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segunda-feira, 11 de julho de 2022

Ainda há militares em Brasília? - Merval Pereira (O Globo)

 Ainda há militares em Brasília?

Merval Pereira
O Globo, domingo, 10 de julho de 2022

A exacerbação da retórica radicalizada do presidente Bolsonaro à medida que se aproximam as eleições, com indicações de dificuldades quase intransponíveis para sua reeleição, demonstra que ele não está aceitando a derrota e prepara o terreno para uma subversão do resultado. Informações não desmentidas de que a recente reunião ministerial, além da ilegalidade de ter tratado da campanha eleitoral, foi uma exaltação a um golpe de Estado com ares de legalidade, fazem com que o sinal de alerta tenha sido ligado em diversas instituições democráticas, e provocou a denúncia do Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Bolsonaro ameaçou as eleições novamente na reunião ministerial no Planalto. O caso é mais sério porque o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa, estava presente, e o atual ministro da pasta, general Paulo Sergio, respaldou as ameaças, ao afirmar que o TSE não respondeu às demandas das Forças Armadas. O primeiro absurdo é fazer reunião ministerial para tratar de eleições durante o expediente dentro do Palácio do Planalto, e pedir aos ministros que participem da campanha.

Os relatos indicam que o presidente disse que, se as informações pedidas pelas Forças Armadas não forem dadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele não participará da eleição. Isso é diferente de “não vai ter eleição”, como vinha ameaçando. Pode desistir, se sentir que vai perder já no primeiro turno? Não parece de seu feitio, o que aumenta a possibilidade de que pode tentar decretar um estado de sítio, ou medida semelhante. O que passa pela cabeça dele não pode ser coisa boa, porque está batendo com muita persistência nas urnas eletrônicas, e nos dias mais recentes tem claramente estimulado uma reação de seus seguidores: “Vocês sabem o que têm que fazer”, disse Bolsonaro nada enigmático.

Ele não tem escrúpulo, vai avançando sobre as leis e sobre os limites, e os tribunais ficam numa situação difícil porque, se impugnarem sua candidatura, o que já merecia ter acontecido, tantas são as ilegalidades que comete, irão provocar uma grande reação – que é o que ele quer -, e, se não fizerem nada, permitem o avanço sobre a democracia. Como o Congresso tem a maioria governista e está fazendo manobras para aprovar benesses sociais para ajudá-lo, não há medida de contenção à vista.

Como estamos antevendo uma tentativa antidemocrática de contestação dos resultados da eleição presidencial como a levada adiante pelo então presidente Donald Trump com a invasão do Capitólio em Washington, seria bom também relembrar episódios edificantes das Forças Armadas dos Estados Unidos na contenção dessa tentativa de golpe. A principal autoridade militar dos EUA, o chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, tão preocupado estava em que o então presidente e seus aliados tentassem um golpe que se uniu a outras autoridades com o objetivo de parar Trump.

Não foi apenas o comunicado oficial colocando de prontidão as Forças Armadas para defender a democracia. O livro dos repórteres do The Washington Post Carol Leonnig e Philip Rucker, ganhadores do Prêmio Pulitzer, intitulado I Alone Can Fix It ( “Só eu posso resolver”, em tradução livre), uma frase usada por Trump que os autores ironizam, descreve como Milley e os outros membros do Estado-Maior tomaram a decisão de renunciar para não cumprir ordens que considerassem “ilegais, perigosas ou imprudentes”.

A obra conta os bastidores do último ano do “catastrófico” governo de um Trump desequilibrado após perder a eleição de 2020. Milley conversou com autoridades e políticos, e garantiu que Trump e seus aliados não conseguiriam fazer nada sem os militares: “Eles podem tentar, mas não vão conseguir. (…) Não dá para fazer isso sem a CIA e o FBI. Nós somos os caras com as armas”.

Ele acreditava que Trump estava fomentando uma agitação com o intuito de invocar a Lei de Insurreição e convocar os militares. Após a insurreição de 6 de janeiro, o livro diz que Milley fez teleconferências diárias com Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, e o então secretário de Estado Mike Pompeo, assim como com a presidente do Congresso, Nancy Pelosi. Quando Trump demitiu o secretário de Defesa Mark Esper em novembro, Pelosi foi um dos vários congressistas que ligaram para o general Milley. “Estamos todos confiando em você”, disse. “Lembre-se de seu juramento”.

Após a insurreição de 6 de janeiro, Pelosi disse ao general que estava preocupada com a possibilidade de que Trump , que ela considerava louco, usasse armas nucleares durante seus últimos dias no cargo. Ele a tranquilizou: “Seguiremos apenas ordens legais. Só faremos coisas que sejam legais, éticas e morais”.

Por que não relembramos esses episódios de resistência democrática de militares, ou ainda o julgamento a que está sendo submetido Donald Trump pelo Congresso dos Estados Unidos, para exorcizar essas ameaças ? A frase famosa “Ainda temos juízes em Berlim”, que enaltece a independência do judiciário a favor de um camponês que estava sendo ameaçado pelo rei Frederico II, merece uma repetição: “ Ainda temos militares em Brasília?”.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Golpes e malversacoes democraticas na América Latina - Percival Puggina

Tenho a impressão de que já havia postado este artigo neste mesmo blog, mas como sua redação é do mês passado, e como o que abunda não faz falta, vai outra vez um pequeno artigo sobre as realidades lamentáveis da política em nosso continente.
Paulo Roberto de Almeida
Por falar em golpe29/04/2013 - Percival PugginaO PT sempre encontra uma forma de misturar a agenda do partido com os negócios do Estado.
Para a maior parte das pessoas, as principais normas que orientam a organização do Estado e a vida política se tornam conhecidas pela vivência. Uma das consequências desse empirismo está em ser ele, tantas vezes, adotado como padrão para julgar, politicamente, normas, modelos e situações vividas por outros povos. Atribui-se, assim, caráter geral a algo particular - a própria experiência e modo de fazer.

Em virtude do que descrevi, quase todo mundo, na América Latina, avaliou como golpe a destituição de Fernando Lugo, presidente do Paraguai, dez meses antes do término do mandato. No entanto, a Constituição paraguaia contém um preceito segundo o qual o governante, diferentemente do Brasil, não é senhor absoluto do seu tempo de mandato, podendo ser afastado por mau desempenho de suas funções. E Lugo foi retirado do posto por esse motivo - vinha sendo um mau presidente. É claro que Dilma, Cristina Kirchner e José Mujica sabiam disso, mas Lugo era aliado ideológico. E aliado ideológico sempre tem razão. Até Fidel Castro. As história reais, apesar de conhecidas, jamais são contadas.

As eleições do último domingo [21/04] ajudam a entender a questão. Elas mostraram que a esquerda paraguaia, somadas suas ramificações, mal passou dos 10% dos votos. Nesse caso, deve-se indagar: como foi possível, em 2008, a eleição de alguém como Fernando Lugo? Explico. Depois de seis décadas consecutivas de predomínio do Partido Colorado (direita), naquela eleição, o eternamente oposicionista Partido Liberal Radical Autêntico (centro-direita e segunda maior legenda do país) buscou Lugo para ser seu candidato. E ele conquistou a vitória somando três fatores: o importante peso dos liberais, o desgaste dos sucessivos governos colorados e o carisma do bispo, até então homem de boa fama e imagem numa sociedade em que os católicos representam 90%  da população.

No entanto, o novo presidente, a exemplo de todo extremista, chegou ao poder como se houvesse vencido uma revolução, ou como se tivesse sido consagrado pelo eleitorado numa coligação de iguais. Não era bem assim. O sucesso da aliança que encabeçava nada tinha a ver com suas preferências ideológicas. E Lugo foi perdendo, ao longo de quatro anos, toda sustentação política, tornando-se alvo natural do artigo 225 da Constituição paraguaia, segundo o qual o presidente (e, como ele, diversas outras autoridades) "pode ser submetido a julgamento político por mau desempenho, delitos cometidos no desempenho do cargo e delitos comuns". Tivéssemos um preceito semelhante na nossa Constituição, teríamos nos livrado mais rapidamente de certas malas sem alça e evitado muita tropa na rua ao longo da nossa história republicana.

A proposição de perda do cargo foi formulada contra Lugo, na Câmara dos Deputados, com apenas um voto em contrário. Foi aprovada pelo Senado por 39 a 4. E foi confirmada pela Suprema Corte. Por ter sido um ato juridicamente perfeito, não tendo Lugo sustentação política para continuar no exercício de seu cargo, não houve a mais tênue anormalidade na vida do país. Sequer um tomate foi jogado em quem quer que fosse. A mesma Constituição que lhe abriu a porta de entrada, abriu a de saída. O Paraguai prosseguiu sua vida, como nação soberana, presidido pelo vice-presidente constitucional. As eleições deste domingo consagraram uma vitória folgada do Partido Colorado.

Resumindo. Dilma, Cristina e Mujica valeram-se da situação criada com o afastamento de Lugo para aplicarem um golpe, um golpe mesmo, no Paraguai. Alegando inconformidade com aquela decisão de uma nação soberana que não lhes pediu opinião, expulsaram o Paraguai do Mercosul e aprovaram, ato contínuo, a entrada da Venezuela, cuja admissão vinha sendo, até ali, sistematicamente vetada pelo parlamento paraguaio. Evidenciou-se, assim, o verdadeiro motivo do procedimento adotado contra o país vizinho. Era preciso. Era preciso proclamar ilícito o que era lícito para tirar o Paraguai com o cotovelo e trazer, pela mão, a Venezuela. Foi trambique.
Foi golpe. Foi um golpe aplicado às regras do Mercosul para admitir nos negócios do bloco o parceiro ideológico venezuelano. Coisas do PT no poder, sempre enredando gostos e interesses do partido nos negócios de Estado.