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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Brazil’s Supreme Court Is Out of Control - Mac Margolis (Bloomberg)

Brazil’s Supreme Court Is Out of Control

The economy is hurt by celebrity judges and an overtaxed court that can’t issue durable rulings.

Supporters of Brazil’s former President Luiz Inacio Lula da Silva.
Supporters of Brazil’s former President Luiz Inacio Lula da Silva.
Photographer: Franklin De Freitas/AFP/Getty Images
No one denies that Latin America economies are hurting, with regional growth predicted to reach barely half the global average next year. And there’s little quarrel about one big reason for the slump. The absence of clear rules and a reliable legal system discourages investment and effective business management.
So why is Brazil’s highest court revising a keystone of the country’s penal code, a move that could free thousands of convicted criminals, trigger partisan discord and throw a cloud over the anticorruption drive that has rid public office of freebooters?
The question before Brazil’s Supreme Court sounds prosaic: When should a convicted criminal go to prison? Current law says the court may jail any defendant whose conviction is upheld on appeal. It is a reasonable standard for a land where wealthy miscreants deploy clever lawyers to blitz the courts with writs and motions in an effort to keep out of prison indefinitely. 
However, that law offends legal formalists who argue that no one should be incarcerated until every possible recourse has been exhausted. They cite the Brazilian constitution, which lawmakers packed with well-intentioned, if sometimes impractical, safeguards after a long period of military fiat.
It might sound like legal hair-splitting were it not for one looming presence: Luiz Inacio Lula da Silva, the former Brazilian president who was convicted twice, in 2017 and on appeal last year, for taking bribes and sentenced to 12 years in jail. He was the biggest catch in the storied Operation Carwash corruption probe of elected officials accused of looting public companies.
Lula’s devotees, who are legion, never swallowed that verdict, claiming he was railroaded by a partisan hanging judge. (Hacked text messages between Carwash prosecutors and presiding Judge Sergio Moro seemed to provide evidence that Moro may have played fast and loose with some rules.) One way or another, Lula’s loyalists say, he ought to go free. But the worst way to deal with that dispute is for the nation’s top court to change the legal ground rules for everyone.
Laws ought not be set in stone, of course, any more than they should be used as weather vanes. Brazil’s Supreme Court has changed its position on the same jail-on-second-conviction rule twice in the last decade. If a majority of the judges flip again, which is likely, Lula may be sent home for now (he still faces trial in seven other cases) -- along with 4,895 other convicted criminals.
Whatever the legal merits, such inconstancy is troubling for a court of last resort in a country where much of the political class and its corporate enablers were caught raiding public coffers for profit and political glory.
The Supreme Court’s tentacles reach in many directions: It serves as a constitutional court, a final court of appeals and a trial court for elected officials with immunity in common courts. Thanks to the minutely detailed and expansive Brazilian constitution, almost any matter, from domestic violence to graft, can land on its docket.

Last year, the court received more than 100,000 cases. The only way to deal with such an impossible mandate is to give discretion to each of the court’s 11 justices. Some 95% of cases are typically decided by a single judge (frequently by copying and pasting prior rulings). Rulings by 11 different judges assure widely divergent verdicts.
”Divergence leads to the inability to establish strong jurisprudence, the lack of which will only lead to more cases,” says Matthew Taylor, an American University professor who has studied the Brazilian courts. “It’s a vicious circle.” 
The decision on when to send convicts to prison won’t directly affect business and investment. The mercurial rule at the top of the judiciary will. Of the many obstacles Brazilian companies face, the constantly shifting rules and laws that beget more laws are among the most harrowing. Brazil issued a total of 5.7 million new tax norms in 2017, compared with 3.3 million in 2003, according to the Brazilian Tax Planning Institute.
No wonder Brazilian companies spend 1,958 hours preparing taxes, more than in any other nation (the world average is 237 hours). “Who’s to say that the Supreme Court won’t change tax laws a year or two from now?” said Mailson da Nobrega, a former Brazilian finance minister.
Yet judicial overreach appears to suit the current bench, whose headline decisions and oratory are streamed over the web, turning judges into “politicians in robes,” says University of Rio de Janeiro political analyst Christian Edward Lynch.
Brazilians don’t need celebrities in robes or a court so overtaxed it can’t render durable rulings. They need judicial stability, circumspection and a bench that interprets, instead of reinvents, the nation’s highest laws. One way to achieve that would be to turn the Supreme Court into a constitutional tribunal, leaving appeals, criminal cases and political trials to lower courts. “Brazil needs to transform the Supreme Court into an invisible bench, where judges rule but don’t pontificate,” Lynch said.
Brazilian lawmakers, constitutional jurists and society will have to make that call, most likely through a major reform of the judicial system. That’s one verdict Brazil’s overreaching judges aren’t qualified to make. 

This column does not necessarily reflect the opinion of the editorial board or Bloomberg LP and its owners.
To contact the author of this story:
Mac Margolis at mmargolis14@bloomberg.net
To contact the editor responsible for this story:
Katy Roberts at kroberts29@bloomberg.net

domingo, 4 de agosto de 2019

"Bolsonaro transgride separação de poderes" - Celso de Mello (FSP)

Bolsonaro transgride separação de poderes, diz Celso de Mello
O Estado de S. Paulo, 3/08/2019
"Presidente minimiza a Constituição’, diz decano”
Depois de dar o voto mais contundente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal contrariou o Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse ao Estado que o presidente Jair Bolsonaro “minimiza perigosamente” a importância da Constituição e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”, ao reeditar o trecho de uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou. Ao longo dos últimos meses, o decano se tornou o principal porta-voz do Supremo em defesa das liberdades individuais e de contraponto às posições do governo. Alvo de um pedido de impeachment após votar para enquadrar a homofobia como crime de racismo, Celso de Mello disse que a Corte não se intimida com manifestações nas ruas ou ameaças de parlamentares. “Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções”, disse. É do decano o voto considerado decisivo no julgamento da Segunda Turma do Supremo em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de agir com parcialidade ao condenar o petista no caso do triplex do Guarujá (SP). O ministro defendeu celeridade na análise do habeas corpus do ex-presidente, mas disse que sua convicção sobre o tema não está formada. 
Celso de Mello falou ao Estado após a sessão plenária de anteontem.
- Por unanimidade, o Supremo impôs nova derrota ao Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
- É fundamental o respeito por aquilo que se contém na Constituição da República. Esse respeito é a evidência, é a demonstração do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do País, como o presidente da República, descumprem a Constituição, não obstante haja nela uma clara e expressa vedação quanto à reedição de medida provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso é realmente inaceitável. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que é o princípio da separação de Poderes. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República.
-Faltou um melhor assessoramento jurídico para o presidente Jair Bolsonaro nesse caso?
- Isso eu não sei, eu realmente não posso dizer.
-O senhor deu um voto contundente, apontando “perigosa transgressão” ao princípio da separação dos Poderes. O Supremo também contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
- Aqui (na demarcação de terras indígenas) a clareza do texto constitucional não permite qualquer dúvida, é só ler o que diz o artigo 62, parágrafo 10 da Constituição da República (o texto diz que é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da República, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princípio da separação de Poderes, ele minimiza perigosamente a importância que é fundamental da Constituição da República e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constituição é estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República. No momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito.”
- O voto na criminalização da homofobia, considerado histórico por integrantes do STF, lhe rendeu um pedido de impeachment, assinado por deputados da ala conservadora. O senhor vê como uma forma de intimidar a Corte? 
- A história do Supremo Tribunal Federal, desde a primeira década republicana, nos tem revelado que tentativas de intimidação não têm efeito algum. Isso ocorreu no governo do marechal Floriano Peixoto, do marechal Hermes da Fonseca e, no entanto, o Supremo manteve-se fiel ao cumprimento de sua alta missão institucional, que consiste na tarefa de ser o guardião da ordem constitucional. Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções constitucionais. O direito de o público protestar é legítimo, ninguém neste país pode ser calado. Qualquer cidadão tem, sim, o direito de protestar. É o direito legítimo. Agora, intimidações não são.
- É aguardada com expectativa a posição do senhor no caso em que a defesa do ex-presidente Lula alega parcialidade do então juiz Sérgio Moro na sentença do triplex. O voto do senhor, que deve ser decisivo, já foi concluído? 
- Eu tenho estudado muito, porque é uma questão que diz respeito não só a esse caso específico, mas aos direitos das pessoas em geral. Ainda continuo pensando, refletindo. Eu, normalmente, costumo pesquisar muito, ler muito, refletir bastante para então, a partir daí, formar definitivamente a minha convicção e compor o meu voto.
- A convicção do senhor já está formada nesse caso?
- Não, não, eu estou ainda em processo de reflexão.
- O senhor acha que seria ideal julgar o caso da suspeição de Sérgio Moro o quanto antes?
- A Constituição manda que o exercício da jurisdição se faça de maneira célere. O direito a um julgamento justo e rápido é um direito que hoje a Constituição assegura a todos, por isso eu acho que, sem distinção de casos, é possível e é necessário que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal da República, decida com presteza, porém com segurança.
- Como o senhor avalia a situação da democracia brasileira?
- O regime democrático, muitas vezes, se expõe a situações de risco, mas eu confio que o regime democrático vai ser preservado em plenitude, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal julgar com independência, como tem efetivamente julgado.
- O senhor ainda trabalha madrugada adentro, ao som de música clássica e bebendo Coca-Cola? 
- Eu gosto de trabalhar ouvindo música clássica, mas Coca-Cola não mais. Coca-Cola me deixa acordado.

domingo, 21 de julho de 2019

O golpe contra a Lava Jato do ministro Toffoli - Fabio Serapião e Mateus Coutinho (Crusoé)

“Um golpe fulminante a favor do crime organizado”
Fabio Serapião e Mateus Coutinho
Revista Crusoé, 21 julho 2019

O ministro Dias Toffoli decidiu impedir que órgãos como o Coaf e a Receita Federal emitam, sem autorização judicial, alertas à polícia e ao MP acerca de operações financeiras consideradas “suspeitas” — operações típicas de lavagem de dinheiro, por exemplo.
A decisão se opõe ao padrão de excelência mundial adotado por países que se destacam na luta contra o crime organizado.
Além de corruptos, a decisão de Dias Toffoli favorece de traficantes a suspeitos de terrorismo e pode causar problemas para o Brasil no cenário internacional, revela reportagem de Fabio Serapião e Mateus Coutinho da mais recente Edição da Semana da revista Crusoé:

Destacamos dois trechos para você:
“A decisão monocrática do presidente da Suprema Corte deixa em suspenso centenas de procedimentos contra suspeitos de crimes de toda sorte. Até então, era comum que o Coaf, por exemplo, enviasse diretamente a investigadores da polícia ou do MP indícios surgidos a partir de transações financeiras consideradas atípicas. Por muitas e muitas vezes, esse tipo de procedimento deu origem a grandes investigações. Agora, a partir do entendimento de Toffoli, nem o Coaf nem a Receita podem comunicar esses indícios de maneira detalhada sem que antes haja uma autorização expressa da Justiça. A decisão é um duro golpe no modelo de atuação das instituições que atuam no combate à lavagem de dinheiro para chegar a corruptos e corruptores e traficantes que necessitam lavar o dinheiro amealhado com o crime…”
“Na Polícia Federal o golpe também foi sentido. Por lá, muitas das investigações sobre lavagem de dinheiro em algum momento se utilizam de relatórios do Coaf. ‘Agora é como se a PF e o MPF tivessem que adivinhar se alguém movimentou somas suspeitas. Um golpe fulminante a favor do crime organizado’, disse a Crusoé um experiente investigador…”

É uma decisão que pode mudar o rumo do combate ao crime organizado no Brasil.
Para pior.

(...)


sábado, 1 de junho de 2019

Temos um presidente inconstitucional? Assim é, se lhe parece... - Ministro do STF evangélico???!!!

Alguém já avisou ao presidente que para ser ministro do STF basta ser de reputação ilibada (ops!) e de notório saber jurídico (ops2!) ????
Teremos também, segundo essa nova doutrina, um ministro muçulmano, budista, umbandista, judeu?
Até quando teremos de conviver com esse tipo de absurdo?
Paulo Roberto de Almeida

Bolsonaro critica STF e fala em ‘ministro evangélico’ na Corte

Presidente diz que Supremo legisla
Criticou julgamento sobre homofobia
'O Estado é laico, mas eu sou cristão', disse o presidente da República
O presidente Jair Bolsonaro criticou nesta 6ª feira (31.mai.2019) o STF (Supremo Tribunal Federal) em discurso na Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil, na cidade de Goiânia (GO). Após dizer que o tribunal legisla ao discutir a criminalização da homofobia, questionou: “Será que não está na hora de termos um ministro do Supremo Tribunal Federal evangélico?”
“O Supremo Tribunal Federal agora está discutindo se homofobia pode ser tipificado como racismo. Desculpe aqui o Supremo Tribunal Federal, que eu respeito e jamais atacaria outro poder, mas, pelo que me parece, estão legislando. E eu pergunto aos senhores: o Estado é laico, mas eu sou cristão”, disse.
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria no dia 23 de maio para criminalizar a homofobia e a transfobia. Seis dos 11 ministros votaram para enquadrar tais formas de discriminação no crime de racismo. A sessão, no entanto, foi suspensa e será retomada em 5 de junho.

sábado, 20 de abril de 2019

Dois juizes inconstitucionais e um bravo jornalista - Mario Sabino

Os dois juízes não são apenas inconstitucionais. Eles são anti-constitucionais, e deveriam ser sancionados não apenas pelo próprio STF – que provavelmente vai se acovardar e não fazer nada – como também pelo Senado, que pode chamá-los a se explicar e até destituí-los, se tiver coragem e respeito pela Constituição.
O presidente atual do STF, um completo despreparado, ex-advogado do PT, uma organização criminosa, como todos sabem, cometeu calúnia contra o Antagonista e a revista Crusoé, e deveria ser processado por isso. Proponho um pedido inicial de R$ 200.000,00 como reparação.
Acho também que, tendo contribuído para aumentar a audiência e provavelmente as assinaturas da revista Crusoé, os editores poderiam lhe oferecer um ano de assinatura gratuita, como prêmio pelo serviço involuntário de ajuda no marketing (e um prêmio Darwin, pela estupidez demonstrada).
Abaixo, o artigo de Mário Sabino na Crusoé desta memorável semana.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2019

E lá fui eu parar na PF outra vez

Mario Sabino, revista Crusoé, 19/04/2019

Na última terça-feira, dia 16 de abril, apenas 24 horas depois de ser intimado pelo ministro Alexandre de Moraes, eu me apresentei ao delegado da Polícia Federal escolhido para conduzir o inquérito sigiloso e inconstitucional aberto para intimidar a imprensa (a história de que serve para apurar fake news e ameaças ao STF nas redes sociais é conversa para boi dormir. Pegaram uns coitados ao acaso). Foi a quarta vez na minha carreira profissional que me vi convocado a comparecer diante de um delegado pelo fato de ser jornalista. Na primeira, em 2008, fui à mesma Superintendência da PF em São Paulo, como redator-chefe da Veja, para sair de lá como o único indiciado no caso do dossiê dos aloprados. Contei essa história aqui, há menos de um mês. Em 2016, Lula também quis me levar para uma delegacia, sob a acusação de que O Antagonista era uma associação criminosa. Nossos advogados conseguiram evitar essa ignomínia. Em 2017, Wagner Freitas, presidente da CUT, foi outro a querer que um delegado me interrogasse. A tentativa foi novamente abortada.
É perturbador que um jornalista, pelo fato de exercer a sua profissão, seja intimado a ir quatro vezes à polícia, na vigência de um regime democrático. Tendo a crer que sou um recordista no Brasil. O delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes não soube dizer aos meus advogados em qual condição eu estava ali: se de investigado, testemunha ou, sei lá, colaborador. Ele afirmou ainda que, por ser sigiloso, desconhecia o teor exato do inquérito a meu respeito. Sim, você leu certo: o delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes disse não ter ideia sobre o que estava sendo investigado sobre mim. Se é que eu era investigado, claro.
Eu, no entanto, sei que não há objeto de investigação nenhum. Apenas quiseram calar a boca dos jornalistas da Crusoé e de O Antagonista que ousaram fazer reportagens sobre ministros do Supremo Tribunal Federal. Como não conseguiram – e nem conseguirão, se o Brasil realmente for uma democracia digna de tal nome –, o inquérito teratológico ampliou a sua ousadia autoritária, com Alexandre de Moraes prestando-se ao papel vexaminoso de censor da Crusoé e de O Antagonista.
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes nutrem a ilusão de que irão destruir a Crusoé e O Antagonista, acusando-me de estar à frente de sites que não são jornalísticos, mas destinados a produzir notícias falsas contra o Supremo Tribunal Federal, em conluio com procuradores da Lava Jato e militares golpistas – ambos os veículos financiados por gente escusa do mercado financeiro. A ideia agora, pelo que depreendo, é tentar provar que não sou jornalista, embora tenha 35 anos de carreira e seja sócio-fundador de O Antagonista, que tem 15 milhões de leitores únicos por mês, e da Crusoé, a primeira revista inteiramente digital do país, que conta hoje com 72 mil assinantes.
Dias Toffoli mostrou que seguirá o caminho de tentar nos desqualificar e criminalizar, em entrevista ao Valor. Ele disse que orquestramos narrativas inverídicas para constranger o Supremo às vésperas de uma decisão sobre a prisão de condenados em segunda instância, o que seria obstrução de administração da Justiça. Respondi que o único constrangimento causado ao Supremo se dá pelo comportamento abusivo de Dias Toffoli, que está abolindo o devido processo legal, com o seu inquérito inconstitucional.
No dia seguinte, a Crusoé publicou que Dias Toffoli simplesmente mentiu ao Valor. Porque a reportagem foi publicada na quinta-feira, dia 11, “o julgamento estava marcado para o dia 10, um dia antes de ela ser publicada, mas já havia sido adiado seis dias antes, no dia 4, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. E nem sequer havia sido marcada uma nova data. Alem disso, o documento da Odebrecht em que se baseou a reportagem foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril — após o julgamento ter sido adiado, portanto”. Pergunto-me se Dias Toffoli mentiria assim diante do delegado da Polícia Federal que tomou o meu depoimento.
O presidente do Supremo Tribunal Federal também disse que a Crusoé e O Antagonista não são imprensa livre, mas “imprensa comprada”. Respondi que não recebemos mesada e que Dias Toffoli não está imune a processo por calúnia.
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes imaginavam que nós nos acovardaríamos porque teríamos rabo preso. Nós não nos acovardamos porque não temos o rabo preso. Eles imaginavam que não teríamos apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Nós tivemos o apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Todos perceberam que a ameaça não era apenas contra nós, mas contra a liberdade de imprensa. Eles imaginavam que nós mentíamos sobre a nossa imensa base de leitores. Nós temos uma imensa base de leitores, que podem não concordar com todas as nossas opiniões, mas sabem que somos honestos e transparentes. Os nossos ganhos são financiados por publicidade, jamais estatal, e assinaturas. Em 2018, finalmente consegui recuperar o dinheiro que gastei das minhas economias, enquanto procurávamos viabilizar comercialmente O Antagonista. Eles imaginavam que não contaríamos com o apoio de juristas e entidades de classe. Nós tivemos o apoio de juristas e entidades de classe.

A censura foi levantada, mas não sei até que ponto os demais ministros do Supremo Tribunal Federal deixarão essa alopragem correr solta. Sugiro modestamente que contenham Dias Toffoli e Alexandre de Moraes (o despacho que levantou a censura que não era censura, por exemplo, tem pegadinhas). A pretexto de salvaguardar o Supremo, a dupla só fez afundar ainda mais a imagem do tribunal como guardião da Constituição. São eles, portanto, que ameaçam a corte. Sem o Supremo Tribunal Federal, não há democracia. Assim como não há democracia sem liberdade de imprensa, o que significa o direito de criticar e fiscalizar todas as instituições, inclusive o STF. E, não canso de repetir, a liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a exercemos. Se tiver de voltar à PF, direi isso ao delegado.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

O vigor da liberdade - Duda Teixeira (Crusoé)

O vigor da liberdade

Nos Estados Unidos, decisões lapidares da Suprema Corte foram fundamentais para consolidar a liberdade de expressão e de imprensa, que já estavam contidos na Primeira Emenda da Constituição

Duda Teixeira,
Crusoé, 19/04/2019

A Primeira Emenda da Constituição Americana estabelece que o Congresso não pode elaborar leis que proíbam ou restrinjam a liberdade de religião, de expressão ou de imprensa. Adotada em 1791, o texto é invocado sempre que autoridades tentam esmagar os direitos alheios. Este ano, a peça pode até ganhar versão brasileira por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição, como informou Crusoé. Mas a Primeira Emenda não foi um consenso desde seus primórdios. Sua robustez foi erguida ao longo dos anos, cimentada com decisões da Suprema Corte americana. “A Suprema Corte tomou diversas decisões que afetaram a liberdade de imprensa. Em geral, seus membros tiveram uma posição muito vigorosa a favor do trabalho dos jornalistas e da liberdade de expressão”, diz o advogado Michael DeDora, do Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ), em Washington. “Foram essas sentenças que definiram como a Primeira Emenda deve ser interpretada atualmente.”
Até a década de 1960, era comum que pessoas que se sentiam ofendidas por uma matéria processassem os jornais por difamação. Elas alegavam que os textos eram falsos ou que suas reputações tinham sido afetadas. Em um caso de 1886, um tanatopraxista conseguiu 3.500 dólares do jornal New York Times. Uma matéria afirmara que ele se apresentara bêbado para preparar corpo do ex-presidente Ulysses Grant. Processado pelo agente funerário, o jornal não conseguiu provar que ele estava alcoolizado e teve de arcar com a quantia.
Casos como o do tanatopraxista praticamente desapareceram depois de 1964, quando o Times ganhou um caso na Suprema Corte americana. Após a prisão do pastor negro Martin Luther King, um grupo de apoiadores publicou um anúncio de uma página inteira no jornal com o título “Prestem atenção nas suas vozes crescentes”. A peça dizia que a detenção tinha sido politicamente motivada e pedia doações para ajudar na defesa legal de Luther King. Um comissário de polícia da cidade de Montgomery, no estado do Alabama, L.B. Sullivan, entrou na Justiça alegando que o New York Times o tinha difamado, apesar de não ter sido citado na propaganda. Ele e outros quatro oficiais afirmaram que o texto era difamatório, falso e que arranhava a sua honra. O juiz acatou a demanda e ordenou que o jornal pagasse 500 mil dólares. Quando questionado sobre a validade da Primeira Emenda da Constituição, o magistrado argumentou que ela não protegia publicações difamatórias.
A Suprema Corte do estado do Alabama manteve a decisão e o caso subiu para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Por um placar de 9X0, seus membros reverteram a decisão dada no Alabama. Eles entenderam que não houve por parte do Times a intenção de publicar algo que os editores do jornal sabiam que poderia ser considerado falso. O efeito mais imediato foi o fim dos processos que eram iniciados em estados do sul dos Estados Unidos para silenciar os jornalistas que relatavam a violência contra o movimento pelos direitos civis. O impacto de longo prazo foi que a sentença estabeleceu que funcionários públicos que se sentissem atingidos deveriam provar não apenas que a matéria em questão era imprecisa e que tinha ferido suas reputações, como também que o jornalista as tinha publicado mesmo sabendo ou desconfiando da sua inverdade. Por ser essa uma missão praticamente impossível para os litigantes, a decisão da Suprema Corte desencorajou a abertura de processos em todos os estados dos Estados Unidos. “Essa decisão deu uma blindagem muito grande aos jornalistas”, diz Ronaldo Porto Macedo Junior, professor de filosofia do direito da USP e coordenador da Plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia da Fundação Getúlio Vargas. “Poucas condenações e indenizações ocorreram depois disso.”
Outra decisão que moldou a relação da imprensa com o poder público foi a que se seguiu à publicação dos chamados Papéis do Pentágono. A disputa entre os jornais New York Times e Washington Post com o governo americano, então sob a presidência de Richard Nixon, foi o tema do filme The Post – A Guerra Secreta, dirigido por Steven Spielberg e lançado em 2017.
Em 1971, o New York Times começou a divulgar documentos que tinham sido vazados pelo analista militar Daniel Ellsberg. Ele fazia parte de um grupo convocado em 1967 pelo secretário de Defesa, Robert McNamara, para reunir documentos sobre o envolvimento americano na Guerra do Vietnã. Durante dezoito meses, Ellsberg copiou em uma máquina de xerox 7 mil páginas de documentos, que depois vazou para os dois jornais. Três dias depois de a primeira matéria ser publicada, o Departamento de Justiça obteve uma ordem de censura sob a alegação de que a circulação dos documentos secretos poderia causar dano irreparável e imediato aos interesses nacionais.
Durante quinze dias, advogados dos dois jornais tentaram derrubar a censura nos tribunais. No dia 30 de janeiro, a Suprema Corte deu seu parecer. Por 6 votos a favor e 3 contra, a corte entendeu que os dois veículos poderiam retomar a publicação das matérias sobre a Guerra do Vietnã. Os integrantes do tribunal concluíram que o governo falhou em justificar seu motivo para a censura. Não havia risco à segurança nacional. No filme de Steven Spielberg, a declaração do juiz Hugo Black é ouvida pelo telefone por uma jornalista, que repete o texto emocionada aos colegas: “Na Primeira Emenda, os Fundadores da Nação deram à imprensa livre a proteção necessária para que ela cumpra seu papel essencial na nossa democracia. O papel da imprensa é servir aos governados, não aos governantes.”

Que sirva de lição a alguns magistrados brasileiros.