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segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A empulhação americana no caso do açúcar e a sabujice confirmada do chanceler acidental - Mariana Sanches (BBC)

 Os americanos querem enganar os brasileiros? Parece que sim. E quais são os idiotas que querem se deixar enganar? São aqueles que pretendem que os americanos fizeram uma concessão ao Brasil em troca da importação livre de direitos de etanol de milho americano, quando eles NÃO FIZERAM NENHUMA CONCESSÃO, apenas realocaram cotas de açúcar já disponíveis.

MENTIRA, o que qualquer autoridade americana ou brasileira possa dizer sobre esse "acordo" enganoso.

Paulo Roberto de Almeida 

Por que anúncio de Bolsonaro sobre cota de açúcar dos EUA para o Brasil não é vitória diplomática


  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington, 21/09/2020

Depois de uma sequência recente de derrotas diplomáticas para os Estados Unidos no comércio bilateral, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter nesta segunda-feira, dia 21, anunciar que os americanos aumentarão a compra de açúcar brasileiro em 80 mil toneladas e, junto com uma foto do chanceler Ernesto Araújo, afirmou que esse é "o primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool". 

A manifestação ocorre semanas após o aço brasileiro ter sido cortado em mais de 80% das importações americanas e de o Brasil ter renovado uma isenção de tarifas à entrada de quase 200 milhões de litros de etanol americano no país, o que o setor sucroalcooleiro classificou como "enorme sacrifício". 

Final de Twitter post, 1

De acordo com fontes com conhecimento direto das negociações ouvidas pela BBC News Brasil, o Itamaraty teria tomado as medidas para tentar colaborar com a campanha de reeleição do presidente Donald Trump, que tem entre os operários da siderurgia e os fazendeiros de milho parte de sua base eleitoral. 

Oficialmente, o chanceler Araújo afirmou que a concessão era necessária para abrir negociações que poderiam resultar em uma redução das barreiras tarifárias de 140% que os americanos impõem sobre o açúcar brasileiro há décadas. 

Mas as negociações caíram mal politicamente e geraram críticas de subserviência do país diante de seu aliado preferencial. A tensão ainda aumentou depois que Araújo serviu de cicerone ao secretário de Estado americano Mike Pompeo em uma visita relâmpago à Roraima, na última sexta-feira, quando o americano fez críticas ao regime venezuelano. 

"No geral, há uma percepção de que o Brasil não está sendo tratado de uma maneira justa perante os Estados Unidos, por isso o governo está tentando dar uma publicidade para algo trivial e esperado, para buscar um equilíbrio nessa imagem para o seu público", afirmou reservadamente à BBC News Brasil um embaixador especializado em comércio internacional.

Segundo o diplomata, trata-se de algo "trivial" e "esperado" porque embora o presidente sugira que houve um incremento permanente na quantidade de açúcar que o Brasil poderá exportar aos americanos, o que aconteceu na verdade foi uma realocação temporária de fornecedores feita pelos americanos. 

Os Estados Unidos importam anualmente mais de 3 milhões de toneladas de açúcar - e dão preferência a vendedores da África ou América Central. Mas, caso esses fornecedores habituais não vendam a quantidade necessária e haja um subabastecimento do mercado americano, a Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos informa o representante comercial do país que redireciona suas compras para outros produtores, como o Brasil. 

A mesma coisa aconteceu no ano passado e em fevereiro desse ano, sem que Bolsonaro fizesse do fato motivo de comemoração nas redes nessas duas ocasiões.

"Os Estados Unidos não fizeram nenhum favor ao Brasil, apenas realocaram algum volume (de açúcar) ao Brasil, dentro do mercantilismo geral deles. Isso precisa ser esclarecido, para que não pareça uma vitória diplomática que não foi", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Pompeo, de máscara, descendo de escada no avião
Legenda da foto, 

Visita de Pompeo a Roraima gerou diversas críticas no mundo político

Mas o momento político atual pode ter levado a essa mudança de postura do presidente. No último fim de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criticou a visita de Pompeo a Roraima e acusou sua presença de eleitoreira e de afronta à autonomia do país.

"A visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, nesta sexta-feira, às instalações da Operação Acolhida, em Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial norte-americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa", afirmou Maia. 

Suas críticas foram endossadas em carta por todos os ex-chanceleres do período democrático: Fernando Henrique Cardoso (governo Itamar Franco), Francisco Rezek (governo Collor), Celso Lafer (governos Collor e FHC), Celso Amorim (governos Itamar Franco e Lula), José Serra e Aloysio Nunes Ferreira (governo Temer).

O clima político ficou tão difícil que nesta segunda-feira senadores chegaram a cogitar o adiamento da sabatina de mais de 20 candidatos brasileiros a embaixadores pelo mundo, que esperam confirmação pela Casa de seus postos. O boicote foi desmobilizado depois que Ernesto Araújo aceitou comparecer ao Senado na próxima quinta-feira para explicar em detalhes a visita de Mike Pompeo.

Duas grandes sacas de açúcar em galpão
Legenda da foto, 

Sacas de açúcar para exportação no Rio Grande do Sul; produtores negaram que medida anunciada por Bolsonaro seja uma vitória

Os principais interessados no anúncio de Bolsonaro, os produtores de açúcar, tampouco consideraram o aumento na cota uma vitória. De acordo com dados da Câmara de Comércio Exterior, nas últimas cinco safras o Brasil exportou em média 25,6 milhões de toneladas de açúcar no total. Nesse universo, as 80 mil toneladas que os Estados Unidos devem comprar agora representam apenas 0,3%. 

Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) afirmaram que "essa cota adicional de açúcar é consideravelmente inferior à cota mensal de etanol que o Brasil ofereceu novamente aos Estados Unidos em setembro" e reafirmou que a medida não é "uma concessão americana". 

"Devemos esclarecer que se trata de um procedimento normal adotado pelos EUA nos últimos anos, sem representar qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país", dizem os produtores na nota.

A BBC News Brasil consultou o Itamaraty a respeito das negociações com os americanos e da cota de açúcar, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Dentro do órgão, auxiliares do ministro afirmam que relações comerciais nesses moldes são normais, mas que fica difícil compreender esses movimentos a partir de um prisma "em que concessões brasileiras representam submissão absoluta do Brasil enquanto que qualquer medida americana é 'prêmio de consolação'". 

Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro operou uma profunda mudança na política internacional brasileira, transformando os Estados Unidos em seu aliado preferencial.

O embaixador especialista em comércio ouvido reservadamente pela BBC News Brasil afirma que cotas e concessões são comuns nas relações internacionais, mas que em ambientes polarizados, onde que esse tipo de transação tem chamado a atenção, tem levado políticos a tentar explorá-los a seu favor. 

"Nesse caso do açúcar, não há o que se falar em vitória diplomática, é uma questão circunstancial. O Itamaraty e o setor produtivo sabem disso. Mas o resto da população, especialmente os apoiadores do presidente, não sabem. E vão se satisfazer com a mensagem dele", afirma.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

O Brasil e os projetos de integração regional: passado, presente e futuro - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, não o último, a ser apresentando proximamente: 

3728. “O Brasil e os projetos de integração regional: passado, presente e futuro”, Brasília, 5 agosto 2020, 26 p. Contribuição ao 18 Congresso Brasileiro de Direito Internacional e à publicação decorrente: Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (e-mail: boletim@direitointernacional.org). Programa divulgado no blogDiplomatizzando (link: https://drive.google.com/file/d/182IVxaGOFN6fo6bWaLsuAi4Nzb1DsPWC/view). Texto pessoal divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43917653/O_Brasil_e_os_projetos_de_integracao_regional_passado_presente_e_futuro)


O Brasil e os projetos de integração regional: passado, presente e futuro
Brazil and the regional integration projects: past, present, and future


Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo18ª. Conferência Brasileira de Direito Internacionalfinalidadecontribuição]
  
Sumário: 
1. Uma longa trajetória, dos projetos de integração à indefinição da atual desintegração
2. Alalc e Aladi: dois ensaios limitados de mercantilismo mal administrado
3. A aposta no Mercosul: o otimismo político sem o realismo das reformas internas
4. Como o Mercosul enveredou por caminhos erráticos
5. O Mercosul poderá ser salvo? Especulações sobre caminhos pouco viáveis
6. Conclusões: o que fazer com o Mercosul?
Referências bibliográficas


Resumo: Os projeto de integração na América Latina possuem uma longa história, desde o imediato pós-Segunda Guerra, com maior ênfase a partir do início da integração europeia. A área de livre-comércio do primeiro Tratado de Montevidéu (1960) não redundou no objetivo esperado e foi substituída por uma zona de preferências tarifárias, com o segundo Tratado de Montevidéu (1980). Os países com maior proximidade geográfica ou maior intensidade de comércio ensaiaram esquemas sub-regionais: o Pacto Andino (1969; CAN, 1996), e o Mercosul (1991), baseado na integração bilateral Brasil-Argentina (1988 e 1990). Depois de um início promissor, o Mercosul enfrentou dificuldades, não derivadas de seus mecanismos ou objetivos, mas sim da incapacidade dos dois principais países em empreenderem reformas de seus regimes fiscais e de suas políticas comerciais para se conformarem à meta do mercado comum, sendo que nem a união aduaneira foi completada. Persistem sérias dúvidas sobre se o Mercosul ou os demais países e esquemas de integração lograrão superar os obstáculos, em virtude da atual fragmentação política e econômica do continente.
Palavras-chave: Brasil; Mercosul; projetos de integração regional; frustrações.

Abstract: Latin America has a long itinerary in the realm of integration projects, since the post-WWII, especially after the beginning of European integration process. The free-trade area, object of the first Montevideo Treaty (1960), did not reach its goal, being replaced by a preferential tariff zone with the second Montevideo Treaty (1980). Countries linked by geographic proximity or having higher intensity in reciprocal trade tried sub-regional schemes, such as Andean Pact (1969; CAN, 1996), and Mercosur (1991), taking support in previous bilateral integration schemes between Argentina and Brazil (1988; 1990). After a promising début, Mercosur started to crawl, not due to intrinsic institutional failures, but arising from the inability of the two largest partners to implement economic opening, fiscal and trade policy reforms, in order to accomplish the common market objective, but even the customs union remained incomplete. There are serious doubts if Mercosur or other countries and integration blocs will be able to surmount current obstacles, taking into account the actual political and economic fragmentation in the continent.
Keywords: Brazil; Mercosur; regional integration projects; failures.

O programa completo do Congresso está aqui: 

Meu texto pode ser lido aqui:
Academia.edu: 

e aqui:
Research gate: 
https://www.researchgate.net/publication/343808733_O_Brasil_e_os_projetos_de_integracao_regional_passado_presente_e_futuro






terça-feira, 22 de outubro de 2019

Política comercial: reforma da TEC do Mercosul ainda duvidosa (Valor Econômico)

Brasil planeja ‘choque’ em tarifa industrial
Valor Econômico, 22/102019

O plano de abertura da economia desenhado pelo governo Jair Bolsonaro prevê um corte unilateral das alíquotas de importação sobre produtos industriais de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos - o que deixaria o Brasil com níveis de proteção tarifária à indústria equivalentes aos dos países mais ricos do mundo. O Valor teve acesso à simulação feita pelo governo brasileiro e compartilhada com os demais sócios do Mercosul para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC). A intenção do Ministério da Economia e do Itamaraty é avançar nas discussões em encontro de cúpula presidencial do bloco pré-marcado para os dias de 4 e 5 de dezembro, em Bento Gonçalves (RS), com a presença do argentino Mauricio Macri e menos de uma semana antes da conclusão de seu mandato na Casa Rosada. Pela simulação, que representa o primeiro exercício efetivo nas discussões sobre o futuro da TEC, as alíquotas aplicadas sobre automóveis de passageiros trazidos do exterior devem cair de 35% para 12%. Diminuiria também, de 35% para 12% a tarifa cobrada de produtos têxteis e vestuário. Em um momento de sobreoferta e excesso de capacidade global, laminados de aço a quente teriam queda de 12% para 4%. Ônibus passariam de 35% para 4%. O polipropileno, um dos principais bens da indústria petroquímica produzidos no Brasil, baixaria de 14% para 4%. 
Integrantes da equipe econômica já haviam dito, em entrevistas, que o Brasil submeteria ao Mercosul um plano de corte médio e não linear da TEC pela metade. Representantes do setor privado reclamam que, desde então, não têm conseguido abrir um canal de diálogo com o governo para falar sobre o assunto. O que revela a proposta obtida pelo Valor é que, para diversos setores da indústria de transformação, o corte poderia ir muito além de 50% da tarifa de importação praticada hoje. Enquanto isso, o agronegócio ficaria com alíquotas praticamente inalteradas. O documento foi apresentado ao “Grupo Ad Hoc para Analisar a Consistência e Dispersão da TEC” e ainda não teve resposta dos outros sócios do bloco - Argentina, Uruguai e Paraguai. Há sugestões de alíquotas para 10.270 NCMs, como são conhecidas as nomenclaturas comuns do Mercosul. Cada NCM abrange um produto específico ou uma pequena categoria de produtos. 
Quando se levam em conta segmentos industriais como um todo, o “choque tarifário” também fica evidente: o estudo é de redução da TEC para calçados (31,8% para 12%), equipamentos médico-hospitalares (11,2% para 3,8%), móveis (17,6% para 8,8%), produtos plásticos (10,8% para 4,8%), siderúrgicos (10,4% para 3,7%), máquinas, material e aparelhos elétricos (12% para 4,2%). A forte abertura da indústria, no entanto, contrasta com um movimento bem mais tímido de liberalização da agricultura e do agronegócio - justamente os setores nos quais o Brasil tem mais competitividade e, em teoria, não precisaria tanto de proteção. A simulação feita para a tarifa dos vinhos, cujo polo gaúcho de produção fica em base eleitoral do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), é manter a alíquota no mesmo nível da praticada hoje (20%). A TEC para o etanol seria mantida em 20%, o que pode conter a insatisfação dos usineiros do Nordeste, com viés mais protecionista e já contrariados com a ampliação recente - de 600 milhões para 750 milhões de litros - da cota livre de tarifas pelo período de um ano.
Outro segmento sem mudança é o dos produtores de banana. A tarifa atual é de 10% e ficaria assim. Em março, Bolsonaro fez questão de “pedir desculpas para o pessoal do Vale do Ribeira”, onde passou a adolescência, pelas importações de bananas do Equador. Em 2017, após anos de negociações, o Ministério da Agricultura reconheceu o país andino livre de um vírus apontado como risco fitossanitário ao Brasil. “Como é que pode uma banana sair do Equador, andar 10 mil quilômetros, passando pelo canal do Panamá e pelo porto de Santos, e chegar a um preço competitivo lá no Ceagesp, se a 150 quilômetros de São Paulo você tem o Vale do Ribeira, cuja economia em grande parte é a banana?”, questionou Bolsonaro. Reservadamente, um alto funcionário do governo brasileiro afirma que a iminência de uma derrota de Macri deve postergar o desfecho das discussões sobre a nova TEC. Até meados do ano, segundo essa fonte, Brasília vinha trabalhando com um cenário de reeleição do atual presidente e um clima mais favorável para a maior reestruturação da tarifa comum do do Mercosul em 25 anos. Como essa aposta não vingou e a chapa oposicionista Alberto Fernández-Cristina Kirchner tem ampla vantagem para ganhar já no primeiro turno, nas eleições presidentes deste domingo, o cronograma está sendo repensado. 
Segundo a fonte ouvida pelo Valor, seria “imprudente” bater o martelo em torno das novas alíquotas na cúpula do Mercosul e deixar um constrangimento ao novo governo argentino, que toma posse em 10 de dezembro. Agora, a ideia é avançar nos trabalhos e ter uma decisão em estágio adiantado, para ser tomada depois de conversas com o provável governo Fernández sobre o futuro do bloco. Como é uma união aduaneira, mesmo cheia de imperfeições (já que muitos produtos têm regimes próprios ou fazem parte de listas de exceções), o Mercosul pratica uma tarifa comum para importações provenientes de outros países. A visão dominante na equipe econômica é que o corte unilateral das alíquotas deve ser feito com ou sem a Argentina. Se o país vizinho recusar a proposta de abertura, seguindo a tradicional linha kirchnerista de maior protecionismo, haveria uma espécie de beco sem saída para o Mercosul: a união aduaneira precisaria regredir para uma zona de livre-comércio.



Giambiagi defende regressão do Mercosul se queda na tarifa não avançar
Intenção do Brasil de reduzir tarifa comum no bloco deve encontrar resistência num eventual governo Alberto Fernández na Argentina
Por Gabriel Vasconcelos, Valor Econômico — Rio

O economista Fabio Giambiagi defende que o governo brasileiro solicite ao Mercosul sua regressão ao status de área de livre comércio — deixando de ser união aduaneira —, caso um eventual governo de Alberto Fernández, na Argentina, se mostre irredutível à proposta de redução da Tarifa Externa Comum (TEC).
A mudança é planejada pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes e foi acatada pelo Ministério de Relações Exteriores.
“Já está colocado que o Brasil vai apresentar ao Mercosul uma proposta de redução tarifária. Isso posto, a Argentina pode aceitar a tese num eventual governo Fernández, mas ter discordâncias quanto à velocidade ou intensidade da redução. Aí se pode negociar. Mas, se manifestarem uma rejeição absoluta à ideia, dada a importância que isso tem para a economia brasileira, creio que poderemos estar colocados diante da possibilidade de que o Brasil solicite ao Mercosul sua transformação no que seria apenas uma área de livre comércio, um passo atrás”, disse Giambiagi ao Valor. A eleição presidencial na Argentina acontece neste domingo.
Por mais de uma vez, Giambiagi sugeriu que esta é a compreensão do governo brasileiro. O economista, que é chefe do departamento de pesquisas do BNDES, se diz favorável à proposta de reduzir em 50% a TEC em um prazo de quatro ou cinco anos, estratégia que estaria adiantada junto ao atual presidente argentino, Mauricio Macri, mas pode encontrar resistência de Fernández.
O candidato argentino da chapa que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner — e conta com a influência de setores peronistas afeitos a políticas protecionistas — venceu com folga as primárias no país e tende a confirmar o resultado nas eleições do próximo domingo.
Criada em 1994, a TEC do Mercosul é o conjunto de impostos de importação cobrados nas aduanas de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. As alíquotas variam de 0% a 35%.
A defesa foi feita em debate no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio, em que estiverem presentes, também, o embaixador José Botafogo Gonçalves e o diretor-geral da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), Ricardo Markwald.
Todos demonstraram preocupação com as escaladas retóricas do presidente Jair Bolsonaro e também de Fernández, que poderiam prejudicar não só a governança do Mercosul, mas também as trocas comerciais entre Brasil e Argentina, e o acordo comercial entre o bloco sul-americano e a União Europeia, fechado ao fim de junho.
“Fernández já fez declarações fortes dizendo que não se sente nada cingido por esse compromisso [acordo comercial com a UE]. Se a isso somamos as intervenções de Bolsonaro e do chanceler [Ernesto Araújo] sobre as eleições argentinas, não são bons princípios para uma relação”, disse Markwald.
Ele definiu Bolsonaro como “incontrolável” e disse que as relações internacionais brasileiras não são mais comandadas pelo Itamaraty, mas por um discurso ideológico de Araújo, que pode atrapalhar a “tradicional paciência estratégica” do Brasil com o país vizinho.No entanto, o economista ponderou que, hoje, o horizonte do Mercosul poderia ser considerado satisfatório.
    “Pela primeira vez, em uma década ou mais tempo, eu diria que a coisa está indo para frente”, afirmou Markwald.
Nesse sentido, Markwald citou o acordo comercial com a UE, que teria induzido a renovação do acordo automotivo entre Brasil e Argentina — com livre comércio até 2029 — e as pretensões de ambos de integrar o quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora não traga vantagens diretas, o pleito à OCDE, diz, implica “um 'mindset' de abertura econômica importante”.
Para Markwald, uma pista do que será a interação entre os dois países vizinhos e, tão logo, o futuro do Mercosul, virá da negociação da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI), marcada para o fim deste mês, imediatamente depois das eleições no país vizinho.
Para o economista, caso eleito, Fernández deve moderar o discurso e buscar algum apoio do Banco Central Americano (FED) para manter o aporte. “Uma postura isolacionista seria uma verdadeira 'marcha para a insensatez'”, disse. No fim de setembro, o FMI anunciou a interrupção do programa de ajuda financeira de US$ 56 bilhões à Argentina em função da moratória sobre a dívida local e das incertezas políticas.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Redescobrindo estudos ineditos (1): Politica economica externa (2014)

Em 2014, participando a minha maneira – ou seja, discretamente – do debate eleitoral em curso naquele ano eleitoral, eu comecei a elaborar alguns papers, destinados em primeiro lugar a auto-esclarecimento, em seguida como possível subsídio à formulação de políticas públicas nas áreas em que me considero relativamente competente, ou seja, relações econômicas internacionais do Brasil.
O que vai abaixo é um exemplo desse tipo de trabalho, um primeiro, de caráter geral e depois contendo propostas para a área econômica externa.
Se escrevesse hoje, eu teria propostas mais específicas, como por exemplo, tarifa única, liberalização unilateral, renegociação do Mercosul, etc.
Mas, segue para conhecimento dos interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de janeiro de 2019


Sugestões a propósito de uma política econômica externa para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Texto provisório, primeiro de uma série; Hartford, 26 de julho de 2014.

Sumário:
1. Declaração de propósitos
2. Papel da política externa na agenda nacional
3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
     3.1. Política comercial
     3.2. Política industrial
     3.3. Política financeira
4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões

1. Declaração de propósitos
O dever de todo estadista, seja candidato ou já ocupando o poder, começa pela exposição clara, inteligível para o grande público, do que ele considera que devam ser as prioridades que todos – políticos em geral, partidos, governo, Estado como um todo, o povo brasileiro, enfim, ele pessoalmente – precisam perseguir, incansavelmente, para o maior benefício da população. Observando-se o Brasil atual, e as preocupações já expostas pela maior parte dos cidadãos, parecem ser estas as prioridades dos brasileiros:
       1) Dispor de segurança básica, para si e sua família;
       2) Contar com serviços públicos de qualidade, sobretudo nas grandes metrópoles;
       3) Ver o governo garantindo o poder de compra da moeda, com inflação mínima;
       4) Futuro melhor, via educação e saúde, o que depende do aumento da renda.

Estas são as questões que mais preocupam os brasileiros, e elas devem vir sempre em primeiro lugar. Nenhuma delas tem a ver com política externa, mas talvez esta possa trazer algumas contribuições para o encaminhamento adequado desses muitos problemas que preocupam todos os brasileiros, empresários e trabalhadores.

2. Papel da política externa na agenda nacional
A política externa tem, e deve ter, um papel eminentemente secundário em face dos grandes problemas nacionais. Precisa ficar claro, desde o início, que todos, TODOS os problemas nacionais são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente nacionais. O ambiente externo tem sido extremamente favorável para o crescimento e o desenvolvimento de todos os países que têm sabido aproveitar os impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos.
A política externa poderia ter um papel maior na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio internacional e bem mais receptivo a investimentos estrangeiros e associações com todos os países avançados tecnologicamente, fatores altamente relevantes para os projetos nacionais de desenvolvimento. Basta uma comparação entre os países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de abertura externa para constar esta simples realidade. Este deveria ser um argumento suficientemente convincente para justificar um processo de maior abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento tecnológico e cultural no mundo. Uma política externa compatível com os interesses nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo, todo o resto sendo secundário, inclusive as alianças Sul-Sul, que só nos afastam desses objetivos prioritários.

3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
Uma exposição do que poderia ser uma agenda externa focada nos interesses brasileiros de desenvolvimento poderia ser articulada em torno das seguintes questões.
3.1. Política comercial
Discutir em nível interno uma nova rodada de facilitação do comércio exterior, com o desmantelamento de entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações e de importações. Tal processo deveria ser paralelo e coincidente com um processo de diminuição do peso tributário sobre as empresas, insuportável sob qualquer critério que se examine. Como não haveria acordo para uma reforma tributária completa, e sobretudo para uma revolução fiscal abrangente, melhor começar pela redução pontual, linear e calendarizada, de todos os impostos, tributos, contribuições e gravames que atingem o setor produtivo e o TRABALHO, tanto em nível federal, como nos demais níveis. Seria um processo negociado, gradual de redução da carga fiscal, em que todas as unidades da federação veriam alíquotas impositivas serem reduzidas em valores diminutos (digamos 0,5% por semestre, ou ao ano), o que seria compensado pela eficiência arrecadatória e pelo estímulo às atividades empreendedoras.
Paralelamente seria iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre (a) unificação de suas regras de aplicação, ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo de Ouro Preto, introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula NMF para dentro. Sob a segunda hipótese, o Brasil poderia negociar acordos com a UE, a Aliança do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a serviços, defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos aos demais membros do Mercosul, se estes assim o desejassem.
No que se refere ao próprio Mercosul “histórico”, seria preciso dar um fim à leniência inaceitável com as arbitrariedades argentinas: se elas se contrapõem às normas existentes, basta denunciá-las sob o regime de solução de controvérsias do bloco; se isso não for suficiente, resta ir à OMC. O que o Brasil não pode fazer é prejudicar os seus exportadores em nome de uma suposta generosidade com contraventores reincidentes.
Não há muito que o Brasil possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito da Rodada Doha (paralisada), seja no contexto da agenda de Bali, ou qualquer outra. O que cabe, sim, é examinar todos os demais acordos plurilaterais existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e facilitação.
No plano plurilateral, caberia examinar todos os acordos – bilaterais de livre comércio, ou simplesmente de preferências tarifárias – que o Brasil poderia começar a negociar com os mais relevantes parceiro do comércio internacional, que não são exatamente os do G20 comercial, onde estão os maiores obstrucionistas de uma agenda aberta, e aos quais estivemos vinculados por simples decisão política e ideológica.
3.2. Política industrial
Os governos petistas promoveram cinco ou seis, todas fracassadas, e nos últimos tempos se dedicaram a improvisações e puxadinhos, que criam uma selva de regulações diferenciadas entre setores, com regimes fiscais diferentes, inclusive desrespeitando o princípio da isonomia tributária que deveria pautar as ações do governo. A política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais tecnologicamente avançado no mundo. A política Sul-Sul não pode, inquestionavelmente, cumprir esse papel. Independentemente de o Brasil ser ou não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais nessa área.
Uma das primeiras tarefas internas seria retomar, reexaminar, eventualmente assinar ou renegociar todos os acordos bilaterais de proteção a investimentos, os APPIs, que foram sabotados pelos petistas antes mesmo de assumirem o governo em 2003. O Brasil descumpriu mais de uma dezena de acordos assinados com os mais importantes parceiros exportadores de capitais e de investimentos diretos. Deixou de oferecer um ambiente seguro e estável para esses investimentos, assim como deixa de oferecer um ambiente estável para os próprios empresários brasileiros do setor. Caberia trabalhar com a CNI e algumas federações estaduais mais ativas nessa área, com o objetivo de colocar o Brasil no mesmo patamar regulatório que os países mais avançados, deixando de lado o stalinismo industrial até aqui praticado pelo governo.
3.3. Política financeira
O Brasil assinou, no quadro da crise provocada pelas eleições de 2002, um acordo preventivo com o FMI, renovado pelo governo Lula em 2003, que previa a disponibilidade de aproximadamente 15 bilhões de dólares, do total de 30 bilhões potencialmente utilizáveis, a juros modestos de 4,5% ao ano. Demagogicamente, em 2005, o governo Lula terminou esse acordo, teoricamente para o Brasil não ficar “dependente” do FMI, e o Brasil passou a emitir bônus globais a um custo duplicado em juros. Caberia em primeiro lugar denunciar essa demagogia que custou caro ao país.
No plano das relações financeiras externas, cabe igualmente encerrar a demagogia do “comércio em moedas locais”, que significa um inacreditável retrocesso de mais de 70 anos em relação à multilateralização de pagamentos externos acertada em Bretton Woods em 1944. Essa bilateralização cambial nos obrigaria, por exemplo, a utilizar nosso saldo no comércio com a China na compra de produtos chineses, o que seria de uma estupidez monumental. Existem custos, já impostos, ao Banco Central, de criar uma nova janela de contabilização de operações externas no caso do comércio com a Argentina. Não cabe criar mais janelas, e ainda transferir o risco cambial, atualmente inteiramente a cargo de operadores privados de comércio, como deve ser, para o BC.
Mais importante, o Brasil, por motivos totalmente políticos, se engajou na criação do Banco do Sul, e agora no Novo Banco de Desenvolvimento. São iniciativas que não acrescentam nada aos mecanismos, ferramentas e fontes já existentes, seja em nível nacional – BNDES ou BB –, seja no plano regional – BID, CAF, etc. – ou multilateral – BIRD e outros bancos regionais e nacionais, inclusive europeus. Não existe falta de recursos, no mundo, para qualquer projeto de qualidade que se queira promover nacionalmente ou em outros países. Esses bancos “ideológicos” significam uma baixa de padrões de qualidade na seleção e aprovação de projetos, implicam a sustentação de projetos dúbios, mas apoiados politicamente por ou outro parceiro ou membro dessas instituições, e representam oportunidades potenciais para mais desvios e iniciativas corruptas nessas esferas.
O Brasil não necessita, nem internamente, nem externamente, de bancos desse tipo, e um novo governo, comprometido apenas com a inserção do Brasil no mundo globalizado, deveria ter a coragem de denunciar sua assinatura nesses acordos e retirar-se dessas instituições. Ele faria melhor, na agenda financeira externa, se trabalhasse na futura conversibilidade do real, fortalecendo suas bases internas (isto é, menor inflação e maior liberalização nas transações financeiras internacionais) e adotando, para o BNDES, os mesmos padrões de funcionamento e financiamento que aqueles em vigor no âmbito da OCDE e das grandes instituições financeiras multilaterais.

4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões
Estas três áreas, comercial, industrial e financeira, são as mais relevantes na interface entre uma agenda interna de desenvolvimento e uma agenda diplomática na área econômica. Existem outras, por certo, relativas à tecnologia, à propriedade intelectual (na qual os governos lulo-petistas também promovera inacreditáveis retrocessos conceituais e práticos), à cooperação científica e educacional – durante muito tempo toldada pela distorção ideológica da diplomacia Sul-Sul – e até no terreno das políticas de segurança e de capacitação bélica, igualmente marcadas pelo anti-imperialismo infantil dos companheiros e por suas alianças espúrias nesse terreno. Todas elas possuem algum impacto econômico relevante para um projeto nacional de desenvolvimento, mas cabe insistir que o ambiente internacional é bastante favorável ao crescimento do Brasil, à condição que este empreenda reformas internas capazes de potencializarem a sua interação com o mundo.
Os maiores problemas, os maiores obstáculos a essas reformas, os maiores atrasos – inclusive mentais – encontram-se inteiramente no próprio Brasil. A tarefa de reforma da agenda diplomática brasileira começa por um sério empreendimento de reformas internas, uma missão hercúlea que cabe a um estadista. O Itamaraty, a despeito de também fazer parte do atraso mental brasileiro – com sua adesão a um ultrapassado desenvolvimentismo ideológico dos anos 1960 –, não seria um obstáculo ao esforço de renovação da política econômica externa, desde que convenientemente instruído. Como burocracia obediente que sempre foi, ele saberá se engajar nas novas prioridades.

Hartford, 26 de julho de 2014