Vejamos,
apenas como exercício intelectual de recapitulação improvisada, o que
de importante ocorreu no Brasil e no mundo a cada década nos últimos cem
anos:
1916: O Brasil de Venceslau Brás tenta
superar as dificuldades criadas pelos fechamentos dos mercados para
nossos produtos de exportação, em consequência da Grande Guerra que
tinha tido início na Europa dois anos antes; Rui Barbosa pronuncia um
importante discurso em Buenos Aires, sobre os modernos conceitos do
direito internacional, no qual se refere à guerra que continuava na
Europa, e que tinha se caracterizado pela violação da neutralidade belga
pelo Império Alemão.
1926: Washington Luís é eleito para o
governo federal, e tem como seu primeiro ministro da Fazenda Getúlio
Vargas, que dá início a um novo processo de estabilização monetária
baseada no padrão ouro, que vai durar até 1929. O mesmo tinha sido feito
por Winston Churchill na Grã-Bretanha, no ano anterior, mas a uma taxa
irrealista (a mesma de 1913, sem levar em conta a inflação do período), o
que resulta numa grave recessão econômica, e numa greve geral em 1926.
Keynes aproveitou o seu título de sucesso de 1919, contra as loucuras
econômicas do tratado de Versalhes contra a Alemanha, para escrever, em
1925, The Economic Consequences of Mister Churchill, alertando contra a medida, que foi tomada.
1936: No Brasil começava a funcionar a
Lei de Segurança Nacional, após a Intentona Comunista de novembro de
1935, e os comunistas que não foram presos, fugiram do país; vários
participaram da Guerra Civil Espanhola, um ensaio geral para a grande
guerra que começaria logo depois do seu término, três anos depois. Foram
três anos de carnificina nos campos de batalha e de assassinatos
políticos nas cidades, inclusive com a ativa de participação dos
fascistas europeus (italianos e alemães) do lado de Franco, e dos
comunistas pró-soviéticos do lado republicano.
1946: O mundo começa a se recuperar do
mais devastador conflito militar em qualquer tempo, responsável pela
morte de dezenas de milhões de pessoas, a maior parte civis inocentes e
indefesos, na Europa e na Ásia; o Brasil, também ensaio uma política
econômica mais liberal, mas que é seguida rapidamente por um novo
estrangulamento cambial, com introdução de novas restrições às
importações desde o ano seguinte. O FMI e o Banco Mundial começam a
funcionar, precariamente.
1956: Início do governo otimista de
Juscelino Kubitschek no Brasil, com a pretensão de obter um rápido
crescimento (“cinquenta anos em cinco”) a partir de um Plano de Metas
que previa tudo, menos a construção de Brasília (que deu início à
aceleração do processo inflacionário no Brasil); no mundo, ocorre a
crise do Canal de Suez, a partir da nacionalização do canal pelo
presidente Nasser, e uma tentativa por parte das duas principais
potências europeias, França e Grã-Bretanha, de retornar ao status quo
ante; EUA e URSS, surpreendentemente, apoiam o Egito, o que representa o
começo do fim do mundo europeu, e de sua hegemonia mundial, que durava
desde alguns séculos.
1966: Brasil se encaminha para o segundo
ano do regime militar, que deveria ter encaminhado, depois do golpe
contra Goulart em 1964, para as eleições presidenciais de 1965,
canceladas, ao mesmo tempo em que todos os partidos foram dissolvidos, e
tem início um novo período de reconstrução constitucional (a partir de
1967), com eleições indiretas para os principais cargos executivos; o
mundo se aproxima do fim do regime de Bretton Woods, com a acumulação de
centenas de milhões de dólares em parceiros dos EUA, que não mais
estariam habilitados, a partir de 1971 (mas vários antes desse prazo), a
trocar a moeda papel pelo seu equivalente em ouro, como prometido pelos
EUA em 1944.
1976: O Brasil luta para estabilizar sua
economia, depois do primeiro choque do petróleo, que representou não
apenas uma triplicação da fatura petrolífera (o país importava perto de
80% do petróleo consumido), mas também uma nova aceleração
inflacionária, inclusive porque o governo militar não interrompeu
custosos programas de infraestrutura e o também custoso programa do
álcool combustível. O mundo keynesiano veio abaixo, com a estagflação, o
que não estava previsto na teoria, e todos os países enfrentam crises
fiscais e monetárias, antecipando sobre as políticas econômicas de corte
liberal que começariam a partir de 1979, com Margaret Thatcher, na
Grã-Bretanha, e com Ronald Reagan nos EUA, durante os anos 1980. A
esquerda começa a abusar do termo neoliberal, um fantasma que na verdade
não aconteceu em nenhum lugar do mundo.
1986: o Brasil saiu do regime militar,
mas não de um regime político disfuncional e perdulário, pois o governo
Sarney dá início a uma sucessão de planos fracassados de
“estabilização”, que todos elevam a inflação a patamares cada vez mais
elevados (enquanto o processo constitucional promete maravilhas a todos,
sem se perguntar quem iria pagar pela grande ilusão das bondades
distribuídas pelo Estado). O socialismo real começa a ruir na sua pátria
de origem e os satélites soviéticos passam das agitações aos tremores
finais: seria o fim da História, se esta não se recusasse teimosamente
em ser Hegeliana.
1996: O Plano Real entra no seu segundo
ano de estabilização bem sucedida no Brasil, com a inflação convergindo,
pela primeira vez em séculos, para patamares mais civilizados do que os
conhecidos anteriormente; mas a valorização cambial e a perda de
competitividade, ademais de uma insuficiente redução dos gastos públicos
(ao contrário, eles continuaram aumentando continuamente, e novos
impostos são criados), prenunciam novas crises pela frente, assim que os
mercados financeiros entram em pânico com insolvências no México, na
Ásia e na Rússia. O mundo se prepara para a “primeira crise financeira
do século XXI”, como a designou o diretor-gerente do FMI, Michel
Camdessus.
2006: O governo do “Nunca Antes”,
iniciado três anos antes, já tinha se enrolado no esquema altamente
corruptor do Parlamento, o do Mensalão, do qual se salva pela
incompetência da “oposição”, que nunca existiu na verdade, e pela
popularidade trazida pela bonança econômica chinesa e a esperteza do
“Guia Genial dos Povos”. Com isso, ele obtém sua reeleição – graças à
mudança constitucional efetuada dez anos antes pelo mais vaidoso
presidente que jamais existiu na história política do Brasil – e
continua com seus planos megalomaníacos. A política econômica já tinha
começado a desandar com o “empoderamento” de uma chefe da Casa Civil
protegida pelo chefão, mas absolutamente inepta em matéria econômica e
totalmente submissa ao esquema corruptor do PT. O mundo retomou, por
alguns anos, taxas de crescimento que ele nunca tinha visto desde o
primeiro choque do petróleo, criando super-bolhas nos mercados
imobiliário e bancário dos EUA, a partir de 2007, que redundaram na
crise internacional a partir de 2008, com efeitos mundiais nos anos
seguintes. Países emergentes, a começar pela China e pela Índia,
conhecem taxas dinâmicas de crescimento durante esses anos, mas o Brasil
começa um processo de Grande Destruição econômica, que se manifestaria
plenamente a partir de 2011.
2016: Finalmente, depois de longa
agonia, ocorre a derrocada do governo lulopetista, mas não ainda o
desaparecimento de seus efeitos nefastos sobre a política e a economia
brasileira, e ainda mais sobre as mentalidades: o Brasil aparece como um
país dividido, e com pouca capacidade política – e ainda menos
estadistas – para superar a sua mais grave crise – econômica, política,
moral, institucional – de toda a sua história. O mundo continua numa
fase de baixo crescimento, agora agravada pela anunciada saída da
Grã-Bretanha da União Europeia (uma grande trapalhada do Partido
Conservador). Franceses e italianos continuam incapazes de empreender
reformas substanciais, e os chineses começam a comprar seus ativos mais
preciosos (como revelado pela aquisição do clube de futebol Milan). Mas a
Eurocopa ainda é um sucesso mundial, aliás uma Copa do Mundo sem Brasil
e Argentina…
Paulo Roberto de Almeida Paulo possui
doutorado em ciências sociais e é diplomata de carreira, com destaque
para quando foi ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em
Washington (1999-2003). Além disso, é autor de diversos livros de
história diplomática do Brasil e sobre as relações econômicas
internacionais, com destaque para o comércio internacional e a
integração regional. (
pralmeida@mac.com)