrido uma mudança de vulto no comando estratégico da inserção internacional do Brasil, caracterizada pela busca de alianças com parceiros não tradicionais, especialmente no eixo Sul-Sul.  Almeida identifica uma segunda mudança na política externa, que passa a ser marcada por excessiva partidarização – a partir de uma análise multidimensional da mesma, tenho em vista sua história, sua base institucional e diretrizes voltadas para o principal objetivo da inserção internacional do Brasil: a busca pelo desenvolvimento econômico – o autor identifica um momento de descontinuidade a partir do governo Lula, momento no qual o país passa a sustentar uma diplomacia exótica em função do personalismo do próprio presidente Lula e das linhas programáticas do Partido dos Trabalhadores.
Por mais importante que a diplomacia presidencial possa ser para a estrutura internacional do país, como o autor aponta que ocorreu de forma exemplar durante o período Fernando Henrique Cardoso, Almeida indica que Lula teria passado em alguma medida a conduzir as relações internacionais do Brasil a partir de suas próprias impressões e das linhas gerais do PT, sem respeitar a estrutura institucional do Itamaraty.
O autor defende que o governo Lula empreendeu um grande esforço para caracterizar a política de seu antecessor como uma “herança maldita”, especialmente submissa aos interesses imperiais dos Estados Unidos. No entanto, tal caracterização não seria compatível com a realidade, tendo em vista que a abertura comercial nos anos 1990 esteve longe dos parâmetros de uma política essencialmente neoliberal e seria, de acordo com Almeida, compatível com os interesses do Brasil em prol do melhoramento de sua competitividade econômica em geral.
A diplomacia coordenada por Lula apresentou novas diretrizes que, inclusive, não teriam sido responsáveis por resultados concretos e que dificilmente seriam adotadas caso o Itamaraty mantivesse sua autonomia na formulação da política externa. Dentre elas, destacam-se os exemplos a seguir. No primeiro mandato, a integração regional era uma das prioridades, mas o Mercosul acaba por tomar uma nova dimensão, predominantemente política em detrimento de econômica – decisão que, para o autor, foi prejudicial aos interesses do Brasil – especialmente no contexto de protecionismo crescente da Argentina, com o qual o país foi conivente, contrariando seus interesses nacionais. A busca constante por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU foi outro inconveniente, que além de causar desconfortos diplomáticos na américa do sul, não é compatível com as capacidades materiais do Brasil. Houve, ainda, casos de ingerência interna em outros países do entorno, com a declaração de apoio a candidatos assumidamente de esquerda na América Latina. Pode-se citar ainda o enfoque predominantemente Sul-Sul, que, segundo o autor, não oferece grandes oportunidades de aprendizado para o Brasil e não deveria ser o foco de sua agência externa, uma vez que a torna mais limitada.
Trata-se, portanto, de uma leitura essencial para a compreensão da formulação da política externa contemporânea, inclusive levando em consideração as comparações históricas e de tipos ideais desenvolvidas pelo autor para embasar a sua análise. O livro oferece, então, importante contribuição para o pensamento crítico em relação à política externa brasileira, apresentando o outro lado do debate, que atualmente não é majoritário entre acadêmicos e que foi deixado de lado no Itamaraty especialmente entre 2003 e 2010, tornando-se fundamental para uma reflexão mais complexa e circunstanciada sobre o tema.

Referências

ALMEIDA, P. R. (2014) Nunca Antes na Diplomacia…: A Política Externa Brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Appris, 289p.
LEITE, P. S. (2011) O Brasil e a cooperação Sul – Sul em três momentos: os governos Jânio Quadros/João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília: Funag, 226p.
LIMA, M. R. S. (2005)  “A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul.” Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, n.1. p. 24-59.
OLIVEIRA, H.A. (2005) Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 292 p.
SARAIVA, M. G. (2007) “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a 2007”. Revista Brasileira de Política Internacional. [S.l.], v. 50, n.2. p. 42-59.
VIGEVANI, T. CEPALUNI, G. (2007) “A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação.” Contexto Internacional. Rio de Janeiro, v. 29, n.2. jul./dez.. p.273-335.
VIZENTINI, P. G. F. (2005) O Brasil e o mundo, do apogeu à crise do neoliberalismo: a política externa de FHC a Lula (1995-2004). Ciências e Letras (Porto Alegre), Porto Alegre, v. 37, p. 317-332.
Camila Amorim Jardim é mestranda em Política Internacional e Comparada pela Universidade de Brasília – UnB (camila_ajardim@hotmail.com)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Nunca Antes na Diplomacia... - Resenha do livro PRA, por Marcos Guterman

Um colega me mandou, e ainda estou buscando o original, para agradecer. Em todo caso, segue o teor do artigo, provavelmente no blog do autor.
Paulo Roberto de Almeida
Addendum: Achei: página de opinião do Estadão, desta quinta-feira, 14 de agosto de 2014, sob o título de: "O Show de Lula".

Um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido...
Autor: Marcos Guterman
é Doutor em História Social.
Universidade de São Paulo, USP, Brasil.

O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político!

Livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais

A extensão dos danos causados ao Brasil pela diplomacia partidária do lulopetismo ainda é desconhecida. Por muito tempo o mundo se deixou encantar pelo hiperativismo de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto seu governo fazia opções que afrontavam a tradição do Itamaraty e o próprio interesse nacional. Mesmo com Dilma Rousseff, isto é, mesmo sem a megalomania de Lula, resta evidente que a agenda petista continua a prevalecer e a única estratégia do governo parece ser a de confrontar o "Norte", ou seja, os países ricos, sempre que a oportunidade aparece. Os resultados dessa política certamente se farão sentir por muitos anos, porque inúmeras oportunidades comerciais e de desenvolvimento vêm sendo perdidas em favor da aproximação com regimes autoritários que nada têm a oferecer ao Brasil senão afinidade ideológica com os governantes de turno.

Embora esses equívocos sejam claros como o dia, escassas são as vozes que ousam apontá-los, pois são logo classificadas como "lacaias do império" por uma formidável máquina de propaganda petista, em especial nos meios universitários, justamente onde deveria prevalecer o pensamento crítico e independente. Um dos poucos que decidiram enfrentar esse consenso artificial é o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Em seu novo livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais, Almeida propõe-se a fazer um raro balanço da política externa lulopetista, sempre tendo em vista seus equívocos basilares. Ainda que não seja possível dimensionar a amplitude total dos problemas levantados, pois não há distanciamento histórico suficiente, o fato é que o livro de Almeida é uma leitura genuinamente incômoda, pois revela como a política externa do Brasil está, neste momento, entregue a ideólogos de um partido que diz defender a soberania nacional enquanto a sacrifica no altar do altermundismo.

Almeida está na carreira diplomática desde 1977 e ocupou diversos cargos no Itamaraty. Com uma trajetória dessas, seria natural que mantivesse a discrição que marca o mundo da diplomacia. Mas Almeida é, no dizer do embaixador Rubens Barbosa, um "provocador" - a começar pela escolha do título do livro.

"Nunca antes" é a expressão de um tempo em que tudo o que diz respeito ao lulopetismo tem de ser considerado em termos superlativos, pois se trata, na visão de seus protagonistas, de uma "revolução". É a introdução obrigatória dos discursos não só de Lula, mas de todos aqueles empenhados em provar, a todo momento, que o ano de 2003, quando o PT chegou ao poder, marcou o início de fato da História do Brasil. Almeida dedica-se a desconstruir esse discurso, para provar que por trás da promessa de independência e altivez mal se esconde a submissão a interesses obscuros, articulados bem longe das fronteiras nacionais - o livro lembra diversas vezes a vinculação de petistas de alto coturno com Cuba e a ditadura dos irmãos Castro.

Um dos grandes problemas da diplomacia lulopetista, como mostra o livro, é o improviso, resultado direto da sujeição total da política externa aos desejos e impulsos de um chefe de Estado que imagina estar numa missão redentora. Com Lula, deixou-se de lado, por ociosa, qualquer forma de planejamento e de respeito aos limites da ação diplomática, razão pela qual muitas vezes se despendeu grande esforço para alcançar objetivos tão controversos quanto inúteis, apenas para satisfazer a sede presidencial pelos holofotes. Ainda que bem mais discreta que seu antecessor, Dilma manteve o desapreço pela diplomacia profissional.

O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político. Com isso o País passou a classificar como "estratégica" qualquer parceria que cumprisse a função de reafirmar os propósitos anti-hegemônicos da cartilha do PT, sem considerar os interesses de longo prazo nem os recursos que devem ser gastos para manter essa fantasia.

Ao dar prioridade às relações com os países do "Sul", isto é, aqueles que não integram o mundo desenvolvido, Lula tinha em mente liderar uma revolução geopolítica - e, de lambujem, ganhar um Nobel da Paz. Pretendia colocar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Queria que o País fosse reconhecido como o motor de um novo modelo de desenvolvimento, melhor e mais justo do que o capitalista ocidental. Mas, como mostra o livro de Almeida, faltou combinar com os russos.

As iniciativas petistas foram rechaçadas, em primeiro lugar, pela Argentina e pelo México, entre outros países da América Latina, que não estavam nem um pouco inclinados a aceitar a liderança brasileira. O Mercosul, que deveria servir de plataforma para esse salto diplomático, foi transformado num estorvo para o desenvolvimento brasileiro e todas as outras entidades criadas na América Latina para dar corpo à ideia de integração regional raras vezes se prestaram a outra coisa senão a servir de palanque para as diatribes bolivarianas.

Em nome de seus propósitos delirantes, o lulopetismo adotou a leniência como padrão de relacionamento com os sócios ideológicos: aceitou afrontas da Bolívia à soberania nacional e da Argentina a acordos comerciais, ignorou violações de princípios democráticos, afagou ditadores. Tudo isso para provar que estava conferindo, pela primeira vez, verdadeira "independência" à política externa brasileira.

Após demonstrar que essa "independência" é uma ilusão e apontar os graves problemas que isso causa ao País, Almeida termina seu livro com um interessante exercício: ele especula o que o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, diria a Lula se fosse seu chanceler. Além de recomendar o fim da política "Sul-Sul", por reduzir demais as oportunidades para o Brasil, Rio Branco daria um conselho que, embora óbvio, é fundamental nestes "tempos não convencionais":
um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Nunca Antes na diplomacia? Assim e', se lhe parece... - Rodrigo Constantino

Apenas transcrevo, e creio que basta isso...
Paulo Roberto de Almeida

 Blogs e Colunistas
08/08/2014 às 10:47 \ Instituições, Protecionismo

A política externa em frangalhos. Ou: Nunca antes na diplomacia…

Marco Aurélio Garcia: ícone de nossa diplomacia horrorosa
Marco Aurélio Garcia: ícone de nossa diplomacia horrorosa
As constantes trapalhadas diplomáticas do lulo-petismo têm cobrado um preço cada vez mais alto para o país. O editorial do GLOBO de hoje argumenta que a desgraça em nossa indústria tem ligação direta com as políticas externas equivocadas do governo:
A dependência crônica ao Mercosul, por opção ideológica, começa a cobrar seu preço. Bem como o erro de ressuscitar o protecionismo das décadas de 70 e 80.
O resultado tem sido manter o Brasil fora de cadeias globais de produção. Com isso, mesmo que se queira agredir outros mercados, não se tem produtos de última tecnologia, capazes de atender às exigências desses mercados. Acertos feitos para trazer montadoras, sem dar-lhes maior liberdade no uso de componentes importados, estreitam a margem de manobra da política de exportações, neste momento de retração interna e crise no maior parceiro do Mercosul.
Também começa a cobrar seu preço a falta de acordos comerciais bilaterais, em grande parte devido à subordinação, contrária aos efetivos interesses nacionais, da política externa ao viés protecionista de um Mercosul cada vez mais bolivariano.
[...]
Começam a ficar mais nítidos os prejuízos decorrentes da diplomacia de aliança cega com latino-americanos populistas e terceiro-mundistas, algo que há tempos faz parte do lixo da História.
Tenho dedicado vários textos às críticas ao nosso Itamaraty sob o petismo, justamente por compreender o enorme custo que isso representa para os “interesses nacionais”. Cheguei a sugerir que alguém escrevesse um livro inteiro sobre o assunto. Não sabia que meu desejo já havia sido realizado, e por um diplomata de primeira, que conheço há anos e respeito muito.
Estou lendo o livro Nunca antes na diplomacia…, de Paulo Roberto de Almeida, que cai como uma luva para atender a minha demanda. O livro é uma coletânea de artigos e ensaios do diplomata, tudo muito bem organizado.
PRA
Começa explicando o que seria uma postura diplomática ideal, quais suas funções, e define conceitos importantes. Em seguida, traça uma historiografia de nossa diplomacia, dividida em fases marcantes. Por fim, mergulha mais a fundo nas decisões dos últimos anos, mostrando que houve uma quebra de paradigma.
Diplomatas costumam assumir uma forma bastante cautelosa de crítica. Não Paulo Roberto. Ele adota postura totalmente independente, e pode se dar ao luxo de realmente dizer o que pensa. Eis o grande mérito do livro, além de sua capacidade ímpar de observação dos acontecimentos externos relevantes e sua bagagem cultural e intelectual.
Ainda pretendo voltar ao tema usando o conteúdo do livro, que tem agregado bastante. Por enquanto, deixo apenas uma constatação feita pelo embaixador Rubens Barbosa, que assina o prefácio, tem postura mais moderada, mas mesmo assim tem feito importantes críticas à política externa desse governo em suas colunas:
Nunca antes na história do País – e de sua diplomacia -, preconceitos ideológicos e plataforma partidária influíram tanto nas questões de competência do Itamaraty de analisar e recomendar cursos de ação para que a chefia do Executivo possa tomar decisões. [...] A marginalização do Itamaraty, sobretudo no tratamento dos assuntos relacionados aos países vizinhos da América do Sul, certamente não estaria agradando ao Barão do Rio Branco, que ensinou que “a pasta das Relações Exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna”.
Barbosa, meu colega de colunas no GLOBO, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, e sabe bem como a nossa política externa atual, especialmente a insistência no modelo fracassado e ideologizado do Mercosul, tem feito sangrar nossas indústrias. Ele é assessor próximo do candidato Aécio Neves. Na diplomacia, como em tudo mais, o Brasil necessita de grandes mudanças!
Rodrigo Constantino

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Diplomacia Sul-Sul: existe alguma vantagem nessa coisa? - Paulo Roberto de Almeida

Transcrevendo o que foi publicado no blog Amálgama, neste link: http://www.amalgama.blog.br/08/2014/opcao-preferencial-pelo-sul-um-novo-determinismo-geografico/
Meridionais: apreciai..., com moderação...
Paulo Roberto de Almeida

A opção preferencial pelo Sul: um novo determinismo geográfico?

A diplomacia Sul-Sul é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a diplomacia tradicional?
mapamundi2

Introdução

A temática da política externa voltada para as relações Sul-Sul tem sido enfatizada de maneira recorrente nos últimos anos; para ser mais exato, desde o início do governo Lula, numa espécie de retomada de alguns dos padrões da diplomacia praticada nos tempos da política externa independente (1961-1964) e, novamente, na era Geisel (1974-1979). Grande parte da produção universitária brasileira sobre a política externa nos governos petistas tende a considerar a diplomacia brasileira a partir de 2003, e mais especificamente a concepção Sul-Sul que a sustenta, como orientações eminentemente positivas para a postura internacional do Brasil. De fato, a recepção dessas políticas no ambiente acadêmico tem sido a melhor possível, aliás, talvez até mais do que isso, na medida em que tal diplomacia aparece, em muitos escritos, como uma determinação absolutamente necessária para a política externa brasileira, quaisquer que sejam os resultados efetivos desse tipo de política no contexto em que ela é operada. A postura adotada neste ensaio se coloca em desacordo conceitual, quando não em contraposição política, com esse tipo de orientação predominantemente Sul-Sul da diplomacia brasileira desde 2003, por razões que serão expostas ao longo do texto.
É de se esperar que os processos e programas de cooperação científica, cultural ou tecnológica entre os países, sem descurar dos fluxos dos mais diversos tipos, nas áreas financeira, educacional, militar, ou simplesmente turística, sejam desenvolvidos em todas as direções possíveis ou existentes, em especial em estreito contato com os países que melhores condições oferecem para transferências de tecnologia, fluxos de investimentos diretos, cooperação científica e educacional, enfim, em todas as benesses possíveis da civilização moderna. Em resumo, e preventivamente, a interação que uma diplomacia inteligente deveria buscar para a nação que representa deveria ser dirigida a todos os quadrantes do globo, com ênfase naquelas direções com maiores possibilidades de ser estabelecido um relacionamento mutuamente benéfico (e mais ainda, no caso de países menos desenvolvidos, unilateralmente proveitoso).
Tendo estes elementos presentes, como supostos de senso comum, o que poderia levar dirigentes políticos, ou diplomáticos, a preferir a parte em lugar do todo, a eximir-se de explorar o conjunto de possibilidades de cooperação, substituindo uma ampla interface por um número mais reduzido de opções? Dito de outra forma: o que poderia levá-los a colocar uma viseira unidirecional no horizonte de relacionamentos externos do país? Por que, finalmente, amputar o país da exploração irrestrita do estoque universal de conhecimento humano acumulado até os nossos dias?

Um novo determinismo geográfico na política externa brasileira?

Quando se fala de uma “política externa voltada às relações Sul-Sul”, se as palavras possuem algum significado preciso, se entende que as relações internacionais desse país chamado Brasil devem estar prioritariamente voltadas para essa tal dimensão regional, não exatamente planetária, mas voltada para o hemisfério Sul, isto é, para os territórios, regiões e países normalmente identificados como periféricos, dependentes, em desenvolvimento, emergentes, ou outras variantes dessa mesma família. O conceito não é tão estreitamente geográfico, quanto ele é flexivelmente político, uma vez que alguns desses países podem não se conformar, exatamente, a essa geografia ou a esse padrão típico das nações em desenvolvimento, ou seja, ex-colônias ou dependências europeias a partir dos quatro ou cinco séculos após os “descobrimentos” europeus.
Por exemplo, a despeito do fato de que a China se situe no hemisfério Norte, e de que ela conduza, efetivamente, uma política estratégica, comercial, financeira, política, ou qualquer outra objetivamente orientada a todos os quadrantes possíveis, mas mais enfaticamente em direção ao próprio Norte – e para constatar isso basta computar seus fluxos comerciais e financeiros, ademais de sua atuação no âmbito dos organismos multilaterais –, o gigante asiático é comumente identificado como sendo um país do Sul, em parte porque se trata de uma economia supostamente em desenvolvimento, ou porque ela costuma se opor às velhas potências hegemônicas. Mas, com base naquilo que conta, de fato, ou seja, sua postura estratégica, seu poder nuclear, seus intercâmbios econômicos, seria a China, verdadeiramente, um país do Sul? Existem dúvidas, mas admitamos que sim. Ela não define, em todo caso, sua diplomacia como Sul-Sul.
Para todos os efeitos práticos, a política Sul-Sul costuma se referir justamente aos países não hegemônicos, ou seja, todos aqueles que não foram potências imperiais ou poderes coloniais no passado remoto, ou mais recentemente. Portugal, a esse título, seria uma potência hegemônica? Também existem dúvidas a esse respeito. E a Espanha, se enquadra na categoria? Certamente até a era das independências latino-americanas, mas com menos certeza depois disso. E a pequena Holanda? Também se encaixa na noção de potência hegemônica? Talvez. Ao longo da história, países que se projetaram hegemonicamente sobre outros, durante certo período – como o Império Otomano, por exemplo, ou a própria China imperial – terminaram por se encontrar identificados ao conjunto de nações dependentes ou periféricas. No conjunto, o conceito do Sul se aplica ao que se convencionou habitualmente chamar de “Terceiro Mundo”, ou Grupo de países em desenvolvimento, G77, embora sua diversidade seja hoje tão importante quanto sua composição ao longo das quatro ou cinco décadas pós-Segunda Guerra Mundial.
Abordando concretamente o caso em espécie, parece evidente que países que são de fato grandes potências – como China ou Rússia, por exemplo – podem ser eventualmente assimilados ao conceito geopolítico do Sul, que parece compreender todos os países que não exerceram um papel dominador na era da preeminência europeia e dos países desenvolvidos que emergiram a partir do colonialismo inglês. A Rússia, por exemplo, se encaixa mal no perfil “Terceiro Mundo” – já que se trata de uma potência imperial, bem mais importante no passado do que atualmente –, mas ainda assim ela é considerada uma aliada para grande parte das causas do Sul; a China, por sua vez, sempre se considerou, e foi considerada, um país em desenvolvimento, mas ela nunca cingiu suas relações internacionais e suas estratégias de política externa ao grupo identificado com a sigla G77.
Em todo caso, nenhum dos dois, Rússia ou China, se enquadra na categoria “ocidental”, ou seja, das modernas democracias de mercado, tal como definida nos trabalhos do historiador britânico Niall Ferguson, um convencido adepto das bondades do imperialismo para o avanço da civilização. O Brasil, que no passado da Guerra Fria também se identificava com a civilização cristã e ocidental, passou a se considerar, em algum momento dos anos 1970, como um país do Terceiro Mundo, e orgulhoso de sê-lo (ainda que nem todos, no Itamaraty, concordassem com o rótulo). Aparentemente, nos últimos dez anos, voltamos a aderir aos conceitos e posturas dos anos 1960 e 1970, até com o mesmo orgulho e empenho em continuar a pertencer à mesma família.
Assim, para a atual diplomacia brasileira, esses dois grandes países, tidos como não hegemônicos, parecem se encaixar numa definição ampla do Sul, de molde a poder justificar alguma coordenação de políticas e o estabelecimento de alianças e de plataformas conjuntas de ação, em itens da agenda internacional que, teoricamente, corresponderiam a objetivos compartilhados. Rússia e China, pelo menos, foram considerados como suficientemente “alinhados” com as teses principais da diplomacia brasileira, a partir de 2003, para legitimar o lançamento de iniciativas comuns, nos mais diversos foros do debate multilateral e bilateral, a exemplo do Brics (aliás, o único grupo diplomático no mundo a ter sido formado por uma sugestão externa aos próprios países envolvidos). Outros dois países, Índia e África do Sul, foram imediatamente reconhecidos como parceiros estratégicos para suscitar a criação de um outro grupo, o IBAS, que responde perfeitamente à definição das “relações Sul-Sul” para essa nova diplomacia brasileira.
Independentemente, porém, do leque concreto de países mobilizados para fins de formação de grupos e para coordenação de posições, temos primeiro de considerar a questão “filosófica”, que consiste a examinar se esse direcionamento geográfico se justifica no plano das intenções e dos resultados práticos, não só para a diplomacia brasileira, mas para o país, tão simplesmente, para sua economia e sua sociedade.
Assim sendo, o que é uma diplomacia Sul-Sul do ponto de vista do Brasil? Ela é, obviamente, uma mudança de eixo no relacionamento externo do país, apontando preferencialmente para países do Sul, tanto em sua acepção geográfica quanto no plano geopolítico. Por que isso e como isso se coaduna (ou não) com as posturas tradicionais da diplomacia brasileira, e como isso se encaixa no leque de possibilidades abertas, no supermercado da História, à economia ou à sociedade brasileira? Nosso país deve praticar uma diplomacia Sul-Sul? Ela é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a velha diplomacia sem marcas geográficas ou geopolíticas definidas?
Obviamente que seus formuladores, promotores, patrocinadores e operadores dirão que sim, que ela é boa, e que de fato não discrimina os outros, os que sobraram nas outras direções, geralmente Norte, mas possivelmente também Leste e Oeste, ainda que não se saiba bem o que esses dois últimos termos significam atualmente, depois do fim da Guerra Fria. Visivelmente, a política externa brasileira voltou a ver o mundo segundo antigas linhas de divisão Norte-Sul, o que, por sinal, corresponde a velhos preconceitos de extração classista, ao gosto sindical: nós, de um lado, eles, do outro.
O significado do Sul tem a ver com uma assimetria básica que existiria no terreno das definições e das escolhas políticas, para alguns de caráter fundamental: de um lado, o Norte desenvolvido, capitalista, hegemônico e aparentemente arrogante, por vezes até unilateral e dominador; de outro, o Sul, periférico, dependente, explorado, enfim, em desenvolvimento e, portanto, naturalmente, interessado em posturas comuns para romper a dominação e tornar o mundo mais democrático e multilateral. Esse tipo de atitude já foi registrado na política externa brasileira em pelo menos duas épocas anteriores, nomeadamente a chamada “política externa independente”, dos anos 1961-1964, e depois o “pragmatismo responsável”, do governo Geisel (1974-1979).
A política externa do governo Lula, clara e oficialmente autodesignada como sendo Sul-Sul, reivindica plenamente essa herança das experiências anteriores, e proclama que retomou tradições anteriores de “independência” nas relações exteriores do Brasil, pretendendo com isso dizer que todas as demais administrações praticaram diplomacias alinhadas, dependentes, ou até submissas ao império ou aos organismos multilaterais de Washington. Deixemos esse maniqueísmo ridículo de lado, para passar a examinar, concretamente, as virtudes e méritos desse tipo de seletividade geográfica, ou suas limitações e insuficiências.

Alguns exemplos do novo determinismo geográfico e seus resultados práticos

Alguém acha, por exemplo, que os problemas sociais e políticos brasileiros têm algo a ver com os problemas sociais e políticos da Índia, ou da África do Sul? Alguém acha, em sã consciência, que grupos de trabalho, juntando burocratas dos três países, produzirão algo mais do que intensas viagens de burocratas governamentais e algumas belas declarações e programas de trabalho que prometem continuar juntando os mesmos burocratas, ou outros, em reuniões infinitas, tentando encontrar respostas comuns a problemas que são naturalmente, intrinsecamente, necessariamente diferentes, quando não incompatíveis entre si, no seu contexto, na sua forma e substância?
Alguém acha, de verdade, que um programa prometedor, em princípio, como o Ciência Sem Fronteiras, vai apresentar brilhantes resultados, se os candidatos brasileiros escolherem estudar nos mesmos países, ou na América Latina, ou então exclusivamente nos países ibéricos? Se os estudantes o fazem, em direção destes últimos, talvez seja porque não estejam suficientemente habilitados em inglês, francês ou alemão, para aproveitar o que de melhor a ciência produziu nos últimos duzentos anos. Mas alguém acha, sinceramente, que esse programa estará bem servido, e servirá ao país, numa direção essencialmente Sul-Sul, em lugar de se dirigir aos centros reconhecidos de excelência na ciência e na tecnologia mundiais? A tese Sul-Sul não parece sustentável nestes casos de qualificação científica e tecnológica.
No terreno das políticas comerciais, por exemplo, o grande sucesso apregoado logo no início do governo Lula, a formação do G20 comercial, durante a conferência ministerial da OMC, em Cancun, em setembro de 2003, visava, segundo o próprio, “dar um truco” nos países ricos e impedi-los de, mais uma vez, acertar acordos entre eles às custas dos países em desenvolvimento. Os objetivos formais do bloco seriam os de eliminar ou diminuir o protecionismo agrícola dos países avanços, seus subsídios internos à produção e as subvenções às exportações, que tanto prejudicam exportadores competitivos e não subvencionistas como o Brasil.
Visto o grupo mais de mais de perto, porém, a seletividade geográfica de suas demandas, justamente no sentido Sul-Sul, revela-se, na verdade, de uma esquizofrenia exemplar, já que aquilo que é solicitado aos ricos é mantido como legítimo pelos e para os seus integrantes. Ora, se admitirmos que a demanda crescente de bens alimentares nos próximos anos e décadas virá, basicamente, de grandes países em desenvolvimento, como China e Índia, precisamente – já que a expansão desses mercados nos países ricos será quase vegetativa, ademais da demanda não ser beneficiada por alta elasticidade-renda, nesses casos – então a derrogação feita em favor dos países do Sul não é exatamente conforme aos interesses do agronegócio brasileiro ou das exportações do Brasil, em geral, para esses mercados dinâmicos.
Tomemos um outro caso, o das políticas de promoção comercial, que deveriam colocar em evidência o fato elementar de que, o acesso a mercados, do ponto de vista microeconômico, não apresenta nenhuma distinção geográfica, de natureza política, étnica ou ideológica; ou seja, para o capitalista exportador, qualquer mercado é mercado, seja ele interno, externo, rico, pobre, preto ou branco, bastando que ele seja solvente, acessível e de preferência estável e crescente. Não se duvide, nesse particular, que os mercados consolidados dos países ricos do capitalismo desenvolvido apresentam as melhores perspectivas nesses quesitos, e assim entendem os países dinâmicos da Ásia, que já criaram a sua “nova geografia do comércio internacional”, como pretendia o presidente Lula, com base justamente nessas constatações elementares de senso comum: exportemos, para onde for e para quem puder comprar.
Mercados de países em desenvolvimento, no continente africano ou em outras regiões, podem ser interessantes para explorar e abastecer, mas não em detrimento de mercados consolidados e solventes (como os dos países desenvolvidos, por exemplo). Todos exportam para os EUA, um dos mercados mais abertos do mundo, e quase todos possuem saldos nas balanças bilaterais; seria uma maldição o Brasil ser um dos poucos países a exibir déficits nessa relação?
E por que o Brasil tolera, por exemplo, discriminação contra os seus produtos no intercâmbio com a Argentina, salvaguardas e medidas de defesa comercial abusivas e ilegais, tanto do ponto de vista do Mercosul, quanto no que se refere às regras do sistema multilateral de comércio? Por que o Brasil é, talvez, o único país no mundo que instituiu um programa de “substituição de importações”, que visa, segundo o presidente Lula, praticar uma “diplomacia da generosidade” com os seus vizinhos, importando seus produtos mesmo que eles sejam mais caros ou de menor qualidade do que os de outros ofertantes competitivos? Esta seria uma política Sul-Sul conforme aos nossos interesses nacionais, aos da comunidade brasileira de negócios?
Por que será que o Brasil parou de impulsionar a cooperação com os países do Norte? Seria porque eles foram ou são imperialistas, e não existe mais nada a aprender deles ou com eles? Por que o Itamaraty, e o próprio Instituto Rio Branco, cessou de fazer intercâmbios com outras regiões além da América do Sul, África e alguns poucos países asiáticos? Será que temos mais a aprender com países que, em vários quesitos se situam abaixo dos níveis já alcançados pelo Brasil em pesquisa científica e inovação tecnológica? A política Sul-Sul nos traria tantos benefícios quanto aqueles que manifestamente obtivemos, ao longo das últimas décadas, nas relação com países do Norte? Existe alguma rationale, além de simples postura política, que poderia explicar tudo isso?
Pode-se, eventualmente, invocar o princípio inventado da “não indiferença”, ou o dever de solidariedade, para justificar, por exemplo, a cooperação ou assistência ao desenvolvimento que o Brasil passou a prestar a países menos avançados, alguns, aliás, manifestamente miseráveis. Não se pode argumentar contra esse tipo de iniciativa, mas caberia lembrar, a propósito, que o Brasil segue o mesmo caminho dos países ricos que, nas últimas cinco ou seis décadas, despejaram dezenas, ou centenas de bilhões de dólares nesses países, sem que resultados palpáveis tenham resultado dessas ações.
Em outros termos, são pouquíssimos os exemplos, se algum, de algum país pobre que se tenha alçado de sua condição miserável com base na ajuda ao desenvolvimento, embora existam vários que ascenderam na escala do desenvolvimento com base na inserção produtiva global, no comércio e nos investimentos estrangeiros. Mas isso não é novo: nos anos 1950, ainda antes das independências africanas, um espírito lúcido como o economista britânico de origem húngara, Peter Bauer, alertava contra a propensão a pretender “ajudar” os países africanos, em lugar de inseri-los na economia mundial pela via do comércio e da interdependência econômica. Suas advertências permanecem cruelmente atuais. E, se quisermos, análises mais recentes, eu recomendaria a leitura dos trabalhos do ex-economista do Banco Mundial, William Easterly, que demonstrou como a ajuda externa estava prejudicando, em lugar de ajudar, os países assim assistidos. O Brasil pode fazer o mesmo, mas não deveria deixar de considerar essas advertências.
Mas, mesmo nos casos de alianças políticas, será que a bússola do Sul é a que melhor serve aos interesses do país? Os que argumentam positivamente podem invocar a surrada tese dos interesses comuns dos países dependentes, em face dos interesses dos países do Norte em preservar a ordem atual, para eles injusta e desigual, de distribuição de poder e influência no plano mundial. Não é preciso, novamente, afastar como paranoicas e conspiratórias tais visões das relações internacionais, talvez aceitáveis para mentes simplistas, e simplificadoras, dos que dividem o mundo em linhas classistas, mas que não apresentam a mínima consistência para mentes mais abertas e inteligências mais aguçadas. Infelizmente, grande parte da academia brasileira ainda se compraz com as teses intelectualmente indigentes da “dependência”, com as teorias mistificadoras do “chutando a escada”, enfim, com o eterno complô das elites e das classes dominantes, que supostamente impedem países do Sul na sua justa ascensão a patamares mais altos de desenvolvimento e de prosperidade.
A pobreza conceitual e a total inadequação histórica desses tipos de concepção em torno das relações internacionais poderiam nos fazer sorrir, pelo que têm de patético, se não fosse pelo trágico de estarem sendo disseminados, continuamente, em nossas academias, por vezes até por vozes autorizadas, ou supostamente tais. Um pouco mais de seriedade na pesquisa, e de honestidade intelectual, já deveriam ter afastado de vez as visões ingênuas do mundo, as concepções maniqueístas, os conceitos ultrapassados que, muitas vezes, passam por construções teóricas dignas de acolhimento no ambiente acadêmico que conhecemos no Brasil e em grande parte da América Latina.
Aliás, seminários, conclaves, colóquios ou encontros exclusivamente latino-americanos, tendem a suscitar sentimentos de cansaço intelectual, em face das mesmas ladainhas e slogans que certamente serão ouvidos: a integração regional vai trazer desenvolvimento, autonomia, independência e dignidade, pois apenas entre latino-americanos é possível construir um futuro comum, já que somos todos iguais, inteligentes e sobretudo preparados para as grandes tarefas da construção da soberania.
Esse ritual de mesmices simplórias, essa repetição infindável das mesmas receitas ultrapassadas, que certas mentes anacrônicas insistem em nos impingir, só podem provocar cansaço intelectual. Se a América Latina fosse tão boa em aplicar suas receitas de desenvolvimento quanto ela o foi em conceber suas pretensas virtudes autonomistas e desenvolvimentistas, aliás desde o final dos anos 1940, ela já seria, meio século depois, infinitamente mais desenvolvida, mais igualitária, mais justa e menos corrupta, do que ela é, de fato, atualmente.
Não é preciso percorrer a enciclopédia de soluções geniais aos seus problemas de subdesenvolvimento, pois equivaleria a repassar um cemitério inteiro de ideias fracassadas, mas que insistem em nos importunar, como zumbis conceituais que não querem desaparecer. Basta com citar duas obras de analistas conhecidos, ambos trabalhando em academias americanas e, portanto, altamente suspeitos aos olhos de muitos; não importa: como Machado de Assis, pode-se julgar quaisquer produções intelectuais pela consistência intrínseca de seus argumentos respectivos, não pela identidade de quem os expressa. Pode-se citar, em primeiro lugar, a análise de história econômica de Sebastian Edwards, um chileno que leciona na Califórnia, e que publicou, em 2010, Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism (University of Chicago Press), um retrato realista, talvez cruel, do nosso longo declínio e dos muitos erros de políticas econômicas. Em segundo lugar, se coloca o conhecido sociólogo Francis Fukuyama, que em 2008 coordenou um seminário cujo resultado, organizado e publicado por ele recebeu um título quase similar: Falling Behind: Explaining the Development Gap Between Latin America and the United States (Oxford University Press, com edição no Brasil: Ficando para Trás; Rocco Editora), com a participação de conhecidos especialistas das duas regiões.

O novo determinismo geográfico: um novo fracasso à espreita?

Existiriam, ainda, muitos outros argumentos históricos, econômicos, políticos, ou até mesmo culturais, contra uma visão seletivamente restritiva, no âmbito geográfico, para uma definição estratégica de nossas principais políticas macro ou setoriais. Bastaria, aliás, alinhar outras razões, e elas seriam muitas, para não cair nesse tipo de reducionismo absurdo que consiste em privilegiar determinados parceiros, ou certas direções cardeais, na seleção dos relacionamentos, dos contextos de cooperação, na busca de soluções ou receitas de desenvolvimento.
Pode-se julgar todos os tipos de autonomismos superficiais, de soberanismos vazios, e de nacionalismos exacerbados como sendo especialmente nefastos na grande tarefa do desenvolvimento e do crescimento econômico sustentado. A abertura ao comércio e aos investimentos internacionais constitui uma boa política, a conjugar-se com a estabilidade macroeconômica, com a competitividade microeconômica, com a boa governança e alta qualidade dos recursos humanos, para alcançar fins benéficos, de inserção no mundo e de promoção da prosperidade social.
Um outro grande equívoco, obviamente, é achar que, trabalhando com apenas uma das partes se consegue chegar ao todo. Esse todo, não é preciso repetir, é a busca da pesquisa de ponta, da excelência intelectual, do avanço tecnológico; e o equívoco consiste em se privar do contato com o que existe de mais refinado no mundo em nome de não se sabe bem qual solidariedade política ou qual afinidade ideológica. É esse equívoco que está na origem dessa nefasta seletividade geográfica, para a qual não se pode encontrar nenhum mérito, nem mesmo o de continuar nas mesmas latitudes, climas e temperaturas.
A autonomia mental, a liberdade de escolha, a amplitude de visões, a mais completa seleção de opções, enfim, a total soberania geográfica nos relacionamentos externos parecem, de longe e em todas as hipóteses, as posturas mais adequadas na determinação das políticas, as que melhor respondem a nossas necessidades teóricas e práticas. Essa postura geral corresponde, aliás, ao livre arbítrio individual e à total liberdade de escolha, que devem sempre prevalecer nos assuntos humanos e sociais.
Esta é uma simples constatação de bom senso. Nunca devemos deixar de exercer nosso direito à total liberdade de espírito e à mais completa autonomia da razão. É bem melhor ser um completo anarquista do pensamento e um libertário incorrigível, do que ser um dependente de crenças alheias.
——
Este ensaio é uma versão abreviada de um dos capítulos do recém-lançado Nunca Antes na Diplomacia…: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editoria Appris).

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Nunca Antes na Diplomacia: todos os links disponíveis, e as livrarias

Apresento abaixo os links direcionando os interessados tanto à disponibilidade do livro nas livrarias de venda online, quanto a uma apresentação mais completa do livro e os textos abertos:

Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais 
Curitiba: Appris, 2014, p. 289; ISBN: 978-85-8192-429-8
Relação de originais n. 2596
Relação de publicados n. 1133


Página do livro no site do autor: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html

Informação no blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/nunca-antes-na-diplomacia-novo-livro.html

Disponibilidade no site da Editora: http://www.editoraappris.com.br/produto/4308511/Nunca-Antes-na-Diplomacia-a-politica-externa-brasileira-em-tempos-nao-convencionais#

Livraria Saraiva online: http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/7865017

Livraria Cultura online: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=42274547&termo=nunca%20antes%20na%20diplomacia

Capa no blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/nunca-antes-na-diplomacia-politica.html
Quarta capa no blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/07/nunca-antes-na-diplomacia-politica_15.html

Prefácio do Emb. Rubens Barbosa no blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/05/nunca-antes-na-diplomacia-prefacio-do.html
Apresentação no blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/05/nunca-antes-na-diplomacia-politica.html
Introdução PRA no blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/05/nunca-antes-na-diplomacia-apresentacao.html

E nas livrarias:
Rio de Janeiro, RJ: Cultura e da Travessa
São Paulo, SP: Cultura e Martins Fontes
Belo Horizonte, MG: Cultura e Mineriana
Brasília, DF: Cultura e Saraiva (da Uniceub)
Curitiba, PR – Cultura e Livraria do Chaim