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terça-feira, 27 de setembro de 2022

Trigo é o fato novo na agricultura brasileira - Rubens Barbosa

Trigo é o fato novo na agricultura brasileira, diz representante do setor

Entrevista com Rubens Barbosa

Folha de S. Paulo, 27/09/2022

Desorganização do mercado de commodities deu novos preços ao cereal

Após a soja e o milho, o Brasil passará a ser um grande player internacional no setor de trigo. A Covid e a guerra entre Rússia e Ucrânia trouxeram novos desafios para o mercado internacional de commodities.

Um dos principais desafios ocorre na cadeia do trigo, produto que está entre os mais afetados pela guerra, devido à importante participação dos dois países envolvidos no conflito no fornecimento mundial desse cereal.

A desorganização do mercado de commodities, trazida por esses eventos, deu novos preços ao cereal. A alta e novas tecnologias da Embrapa vão permitir um impulso na produção de trigo em áreas tropicais do país.A avaliação é de Rubens Barbosa, presidente-executivo da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo). Segundo ele, em busca de uma segurança alimentar, vários países devem procurar o Brasil para investimentos nesse setor.

Um dos interessados é a Arábia Saudita, cujo Salic (Sadi Agricultural and Livestock Investiment), que investe em projetos no exterior para garantir o abastecimento alimentar do país, já manifestou interesse em investir mais nos setores avícolas e de grãos do Brasil. O trigo está no radar desses investidores.

O mercado de trigo vai continuar com preços aquecidos. Mesmo com a liberação das exportações de cereais da Ucrânia, os preços não voltam imediatamente ao patamar anterior à guerra. E esse conflito não tem sinais de um processo de paz.

Internacionalmente, os preços continuam elevados porque os fretes e os seguros estão caros. Internamente, as commodities sofrem o efeito do dólar e do custo Brasil.

Haverá um período de ajustamento, mas isso não ocorrerá tão cedo, afirma Barbosa.

Além dos efeitos da guerra, o trigo está sendo afetado por circunstâncias específicas de cada país. Vários produtores mundiais sofrem o efeito da seca, e o principal fornecedor brasileiro, a Argentina, já não deverá produzir os 21 milhões de toneladas esperados, mas 18 milhões.

"Apesar de tudo isso, não vejo nenhuma perspectiva dramática no fornecimento do cereal ao Brasil, à exceção dos efeitos de mercado, como frete e seguros. O trigo existe e não haverá problema de abastecimento para nós", diz Barbosa.

Alguns países da África e do Oriente Médio, antes dependentes da Ucrânia e da Rússia, tiveram de reorientar suas compras, inclusive buscando produto no mercado brasileiro, que deverá exportar mais de 3 milhões de toneladas neste ano.

O agronegócio vem sendo um dos principais setores da economia brasileira, mas o país precisa muito de um planejamento. Para o representante da Abitrigo, não é possível uma dependência tão grande de matérias-primas, como o fertilizante. A perspectiva de produção desse insumo é de longo prazo, e, mesmo assim, ainda com larga dependência.

O país precisa se cercar das novas tecnologias de produção. Além disso, tem de se conscientizar de que o protecionismo vai ser muito forte a partir de agora.

Para Barbosa, a União Europeia começa a propor uma legislação muito dura, e o Brasil precisa desenvolver uma rastreabilidade para mostrar que os produtos não vêm de áreas desmatadas.

A avaliação do futuro também é importante para esse setor. A China não quer ficar mais tão dependente do Brasil. Está indo para a África e elevando a produção interna.

Se os brasileiros tiveram uma grande facilidade no mercado externo até agora, vão necessitar de um bom planejamento para o futuro, inclusive buscando novos mercados.

O Brasil tem de levar a sério alguns fatos e tomar medidas em questões sensíveis, como a ambiental. "O país não pode permitir que o ilícito continue. Essa é uma questão fundamental e um dos principais problemas que temos." Para o representante da Abitrigo, o governo que assumir em janeiro vai ter de levar muito a sério esse assunto.

O trigo é o fato novo para a agricultura brasileira, e em cinco anos o Brasil será autossuficiente no cereal. O país deverá produzir próximo de 10 milhões de toneladas neste ano, chegando perto do consumo, que é de 12 milhões.

Para Barbosa, a evolução da produção brasileira de trigo é uma questão de segurança alimentar. Trigo e arroz são os cereais mais presentes na mesa do consumidor brasileiro, e a indústria se preocupa com essa vulnerabilidade atual do setor.

Na avaliação do representante da entidade, com a evolução dos preços, o trigo se torna mais atrativo do que o milho. Preço, novas variedades da Embrapa e diversificação regional do plantio vão auxiliar na expansão de que o país necessita.

Barbosa destaca, ainda, a evolução da qualidade do produto brasileiro, que ganha aceitação lá fora. O trigo nacional está indo para mercados da Ásia, do Oriente Médio e da África.

Estimativas de Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo, indicam que o país deverá produzir 20 milhões de toneladas de trigo em 2030.

 Fonte: Folha de S. Paulo

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Mudar política ambiental pode tirar o Brasil do isolamento no exterior, diz Rubens Barbosa - Emilio Sant’Anna (Terra.com.br)

 Mudar política ambiental pode tirar o Brasil do isolamento no exterior, diz Rubens Barbosa


Instituto presidido pelo ex-embaixador em Washington e em Londres coordenou estudo da USP que analisou cumprimento de mais de 60 normas e 15 acordos ambientais assinados pelo País

Emilio Sant’Anna
Terra.com.br, 25 ago 2022 - 10h10

O ex-embaixador Rubens Barbosa afirma que o Brasil está "marginalizado", mas o isolamento no exterior pode ser revertido rapidamente, se houver medidas assertivas de política ambiental e de direitos humanos. "Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado", disse o diplomata em entrevista ao Estadão.

O Brasil é signatário dos principais tratados e normas internacionais, como o Acordo de Paris, mas a dúvida sobre o cumprimento deles surge diante do desmonte de órgãos de controle e aumento dos índices de desmatamento crescentes, alvo de questionamentos constantes do governo de Jair Bolsonaro.

Para começar a desfazer esse nó ambiental e de confiança, um estudo do grupo de pesquisa em Diplomacia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) completou uma análise de dois anos e meio em mais de 60 normas internacionais e 15 acordos ambientais. O objetivo foi avaliar o grau de cumprimento deles desde 1992. O trabalho foi coordenado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), presidido por Barbosa, com organização da professora da USP Wânia Duleba. Em formato de e-book, ele pode ser acessado gratuitamente no site interessenacional.com.br.

De maneira geral, o Brasil teve tempo para assimilar esses acordos e cumprir boa parte de suas obrigações. Nos últimos quatro anos, no entanto, a situação é mais preocupante. Mesmo após a reunião da cúpula do clima, em Glasgow, e dos compromissos assumidos pelo Brasil "não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso", diz Barbosa.

O estudo faz o diagnóstico e aponta soluções para um impasse que pode ser resolvido, afirma o diplomata. "Nos últimos anos, por uma série de razões de política ambiental interna, pelo desmonte dos órgãos fiscalizadores e, sobretudo pela queimadas, pela destruição e o garimpo, tudo isso gerou uma reação muito forte e muito negativa", diz.

"Tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 1980, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima. Só em 1992, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa."

O ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos e no Reino Unido destaca que a discussão sobre as políticas ambientais e a Amazônia precisam ser mais amplas e levar em consideração os riscos e prejuízos que não cumpri-las causa ao País.

Qual a imagem que o Brasil passa hoje para os outros países em relação à sua política ambiental e ao cumprimento dos acordos ambientais de que é signatário?
A percepção externa sobre o Brasil hoje é muito negativa. Nós tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 80, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima, só em 92, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa. O estudo mostra que, até 2018, o Brasil estava bem na fotografia. Agora, não. Nos últimos anos, por uma série de razões de política ambiental interna, pelo desmonte dos órgãos fiscalizadores e, sobretudo pela queimadas, pela destruição e o garimpo, tudo isso gerou uma reação muito forte e muito negativa. A recuperação disso, a restauração da credibilidade do Brasil vai passar em parte pelo cumprimento desses acordos, pelo pleno comprimento dos acordos, então o estudo vem nesse momento até para ajudar nisso. Esse trabalho foi feito por professores da USP, sem nenhuma conotação política ou ideológica, nada. É uma coisa objetiva.

No estudo, quando olhamos para, por exemplo, o Acordo de Paris, há ali uma preocupação clara de que as metas de redução de emissões para 2025 e para 2050 não sejam alcançadas se as políticas ambientais continuarem na mesma toada em que estão hoje.
É isso. Mostra os pontos em que o Brasil vai ter que melhorar. Até na Cop-26, o País avançou em metas concretas (de redução de emissões de gases do efeito estufa, por exemplo). Agora, não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso, porque 2025 é depois de amanhã. O que o Brasil está fazendo? Não há publicamente nenhuma indicação política do governo para chegar a essa meta que foi prometida.

Se para desmontar uma política ambiental parece ser muito rápido, remontar deve ser mais difícil? Quanto tempo será necessário para o Brasil voltar para os trilhos no que diz respeito à sua política ambiental?
Ela pode ser rapidamente reconstruída a partir de medidas muito simples. O problema é que existe hoje no exterior, em relação ao Brasil, a percepção de que o meio ambiente e a mudança de clima são temas globais, que o mundo se preocupa, e o Brasil se preocupa menos por uma série de ações que o governo tomou. Vou dar um exemplo concreto: o Fundo Amazônia foi suspenso no início do governo porque ele desmontou os órgãos de governança que acompanhavam o emprego dos recursos que vinham do exterior para o combate ao desmatamento. Se houver uma negociação com a Alemanha e com a Noruega, e na primeira semana do governo esses órgãos voltarem a funcionar imediatamente, os recursos, US$ 1 bilhão, que estão parados no BNDES, poderão ser utilizados. Então, o que eu estou querendo dizer é que a percepção externa poderá começar a mudar rapidamente por ações muito pontuais.

Outro exemplo: se o governo brasileiro, o novo governo, a partir de 1º de janeiro, definir como definiram os outros países, inclusive os Estados Unidos, que o meio ambiente está no centro da política externa brasileira, isso já é uma revolução no exterior. É uma volta gradual à credibilidade. Evidentemente que não adianta você só anunciar as medidas, o que vai fazer realmente mudar a percepção externa sobre o Brasil são os resultados.

Quer dizer, se você colocar o meio ambiente no centro da política externa, começar a corrigir algumas das políticas que foram adotadas, o número de queimadas, diminuir o número de corte de madeira, diminuir os atritos com os índios, você vai ter que ter uns seis meses, um ano, para que os resultados sejam efetivamente percebidos lá fora, mas você já vai mudar a maneira como os países vão encarar o Brasil. Hoje, o Brasil está marginalizado, está isolado no exterior. Isso muda rapidamente se houver uma mudança de política ambiental, de direitos humanos e de uma série de outros fatores.

E o desmonte dos órgãos de controle e combate ao desmatamento?
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), é só você montar novamente. Isso é fácil de montar porque tem muita gente que não está sendo aproveitada e que pode voltar para fiscalizar. Agora, os recursos para esses órgãos vão depender de o novo governo rearrumar o financiamento. Enfim, eu não estou pessimista, desde que haja uma vontade de mudar a política ambiental, de mudar a maneira como os problemas relacionados, sobretudo com a Amazônia, porque quando você fala hoje de problemas ambientais do Brasil é lá que está o foco dessa preocupação global.

O senhor está falando da percepção externa sobre o Brasil e sua política ambiental, mas lhe preocupa a percepção interna sobre isso ou de, pelo menos, uma parte da sociedade, como as Forças Armadas com a retomada do "integrar para não entregar"? Como deve ser o comportamento das Forças num futuro governo?
Elas sempre tiveram um papel muito importante na Amazônia, vão continuar a ter. É a instituição que está mais presente na região, tanto a Marinha, quanto a Aeronáutica e o Exército. Claramente essa política do GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem) não deu certo, eu não tenho detalhes, não sei por que não deu certo, mas não diminuíram as queimadas, não diminuíram o desmatamento da Amazônia. E acho que no futuro governo isso tem de merecer um tratamento especial. Por exemplo, há alguns anos atrás a gente não estaria discutindo a Amazônia. Ela se transformou num foco de preocupações políticas por várias razões. Por causa da política externa, do comércio exterior, dos direitos humanos, dos indígenas. É um problema complexo porque tem seus habitantes, 25 milhões de pessoas. E você tem uma coisa muito importante que foi deixada de lado, mas é muito importante, que é um sistema de proteção das fronteiras.

Veja esse caso que houve lá no Vale do Javari (as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips). É uma região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia) e, aparentemente, não tem ninguém lá, todo mundo sabe que é uma área de contrabando de drogas. Então deve estar faltando alguma coisa ali para funcionar. Isso mostrou uma ausência do Estado importante. Se há uma inteligência que identifica ali uma região conturbada pelo contrabando de armas, de drogas, de madeira e de pescado, alguma coisa deveria ter sido feita. Não é uma questão ambiental, apenas. Quer dizer, não é uma coisa secreta, entendeu? É uma coisa que se faz ao ar livre. Isso se faz abertamente, o que mostra uma presença do Estado que tem de ser fortalecida. Para coibir os ilícitos na região, as Forças Armadas vão ter um papel importante, como sempre tiveram.

Esse é um assunto que resvala na questão financeira, com a repercussão que isso tudo tem, por exemplo, na OCDE de forma inédita, no acordo entre a União Europeia e o Mercosul. O senhor acredita que a força do capital é suficiente para a mobilização dessas políticas ambientais?
Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado. Cada vez mais vão existir medidas que restrinjam as importações de produtos que saem de áreas que estão sendo desmatadas. Então, não adianta a gente ter uma retórica aqui no Brasil dizendo que isso é um problema de interesses externos para ocupar a Amazônia, ou que é um interesse protecionista para impedir produtos brasileiros. O Brasil só vai entrar na OCDE se cumprir o que ela prevê. A mesma coisa o acordo com a União Europeia. O exterior está dizendo, em outras palavras, vocês têm que cumprir a legislação interna de vocês pra aceitarmos vocês. Eles não estão exigindo nada mais. Estão querendo que a gente cumpra. Só isso.

Há um outro ponto no estudo que são os nossos problemas ambientais relacionados ao oceano. O senhor acha que isso passa despercebido frente ao tamanho dos outros problemas?
Foi no governo Michel Temer pela primeira vez que se criou uma política em relação à preservação dos oceanos. A extensão territorial do Brasil no mar é muito grande e aí entra a questão da pesca, da exploração de minérios no fundo dos oceanos. Tem um capítulo no livro que cuida da pesca, essa parte é a mais abandonada. É a parte com o maior número de itens marcados em vermelho, os compromissos que o Brasil assumiu de preservação de manguezais, a questão da pesca em geral, das espécies em extinção. Como eu disse, isso só entrou na percepção política agora, então é uma coisa que a gente vai ter de desenvolver também.

Nesses últimos anos vivemos uma espécie de negacionismo dos problemas ambientais. O senhor acredita que esse comportamento se aproxima do populismo político?
Entrou no contexto geral. O grupo do agro, que é muito importante também, em algumas áreas tem algumas resistências. A política reflete um pouco esses apoios que são recebidos. Não há dúvida que por uma série de razões, políticas, ou por algumas pessoas não acreditarem efetivamente na preservação, ou porque a Amazônia está muito distante e por acharem que existe uma espécie de indústria de multas, essas políticas foram abandonadas literalmente. Abandonadas no sentido de que as medidas de coerção para os ilícitos e as políticas de fiscalização e repressão com as multas foram abrandadas.

Como eu disse, essa questão não é só de meio ambiente é uma questão que abrange muitos aspectos. São aspectos financeiros, como o de mercado de carbono, aspectos de segurança nacional, da preservação do território, das fronteiras, a questão dos tratados. Temos um tratado de cooperação amazônica que a gente (o atual governo) não invoca porque faz parte a Venezuela. Quer dizer, a Amazônia não é apenas uma questão ambiental. Esse estudo lança essa visão de conjunto.

O senhor acredita que com esse caldo todo de problemas que estamos vivendo, e com o crescente aumento da pressão financeira e de conscientização da sociedade, neste ano de eleições a questão ambiental vai impor um espaço na agenda dos debates eleitorais?
Deveria. Eu já vi alguns pronunciamento de candidatos e essa questão é pouco mencionada. É um tema que alcança uma dimensão enorme que afeta o interesse do Brasil. Agora não é um tema central, como não é, por exemplo, a política externa, de defesa. Eu li hoje uma matéria que me mandaram sobre os Estados Unidos se recusarem a vender um míssil para o Brasil por causa da situação política interna aqui. Quer dizer, o Brasil não está isolado no mundo. Nós não podemos pensar que tudo se resolve aqui dentro. A influência do que ocorre lá fora impacta aqui dentro. Eu fiz um trabalho, e até publiquei no Estadão o artigo, sobre as vulnerabilidades do Brasil depois da pandemia e depois da guerra na Ucrânia. Quem discutia que o Brasil importa 85% dos fertilizantes, a dependência que nós temos de semicondutores, a questão do trigo? 60% do produto mais importante para a mesa do brasileiro vem do exterior, 80% vem de um único país. Quem discutia isso?

Nós não somos um país pequeno, de 5 milhões de habitantes. Somos um país continental de 213 milhões de habitantes. Quer dizer, você tem de ter um pensamento estratégico, um pensamento global. Você não pode ficar limitado a questões pontuais sem prever outras consequências. Por tudo isso que quando se discute a Amazônia de maneira mais ampla, e não apenas do ponto de vista do meio ambiente, é um problema muito complicado porque acaba afetando o Brasil inteiro.

https://www.terra.com.br/planeta/sustentabilidade/mudar-politica-ambiental-pode-tirar-o-brasil-do-isolamento-no-exterior-diz-rubens-barbosa,81c71416060179bef9d6c5adba3a1139ib8mdum3.html

terça-feira, 23 de agosto de 2022

O futuro das entidades empresariais sindicais - Rubens Barbosa (OESP)

Mais de dois terços das associações industriais setoriais NÃO ASSINARAM o documento pró-democracia. Ou seja, preferem um degenerado que lhes garanta o lucro, independentemente da democracia.

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA 

O FUTURO DAS ENTIDADES EMPRESARIAIS E SINDICAIS

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 23/08/2022


A mobilização da sociedade brasileira em defesa da democracia, do Estado de Direito e do sistema eleitoral colocou em evidência, entre outras, entidades representativas do setor industrial e sindical, e do agronegócio. A ação dessas confederações, federações e associações mostraram sua influência e suas contradições pela diversidade de interesses envolvidos.

            Com as profundas transformações econômicas e tecnológicas no mundo e com os desafios internos para a volta do crescimento e do emprego, as agendas para o setor privado nacional mudaram. Essas entidades produzem trabalhos técnicos e defendem com eficiência os interesses conjunturais de seus associados. A percepção sobre essas instituições, porém, está contaminada, em grande parte, pela defesa não do interesse geral do país, mas interesses setoriais, protecionistas e de ganhos de curto prazo, com a ilusão de que com isso poderiam ajudar o setor e a economia a crescer. O agronegócio e a indústria estão apresentando propostas aos candidatos para a dinamização da economia e o crescimento desses setores, mas as principais sugestões dificilmente terão o respaldo político para a aprovação de legislação no Congresso Nacional. As entidades perderam a capacidade de influir efetivamente em políticas públicas de interesse geral.

Vou comentar especificamente o setor industrial, em vista da situação dramática hoje existente, resultado do esgotamento do modelo que beneficiou o setor nos últimos sessenta anos, baseado no protecionismo, representado por barreiras tarifárias, e não tarifárias, reserva de mercado, subsídios e incentivos fiscais, política cambial, entre outras políticas governamentais. Além das questões estruturais (custo Brasil), e do atraso tecnológico, no curto prazo, surgiram problemas com a falta de insumos e a alta da energia e, em especial, com os impactos negativos gerados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. As entidades representativas da indústria e dos trabalhadores não tiveram, nos últimos anos, a capacidade de formular propostas para a modernização do parque industrial brasileiro que pudessem sensibilizar os governos de turno. A exemplo do que está ocorrendo hoje em outros países, como os EUA e a França, uma nova política industrial, deveria refletir os interesses do país e deveria responder aos desafios globais.

Em coordenação com o governo e o Congresso, para modernizar sua agenda, elas poderiam ter definido uma estratégia para promover a recuperação do setor em consonância com os interesses mais gerais do país. Essa ação poderia ter-se alicerçado no tripé, reindustrialização, agenda de competitividade e abertura da economia, via negociação de acordos comerciais.

            A reindustrialização e a modernização industrial serão possibilitadas pela implementação da agenda de reformas estruturais e o aumento da produtividade que deveria ser complementada com uma verdadeira política industrial que induziria negócios estratégicos de alto impacto econômico e social. Nesse sentido, caberia fortalecer mecanismos de apoio `a indústria como financiamento, compras governamentais e estímulos `a produção e a exportação de bens de media e alta tecnologia; definir, como áreas prioritárias, as indústrias de alto conteúdo tecnológico e inovadoras; identificar nichos de mercado para a nacionalização de produtos essenciais e estratégicos na área da saúde, farmacêuticos e outros; identificação de áreas para criar cadeias de valor agregado na América do Sul a partir de interesses da indústria nacional; apoio com políticas públicas `a internacionalização da empresa nacional.

            A agenda da competitividade poderia ser levada adiante mediante ação política junto ao Executivo e ao Legislativo para a aprovação da reforma tributária, o fator mais importante para o aumento da competitividade da economia e das empresas nacionais. Outras políticas incluiriam a isonomia de tratamento entre produtos importados e nacionais; a desburocratização e a simplificação de regras e regulamentos e apoio a centros de inovação garantindo a conexão deles com a indústria e as Universidades para um trabalho conjunto em áreas estratégicas como inteligência artificial, biotecnologia, incentivos a formação e capacitação de profissionais e a implantação da tecnologia 5 G para acelerar o processo de modernização da indústria.

            A abertura da economia deveria ser realizada via acordos comerciais com a definição de uma política de negociação transparente, com a participação do setor privado, com o objetivo de diversificar mercados e a pauta exportadora e promover a ampliação de empresas exportadoras para reduzir a concentração hoje existente.

A relação das entidades do setor produtivo e sindical com o Estado envelheceu. Criadas em momento diferente do capitalismo brasileiro, elas não acompanharam as mudanças ocorridas na sociedade. A ação política dessas entidades exigirá a revisão da forma de defender seus interesses. Com isso, haveria uma mudança da percepção interna sobre o papel do setor privado no mundo em profunda transformação. As discussões sobre as perspectivas da indústria, do agro e dos serviços não são questões teóricas, mas práticas e, por isso, seu foco deveria mudar radicalmente.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

O meio ambiente e a política externa - Rubens Barbosa (OESP)

 O meio ambiente e a política externa

O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto
09 de agosto de 2022

Rubens Barbosa

A partir da guerra na Ucrânia, a ameaça concreta de falta de energia, em especial do gás, agravada pela forte alta dos preços no mercado internacional, trouxe um retrocesso nos compromissos ambientais assumidos pelos países europeus. A reabertura de usinas a carvão na Alemanha e outras medidas em diversos países vão em sentido contrário às políticas de redução de emissões de gás carbônico. Os países que cobram uma atitude mais firme do Brasil na defesa do meio ambiente e nas políticas de mudança de clima, por circunstâncias internas, veem-se forçados a utilizar meios de geração de energia que condenam, por serem contrários às políticas ambientais que defendem.

Pela primeira vez na História o Brasil ocupa uma posição de grande visibilidade e influência na mais importante e estratégica questão global para o futuro da humanidade.

As novas preocupações globais com a preservação do meio ambiente e a mudança de clima colocaram o Brasil em situação de destaque no contexto internacional. O Brasil, como nunca antes, se encontra no centro das discussões sobre o tema global (não militar) mais relevante e que concentra a atenção de todos os países nas discussões multilaterais e mesmo bilaterais, com repercussão sobre a totalidade dos membros da comunidade internacional. Desde 1992, quando da realização da cúpula sobre meio ambiente, a Eco-92, o Brasil passou a desempenhar um papel de relevo nas negociações e envolveu-se fortemente em todos os acordos negociados até o Acordo de Paris, em 2015, mas nunca o tema da mudança de clima ganhou as dimensões atuais.

A preocupação com o aquecimento do planeta adquiriu proporções inusitadas, pela perspectiva real do aumento do nível dos oceanos, do desaparecimento de ilhas-países e de grande parte de países com litorais vulneráveis, além do impacto sobre a agricultura, que, no médio e no longo prazos, poderá vir a ser afetada pela desertificação ou por grandes inundações, como resultado da alteração dos regimes pluviais, com a destruição das florestas e a não redução do aquecimento planetário.

Nas últimas reuniões do G20 e na COP-26 houve uma evolução da atitude e das posições políticas do governo em relação a essas discussões, apesar de tudo. O Brasil está de volta e se apresenta como parte da solução, com contribuições para a formação do mercado global de carbono, a redução do metano e a antecipação do fim do desmatamento da Amazônia. O Brasil poderá voltar a ter um papel especial nessas negociações e relevância global pela importância do bioma amazônico, pelo maior reservatório de água doce do mundo, pela importância da matriz energética limpa, pelo papel como potência agrícola e pelas soluções que já está produzindo para a redução das emissões de gás de efeito estufa.

Pela primeira vez na História 0 Brasil ocupa posição de visibilidade e influência na mais importante e estratégica questão global para o futuro da humanidade

Fontes inesgotáveis e diversificadas de energia renovável (solar e eólica), o potencial da biomassa e da biodiversidade, a produção de etanol, que reduz a poluição dos transportes, são contribuições do País para as discussões sobre o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e a mudança de clima. O desenvolvimento do mercado de carbono entre Estados e o voluntário entre empresas poderá trazer um grande volume de recursos para o País e ajudará a mitigar o problema de emissão de gás na atmosfera.

Com as necessárias mudanças de políticas ambientais, governo e sociedade em geral poderíam aproveitar essa grande oportunidade. A questão não se deve limitar às discussões ambientais, mas ampliar-se para o exame de como o meio ambiente pode trazer recursos externos, ajudar a fortalecer a projeção externa do País e como o Brasil, afinal, poderá encontrar um lugar no mundo que corresponda efetivamente ao seu potencial.

No momento em que as contradições nas posições ambientais dos países desenvolvidos se agravam, está sendo publicado o livro Diplomacia ambiental, que vai suprir a falta de uma completa e independente informação interna dos compromissos internacionais assumidos em 15 acordos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas e confirmar ou corrigir a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais atuais. O trabalho esclarece a evolução dos processos gerados pelo resultado das negociações e pela internalização dos acordos examinados, que se tomam parte da legislação nacional. O livro mostra os compromissos cumpridos ou em processo de cumprimento e os não cumpridos, e, por isso, poderá ser um instrumento valioso para o governo e para o setor privado na defesa do interesse nacional e no restabelecimento da credibilidade externa do País, substancialmente deteriorada.

Fica muito claro, contudo, que há muito a ser feito para colocar o Brasil novamente como um real protagonista nos entendimentos bilaterais e nos fóruns internacionais sobre meio ambiente. Em paralelo ao lançamento deste livro, o resultado do trabalho Diplomacia ambiental já pode ser acessado por meio do e-book no portal Interesse Nacional: wvw.interessenacional.com.br.

O trabalho oferece um roteiro para que, a partir de 2023, meio ambiente e mudança de clima possam estar no centro da política externa e serem definidos como a principal prioridade da ação oficial para a recuperação da credibilidade externa.

PRESIDENTE DO INSTITUTO RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

terça-feira, 26 de julho de 2022

A Otan e o Brasil - Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo

 

 

A Otan e o Brasil

Não está claro quais são as obrigações que decorrem da atual situação do País, convidado para ser parceiro estratégico do tratado.

Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo 

26 de julho de 2022 | 03h00 

Por inspiração dos EUA, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada em 1949 como parte de uma rede de defesa do Ocidente, no início da guerra fria com a URSS. Em 1955, surgiu o Pacto de Varsóvia, que, comandado pela URSS para se contrapor à Otan, foi extinto com o fim da União Soviética. Ao longo de sete décadas a Otan atravessou várias fases e implementou diversos conceitos estratégicos, passando de uma aliança militar dissuasória, destinada à defesa coletiva territorial, para um instrumento político-militar, voltado para a defesa dos interesses dos países-membros além de seus limites originais. A expansão da Otan nos anos recentes – ao contrário das conversações mantidas pelo secretário de Estado James Baker e pelo primeiro-ministro Helmut Kohl, da Alemanha, com Mikhail Gorbachev em 1991, quando do desaparecimento da URSS – coloca desafios para todos os países, agravados a partir da guerra da Rússia contra a Ucrânia. 

A inclusão de novos membros a partir de 1997, a intervenção na Iugoslávia em 1999, a inclusão da Suécia e da Finlândia e a redefinição de sua estratégia em junho de 2022 evidenciam a expansão dos limites de atuação da Otan e a ampliação de seus interesses, vistos como ameaçados, o que já vem acarretando um aumento das despesas militares de todos os países-membros e a mudança da política de Defesa da Alemanha, depois de quase 70 anos. 

Cabe mencionar algumas decisões tomadas pela Otan que afetam ou podem afetar interesses brasileiros, a começar pela diretriz estratégica de 2010, seguida de decisões recentes tomadas na reunião de alto nível de Madri, em junho de 2022. 

Na definição do Conceito Estratégico da Otan em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como área geoestratégica prioritária, o que não exclui totalmente a possibilidade da atuação da organização “onde possível e quando necessário”, caso os interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão, apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos oceanos, com a incorporação dos assuntos do Atlântico Sul no escopo estratégico da organização. O Brasil sempre deixou clara sua reserva no tocante às iniciativas que incluam também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico Sul, como área de atuação da Otan. O sul do Atlântico é área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. A Política Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das áreas prioritárias para a defesa nacional e amplia o horizonte estratégico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul, mais a África Ocidental e Meridional. 

Na reunião de cúpula em Madri, em junho passado, os países-membros, na maior revisão estratégica dos últimos 30 anos, redefiniram a estratégia da Otan e declararam a Rússia como sendo a ameaça mais direta e significativa à paz e à segurança. E incluíram a China como um desafio aos interesses de seus membros, além de terem dado prioridade a novas questões, como a de mudança de clima. A redução das emissões de gás de efeito estufa passou a ser um objetivo que estará presente em todas as tarefas essenciais da Otan, por meio de suas estruturas políticas e militares. 

A inclusão da China como um desafio justificou o convite, pela primeira vez na História, do Japão, da Coreia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia para participar do encontro e assinar dois acordos sobre defesa cibernética e segurança marítima. A esse importante desenvolvimento junte-se o pacto estratégico entre os EUA, Reino Unido e Austrália para a aquisição de submarinos, inclusive nucleares, e o acordo entre os EUA, Índia, Emirados Árabes Unidos e Israel (I2U2) para mostrar presença no Mar do Sul da China e na defesa de Taiwan. Na prática, com esse novo conceito estratégico, a Otan ampliou ainda mais sua expansão e retomou a doutrina da guerra fria, que, para muitos setores dos EUA e da Europa, nunca havia desaparecido. 

A nova guerra fria, agora contra a China e a Rússia, poderá levar a uma nova divisão do mundo entre o Ocidente e a Eurásia. 

Qual a repercussão deste novo quadro geopolítico para o Brasil? Nos últimos anos, o Brasil vem sendo associado à Otan, com a designação, pelo presidente Donald Trump no início do atual governo brasileiro, como um aliado prioritário dos EUA extra-Otan, e, posteriormente, convidado para ser parceiro estratégico do tratado, podendo ter acesso aos seus equipamentos militares de forma preferencial e tornar o País elegível para maiores oportunidades de intercâmbio, assistência militar, treinamentos conjuntos e participação em projetos. 

Não está claro quais são as obrigações que decorrem dessa situação nem se houve entendimentos posteriores do governo brasileiro com as autoridades da Otan. Não há informação sobre se a nova política de segurança em relação à mudança de clima voltará sua atenção também para a Amazônia, nem se a Otan reagirá em relação ao transporte de combustível no Atlântico Sul para o submarino nuclear brasileiro em exame na Agência Internacional de Energia Atômica. Fica a questão, ainda, se a Otan ou os EUA (na próxima visita do secretário de Defesa ao Brasil) vão reagir ao anunciado exercício naval de Rússia, China e Irã na América Latina e no Caribe, com base na Venezuela, em agosto. 

PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

 

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Entrevista do embaixador Rubens Barbosa ao Portal Interesse Nacional; encontro de Bolsonaro com embaixadores estrangeiros

Entrevista do embaixador Rubens Barbosa ao Portal Interesse Nacional sobre o encontro de Bolsonaro com representantes diplomáticos, no dia 18/07/2022


Para o diplomata brasileiro, observadores externos conseguem separar as declarações do presidente das ações práticas do país na política e nas suas relações com o mundo, o que limita as consequências dos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Barbosa vê o Itamaraty atuando para restaurar suas tradições, embora o presidente seja o responsável pela definição da política externa

Por Daniel Buarque
Apesar de adicionar um elemento negativo à já desgastada reputação internacional do Brasil, o discurso do presidente Jair Bolsonaro a embaixadores atacando o sistema eleitoral brasileiro não deve ter um grande impacto sobre o papel internacional do país. Para o diplomata Rubens Barbosa, o resto do mundo consegue separar as falas do presidente das ações do Brasil, especialmente na diplomacia. Além disso, a baixa credibilidade do governo atualmente faz com que essas declarações sejam limitadas em suas consequências.
Coordenador editorial da Interesse Nacional, Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., e é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice). Para ele, o Ministério das Relações Exteriores teve sua reputação afetada pela ação do governo Bolsonaro em seus dois primeiros anos, mas a atual gestão do Itamaraty está atuando para restaurar as políticas tradicionais do MRE –e não se envolveu no encontro do presidente com embaixadores.
Entretanto, ele ressalta que a Constituição determina que quem decide sobre a política externa é o presidente da República. “Por isso, não se pode dizer que não haja influência bolsonarista na diplomacia brasileira, mas os excessos, na medida do possível, estão sendo controlados”, avaliou.
Leia a entrevista completa abaixo
Daniel Buarque – A reação internacional ao discurso de Bolsonaro sobre a possibilidade de fraude eleitoral pareceu não dar credibilidade às acusações. Que impacto o encontro de Bolsonaro com embaixadores pode ter sobre o lugar do Brasil no mundo?
Rubens Barbosa – A percepção externa sobre o Brasil hoje é muito negativa em função sobretudo da política ambiental em relação à Amazônia. O encontro do Presidente com os representantes diplomáticos no Alvorada acrescentou mais um elemento negativo sobre a maneira como o mundo vê o Brasil, mas não terá nenhum impacto adicional, dada a baixa credibilidade do governo brasileiro. O mundo hoje separa as falas e atitudes do Presidente da ação política da Chancelaria.
Daniel Buarque – Muitos observadores e a imprensa internacional dizem que o discurso serviu para preparar terreno para a possibilidade de Bolsonaro rejeitar o resultado das urnas. Baseado na reação internacional até agora, como acha que o mundo se comportaria em relação ao Brasil no caso de um golpe de Bolsonaro?
Rubens Barbosa – O encontro foi mais um episódio no roteiro –moldado no exemplo do presidente Trump nos EUA– para a contestação dos resultados eleitorais em outubro, mas não acredito que, no Brasil, o desenlace seja idêntico ao ocorrido em Washington em janeiro passado, nem muito menos que haja condições para um golpe de Estado por dois motivos: a sociedade brasileira não apoiará um ataque ao Estado Democrático de Direito e as Forças Armadas não respaldarão uma ação que ameace as instituições. O que não quer dizer que a sociedade civil não deva estar atenta para a preservação da democracia, das instituições e dos resultados nas urnas.
Daniel Buarque – Como vê o envolvimento do Itamaraty no evento em que a Presidência convidou embaixadores estrangeiros para acusar o sistema eleitoral brasileiro?
Rubens Barbosa – O  Itamaraty não se envolveu no evento. O convite foi formulado pelo Cerimonial do Palácio do Planalto. Apesar disso, vai haver comentários de que o Itamaraty foi atingido em sua credibilidade. Na realidade, os representantes diplomáticos sediados em Brasília sabem distinguir entre as posições defendidas profissionalmente pela Diplomacia e as iniciativas do Palácio do Planalto que, embora voltadas para a política interna, têm implicações no trabalho do Itamaraty.
Daniel Buarque – O MRE é reconhecido internacionalmente como um dos melhores serviços de política externa do mundo. Acha que a associação a Bolsonaro em um evento assim pode afetar a reputação do Itamaraty?
Rubens Barbosa – A reputação do Itamaraty foi afetada pela ação da política externa nos dois primeiros anos do atual governo. O atual ministro está, na medida do possível, restaurando as políticas tradicionais do MRE, mas, segundo a Constituição, em um regime presidencialista, quem decide sobre a política externa é o presidente da República.
Daniel Buarque – A Associação dos Diplomatas Brasileiros divulgou uma nota em defesa das urnas eletrônicas. Mas o MRE não se posicionou contra o discurso do presidente. Há algum tipo de divisão entre os diplomatas brasileiros?
Rubens Barbosa – A ADB é o sindicato da profissão e fala em nome de seus associados. Estou certo de que muitos diplomatas da ativa no Itamaraty são contra essas manifestações contra as urnas eletrônicas, até porque, no exterior, quem coordena as eleições são os diplomatas, mas como carreira de Estado hierarquizada, dificilmente poderia ser esperada manifestação pública de seus membros contra políticas oficiais.
Daniel Buarque – A troca de ministros com a saída de Ernesto Araújo e a chegada de Carlos França foi saudada como uma volta à normalidade do Itamaraty, deixando de lado a ideia aceita por Araújo de que o Brasil poderia se tornar um pária internacional. O que este evento diz sobre o Itamaraty liderado por França? Ainda pode-se ver influência da ideologia bolsonarista na diplomacia brasileira?
Rubens Barbosa – A atuação da diplomacia brasileira hoje é muito diferente daquela que falava pelo Brasil nos dois primeiros anos do atual governo. Apesar de o Itamaraty não ter se envolvido na preparação do evento do Alvorada, o ministro França, assim como o Ministro da Defesa estiveram presentes, convocados pelo Presidente Bolsonaro. Por isso, não se pode dizer que não haja influência bolsonarista na diplomacia brasileira, mas os excessos, na medida do possível, estão sendo controlados.

sábado, 23 de julho de 2022

O Futuro do Grupo BRICS: webinar do IRICE, Ana Bierrembach, Marcos Troyjo e Paulo Roberto de Almeida

 Apenas agora, depois de absorvido por muitas outras tarefas, pude capturar o link do webinar patrocinado pelo embaixador Rubens Barbosa em torno de um "futuro" (se houver) para o Brics. O ceticismo é inteiramente meu...

terça-feira, 12 de julho de 2022

O Brics em nova etapa - Rubens Barbosa ( OESP)

  Eu qualificaria essa “nova etapa” de lamentável, ao manter um criminoo de guerra como um dos membros e ao endosssr, objetivamente, suas ações ILEGAIS no plano do Direito Internacioal.

O BRICS EM UMA NOVA ETAPA

 

Rubens Barbosa 

O Estado de S. Paulo, 22/07/2022


O BRICS, grupo de países que inclui o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, reuniu-se em junho pela decima sexta vez, em nível presidencial, virtualmente, em Pequim. Precedido de reunião de Chanceleres, o grupo buscou aumentar a parceria entre o BRICS e atuar para uma nova era para o desenvolvimento global, com base em três pilares: governança global, economia e comércio e interação da sociedade civil. 

O peso crescente das economias emergentes e em desenvolvimento encontrou no BRICS uma representação que tenderá a se tornar, em uma visão de médio e longo prazo, cada vez mais visível no cenário internacional. Duas das três maiores economias do mundo (China e Índia), uma das duas maiores potências nucleares (Rússia) e um dos maiores produtores agrícolas globais (Brasil) fazem parte do grupo. O Brics, além de representar um fator de dinamismo econômico no cenário internacional, contribui para a geração de empregos e renda nos países membros. Criado há 16 anos, o grupo, que não deve ser identificado como uma aliança política, tem contribuído para ampliar o conhecimento mútuo e as oportunidades de cooperação entre as respectivas economias, por meio de centenas de reuniões técnicas anuais.

O BRICS passou a viver, desde fevereiro, um momento delicado pelo fato de um de seus membros estar envolvido em um conflito militar de grande repercussão e alcance. Seria estranho se a crise não fosse tratada na reunião presidencial de Pequim, mas referência direta `a guerra da Ucrânia foi evitada pelo Brasil, assim como pela Índia e África do Sul. Há uma referência direta ao conflito no comunicado final, notando que a situação na Ucrânia foi discutida, que foram lembradas as posições nacionais expressas nos fóruns apropriados, nomeadamente, o CSNU e a AGNU e que foram apoiadas as conversações entre a Rússia e a Ucrânia.

A China e a Rússia usaram a reunião de cúpula anual dos Brics para criticar os países do Ocidente e as sanções aplicadas contra Moscou devido à guerra na Ucrânia. O grupo deveria "assumir a responsabilidade" e trabalhar pela "igualdade e justiça" no mundo, disse o presidente chinês, Xi Jinping, em seu discurso de abertura. Ele apelou para que os países do Brics se oponham às sanções impostas pelo Ocidente. Xi já havia feito comentários semelhantes, pouco antes, no fórum empresarial dos Brics, quando disse que as sanções eram "um bumerangue e uma espada de dois gumes" que afetavam todos os países do globo e advertiu contra a "expansão de alianças militares", como vem ocorrendo com a Otan, com a inclusão da Suécia e Finlândia..

O presidente russo, Vladimir Putin, por sua vez, culpou "ações impensadas e egoístas de certos países" pela crise econômica global, e disse que "cooperação honesta e mutuamente benéfica" seria a única saída para essa crise. "Esta situação de crise que se configurou na economia global devido às ações impensadas e egoístas de certos Estados que, usando mecanismos financeiros, essencialmente transferem a culpa por seus próprios erros de política macroeconômica para o mundo inteiro". O líder russo também afirmou que a autoridade e a influência do Brics a nível mundial estariam "aumentando constantemente" à medida que os países membros aprofundavam sua cooperação e trabalhavam para "um sistema verdadeiramente multipolar de relações interestaduais". No fórum empresarial do bloco, Putin havia ressaltado o aumento de parcerias comerciais e da exportação de petróleo russo para países do Brics.

Para o Brasil, segundo Bolsonaro, o Brics é um modelo de cooperação com ganhos para todos, inclusive para a comunidade internacional, e, por isso, as prioridades devem ser escolhidas com responsabilidade e transparência. 

Embora enfatizando que o grupo não pretende lutar contra ou substituir as organizações multilaterais, no comunicado final, os países membros consideram importante somar esforços para tornar as instituições multilaterais, políticas e econômicas, mais eficazes, transparentes e democráticas. Menciona-se de forma especial a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com vistas a torná-lo mais representativo, eficaz e eficiente, e para aumentar a representação dos países em desenvolvimento de maneira que a possa responder adequadamente aos desafios globais. China e Rússia reiteraram a importância que atribuem ao status e ao papel do Brasil, da Índia e da África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração de desempenhar um papel mais importante na ONU.

Por iniciativa da China, foi discutida a possibilidade de expansão dos participantes. Sem contar com o apoio do Brasil e da Índia para o aumento de seus membros, os países decidiram continuar as discussões e esclarecer os princípios, critérios e procedimentos para o exame do processo de adesão. Tendo em vista as incertezas que cercam a evolução do BRICS em função da crise militar com a Rússia e seus possíveis desdobramentos, não parece oportuna agora a discussão sobre a expansão de seus membros. 

O BRICS não deverá se dividir, nem desaparecer. A duração da guerra na Ucrânia e a evolução geopolítica global vão influir nas etapas futuras do grupo.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE

 

 

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Portal da revista Interesse Nacional passa a atuar em colaboração com a Folha de S. Paulo

 Uma excelente notícia:




“O Futuro do Grupo BRICS”; Webinar IRICE, 30/06/2022, 17hs - Embaixador Rubens Barbosa

 Webinar30 de junho (sexta feira) às 17 hs

 

O Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior-IRICE

e a Revista Interesse Nacional convidam para encontro sobre  política externa, dia 30 de junho às 17 hs,  com foco no tema central:

 “O Futuro do Grupo BRICS 

Expositores:                                               


   
Embaixador Sarquis José Buainain SarquisSecretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos  -  Ministério das Relações Exteriores

 


 

Marcos Prado Troyjo, Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB)- Banco do BRICS 


 


  Embaixador Paulo Roberto de Almeida,  D
iplomata e Professor.  Atualmente é Diretor de Publicações do Instituto Histórico e Geográfico do DF

 





  Moderador:  Rubens Barbosa, Presidente do IRICE e Editor da Revista Interesse Nacional  



terça-feira, 14 de junho de 2022

Cúpula das Américas - Rubens Barbosa (OESP)

 CÚPULA DAS AMÉRICAS

 Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 14/06/2022


A 9ª. Cúpula das Américas, reunindo Chefes de Estado dos países da região, ocorreu na semana passada em Los Angeles, nos EUA, em circunstâncias muito diferentes da primeira reunião, organizada em Miami em 1994, quando os EUA apresentaram a proposta de uma área de livre comércio nas Américas (ALCA). O encontro foi realizado em um momento difícil para o anfitrião, `as voltas com o apoio `a Ucrânia na guerra contra a Rússia e a disputa pela hegemonia global com a China. A divisão interna nos EUA impediu que propostas dos dois partidos pudessem ser formuladas e apresentadas por Biden. A América Latina está bem abaixo nas prioridades da política externa dos EUA. Em pronunciamento recente sobre as prioridades da política externa, o Secretário de Estado, Anthony Blinken, nem mencionou a América Latina. O diálogo entre os EUA e a América Latina e Caribe encontra-se hoje em um dos piores momentos desde o fim da guerra fria.

Os EUA formularam sugestões consistentes e coerentes com seus próprios interesses na defesa da democracia e do meio ambiente, na imigração e na expansão do comércio e investimento, mas ignoraram questões sociais relacionadas com a desigualdade social e as dificuldades econômicas em praticamente todos os países da região. Mal preparada pelo atraso na organização dos documentos e na escolha dos temas para discussão, os EUA não convidaram Cuba, Venezuela, Nicarágua. Essa decisão equivocada de Washington acarretou o esvaziamento parcial da reunião pelo boicote dos presidentes do Mexico, Guatemala, Honduras, El Salvador e Bolívia, que junto com outros países, reconhecem que as sanções e o isolamento impostos por Washington não trouxeram de volta a democracia. O Brasil, apesar de o Itamaraty recomendar a presença presidencial, só decidiu participar depois do oferecimento de encontro com Biden, a margem da reunião, cujo único intuito foi atender `a prioridade de política eleitoral interna de Bolsonaro, ou seja, a chance de uma foto. 

Nesse contexto, os EUA perderam uma oportunidade para tentar recuperar a liderança junto aos países hemisféricos, quando estão enfrentando crescente desafio econômico e comercial na região em virtude da cada vez maior presença da China, da Rússia e do Irã, além da ameaça do envio de tropas da Rússia para a Venezuela e Cuba a depender da evolução da guerra na Ucrânia. A Cúpula, que poderia ser uma oportunidade para Washington mostrar a força de sua liderança ameaçada, expos a queda da influência dos EUA no hemisfério. O diálogo com os EUA tornou-se mais difícil também pela fragmentação econômica e ideológica dos países e pelo populismo de esquerda e de direita emergente, o que impede o aparecimento de uma liderança regional efetiva. A liderança tem um preço. O Brasil, nos últimos anos, renunciou à liderança sul-americana. Será que os EUA seguirão os passos do Brasil na América Latina e Caribe?

A ideia central dos EUA foi a proposta de uma “Parceria para a Prosperidade Econômica” no hemisfério para se contrapor `a crescente influência da China na região, com investimentos, o fortalecimento das cadeias de suprimento e uma evolução dos acordos comerciais existentes. Ainda vaga e sem detalhes, a proposta focará “parceiros com posições políticas parecidas que já tenham acordos comerciais com os EUA.” O pacote inclui ainda uma declaração sobre imigração e a promessa de US$ 300 milhões em ajuda. Foi anunciada também a criação de um Corpo de Saúde das Américas, talvez para se contrapor aos “médicos cubanos” e a doação de US$ 12 milhões ao Brasil e Colômbia para a preservação da Amazonia. Foi também assinado, por apenas 14 países, documento sobre boas práticas regulatórias no comércio. 

Além da retorica (“a América Latina não é o nosso quintal, mas nosso jardim”), os documentos divulgados ao final da Cúpula focalizaram, entre outros temas, o fortalecimento da democracia, direitos humanos, novas tecnologia, desenvolvimento sustentável e futuro verde, não significam uma mudança de política e pouco acrescentaram. Não por acaso, o documento com maior divulgação foi a Declaração sobre imigração, assinada por 20 chefes de Estado, entre os quais o presidente Bolsonaro. Esse foi o tema de maior interesse do governo americano, mas 11 países não assinaram e os quatro países de maior imigração para os EUA, México, Guatemala, Honduras e El Salvador não compareceram com seus chefes do Estado. A Declaração, que não é obrigatória, propõe a busca de financiamento de bancos internacionais para as questões migratórias, o reforço de modelos de migração temporária para trabalho e a retomada de programas de reagrupamento familiar de imigrantes. Os objetivos declarados são melhorar o acesso aos serviços públicos, como saúde, e promover a inclusão social e econômica desse grupo.

Como expressão clara da reduzida importância da Cúpula das Américas para os EUA, nem o New York Times, nem o Washington Post, nas edições de sábado, publicaram qualquer informação sobre os resultados do encontro, limitando-se a noticiar que o presidente Biden, em campanha para aumentar o isolamento da Rússia, está encontrando resistência dos países latino-americanos que mantem relações econômicas e comerciais com Moscou.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)