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domingo, 25 de setembro de 2016

Voce acha que a educacao vai mal? Voce esta sendo ingenuo. Nao tem ideia de quanto "mais pior" ela pode ser - Felippe Hermes (Spotniks)



9 números que explicam por que a educação brasileira vai de mal a pior
Felippe Hermes
Spotniks, junho 2016

Em todo o país, mais de 600 escolas públicas estaduais e federais seguem ocupadas. Greves de professores já são uma realidade em ao menos sete estados. Movimentos de alunos grevistas paralisam aulas nas três universidades paulistas. À primeira vista, não parece lá muito difícil entender o que motiva qualquer protesto. Desde o início de 2015, apenas em escala federal, a educação já perdeu cerca de R$ 14,7 bilhões em recursos. Programas como FIES ou Ciências Sem Fronteiras foram congelados ou drasticamente reduzidos. Vistos mais de perto, no entanto, a maior parte dos movimentos ajuda apenas a mostrar um grave problema da educação no país: há tempos nos prendemos à ideia de que mais educação é sinônimo de “mais verba para a educação”.
Não à toa, educação é considerada uma área prioritária por dez entre dez brasileiros. Na prática, estudar um ano a mais pode lhe render um aumento de até 15%, em média, na renda. Para cada ano de pós-graduação por exemplo, a renda média pode crescer até 35,65%, segundo um estudo sobre o tema elaborado pela FGV. Investir em educação é, portanto, um grande negócio, seja para o trabalhador, seja para o país, correto? Restam poucas dúvidas disso. Exemplos como os da Coréia do Sul, que há quatro décadas era mais pobre que o Brasil, e hoje é três vezes mais rica, não nos deixam mentir sobre o impacto que a educação pode ter para transformar o futuro de um país. Definir exatamente o que é “investir em educação”, porém, é a grande questão.

Foi ainda como governador do Ceará que Cid Gomes fez chacota da greve dos professores, sugerindo que “professor deve trabalhar por amor, não por dinheiro”. A frase causou revolta e já foi atribuída erroneamente a diversos autores, como o governador paulista Geraldo Alckmin. Significa, na prática, o exato oposto daquilo que se considera como o correto para termos uma educação de qualidade que coloque o Brasil entre os países desenvolvidos.
Não por um acaso, abraçamos com veemência a ideia de destinar 10% do PIB para a educação, ainda que no mundo real este número mágico não siga estudo algum que o comprove. De fato, o país que mais investe em educação proporcionalmente ao seu PIB, o Timor Leste, não tem tido grandes avanços com isso.
Entre 2005 e 2015, vimos o orçamento do Ministério da Educação crescer 531%, saltando de R$ 15,97 para R$ 85 bilhões em orçamento, sendo 1/3 dele destinado aos 1,7 milhão de universitários matriculados em instituições públicas brasileiras. Apesar disso, seguimos sem grande destaque entre as universidades do mundo. A primeira universidade federal brasileira a aparecer no ranking das melhores do mundo, a UFRJ, ocupa um modesto 323º lugar. Quanto nos comparamos ao resto do mundo, o resultado fica ainda mais preocupante. Nem todo este aumento de verba impediu o Brasil de cair para um 60º lugar no PISA, o exame internacional de educação que mede a qualidade do ensino em matemática, ciências e leitura. Estamos ao lado de países como Albânia quando o assunto é matemática, e atrás de Romênia e Bulgária quando tratamos de leitura.
Entender o que deu errado, ou mesmo por onde as coisas começam a dar errado na nossa educação, não é algo fácil. Do ensino básico ao ensino superior, continuamos capengando. Quer saber melhor o tamanho da encrenca? Estes são alguns dos motivos:
1. Investimos mais do que qualquer país em Ensino Superior, e menos em Ensino Básico.
Ao contrário do que se imagina, gastar com educação não é algo colocado em segundo plano pelo governo brasileiro. Gastamos cerca de 19% do total de despesas do governo brasileiro com educação, contra 13% na média da OCDE, uma organização que reúne alguns dos países mais ricos do mundo, além de outros países emergentes, como Chile e México, por exemplo.
Gastamos com educação 6,1% do nosso PIB, contra 4,5% do Chile e 4,7% da Argentina, ambos países melhor colocados no PISA.
Na média, despendemos cerca de US$ 10,9 mil por cada aluno no ensino superior, já excluídos gastos com pesquisa, contra US$ 9,3 mil de países ricos.
Por aqui, são gastos em média 410% a mais por cada aluno no ensino superior em relação aos alunos de ensino básico, contra 30% a mais que gastam os países já considerados desenvolvidos.
Quando comparamos com nosso PIB per capita, gastamos na média 93% dele por cada aluno no ensino superior, contra 23% gastos com alunos do ensino básico.
2. Temos 3 vezes mais burocratas na área de educação do que a média mundial.
Quantas pessoas trabalham na área de educação no Brasil? Aparentemente essa pergunta possui pouca ou nenhuma relevância quando nos preocupamos em “como investir em educação”. O exército de 5,1 milhões de funcionários da educação no Brasil, no entanto, dá uma boa pista de para onde vai todo nosso “investimento”.
Temos hoje cerca de 2 milhões de professores, contra 3,1 milhões de “não professores”, ou seja, pessoas que trabalham em escolas, secretarias de educação e tudo o mais que seja necessário para manter uma universidade ou escola. Ocorre que esta média, de 1,5 não professor para cada professor, é considerada única no mundo. Trata-se de um recorde de consequências poucas conhecidas.
Na média, cada país membro da OCDE emprega 0,5 não professores para cada professor. Considere por um minuto que as escolas brasileiras precisassem do mesmo número de funcionários que as bem sucedidas escolas de países como Finlândia, França ou Alemanha – isso implicaria que temos por aqui algo como 2 milhões de pessoas trabalhando em um setor sem que sejam de fato necessárias.
Cerca de 11% do orçamento do Ministério da Educação destina-se exclusivamente a manter o Ministério e sua burocracia. Nas universidades, boa parte é gasto também com estrutura. Neste efeito cascata que começa em Brasília e se estende até as secretarias de educação estaduais, chegamos a um gasto de quase R$ 46 bilhões apenas com burocracia, que, caso mantivéssemos o mesmo número de escolas de países ricos, não seriam necessários.
Na prática, significa que poderíamos, caso destinássemos estes recursos para aumentar salários de docentes, pagar a eles até 73% mais do que hoje, fazendo com que nenhum professor no Brasil recebesse menos do que 3 vezes o salário médio de um trabalhador brasileiro.
3. Em algumas universidades, até 102% do orçamento é gasto apenas com salários.
Mesmo com autonomia financeira, o que implica que seu orçamento não depende da boa vontade de governantes, algumas universidades brasileiras têm tido dificuldades para pagar as contas. Este é precisamente o caso da Unicamp, a segunda maior universidade paulista e a segunda melhor universidade brasileira dentre as 500 melhores do mundo.
O caso da Unicamp não se diferencia muito da USP, onde 104,7% do orçamento foi gasto em salários em março deste ano. Por lei, as universidades paulistas tem à disposição 9,57% do ICMS arrecadado pelo estado, valor que mantém todos os gastos com os mais de 200 mil alunos das três instituições. O número é equivalente à metade do gasto total com os 4 milhões de alunos em escolas técnicas.
Com esta verba, as universidades devem pagar salários, manter hospitais universitários, financiar pesquisas, investir em infraestrutura e tudo o mais que se necessite para o seu bom funcionamento.
Como resposta, as universidades paulistas, que hoje enfrentam greves, pediram ao governo estadual que aumente a cota à qual têm direito no ICMS para 9,9%.
Em universidades federais, a situação não é muito distinta. Na UFRJ, 95% do orçamento é gasto com salários. A universidade chegou a enfrentar problemas como corte de energia, uma vez que as contas se encontravam atrasadas por falta de recursos. Nove universidades federais já acumulam déficits que chegam a R$ 400 milhões, a despeito de seus orçamentos terem mais do que triplicado na última década.
Transformadas em meras pagadoras de salários, as universidades brasileiras investem cada vez menos.
4. O número de adolescentes entre 15 e 17 anos que abandona a escola saltou de 7,2% para 16,2% na última década.
Manter um aluno na sala de aula deveria ser em tese o primeiro objetivo de qualquer plano educacional. Na prática, porém, este resultado está longe de ser alcançado.
Entre 1999 e 2011, o número de jovens que abandonam as escolas no Brasil saltou de 7,2% para 16,2%. Destes, cerca de 60,5% estão empregados e outros 33,8% estão em busca de trabalho. Como aponta a pesquisa realizada pela FGV, abrir mão de complementar o ensino médio pode impactar em até 40% o salário médio do trabalhador no futuro.
Nenhuma área é hoje tão problemática para desenvolver a educação no Brasil quanto o ensino médio – é o que tem apontado a UNICEF, órgão das nações unidas para a infância e adolescência.
O currículo inchado com 13 disciplinas e 5 outras complementares é um dos fatores considerados primordiais e afasta os jovens das salas de aula. Para boa parte, ir à escola significa apenas obter um diploma.
5. 38% dos universitários brasileiros são considerados analfabetos funcionais.
Expandir o número de matrículas no ensino superior foi por muitos anos o principal objetivo do Ministério da Educação para o setor. Por meio de financiamentos como o FIES, ou programas como o Reuni, dedicado à expansão de vagas em universidades públicas, o MEC colaborou ativamente para elevar em 81% o número de vagas nas universidades brasileiras.
A qualidade dos alunos que entram ou saem, porém, ganhou pouco destaque. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro, feita com 2 mil alunos em universidades do país, cerca de 38% deles apresenta dificuldade em compreender um texto e fazer associações entre o que leram e aquilo que é perguntado. Quando levados em conta apenas alunos com mais de 50 anos, o índice chega a 52%.
O número é semelhante também ao de brasileiros que jamais completaram o ensino fundamental, cerca de 1 em cada 3.
6. 35,4% dos professores do Ensino Fundamental não deveriam poder dar aulas por falta de qualificação.
“Um país pode ir tão longe quanto o nível de seus professores permitir”. A frase do coordenador do PISA, o exame internacional que mede a qualificação dos alunos em 65 países ao redor do mundo, evidencia exatamente um dos maiores desafios do Brasil: superar a falta de interesse dos jovens brasileiros pela carreira do magistério.
Com salários baixos e uma rotina considerada estressante, apenas 2% dos jovens brasileiros querem seguir carreira na área. Daqueles que efetivamente se tornam professores, cerca de 1 em cada 3 não o fazem por meio de uma graduação – apenas dão aulas após completarem o ensino médio. Entre o 6º e 9º ano, cerca de 35,4% dos professores não fez licenciatura ou graduação em Pedagogia.
Quando o assunto são questões mais específicas, como a educação para indígenas, por exemplo, a situação piora e muito. Cerca de 12,1% dos 8 mil professores concluíram apenas o ensino fundamental e 9,9% deles sequer concluíram. Quase metade das escolas não possui material didático apropriado.
Um professor brasileiro ganha 43% menos do que a média na América Latina e 50% a menos do que em países como o Peru.
7. Apenas 0,6% das escolas brasileiras tem condições consideradas ideais.
Biblioteca, laboratório de informática, quadra poliesportiva e adaptação para receber alunos com necessidades especiais podem não parecer um grande exagero. No fundo, trata-se do mínimo necessário para que um aluno possa focar apenas naquilo que realmente importa: a qualidade da aula.
Essa, porém, é a realidade de apenas 0,6% das escolas brasileiras. Escolas elementares, aquelas que possuem apenas água, esgoto, energia e cozinha, representam cerca de 44% das 194 mil escolas brasileiras. Em 13 mil destas escolas não há sequer energia elétrica. Em 72,5% delas, não há biblioteca.
Em alguns lugares, como a região Norte do país, os números são ainda mais preocupantes: até 71% das escolas podem ser consideradas “elementares”. Na área rural este número chega a 85,2% das escolas.
Em nenhuma região brasileira, porém, o número de escolas com estrutura considerada “ideal” chega a ser maior do que 2%.
8. A cada minuto, 3 alunos abandonam a escola no Brasil.
Diminuir o número de alunos não matriculados em nenhuma série foi por muito tempo o principal objetivo dos sucessivos governos brasileiros. Ainda assim, cerca de 7 milhões de crianças entre 0 e 17 anos estão longe das escolas.
Nas creches, o número chega a ser de quase 25%, ou 3 milhões de crianças. Para resolver este problema, em tese, o governo pretendia construir 6 mil creches em 4 anos. Um corte de 84% na verba para este tipo de investimento em 2015, no entanto, inviabilizou os planos.
Entre os alunos já matriculados, o grande problema tem sido a evasão. Segundo as Nações Unidas, dentre os 100 países com maior IDH no mundo, apenas 2 possuem taxas de evasão escolar maiores que a brasileira.

Apenas em 2012, 1,6 milhão de alunos abandonaram as salas de aula, ou 1 a cada 3 minutos. Com cerca de 3,15 milhões de crianças envolvidas, o trabalho infantil explica parte do problema, porém não todo. A repetência é um grande incentivo ao abandono. Cerca de 1/3 dos alunos que deveriam estar no ensino médio ainda encontram-se presos ao ensino fundamental.
Com números como este, o Brasil segue como o país com a menor média de estudos da América Latina, tendo 45,5% dos seus adultos sem um ensino fundamental completo.
9. 25 anos é o tempo que levará para os alunos brasileiros terem o mesmo desempenho dos alunos em países ricos hoje.
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A soma entre professores desmotivados, governos que não sabem onde gastam, escolas com pouca ou nenhuma estrutura, pais que não completaram os estudos e outros fatores como os citados acima, não poderia resultar em nada diferente. Para atingir hoje o mesmo nível de alunos de países desenvolvidos, os brasileiros terão de percorrer ainda longos 25 anos, mantendo-se o nível de investimento crescente atual.
Para o vice-presidente de educação da OCDE, Andreas Schleicher, melhorar a educação passa por concentrar-se naquilo “que realmente importa”. Segundo Andreas, países pobres como Vietnã, o 17º colocado no ranking do PISA, atingem números considerados “impressionantes”, ainda que seu dispêndio em educação seja considerado baixo, pois focam em melhorar a gestão dos poucos recursos que possuem.
O problema é que no Brasil, dispersos entre slogans e frases de efeito, os jovens brasileiros relegam para segundo plano atributos como eficiência.
Em estados como o Rio Grande do Sul, o governo tem hoje de bancar 1,1 professor aposentado para cada 1 professor na ativa. Com características como essa, o dinheiro destinado à educação se esvai. Em estados como os do Rio de Janeiro ou Minas Gerais, gasta-se mais com aposentados e pensionistas do que com educação.
Nem mesmo a crise parece fazer os governos estaduais e federal repensarem práticas. Em andamento, lidamos agora com medidas que podem elevar os impostos sobre o setor de serviços, em especial sobre educação. Para fazer caixa e ajustar as contas, o governo prevê investir menos em educação pública e arrecadar mais impostos do ensino privado.


quarta-feira, 6 de julho de 2016

Educacao: nao existe nenhuma chance de melhorar - Fernando Schuler

História e sociologia na nova base curricular: ideologia e confusão
FERNANDO SCHÜLER
05/07/2016

A discussão sobre um currículo comum enfrenta um clássico problema de ação coletiva: quem exatamente é capaz de expressar o “pensamento comum” ou a reflexão sociológica “adequada” para as 190 mil escolas brasileiras?

Responda rápido: se você não quiser resolver muita coisa, mas fazer uma boa discussão, por onde deve começar? Há muitas respostas para essa pergunta. A minha favorita é: fazendo um mau diagnóstico. Ok, a resposta é meio óbvia, mas é exatamente disso que se trata o debate travado no país em torno da nova “base nacional comum curricular”.

Para quem não está familiarizado com o tema, trata-se de implantar um currículo obrigatório comum para todas as escolas brasileiras, estatais ou privadas, de ensino médio e fundamental. Na prática, uma lista de conteúdos para disciplinar o ensino básico. Orientar os autores de livros didáticos, o trabalho dos professores, em sala de aula, e as provas do Enem.

Meu argumento: a proposta de uma base curricular comum parte de um diagnóstico errado. Ela diz que que há um problema com nossa educação básica e que a implantação de um currículo nacional é fundamental para reduzir nossas “desigualdades educacionais”. Isso está lá, na primeira frase do site do “Movimento pela base nacional comum”.

Os dados são conhecidos: o Brasil possui 190 mil escolas voltadas ao ensino básico. Perto de 80% têm gestão governamental. No ensino médio, alcançam 3,4, em média, no Ideb. A rede privada, por sua vez, tem um Ideb de 5,4. A discrepância se repete no Pisa: alunos de escolas privada alcançam uma média pouco acima de 500; alunos de escolas públicas ficam perto do último lugar, com média de 387.

Observando esses dados, alguém poderia desconfiar que há um problema com a educação estatal, no Brasil. Desconfiar que há um problema com o alto absenteísmo de professores na rede pública (estudo mostrou que 12 mil professores faltam à aula todos os dias na rede estadual paulista); com a burocracia da gestão governamental, as amarras da lei das licitações, a estabilidade no emprego dos professores, a precariedade das instalações, a falta de continuidade administrativa, a pressão sindical contra qualquer inovação e meritocracia, as greves em série, et etc.

Alguém podia ter pensado nessas coisas, mas ninguém pensou. No cânone do debate educacional brasileiro, pode-se chegar a qualquer conclusão, menos que exista algum problema como o modelo de gestão estatal de nossas escolas. Questionar o “modelo” gera, como me disse certa vez a dirigente de uma ONG voltada à educação, um “problema político”. E ninguém quer encarar um problema politico, não é mesmo?

Uma vez decidido não enfrentar o cânone, produziu-se um singular diagnóstico: o que está faltando na nossa educação é uma lista de conteúdos que as escolas devem ensinar. Tenho curiosidade de saber que tipo de evidência empírica se usou para se chegar a essa conclusão. Suspeito que nenhuma. Talvez apenas a velha ideia de que é preciso “centralizar” quando alguma coisa não está funcionando.

Pois bem, feito o diagnóstico, o governo brasileiro partiu para a elaboração da lista. O MEC formou uma comissão de 116 professores e pôs mãos à obra. Depois de algumas revisões, publicou uma última versão da lista de conteúdos no mês de maio.

Relutei, confesso, em analisar seu conteúdo, pelas razões expostas acima. Mas fui em frente. Me concentrei nas áreas de história e sociologia. Li e reli a lista de conteúdos, e confesso que me surpreendi. Ela é muito pior, mais confusa e mais pesadamente carregada de viés ideológico do que havia imaginado.

O viés ideológico da base comum surge com nitidez na área de sociologia. Nos 28 conteúdos sugeridos, o arco conceitual é feito de palavras-chaves como “classes sociais”, “dominação”, “divisão social do trabalho”, “relações sociais de produção”, “movimentos sociais”. Não há, em toda lista, uma única menção a conceitos como liberdade, ética, indivíduo, direitos individuais, mercado, tecnologia ou inovação. Nada sobre a sociedade pós-industrial, de Daniel Bell; sobre a sociedade de rede, de Manuel Castells; ou a sociedade aberta, de Karl Popper. Alguém diria que esses são temas “difíceis”? Não acho. Não é a dificuldade que separa a boa sociologia do proselitismo.

A lista consagra uma visão binária de sociedade, baseada em polarizações de “classe” e movimentos sociais. Linha já adotada em nossos livros didáticos de sociologia. A novidade é que agora ela ameaça se tornar visão “oficial” do Estado brasileiro. No primeiro ano do ensino médio, os alunos  aprenderão sobre “localização social, como classes sociais”; No segundo ano, refletirão sobre “movimentos sociais baseados em classes sociais e, no terceiro, “problematizarão a divisão de classes no modo de produção capitalista”. No quarto, fariam uma revolução, imagino. Brincadeira. A expectativa realista é que passem a integrar algum “movimento social”.

Para deixar claro: é razoável que esse tipo de conteúdo seja apresentado como uma dentre outras linhas de interpretação sociológica no mundo moderno. Nada razoável, no entanto, é que ele seja apresentado como “a” sociologia como tal. Como pensamento único, travestido de realidade e pronto a fazer a cabeça dos nossos alunos.

O que temos aqui é um clássico problema de ação coletiva: quem exatamente é capaz de expressar o “pensamento comum” ou a reflexão sociológica “adequada” para as 190 mil escolas brasileiras? Uma comissão de 116 especialistas escolhida pelo Ministério da Educação? Uma espécie de ágora digital com todo mundo dando palpite na internet? O Conselho Nacional de Educação? O Congresso? O resultado da base curricular, na área da sociologia, ao menos até agora, mostrou apenas o perfeitamente previsível: que a definição dos conteúdos foi “capturada” por um grupo de opinião ideológica muito particular. E ameaça se tornar “opinião oficial” do governo brasileiro.

O vezo ideológico se repete na área de história, apenas de maneira mais confusa. Depois de ler e reler os 56 itens sugeridos para os três anos do ensino médio, confesso que tudo me pareceu uma bricolagem de conteúdos “multiculturais”. Tentativa de compor algo como uma “história étnica”, livre de linhas de tempo, feita de distintas “temporalidades” africanas, ameríndias, europeias ou asiáticas.

A ideia, aparentemente, é retirar da civilização “ocidental” ou “europeia” qualquer “primazia” no estudo da história. O estudo do império brasileiro teria o mesmo status que tem o estudo do reino do Congo, por exemplo. É o que está lá, no item nove do 1º ano do ensino médio, indicando o estudo dos “reinos, impérios, confederações e civilizações nas Áfricas e nas Américas”.

Para o 1º ano do ensino médio, há 16 conteúdos. Todos fazem referência a alguma “matriz cultural” e parecem organizados em uma espécie de “ranking étnico”. Quinze itens mencionam temas africanos (afro-américa, temporalidades africanas, pan-africanismo, afro-atlântico, movimentos sociais negros, quilombolas etc.), nove itens mencionam temas “ameríndios” e seis itens mencionam temas “europeus”. Alguma referência ao período colonial brasileiro? Ao processo de Independência? À Inconfidência Mineira? Nada. Isso não passa de uma “temporalidade dominante excludente a outros saberes”. Sacou?

Sobre esse tema, há uma saborosa nota, publicada nas redes sociais, de autoria do ex-ministro Renato Janine Ribeiro. Janine conta que reclamou com a comissão da base comum: “Não havia sequência histórica”, escreve. Apenas uma visão “brasilcêntrica” do mundo. O mais curioso é quando conta ter “solicitado expressamente que incluíssem a Inconfidência Mineira”. Pelo visto, não teve jeito. Nem mesmo o ex-ministro foi atendido.

No mais, é triste ver uma base curricular repleta de malandragem ideológica. Quando tratarem dos movimentos totalitários do século XX, nossos alunos estudarão o fascismo, o nazismo e o “stalinismo”. Nossos 116 especialistas decidiram tirar a palavra “comunismo” do rol dos movimentos totalitários. Por lógica, deveria constar no texto o “mussolinismo”, em vez do fascismo, e quem sabe o “hitlerismo”, em vez do nazismo.

Quando estudarem as “lutas democráticas” e as “ditaduras nas Américas”, nossos alunos aprenderão sobre os horrores da ditadura argentina e chilena, de Pinochet (curiosamente o único ser humano citado em toda a base de história). Alguma referência à mais longa ditadura latino-americana, em Cuba? À saga dos balseiros? À luta democrática na Ilha? Um prêmio para quem acertar a resposta.

Uma das mais saborosas recomendações é dada para o 1º ano do ensino fundamental: “problematizar as razões da seleção, escolhas e definição das datas comemorativas”. Fiquei imaginando a professora, diante da turminha de 6 ou 7 anos de idade, perguntando: “Vocês sabem o que está por trás da escolha do 7 de setembro? Vocês acham que o Brasil é um país realmente independente?

Há conteúdos que parecem simplesmente mal elaborados. Como a sugestão de “relacionar e problematizar as juventudes” nos “diversos espaços do Brasil e nos mundos europeus e asiáticos nos séculos XX e XXI”. Fiquei pensando o que um professor faria, em sala de aula, a partir de uma recomendação como essa. Analisar a música pop no japão? Os protestos de jovens chineses na Praça da Paz Celestial? O maio de 1968? A Jovem Guarda? E por que a juventude “asiática” e não a “norte-americana”?

Outro exemplo: a sugestão de “analisar os efeitos da mundialização/globalização entre os séculos XIX e XXI na Europa e na Ásia relacionando-os à formação de fronteiras étnicas, nacionais, culturais, religiosas e econômicas”. Uma frase como essa não faz rigorosamente nenhum sentido. São dois séculos de história e um recorte espacial aleatório. Por que “Europa e Ásia?”, o que significa uma “fronteira religiosa” e que sentido a globalização econômica gera “fronteiras econômicas”? Na verdade, tudo parece não passar, por vezes, de uma sequência de frases soltas, incapazes de oferecer nenhuma orientação objetiva para o professor ou para quem se aventurar a escrever um livro didático de história.

Por fim, há o mistério da completa ausência do estudo de história antiga e medieval. Ausência de uma “história do mundo”, na observação correta de Renato Janine Ribeiro. Nada minimamente sistemático sobre a Grécia e a criação da democracia ocidental; sobre as grandes civilizações antigas, sobre Roma e sobre o que andou acontecendo no milênio que separa o fim do Império e o renascimento. Nossos alunos pouco ou nada saberão da tradição medieval, da reforma, da cultura renascentista, da formação do pensamento político moderno, ou ainda sobre a revolução na Inglaterra e na França. Tudo porque resolvemos abolir, de uma hora para outra, toda a temporalidade histórica. Diria mais: toda a rica tradição historiográfica amplamente reconhecida no ocidente.

É possível, em tese, imaginar que uma base curricular comum possa ajudar a melhorar a nossa educação. Isso se for bem feita, a partir de um diagnóstico adequado e siga o que há de melhor na experiência internacional. E fique longe de qualquer tipo de proselitismo ideológico. Não é uma tarefa simples.

A boa educação, em qualquer lugar do mundo, é obtida quando se põe em execução um bom modelo de gestão, em amplo sentido: da gestão administrativa, passando pela contratação e avaliação de professores, até a política pedagógica e a medição sistemática de resultados. O bom setor privado brasileiro há muito sabe fazer isso e o faz, em regra, pelo mesmo valor que os governos gastam para oferecer aos mais pobres uma má educação. Nosso problema, no fundo, é ficar insistindo em obrigar o governo a fazer o que ele já provou, de todas as maneiras possíveis, que não sabe fazer.

Os erros cometidos no debate da nova base curricular nacional são mais uma oportunidade de discutirmos sobre isso. E de andar para a frente. Não vamos perder essa oportunidade.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Educacao: a destruicao da escola publica e a falta de futuro para o Brasil - Mario Sabino

Quando eu fiz escola (e só podia ser pública, pois eu vim de uma família muito pobre), lembro-me perfeitamente, como escreve Mario Sabino no seu comentário do dia para o blog do Antagonista, de como era boa, ou razoável, essa escola, com a mesma professorinha (moças ou senhoras de classe média, encarregadas de ensinar TODAS as matérias para a classe, durante mais de um ano.
Aprendíamos muito, mas também tinha de haver a participação da família, no caso de pais semi-alfabetizados, incapazes de se substituir aos livros ou aos professores, a participação se dava de modo muito prosaico: a contrapartida das notas baixas no boletim era a cinta ou o chinelo, ou alguma outra punição qualquer.
Do lado da escola, a solução para os fracassados também era muito simples. Incapaz de acompanhar o rigor da escola pública? Não tem problema: SAIA, vá para a escola privada, que era uma confissão de fracasso, de incapacidade, de burrice, estupidez, ou vagabundo.
Hoje, é exatamente o contrário: só vai para a escola pública quem não consegue pagar a escola privada, e se trata de uma confissão de fracasso pedagógico também, já que ninguém espera que um filho seu saia preparado para qualquer coisa da escola pública.
Mas, a situação é pior do que você pensa, pois a escola privada é IGUALMENTE RUIM! Basta conferir os resultados do PISA e ver que alunos das escolas privadas são tão ruins quanto os das escolas públicas, seu nível é medíocre quando comparados a outros países.
Ou seja, se você pensa que a escola privada vai salvar o Brasil, como pensam alguns liberais ingênuos, esqueça.
A nossa educação é ruim, vai continuar ruim, e não há nenhum risco de melhorar.
Exatamente o que diz o Mario Sabino, mas que ainda acredita que um dia possa melhorar, ou pelo menos tem essa esperança. Eu sou mais pessimista.
Paulo Roberto de Almeida

Quero que o meu neto leve olé do neto do Estevão
Por Mario Sabino
O Antagonista, 27 de Junho de 2016

Eu estudei em escola pública do quarto ano ao primeiro colegial. Ou seja, de 1971 a 1976. Fui para a escola pública depois que a separação dos meus pais empobreceu a minha mãe; voltei para a escola particular depois que o meu pai, casado pela segunda vez, parou de brigar com a minha mãe — e a escola pública havia começado a se tornar um lixo completo.
As duas escolas públicas que tive a oportunidade de frequentar contavam com excelentes professores, laboratórios bem equipados, bibliotecas decentes e quadras de esporte impecáveis. Eram exceções num universo incomparavelmente melhor do que o de hoje. Filho de médico, eu convivia com filhos de empregadas domésticas, pedreiros, feirantes, comerciários, garçons e, imagino, desempregados. Branco, eu convivia com outros brancos, negros, mulatos, cafuzos e asiáticos. Bom corredor, no pega-pega, eu levava olé do Estevão, primogênito de uma lavadeira.
Nossos filhos não tiveram nem terão semelhante experiência. Mesmo que ocorram vicissitudes familiares como as que marcaram a minha infância, sempre haverá um tio pronto a evitar a “tragédia” de os sobrinhos serem obrigados a sair do sistema privado de ensino. Escola pública, para a classe média, agora é ameaça de castigo para quem tira notas ruins: “Se não se emendar, mando você para uma escola estadual!”. Virou lugar para vagabundos.
A falência total da escola pública não é só fruto do descaso, mas de uma política desenhada para o seu aniquilamento — que, paradoxalmente, se acentuou com a redemocratização do país. Destruiu-se a escola pública para enriquecer empresários que, em geral, oferecem ao povão um ensino ruim envernizado por instalações físicas razoáveis. Destruiu-se a escola pública e, com isso, fortaleceu-se a pedagogia esquerdista que prega a desordem, não o progresso. Resultado: quedas contínuas no desempenho dos alunos brasileiros nos exames internacionais e da produtividade dos nossos trabalhadores de qualquer nível.
Não haverá democracia no Brasil enquanto não houver escola pública de boa qualidade para todos, inclusive os seus descendentes. Não apenas porque ela oferecerá chances iguais a pobres e ricos, mas porque possibilitará a queda do enorme muro que separa as classes sociais. É preciso que ricos possam brincar com pobres no recreio; é preciso que pobres possam brincar com ricos no recreio — e, juntos, aprendam o que vale a pena a ser aprendido em sala de aula. E, juntos, deixem de ter medo uns dos outros. E, juntos, prosperem e construam uma nação.
Eu quero que, no pega-pega, o meu neto leve olé do neto do Estevão
Mario Sabino

domingo, 12 de junho de 2016

O marxismo vulgar e o atraso educacional brasileiro - Luiz Carlos Azedo

Nas entrelinhas: O bonde da Educação
Luiz Carlos Azedo
Publicado em 12/06/2016

Professores engajados num projeto de poder não respeitam a maioria dos colegas e a minoria das minorias (o jovem monarquista) não pode se expressar sem apanhar

Um jovem monarquista que protestava contra a convocação de uma greve geral na Universidade de Brasília foi agredido por colegas que desejam paralisar a universidade em protesto contra o impeachment e o governo Temer, na terça-feira passada, porque estendeu uma bandeira do Brasil Império. Debaixo de socos e pontapés, conseguiu recuperá-la. Essas cenas da agressão, do tipo todos contra um, ocorreram na ala norte do Instituto Central de Ciências (ICC), o famoso “Minhocão”, e foram expostas na internet; no dia seguinte, o jovem agredido voltou às redes sociais para dizer que não se deixaria intimidar. Ele acredita que a agressão foi um sinal de que a bandeira da monarquia, diante da crise ética, está incomodando.

Na quarta-feira, durante assembleia da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), que reuniu 148 professores, o pós-doutor em bioética Volnei Garrafa sugeriu que a delegação da ADUnB apresente, no congresso do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), em Roraima, uma proposta para que o segundo semestre das universidades federais não se inicie enquanto a presidente Dilma Rousseff não voltar ao comando do governo. A maioria apoiou a proposta. O presidente da associação, Virgílio Arraes, disse que a sugestão será encaminhada, mas ponderou que a instituição tem cerca de 2.500 professores.

A Associação dos Docentes da UnB fez uma pesquisa eletrônica para saber a opinião dos colegas sobre os temas abordados na assembleia. Apenas 478 professores responderam ao questionário, dos quais 225 (47,47%) concordam com a tese de que o impeachment é golpe e 249 (52,53%) discordam; 300 professores (63,29%) são a favor de debater o assunto e 174 (36,71%) são contra. Mais: 265 professores (55,91%) foram contra a realização da assembleia; e 209 (44,9 %), a favor. Ou seja, uma situação na qual professores engajados num projeto de poder não respeitam a maioria dos colegas e a minoria da minoria (o jovem monarquista) não pode sequer se expressar sem apanhar. Esse é o ambiente político numa das melhores universidades do país.

Aparatos ideológicos

Nos anos 1970, o livro Os aparatos ideológicos do Estado, do filósofo franco-argelino Louis Althusser, fez muito sucesso entre estudantes e professores que faziam oposição ao regime militar, ao lado do livro Os Conceitos elementares do materialismo histórico, da professora chilena Marta Harnecker Cerdá, que participou do governo socialista de Salvador Allende e foi assessora de Hugo Chávez, de 2002 e 2006. Discípula de Althusser e casada com Manuel Piñeiro, o lendário Barba Ruiva (líder do PC cubano encarregado da relação com a esquerda da América Latina), com seu livro, Marta fez a cabeça da esquerda brasileira nas universidades.

Em consequência, boa parte das lideranças das universidades públicas do país tem uma visão sobre suas instituições próxima das ideias de Althusser, ainda que seu livro tenha sido publicado há quase 50 anos. Grosso modo, atribui aos aparatos ideológicos do Estado o papel de reproduzir a ideologia dominante para garantir a reprodução ampliada do capital. Quais são esses aparatos? A família, as igrejas, os partidos, os meios de comunicação, a cultura (literatura, arte e esporte), os sindicatos e, principalmente, a escola. O sistema jurídico, teria duplo caráter: aparato ideológico e, ao mesmo tempo, repressivo. É uma visão meio “funcionalista” do conceito de hegemonia.

Althusser questiona o papel do professor que se esforça para construir um discurso moderno mas não tem uma prática, digamos, revolucionária. Ao cumprir seu papel como professor, simplesmente reproduziria as relações de poder dominantes. Essa concepção está por trás do ativismo político de boa parte dos integrantes dos conselhos universitários e até de alguns reitores, o que de certa forma explica o apoio incondicional que deram aos governos Lula e Dilma, muito embora a qualidade do ensino e a capacidade de produzir ciência e tecnologia de nossas universidades deixem muito a desejar.

Na cartilha althusseriana, professores devem se posicionar contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam e transmitir isso aos seus alunos. A Matemática, o Português, a História, a Geografia e as Ciências só têm sentido ao contestar a exploração e a dominação de classe. O devotamento à Educação contribui para alimentar a ideologia burguesa e faz da escola algo parecido com a Igreja medieval. Enquanto pensam assim, o Brasil perde o bonde da revolução do conhecimento.

https://www.youtube.com/watch?v=-pzPDQ7YWpI

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A deseducacao brasileira nas maos de energumenos, como o reitor da UFRJ: pobre universidade, coitada da educacao brasileira

O lema que este blog tenta seguir é o de postar coisas inteligentes para suscitar debates inteligentes sobre coisas importantes para o nosso país. De vez em quando a gente se sente motivado a também postar coisas idiotas apenas para mostrar o que vai errado em nosso país, e continuar mantendo um debate inteligente sobre coisas importantes.
Algumas vezes, a gente se sente compelido a postar coisas completamente idiotas, debiloides, e nefastas, apenas como demonstração de como assuntos importantes como a educação vêm sofrendo nas mãos, e nos pés de energúmenos e aloprados, como podem ser alguns petistas particularmente idiotas.
Acredito que seja o caso deste reitor. Raras vezes na história da universidade brasileira -- mais foi o caso recentemente com o Zé do MST sendo eleito como reitor da UnB -- pessoas tão desqualificadas para o cargo se alçaram a postos de tamanha responsabilidade, o que apenas indica como o MEC, e o governo, são perfeitamente idiotas e nefastos em matéria educacional.
Como eu sempre digo, se quisermos melhorar a educação brasileira seria preciso começar por simplesmente fechar o MEC, e começar outras carreiras de professores, num esquema totalmente distinto ao que temos atualmente, e ainda assim vai demorar décadas para eliminar os últimos resquícios do freireanismo idiota nas faculdades de educação.
Não concordo com UMA SÓ PALAVRA de tudo o que vai transcrito nessa entrevista do jornal idiota Brasil De Fato com o reitor da UFRJ, mas transcrevo-a por inteiro, apenas como registro de como conseguimos descer tão baixo na escala da indigência subinteliquitual e da mistificação administrativa. O cara consegue errar em praticamente tudo o que disse.
Realmente, vai ser difícil consertar o país, com energúmenos como esse à frente de universidades.
Paulo Roberto de Almeida

“Grandes grupos econômicos estão ditando a formação de crianças e jovens brasileiros”

Em entrevista exclusiva, novo reitor da UFRJ, Roberto Leher, aponta os impactos da lógica mercantilizada sobre a educação brasileira e aponta que como grupos financeiros tentam dominar a educação pública. 
Brasil De Fato, 01/07/2015
Por Luiz Felipe Abulquerque
De São Paulo (SP)

Um grande negócio. É assim que o novo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, enxerga o novo momento da educação brasileira.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ traça um panorama do atual estágio da educação no Brasil, e as conclusões não são nada animadoras.
Para Leher, que tomará posse nesta sexta-feira (3), os recentes processos de fusões entre grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, e a criação de movimentos como o Todos pela Educação representam a síntese deste processo.
No primeiro caso, ocorre uma inversão de valores, em que o primordial não é mais a educação em si, mas a busca de lucros exorbitantes por meio de fundos de investimentos. No segundo, a defesa de um projeto de educação básica em que a classe dominante define forma e conteúdo do processo formativo de crianças e jovens brasileiros.
O movimento Todos Pela Educação é uma articulação entre grandes grupos econômicos como bancos (Itaú), empreiteiras, setores do agronegócio e da mineração (Vale) e os meios de comunicação que procuram ditar os rumos da educação no Brasil.
Para o professor, o movimento se organiza numa espécie de Partido da classe dominante, ao pensarem um projeto de educação para o país, organizarem frações de classe em torno desta proposta e criar estratégias de difusão de seu projeto para a sociedade.
“Os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções clara de formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano”, observa o professor.
Confira a entrevista:

Brasil de Fato - Muitos setores denunciam a atual mercantilização da educação brasileira. O que está acontecendo neste setor?
Roberto Leher - De fato há mudanças no que diz respeito a mercantilização da educação, diferente do que acontecia até 2006 no Brasil. Os novos organizadores dessa mercantilização são organizações de natureza financeira, particularmente os chamados fundos de investimento.
Como o próprio nome diz, os fundos de investimentos são fundos constituído por vários investidores, grande parte estrangeiro, como fundos de pensão, trabalhadores da GM, bancos, etc, que apostam num determinado fundo, e esse fundo vai fazer negócios em diversos países.
 
Crédito: Reprodução 
Em geral, os fundos fazem fusões, como é o caso da Sadia e Perdigão no Brasil. Mas é o mesmo grupo que também adquiri faculdades e organizações educacionais com o objetivo de constituir monopólios.
Esse processo levou a Kroton e a Anhanguera - fundo Advent e Pátria - a constituírem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes, mais do que todas as universidades federais juntas.
O que muda com essa nova forma de mercantilização da educação?
O negócio do investidor não é propriamente a educação, é o fundo. Ele investiu no fundo e quer resposta do fundo, que cria mecanismos para que os lucros dos setores que eles estão fazendo as aquisições e fusões sejam lucros exorbitantes. É isso que valoriza o fundo.
A racionalidade com que é organizada as universidades sob controle dos fundos é uma racionalidade das finanças. São gestores de finanças, não são administrados educacionais. São operadores do mercado financeiro que estão controlando as organizações educacionais.
Toda parte educacional responde uma lógica dos grupos econômicos, e por isso eles fazem articulações com editoras, com softwares, hardwares, computadores, tablets; é um conglomerado que vai redefinindo a formação de milhões de jovens.
No caso do Brasil, cinco fundos têm atualmente cerca de 40% das matrículas da educação superior brasileira, e três fundos têm quase 60% da educação à distância no Brasil.
Quais os interesses dessas grandes corporações para além do econômico?
A principal iniciativa dos setores dominantes na educação básica brasileira é uma coalizão de grupos econômicos chamado Todos pela Educação, organizado pelo setor financeiro, agronegócio, mineral, meios de comunicação, que defendem um projeto de educação de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para o conjunto da sociedade brasileira.
Em outras palavras, os setores dominantes se organizaram para definiram como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções clara de formação, de modo a converter o conjunto das crianças e dos jovens em capital humano.
Em última instância, é com isso que eles estão preocupados: em como fazer com que a juventude seja educada na perspectiva de serem um fator da produção. Essa é a racionalidade geral, e isso tem várias mediações pedagógicas.
A aparência é de que estão preocupados com a alfabetização, com a escolarização, com o aprendizado, etc. E de fato estão, mas dentro dessa matriz de classe, no sentido de educar a juventude para o que seria esse novo espírito do capitalismo, de modo que não vislumbrem outra maneira de vida que não aquela em que serão mercadorias, apenas força de trabalho.
De que maneira eles interferem nas políticas educacionais do Estado?
Como sociedade civil, os setores dominantes buscam interferir nas políticas de Estado. O Todos pela Educação conseguiu difundir a sua proposta educativa para o Estado, inicialmente por meio do Plano Nacional de Educação (PNE) - que aliás foi homenageado com o nome Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, em referência ao movimento. Com isso definiram em grandes linhas o que seria o PNE que está vigente.
Articulam por meio de leis, mas também da adesão de secretários municipais e estaduais às suas metas, aos seus objetivos. Articulam com o Estado, que cria programas, como o programa de ações articuladas, em que a prefeitura, quando apresenta um projeto para o desenvolvimento da educação municipal, tem que implicitamente aderir às metas do movimento Todos pela Educação.
Temos um complexo muito sofisticado que interage as frações burguesas dominantes, as políticas de Estado e os meios operativos do Estado para viabilizar esta agenda educacional.
Mas como se dá isso na prática?
Quando um município faz um programa de educação para a sua região, ele já deve estar organizado com base no princípio de que existe uma idade certa para educação, que os conteúdos não devem se referenciar nos conhecimentos, mas sim no que eles chamam de competências, que o professor não deve escapar deste currículo mínimo que eles estão desenvolvendo por meio de uma coerção da avaliação.
A escola que não consegue bons índices no Idep [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] é penalizada, desmoralizada, sai nos jornais, e isso cria um constrangimento que chega ao cotidiano da sala de aula, e as prefeituras pressionadas por esses índices acabam sucumbidos às fórmulas que o capital oferece. A mais importante delas é comprar sistemas de ensino, apostilas, que são fornecidos pelas próprias corporações.
O professor está em sala de aula, recebe apostilas, exames padronizadas que foram feitos pela corporação, e na prática, ao invés do professor desenvolver um papel intelectual, criador, ele tem que ser muito mais um aplicador das cartilhas, um entregador de conhecimento, e isso obviamente esvazia o papel do professor que tem consequências diretas com o processo de formação.
A formação esperada do educador não é uma formação enquanto intelectual, mas sim como alguém que sabe desenvolver técnicas para aplicar aquelas pacotes que as corporações preparam.
E há resistências a isso?
Existe um complexo de situações onde as resistências, as tensões são muito grandes, o que traz infelicidade aos professores e aos estudantes, mas tudo isso é muito difuso. As resistências acontecem na forma de lutas sindicais, quando fazem greve criticando a chamada “meritocracia”, os sistemas de avaliação.
Aparecem aqui e ali, mas é forçoso reconhecer que existe um complexo de controle sobre as escolas que restringem muito a margem de manobra dos trabalhadores da educação para desenvolverem um projeto pedagógico autônomo e crítico.
Essa situação é agravada quando a própria direção da escola, que deveria pensar como a escola se auto governa, vem sendo ressignificada como um papel de gestão. O diretor e os coordenadores são pensados como gestores na lógica de uma empresa, que deve cumprir metas, fiscalizar o cumprimento delas e tentar atingir essas metas de todas as formas.
Temos uma mudança de referências quando a própria equipe de coordenação da escola se torna uma equipe de gestores. No documento Pátria Educadora há uma possibilidade de punição dos professores que não cumprirem as metas.
Por sinal, o Pátria Educadora é um dos programas carro chefe do governo federal. Como você avalia este documento?
Não casualmente, esse documento foi elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualmente dirigido pelo ministro Mangabeira Unger. Ele parte de um diagnóstico de que o modelo de desenvolvimento baseado em commodities se esgotou com a crise mundial, com seus preços despencando depois daquele período de ouro entre 2004 e 2009.
 
Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil 
Com a desvalorização dessas commodities, Mangabeira chama atenção para o fato de que o Brasil deveria buscar outra forma de inserção na economia mundial que não fosse apenas de commodities.
E a minha hipótese é que eles estão sinalizando nesse documento que o Brasil deveria ser uma espécie de plataforma de exportação, assim como já existe na fronteira norte do México, em alguns países asiáticos - o modelo chinês foi isso nos anos 90, de ser um local em que a força de trabalho é muito explorada, recebe um treinamento específico que permite uma exploração muito grande, e esses países entram em circuitos de produção industrial de maneira subalterna, explorando o que seriam sua vantagens comparativas: baixo custo de energia, da força de trabalho, baixa regulamentação ambiental, e isso daria vantagens competitivas novamente ao país.
O drama é que a concepção do Pátria Educadora tem como correspondência a ideia de que a formação da maior parte da força de trabalho no Brasil deve ser por um trabalho mais simples, e isso tem consequências pedagógicas muito grande.
Se é para formar para o trabalho simples, a maior parte das escolas podem ser instituições estruturadas para a formação de um trabalho de menor complexidade, que seria desdobrados em processos de formação técnica de cursos de curta duração, cujo exemplo mais conhecido é o Pronatec, em que grande parte dos cursos são aligeirados para a formação de uma força de trabalho simples - tanto aquela que já estará inserida no mercado quanto aquela que constitui o que podemos denominar de um exército industrial de reserva.
O documento Pátria Educadora altera a racionalidade da organização da escola quando vislumbra escolas que vão formar forças de trabalho de menor complexidade. É importante destacar que no documento encontramos uma formulação muito perigosa de enormes consequências para o futuro da educação brasileira, que é a referência que o Mangabeira faz da adoção de um modelo tipo SUS (Sistema Único de Saúde).
O que é isso?
O modelo SUS teve como objetivo assegurar o direito ao atendimento à saúde de maneira universal, e isso poderia ser feito tanto pelo órgãos públicos quanto pelas entidades privadas.
Quando Mangabeira reivindica o modelo SUS, claramente está sinalizando que a formação do conjunto da classe trabalhadora deveria ser feita em nome de uma suposta democratização, realizada tanto pelas instituições públicas quanto pelas organizações privadas.
Isso é congruente com o PNE aprovado em 2014, ao estabelecer que a verba pública é aquela utilizada nas instituições públicas, mas também em todas as parcerias público-privadas, como o FIES, PROUNI, Ciências Sem Fronteira, PRONATEC, Pronacampo, sistema S, tudo isso entra como recurso público.
 
Ministro Mangabeira Unger | Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil 
A rigor, estamos diante de uma política que pode indiferenciar as instituições públicas e privadas em detrimento do público, já que as corporações também se acercam da educação básica.
Em setembro acontecerá o 2° Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), em Brasília. Como o Enera se insere nesta conjuntura?
Tenho uma expectativa muito positiva em relação ao segundo Enera. No primeiro Enera tivemos a constituição de outra perspectiva pedagógica para a educação brasileira, que foi a Educação do Campo, uma conceituação do que seria uma educação pública voltada para o campo, mas com um horizonte de formação humana que ultrapassa o campo.
Foi certamente uma proposta que promoveu sínteses brilhantes entre uma perspectiva crítica que vem do campo marxista, da ideia da escola unitária, do trabalho, ao compreender que o trabalho deveria ser um elemento simbólico, imaginativo, capaz de nos constituir como seres humanos, e que portanto a escola é o lugar da cultura, da arte, da ciência, da tecnologia, e não uma instituição livresca. É uma instituição que tem interação com o mundo, com a vida, com os processos de trabalho, com a produção real da cultura em diversos espaços, como pensar no que significa a agricultura no Brasil.
Foi uma proposta pedagógica que promoveu sínteses incorporando pensamento critico marxista, tradição latino-americana de educação popular, particularmente com Paulo Freire, e criou bases para um pensamento pedagógico socialista.
O segundo Enera, a meu ver, está desafiado pela conjuntura a fazer um balanço do que foi essa mercantilização e de como o capital está tentando se apropriar do conjunto da educação básica.
Ao fazer essa reflexão, certamente o Enera vai ajudar a criar bases para uma perspectiva de educação pública unitária capaz de contrapor a educação frente à lógica de movimentos empresariais como o Todos pela Educação.
Pode haver incorporações de elementos novos na nossa reflexão sobre a pedagogia socialista que respondam desafios da ofensiva do capital, mas sobretudo respondam os anseios que estão pulsando em todo o país em torno da educação pública.
Como as últimas greves na educação?
Podemos problematizar a fragmentação das lutas pela educação, o fato de que muitas vezes são lutas econômicas e corporativas, que estão vinculadas as políticas municipais e estaduais, mas não tenho dúvidas de que essas lutas que estão pulsando no país estão enfrentando aspectos dessa pedagogia do capital, criticando a meritocracia, a racionalidade das competências e dos sistemas centralizados de avaliação, o uso de cartilhas.
Temos críticas reais a essa lógica de controle que o capital está buscando sobre a educação básica, mas precisamos sistematizar isso com outros fundamentos pedagógicos, e aprofundando a experiência que foi construída a partir do primeiro Enera.
No segundo Enera acredito que novas dimensões para essa pedagogia socialista vão ser esboçados, e não como o resultado de um processo em que os especialistas de educação do MST vão se reunir e pensar o que seria essa agenda.
Ao contrário, como resultado de uma articulação de movimentos que estão fazendo educação pública e estão buscando uma educação criativa, que estão fazendo as lutas de resistências com as greves, mobilizações, com a participação de estudantes.
Esta riqueza de produções que estão em circulação nas lutas em defesa da educação pública que podem criar uma sistematização maior. Creia condições para que possamos ampliar esta aliança entre experiências da luta urbana com as que vieram do campo, produzindo novas sínteses e novas possibilidades para que a classe trabalhadora tenha sua própria agenda para o futuro da educação pública.
É um processo longo e exigirá um esforço organizativo e intelectual de enorme envergadura. Temos que ter uma produção pedagógica mais sistematizadas, mais profunda, para criarmos a base desse pensamento pedagógico crítico, que assegure uma formação integral, mas uma educação que recusa a divisão dos seres humanos em dois grupos: um que pensa e mando, outro que executa e obedece.
Essas bases para uma proposta socialista estão sendo gestadas nas lutas, mas com o ENERA podemos ganhar um momento de qualidade no terreno da elaboração, articulação e organização em defesa desse projeto de novo tipo.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

(Des)educacao brasileira: freireanos ideologicos reclamam do ministro aloprado

O ministro de todas as coisas fez um "plano" para a educação brasileira retirado da sua cabeça: nele figuram grandes conceitos e quase nenhuma ideia sensata.
Os freireanos, como é de seu hábito, agitam outros grandes conceitos -- como esse da tal "educação inclusiva", que não quer dizer absolutamente nada, se não incluir as matérias essenciais -- para se opor ao ministro que acham vendido para perigosas ideias empresariais.
Que pecado! De ambos os lados: os freireanos por estarem destruindo a educação brasileira, o ministro por ser um mero acadêmico, ainda que eivado de boas intenções.
O ponto de vista, que considero especialmente nefasto, dos freireanos vai exposto abaixo, apenas para confirmar o que sempre disse: não há nenhum risco de a educação brasileira melhorar no futuro previsível.
Paulo Roberto de Almeida

Abaixo da média
Educação: Diagnóstico e propostas do ministro Mangabeira Unger são mal recebidos por especialistas do setor
Por Cinthia Rodrigues
Carta Capital, 18/05/2915

Com a reeleição de Dilma Rousseff, lideranças e ativistas da área de educação previam um 2015 de muito trabalho e poucas novidades. Após 42 meses de exaustivo debate, o Plano Nacional de Educação (PNE) e suas 20 metas e 250 estratégias para a década havia sido aprovado sem vetos pela presidenta. O passo natural seria a execução do plano. Seria. Um projeto assinado pelo ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, tem provocado celeumas entre os especialistas e parece pretender atropelar o PNE.
Educadores, muitos ligados ao PT, reclamam da visão excessivamente "empresarial" do documento, intitulado Pátria Educadora. Para elaborar o texto de 29 páginas, divulgado em 22 de abril, Unger consultou fundações bancadas pelo setor privado e pesquisadores que trabalharam em campanhas adversárias, entre eles Maria Helena Guimarães, autora do programa de governo de Aécio Neves para o setor. Deixou de lado, no entanto, grupos de pesquisa consolidados e que oferecem visões diferentes. A reação foi instantânea e dura. "Nesta reflexão há certa dose de indignação, pois não poderíamos imaginar que uma proposta com esse conteúdo conservador e excludente pudesse vir de um governo que queremos que seja nosso"; escreveu o doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e ex-secretário da pasta no Rio Grande do Sul, José Clóvis de Azevedo, no início do texto de 31 páginas em resposta ao projeto Unger.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta, em outras 19 páginas, disse tratar-se de um retrocesso a um processo até então democrático e inclusivo. "Afronta os objetivos mais importantes da educação construídos em décadas que visam a superação da escola seletiva", anotou.
O documento é composto de duas partes. A primeira, intitulada "A Tarefa", reconhece melhoras na universalização do acesso ao ensino básico, mas classifica a situação geral como "dramática". Na segunda ("Iniciativas"), lista sugestões, entre elas a adoção do Enem digital, a proliferação de tecnologias nas salas de aula, a criação de centros de formação para diretores e professores, um programa para oferecer novas bolsas do ProUni em cursos de formação docente e a revisão do currículo das instituições particulares.
Há quem enxergue no plano Unger a intenção de substituir o PNE. Não é o caso. O documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) também defende a criação de uma base curricular comum nacional e a reorganização das responsabilidades entre os entes federativos. O fato de o programa elaborado pela SAE ter sido apresentado em São Paulo sem a presença de Renato Janine Ribeiro, empossado ministro da Educação três semanas antes, deixou claro o caráter autoral da proposta. Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, reuniu-se com Unger na quarta-feira 13 e saiu satisfeito do encontro: "Ele prometeu esclarecer que o PNE é maior que o projeto e o nível do debate foi muito bom".
Um dia antes, o ministro expôs suas ideias em uma conversa com CartaCapital. Segundo ele, a proposta foi encomendada por Dilma Rousseff e trata-se da "primeiríssima prioridade" da presidenta. Unger minimizou os avanços na qualidade do ensino nos últimos anos: "Foram episódicos, localizados e inspirados em um paradigma empresarial. Mas nosso ideário não pode ser somente com o paradigma empresarial, do qual sou um crítico".
O Ministério da Educação não quis comentar o texto de Unger. O ministro Janine e sua equipe, informou a assessoria de imprensa, dedicam-se no momento à implementação do PNE. Unger afirma, no entanto, que seu parecer recebeu o apoio do secretário-executivo do MEC, Luiz Cláudio Costa, ministro-interino entre a saída de Cid Gomes, em 18 de março, e a posse de Janine, em 6 de abril.
Sobre o meio consultado, o secretário de Assuntos Estratégicos citou "mais de cem interlocutores", a maioria especialistas de fundações privadas, como o Instituto Ayrton Senna, a Fundação Lemann e o Instituto Natura, além de dirigentes do Conselho Nacional dos Trabalhadores na Educação, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação e acadêmicos como Maria Helena Guimarães e o sociólogo Simon Schwartzman.
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor do Centro de Pesquisa, Memória e Documentação da Faculdade de Educação, Luciano Mendes classificou a proposta de "madrasta deseducada", por seu "desconhecimento da pesquisa e dos esforços na área no Brasil, autoritarismo e distorção dos fatos históricos". Segundo ele, o documento é a "recuperação das propostas derrotadas nas urnas e muito mais".
O diretor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, Paulo Carrano, definiu a proposta como um "atropelo" na formulação de política nacional. O documento, admite, até possui um "núcleo de bom senso", mas não reconhece a pesquisa realizada e os fóruns democráticos. "E um olhar de cima com tom salvacionista. Revigora conceitos superados como a seletividade de se tratar os mais pobres de forma diferente e premiar os melhores alunos com escolas melhores."
Um dos críticos mais contundentes é o professor titular de Educação da Universidade de Campinas Luiz Carlos Freitas, autor de 20 textos contraproposta. Sobre a convocação do ministro de uma "vanguarda pedagógica", ironiza: "Ele quer alguém que concorde com suas ideias e as implemente. No máximo, admite melhorar as ideias postas. Ocorre que o documento não comporta melhora, a não ser dentro de sua própria lógica". E acrescenta: "Diferentemente do mercado, onde há ganhadores e perdedores, em educação só devem existir ganhadores. Não é pela pressão sobre a escola e o professor que se melhora".
O documento, prossegue Freitas, usa termos para disfarçar preconceitos. Cita a disposição de "organizar a diversidade" e a proposta de criação de escolas de referência. "Está em curso a montagem de uma grande máquina de segregação escolar colocando cada um no seu lugar segundo suas expectativas sociais, origem social, sequências de capacitação e, claro, espelhando quanto dinheiro se carrega no bolso. Exceções são admitidas. Está em curso, igualmente, o alinhamento das escolas com as necessidades dos empresários por qualificação de quadros talentosos e pela disseminação de habilidades fundamentais para o consumo das massas."
A visão de Alejandra Velazco, coordenadora-geral do movimento Todos Pela Educação, entidade da sociedade civil mantida com recursos empresariais, não difere dos acadêmicos. Ela estava presente no lançamento da proposta Unger em São Paulo e diz não ter entendido onde ela se encaixa. "Fica a impressão de falta de organização. E difícil compor um quadro de quais são os planos e quem é o articulador. Há conceitos ali já debatidos e ultrapassados, entre eles a ideia de exclusão."
Unger afirma encarar com naturalidade as críticas despertadas pelo documento. O ministro tem se esforçado para ouvir os críticos em reuniões fechadas, entre eles o deputado Pimenta. O documento, afirma, é um ponto de partida, não de chegada. "Estamos botando a mão na ferida. A controvérsia é um sinal de que estamos no caminho correto. Um projeto forte que enfrenta um problema estrutural e propõe uma resposta estrutural suscita controvérsias. Se não fosse assim, seria um embuste." Ou seria?