Políticas industrial e
comercial do governo Dilma: observações pontuais
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor.
Respostas a questões colocadas por jornalista da imprensa brasileira.
1) O governo tem eleito
setores na hora de oferecer reduções de impostos e mudanças de cobrança de
encargos trabalhistas. É essa uma prática eficiente para fortalecer a produção
industrial?
PRA: A produção industrial, em sua acepção
própria, envolve o conjunto do setor chamado usualmente de secundário, ou seja,
transformação manufatureira de matérias-primas, insumos e produtos
intermediários diversos com vistas à oferta de bens finais, duráveis, não-duráveis
e semiduráveis, para os mercados consumidores, internos e externos. O que o
governo vem fazendo, de forma absolutamente improvisada e aleatória – ou seja,
atuando apenas quando pressionado por determinados setores que podem estar
sentido mais intensamente o peso da concorrência externa – é oferecer algumas facilidades de forma tópica, elegendo setores que se mobilizaram para pedir
medidas do governo.
Não se trata, portanto – e isso
precisa ficar bem claro –, de uma política, e sim de respostas a demandas
específicas por parte de alguns setores. O governo apresenta seu conjunto de
medidas como constituindo uma política, mas é evidente que seu caráter
discriminatório não permite qualificá-lo dessa maneira, apenas e tão somente
como um “pacote de ajuda”, restrita, localizada, pontual e, provavelmente,
equivocada e insatisfatória.
O que fortalece a posição industrial
de um país? Em primeiro lugar, a existência de um ambiente de negócios estável,
previsível, aberto aos investimentos industriais, apresentando externalidades
positivas – infraestrutura, mão-de-obra educada e treinada, mercados solventes
– e sobretudo podendo trabalhar com custos compatíveis com os existentes na
concorrência, que atualmente tem dimensão mundial. Ora, é evidente que esses
requisitos e pré-condições não existem no Brasil, qualquer que seja o critério
sob o qual examinemos esse ambiente, sobretudo aqueles fatores institucionais,
macro e microeconômicos que viabilizam ou não uma atividade industrial
competitiva: crédito acessível, estímulos à inovação, pressões competitivas que
induzem à melhoria dos processos produtivos e dos produtos deles resultantes.
Basta consultar qualquer um dos relatórios correntes que tratam dessas
questões: o Doing Business, do Banco Mundial, por exemplo, ou o World
Competitiveness Report, do Fórum Econômico Mundial. Existem diversos outros,
mas esses dois já possuem ampla gama de informações sobre o ambiente em que
trabalham as indústrias localizadas no Brasil (nacionais e estrangeiras).
E o que se observa, consultando esse
tipo de material? De modo geral, a posição do Brasil não é muito gratificante
na escala de países, situando-se, em geral, no último terço da lista. Mas, a
realidade é ainda mais dramática, do ponto de vista das políticas, justamente.
Se fracionarmos os critérios e as classificações setoriais desses relatórios e
pesquisas em dois grupos distintos, de um lado, os que de tipo “macro”, ou
seja, que têm a ver com o quadro geral dos negócios no Brasil, sob
responsabilidade do governo, portanto, e, de outro lado, os elementos “micro”,
que têm a ver com a própria ação das empresas, como responsabilidade privada, o
quadro que emerge é estarrecedor. Todos os critérios atinentes ao governo –
infraestrutura, impostos, comércio exterior, burocracia em geral – empurram o
Brasil para as últimas posições desses rankings, ao passo que se isolamos os
critérios pertencentes ao universo das próprias empresas, a classificação
apresenta sensível melhora. É evidente que o papel do governo é retardatário e
constitui mais um obstáculo do que propriamente um elemento positivo na
atividade industrial.
Agora, se além de não cumprir com
seus deveres de oferecer um ambiente positivo para a ação do setor privado, o
governo ainda fica poluindo o ambiente, ao criar regras específicas, especiais,
exclusivas, para certos grupos ou setores, sem estender os mesmos favores e
privilégios aos demais, é evidente que o governo está praticando, em primeiro
lugar, uma discriminação odiosa, no limite inconstitucional, mas de toda forma
imoral e vergonhosa. Em segundo lugar, o que ele está fazendo é poluir todo o ambiente
de negócios no Brasil com regras ad hoc, de expedientes casuais e casuísticos,
fazendo uma mixórdia naquilo que se chama habitualmente de “regras do jogo”,
que se convertem assim, em regrinhas pessoais para um jogo específico
determinado não pelos próprios empresários e responsáveis pelas indústrias,
individualmente, mas por um pequeno grupo de burocratas que ser arvora o
direito – a arrogância seria um termo mais apropriado – de saber mais sobre o
mundo da produção do que os próprios responsáveis.
Em terceiro lugar, o governo está
dizendo ao conjunto da classe empresarial do Brasil que ela só pode existir,
competir e sobreviver por meio de seus favores específicos, não através de um
conjunto de regras claras, impessoais, não discriminatórias, estáveis e tudo o
mais. Isso já não é mais capitalismo, e sim fascismo econômico: o governo está
transformando o empresariado industrial em servos do poder, em títeres que só
existem e atuam por meio dos fios e scripts manipulados por um bando de
burocratas. Não sei se os líderes empresariais já se deram conta, mas eles
deixaram de viver num país capitalista, aberto e competitivo, para viver num
ambiente de fascismo econômico, dirigista, dependente, intervencionista, numa
palavra, se vive em stalinismo industrial.
2) A pedido dos próprios
empresários, o governo adotou barreiras contra produtos importados nos mais
diversos setores. Alguns dizem que o Brasil está ficando protecionista e temem
a volta da reserva de mercado que tanto mal fez ao desenvolvimento do país no
passado. Os setores beneficiados, porém, dizem que há uma guerra comercial em
curso: com excesso de produção nos países de origem e favorecidos pelo real
valorizado e pela guerra dos portos, não apenas estrangeiras, não instaladas no
país, mas até subsidiárias de multinacionais com fábricas aqui estão colocando
produtos a preços abaixo do razoável para desovar a produção no Brasil e
preservar os empregos em seus países de origem. Como o senhor vê essa questão?
Existem vários equívocos nesse tipo
de argumentação, obviamente capciosa, e construída exatamente para justificar
as medidas protecionistas sempre reclamadas por certos empresários, mas que não
deveriam existir se as condições existente no ambiente de negócios do Brasil,
justamente, fossem favoráveis. Não existe nenhuma “guerra comercial” em curso,
apenas reflexos de deficiências “made in Brazil”, que impedem a produção
industrial feita aqui de ser competitiva interna e externamente. Nenhum dos
problemas que afetam a indústria brasileira tem origem externa; ao contrário,
todos eles derivam de erros macroeconômicos – como a enorme dívida pública, por
exemplo, que leva a juros altíssimos, e daí à atração de capitais que gera
valorização cambial – e de insuficiências do ambiente microeconômico no Brasil:
tributação extorsiva, péssima infraestrutura, burocracia lentíssima em todo o
espectro de negócios, custos altos de transação tanto pela cartelização de fato
em vários setores (comunicações é um deles) quanto pela morosidade da justiça.
A própria mal chamada “guerra dos
portos” é um exemplo claríssimo da selva legal em que se converteu o Brasil,
que já não constitui mais um mercado unificado, mas, como na era medieval, um
arquipélagos de pequenos mercados regionais – os 27 estados dessa falsa federação
– cada qual com suas regras, níveis de impostos e concorrência predatória e
selvagem no plano fiscal, justamente. Outros fatores e exemplos poderiam ser
aduzidos para demonstrar que a chamada institucionalidade, ou seja o quadro
legal sob o qual deveriam trabalhar os agentes privados, tem recuado a épocas
pretéritas, criando um ambiente de negócios totalmente permeado por regras ad
hoc e constante barganha de favores, uma vez que as dificuldades e a enorme
carga fiscal é criada pelas próprias autoridades políticas.
O governo adota medidas que são
inclusive ilegais no plano do sistema multilateral de comércio. Alguns poucos
exemplos: a Cofins, que é uma contribuição para o financiamento da seguridade
social, jamais deveria ser aplicada às importações, pois está claro que nenhum
dos produtos importados se beneficiou – um termo mal aplicado neste caso – de
qualquer contrapartida do governo ou do emprego de mão-de-obra local, cujo
sistema previdenciário tivesse hipoteticamente de ser financiado por um imposto
específico; trata-se simplesmente de um abuso e de uma ilegalidade, até
inconstitucional. Por outro lado, a exigência de conteúdo local para produtos
importados, ou seja, que já pagaram tarifa de importação, é absolutamente
contrária ao princípio do tratamento nacional – um dos cânones do Gatt – e aos
acordos emanados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais,
especificamente o acordo Trims, Acordo sobre Aspectos Comerciais de
Investimentos, que proíbe expressamente a imposição de qualquer tipo de conteúdo
local ou de exigências de exportação. Ou seja, o governo está se contrapondo a
regras do sistema multilateral de comércio de modo aberto e explícito, o que
apenas acrescenta ao primitivismo e ao caráter tosco dessas medidas.
O governo está simplesmente premiando
um grupo de indústrias poderosas, e seus amigos sindicalistas, e obrigando
todos os brasileiros a pagar a conta, como se fosse pecado aos cidadãos
preferirem produtos mais baratos e de melhor qualidade, como os importados. O
governo, confirmando sua natureza fascista econômica, compele os cidadãos a
pagar mais caro quando eles poderiam estar consumindo mais e melhor num sistema
aberto como deveria ser o de um país normal.
Todos os argumentos do governo são
capciosos e sem fundamento, e se formos examinar a origem real dos problemas
existentes veremos que todos eles têm origem no próprio Brasil, e aqui deveriam
ser resolvidos por medidas e políticas que atacassem seus fundamentos, não por
paliativos e bodes expiatórios que apenas prolongam a existência desses
problemas. Não é culpa de americanos, europeus ou chineses que os juros no
Brasil sejam tão altos; eles tampouco têm culpa pela alta carga tributária
imposta pelo governo aos produtores brasileiros (nacionais e estrangeiros aqui
instalados); eles não têm a menor parcela de responsabilidade pela nossa
péssima infraestrutura ou pelos elevados custos derivados de carteis setoriais
ou monopólios de fato (como a Petrobras); eles jamais tiveram algo a ver com a
baixíssima taxa de poupança no Brasil, um fator derivado de escolhas políticas,
e de políticas econômicas, que privilegiam o consumo e não o investimento, ou
que desviam a poupança potencial para o financiamento do próprio governo. Todos
esses problemas são “made in Brazil”, e enquanto não forem corrigidos, vão
continuar pesando sobre o destino do país.
O que o governo vem fazendo, numa
típica “política de avestruz”, é isolar o Brasil do resto do mundo, praticando
o velho protecionismo e os desvios autárquicos do passado. Pagamos um alto
preço pelo insulamento da economia nacional do ambiente internacional, em todos
os setores, e aparentemente estamos adentrando em mais um período de
introversão industrial e de protecionismo comercial. Não poderia haver coisa
pior para nosso itinerário enquanto nação moderna: o governo nos conduz ao
atraso.
Paulo Roberto de Almeida
Paris, 6 de abril de 2012