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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
EUA: reforma da lei de imigracao (Correio Braziliense)
Renata Tranches
Correio Braziliense, 11/02/2013
Brasileiros em situação irregular se dividem entre expectativa e descrença diante da proposta de uma mudança nas leis de imigração. Especialistas afirmam que não é mais possível adiar a reforma
Rafael viajou por dias, andou, correu e nadou quilômetros para cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos. Aos 19 anos, passou frio, fome e foi enganado por “coiotes” (atravessadores), que o entregaram ao serviço de imigração americano depois de receberem dele mais de US$ 12 mil (cerca de R$ 36 mil), em 2005. Foi libertado após passar dois dias na prisão, com a condição de comparecer a uma corte no prazo de seis meses, o que nunca aconteceu. Vive agora sob o medo de ser deportado a qualquer momento. A saga do mineiro é semelhante à de milhares de brasileiros que partiram rumo ao sonho americano e veem agora, na iniciativa de um grupo bipartidário de senadores e do presidente dos EUA, Barack Obama, a última esperança de finalmente legalizar sua situação no país que escolheram para viver.
O jovem, assim como outros brasileiros em condição irregular ouvidos pelo Correio, prefere não revelar o sobrenome por questões de segurança. Ele relatou que o sentimento é de esperança e, ao mesmo tempo, desconfiança na comunidade em Port Chester, distrito de Westchester, em Nova York, onde vive. Em 29 de janeiro, Obama anunciou um plano de reforma ampla nas leis de imigração. O discurso foi feito um dia depois de um grupo de senadores democratas (governistas) e republicanos apresentarem um projeto semelhante. Em linhas gerais, ambos falam em abrir o caminho da cidadania para os 11,5 milhões de pessoas em situação irregular. Tratam também do reforço na vigilância das fronteiras e da melhoria nos mecanismos de imigração legal.
Há oito anos nos EUA, Rafael já se empolgou e se decepcionou com outras propostas de leis imigratórias que não deram certo. “Se não sair dessa vez, acho que nunca mais acontecerá. É agora ou nunca”, disse o jovem, que trabalha com carpintaria e construção civil. Sentimento parecido tem o paranaense Cláudio, morador de Bridgeport, em Connecticut. Nos EUA há mais de 10 anos, Cláudio, de 34, vive atualmente longe da mulher e do filho, de 3, que voltaram para o Brasil ano passado. Também ele tinha planos de regressar no fim deste ano, mas a notícia reavivou suas esperanças.
Tanto Cláudio como Rafael sabem que, ainda que haja uma nova lei em 2013, o processo para a legalização pode demorar algum tempo. Pelas regras antecipadas nos dois projetos, pessoas que entraram pelo país ilegalmente — o que se aplica aos dois — devem ir para o fim da fila. Para eles, muitas questões ainda precisam ser respondidas. Na opinião do paranaense, a previsão de que os aspirantes à cidadania terão de pagar multas por todos os impostos atrasados preocupa os brasileiros. Cláudio, que também trabalha na construção civil, disse ter declarado imposto de renda durante o período que passou nos EUA e espera que isso ajude o processo de regularização.
Mas essa não é a realidade de todos. “Muitos acham que isso é uma bobagem”, conta. Segundo Cláudio, as dificuldades para encontrar um bom trabalho e os custos para se manter no país e ajudar a família no Brasil jogam, muitas vezes, o pagamento de taxas para segundo plano. Assim como Rafael, Cláudio está entre a esperança e a cautela. “Se não se resolver rápido, não poderei esperar. Tenho mulher e filho no Brasil. Prefiro voltar e ver meu filho crescer. Talvez a lei tenha chegado tarde demais para mim”, lamenta. Ainda não há previsão de quando o Congresso aprovará a reforma. O tema começou a ser discutido na última semana na Comissão Judiciária da Câmara dos Representantes. Obama afirmou recentemente que gostaria de ter algo pronto já no primeiro semestre.
Deportação
A situação da paranaense Natália, 26 anos, é um pouco diferente. Ela chegou a San Francisco (Califórnia) em 2004, com visto de turista, que expirou cinco anos mais tarde. Recepcionista de uma pizzaria e de um restaurante, está se formando em um curso técnico profissionalizante de fotografia. Com vários colegas já trabalhando na área, Natália lida com a frustração de não poder exercer a profissão por “não ter os papéis”. “Não consigo abrir meu negócio, fechar contratos, divulgar meu trabalho. O que eu vou dizer quando pedirem meus documentos?”, questiona. Assim como Cláudio, ela tinha planos de voltar para o Brasil no segundo semestre. Agora, com a chance de se legalizar, pensa em adiar o retorno.
Tão urgente quanto uma reforma imigratória, na opinião da carioca Heloísa Maria Galvão, cofundadora da organização não governamental Mulheres Brasileiras, é o governo Obama parar com a deportação dos irregulares. “Se, por um lado, o presidente tem mantido esse tema em discussão, por outro, nunca se deportou tanto”, queixa-se a brasileira, acrescentando que todos os dias lida com o drama de famílias brasileiras separadas. Sua ONG, fundada há 17 anos em Allston (Massachusetts), é ligada ao Massachusetts Immigrant and Refugee Advocacy Coalition (Mira), rede de associações que trabalham pelos direitos do imigrante, que faz uma ponte entre o governo e as comunidades.
Heloísa explica que não portar documentos de imigração não é crime nos EUA e não justifica as deportações, efetuadas principalmente com base nesse argumento. “O Departamento de Segurança Interna tem deportado imigrantes como se fossem gado saindo do curral, como criminosos. São seres humanos”, protesta.
Ilegais em números
Segundo o Departamento de Segurança Interna (DHS, eminglês), em 2011 havia 11,5 milhões de imigrantes não autorizados nos EUA, cuja população é de 310 milhões de pessoas
O pico de população ilegal foi registrado em 2007, com 11,8 milhões
Em 2000, 8,5 milhões de pessoas sem documentos viviam nos EUA
Quase 85% dos imigrantes ilegais são provenientes do México e da América Central. Do total de pessoas sem documentos, 59% são mexicanos. Não se conhece o número exato de brasileiros
Cerca de 40% dos imigrantes ilegais entraram de forma legal com um visto que posteriormente expirou
Em 2011, a população imigrante com residência legal chegou a 13,1 milhões, dos quais 8,5 milhões com possibilidade de obter a cidadania, segundo o DHA
A cada ano, cerca de 1 milhão de pessoas obtêm a residência legal
O fluxo migratório líquido do México aos EUA caiu a zero e pode alcançar um número negativo por conta da crise econômica americana que levou imigrantes a retornarem aos seus países, segundo o centro de análises Pew Hispanic
O Departamento de Estado concedeu cerca de 55 mil vistos para trabalhadores agrícolas temporários no ano fiscal de 2011
Hoje, existe uma quota máxima de 66 mil vistos para trabalhadores temporários não agrícolas
Sem desculpas para o adiamento
O momento político e cultural nos Estados Unidos nunca foi tão propício para uma reforma imigratória, na avaliação de especialistas consultados pelo Correio. Além de haver interesse dos dois principais partidos, o tema, promessa de campanha do presidente Barack Obama, tornou-se uma de suas bandeiras. Para uma das principais especialistas no assunto no Brasil, Bernadete Beserra, antropóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), mais do que estar em um “momento adequado”, a reforma é uma necessidade. “É um problema sério e precisa ser resolvido. Agora, parece não haver mais desculpas para o adiamento.”
As expectativas de que uma nova lei possa regularizar a situação de 11,5 milhões de estrangeiros nos EUA ganham força pelo fato de democratas e republicanos tentarem superar as divergências e trabalhar juntos em um projeto. O eleitorado hispânico mostrou sua força na última eleição presidencial e isso não passará despercebido. “Os latinos ajudaram o presidente a ganhar (ele deve isso a essa comunidade) e causaram a derrota dos republicanos, que precisam agora apelar a eles”, avalia o cientista político Shaun Bowler, especialista em comportamento eleitoral da Universidade da Califórnia/Riverside.
Além da questão político-eleitoral, segundo Bernadete, não se pode ignorar o crescimento da população hispânica nos EUA, que, em certa medida, deu vida a muitas cidades decadentes. Ela cita o livro Magical urbanism: Latinos reinvent the US big city, no qual o americano Mike Davis mostra a efervescência da cultura e da economia latina nas grandes cidades americanas.
Mas Bernadete reforça a necessidade de se colocar em prática o plano de reforço nas fronteiras, previsto no projeto de Obama e no do grupo bipartidário do Senado. “Se não controlam rigorosamente a entrada ou a permanência de imigrantes indocumentados, rapidamente eles serão novamente mais de 10 milhões, como hoje.” (RT)