Vou ser bastante claro em relação ao que penso a respeito da política externa e da diplomacia brasileira desde o início do século, do milênio, dos tempos atuais: a diplomacia profissional brasileira foi impedida de pensar, pelo menos desde 2003; pensou ter recuperado um pouco de liberdade (parcial) para formular suas próprias ideias nessa área crucial para o desenvolvimento do Brasil, mas foi logo assaltada por outra corrente de amadorismo e de obscurantismo ainda mais degradante do que o exercício anterior de desvios graves em seus métodos de trabalho e em suas diretrizes principais. Nos dois casos, recebeu um pacote pronto vindo de cima e aplicou as diretrizes da melhor forma que pode, mas considero que foi mais uma conduta de autômatos do que profissionais altamente capacitados podendo exercer o conhecimento acumulado em caráter coletivo ou a nível individual, com vistas a cuidar exclusivamente dos interesses nacionais. No primeiro caso, a diplomacia profissional teve de servir a um megalomaníaco comprometido com ditaduras execráveis e concepções deformadas do sistema internacional. No segundo caso, foi dominada por uma franja lunática de incompetentes alucinados que isolaram completamente o Brasil no contexto regional e da comunidade internacional.
Imagino como será o novo período: vamos prosseguir sendo impedidos de pensar?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de junho de 2022
PS.: link para o debate a respeito do futuro do grupo Brics, realizado na tarde deste dia 30/06/2022, em transmissão pelo canal youtube: https://www.youtube.com/watch?v=9Q9l8i4gyX4
O Brasil está perdendo o rumo em sua postura enquanto nação civilizada?
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Nota sobre a postura diplomática do Brasil em relação à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, aproveitando para apresentar o livro sobre o Brics.
Uma reflexão à sombra da guerra de agressão da Rússia autocrática contra a Ucrânia democrática
Que uma sociedade inteira viva anos, décadas de equívocos e escolhas erradas não é surpreendente: uma sociedade é algo muito complexo para ser totalmente controlada por um poder central; parece que só a Coreia do Norte conseguiu estabelecer o totalitarismo absoluto, o que nem a União Soviética, nem a China maoísta, muito menos a Cuba castrista ou o Irã teocrático o conseguiram.
Sociedades erram pelo peso do passado, pela força de líderes especialmente carismáticos e por rupturas muito fortes de seu tecido social (guerras externas, guerras civis, confrontos religiosos, epidemias, catástrofes naturais, etc.).
Mas é surpreendente que corporações educadas, como a diplomacia, por exemplo, embarquem em aventuras desprovidas da necessária fundamentação empírica por indução superior, como verifiquei na diplomacia partidária do lulopetismo triunfante. O entusiasmo da projeção externa ganhou terreno sobre a reflexão ponderada em torno de certos dossiês: o apoio a ditaduras execráveis, comandado pelos chefes megalomaníacos pode explicar em parte o desvario de certas escolhas diplomáticas.
Atuou, nesse caso, o constrangimento moral imposto pelo feudalismo do Itamaraty: os malfadados princípios da hierarquia e da disciplina, importados do estamento militar, foram mais fortes.
Funcionou em certos casos a prevalência da obediência sobre a inteligência, do voluntarismo sobre o conhecimento, da submissão sobre o pensamento crítico.
De minha parte, posso afirmar que nunca renunciei a pensar com minha própria cabeça, independentemente das propostas pouco fundamentadas que brotavam dos ideólogos de plantão.
Sempre me pautei pela exposição objetiva de meus argumentos sobre as políticas públicas, inclusive e sobretudo na diplomacia.
Os petistas intolerantes me deixaram na geladeira por 13,5 anos. Continuei fazendo o que sempre fiz: lendo, refletindo e escrevendo, no meu quilombo de resistência intelectual, representado pelo blog Diplomatizzando e por meus escritos.
Meu novo livro sobre a aventura do Brics é mais uma prova dessa disposição a resistir a uma diplomacia paralela sem base em nossos padrões de trabalho, que são o exame cuidadoso e circunstanciado de qualquer nova proposta antes de colocá-la em prática. O Brics entrou no entusiasmo de uma nova iniciativa apelativa, sem um mínimo de estudo ou embasamento técnico. Ninguém resistiu ao comando das chefias: foi levado de roldão na esteira da publicidade fácil na mídia internacional.
Sempre considerei o Brics uma miragem sem sentido e uma anomalia em nossa trajetória de difícil construção de uma diplomacia autônoma e operando estritamente em função do interesse nacional. O Brics representa uma renúncia a um projeto de diplomacia independente em favor de um mínimo denominador comum que, em última instância, é determinado por duas grandes potências autocráticas.
O caso trágico da guerra de agressão de um tirano obcecado contra o seu vizinho que buscava escapar do abraço do urso imperial coloca a diplomacia brasileira num dos maiores dilemas conceituais de sua história. Essa guerra de agressão confronta diretamente não só o Direito Internacional, consagrado na Carta da ONU, mas também a própria Constituição brasileira.
Como pode a diplomacia brasileira, seja sob Bolsonaro, seja sob Lula, contrariar princípios tão sagrados do Direito e até da moral, inclusive padrões civilizatórios, ao preferir se abster em face de violações tão flagrantes de cláusulas fundamentais de suas relações internacionais?
Como pode o substrato moral que ainda existe na diplomacia e na tecnocracia mais esclarecida do Brasil suportar o espetáculo grotesco dos crimes de guerra, possivelmente crimes contra a humanidade, certamente contra a paz, que emana da destruição mais cruel e desumana que vem sendo perpetrado continuamente contra a Ucrânia e o seu povo?
É possível conviver com um horror que nos remete aos tempos mais sombrios do hitlerismo expansionista contra a pobre Polônia, contra as democracias ocidentais (começando antes, pela Áustria e pela Tchecoslováquia), e contra o aliado totalitário de ideologia oposta?
Que o atual mandatário brasileiro ainda decida apoiar objetivamente uma contrafação de Hitler é compreensível dentro da sua ideologia de direita extrema.
Que a diplomacia não se revolte contra a violação dos princípios mais sagrados que deveriam orientar a sua ação é menos compreensível. A permanência do e no Brics pode explicar em parte a atual flacidez moral que tomou conta do Itamaraty. Mas outras demonstrações imorais do atual chefe de Estado — no campo dos DH sobretudo — tornam insuportável o atual estado de coisas.
Continuarei em meu quilombo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12/06/2022
Apresentação de meu livro A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira.
Resumo:
Coletânea de ensaios e artigos se estendendo desde a concepção do conceito do Bric, na planilha de um economista profissional de um banco de investimentos, no início dos 2000, até a situação em 2022, depois da invasão da Ucrânia por um dos membros do Brics, a Rússia. A maior parte da análise é de natureza histórica, cobrindo aspectos econômicos e diplomáticos do empreendimento, e focando particularmente nos interesses do Brasil, suas motivações e capacidades, como um dos propositores originais do grupo, e a letra inicial no acrônimo apelativo. Pelo seu título, A grande ilusão do Brics, há uma clara visão crítica em torno das razões e motivações para a criação desse grupo, como se os quatro membros originais estavam tentando confrontar o G7 e buscando uma ordem mundial alternativa. Como revelado pelo subtítulo, o universo paralelo da diplomacia brasileira, existe também uma discussão sobre o tipo de novo direcionamento da política externa brasileira, fugindo de seus padrões tradicionais que visam a criação de uma postura autônoma nas relações internacionais, vinculando sua diplomacia essencialmente aos interesses nacionais de desenvolvimento econômico e social.
Summary:
A collection of essays and articles spanning from the inception of the Bric concept, at the table of a professional economist from an investments bank, in early 2000s, up to the situation in 2022, after the invasion of Ukraine by one of Brics members, Russia. Most of the analysis is of a historical nature, dealing with economic and diplomatic aspects of the endeavor, and focusing especially on Brazil’s interests, inducements, and capabilities, as one of the first proponents of the group, and the initial letter of the appealing acronym. By its title, The Great Illusion of the Brics, there is a clear critical standpoint about the reasons and motivations for the creation of this group, as if the four original members seek to be countering the G7 and looking to offer an alternative world order. As revealed by the subtitle, a parallel universe of the Brazilian diplomacy, there is also a discussion about a kind of a new driving line in Brazilian foreign policy, deviating from its traditional patterns towards the building up of an autonomous stance in regional and international relations, connecting its diplomacy essentially with its national interests of social and economic development.
A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira
Índice
Prefácio: Brics: uma ideia em busca de algum conteúdo
1. O papel dos Brics na economia mundial
O Bric e os Brics
A Rússia, um “animal menos igual que os outros”
A China e a Índia
E o Brasil nesse processo?
2. A fascinação exercida pelo Brics nos meios acadêmicos
Esse obscuro objeto de curiosidade
O Brasil, como fica no retrato?
Russia e China: do comunismo a um capitalismo especial
O fascínio é justificado?
O que os Brics podem oferecer ao mundo?
3. Radiografia do Bric: indagações a partir do Brasil
Introdução: a caminho da Briclândia
Radiografia dos Brics
Ficha corrida dos personagens
De onde vieram, para onde vão?
New kids in the block
Políticas domésticas
Políticas econômicas externas
Impacto dos Brics na economia mundial
Impacto da economia mundial sobre os Brics
Consequências geoestratégicas
O Brasil e os Brics
Alguma conclusão preventiva?
4. A democracia nos Brics
A democracia é um critério universal?
Como se situam os Brics do ponto de vista do critério democrático?
Alguma chance de o critério democrático ser adotado no âmbito dos Brics?
5. Sobre a morte do G8 e a ascensão do Brics
Sobre um funeral anunciado
Qualificando o debate
O que define o G7, e deveria definir também o Brics e o G20
Quais as funções do G7, que deveriam, também, ser cumpridas pelo G20?
6. O Bric e a substituição de hegemonias
Introdução: por que o Bric e apenas o Bric?
Bric: uma nova categoria conceitual ou apenas um acrônimo apelativo?
O Bric na ordem global: um papel relevante, ou apenas uma instância formal?
O Bric e a economia política da nova ordem mundial: contrastes e confrontos
Grandezas e misérias da substituição hegemônica: lições da História
Conclusão: um acrônimo talvez invertido
7. Os Brics na crise econômica mundial de 2008-2009
Existe um papel para os Brics na crise econômica?
Os Brics podem sustentar uma recuperação financeira europeia?
A ascensão dos Brics tornaria o mundo mais multipolar e democrático?
8. O futuro econômico do Brics e dos Brics
Das distinções necessárias
O Brics representa uma proposta alternativa à ordem mundial do G7?
O que teriam os Brics a oferecer de melhor para uma nova ordem mundial?
O futuro econômico do Brics (se existe um...)
Existe algum legado a ser deixado pelo Brics?
9. O Brasil no Brics: a dialética de uma ambição
O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar
Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional
A emergência econômica e a presença política internacional do Brasil
A política externa brasileira e sua atuação no âmbito do Brics
O que busca o Brasil nos Brics? O que deveria, talvez, buscar?
10. O lugar dos Brics na agenda externa do Brasil
Uma sigla inventada por um economista de finanças
Um novo animal no cenário diplomático mundial
Existe um papel para o Brics na atual configuração de poder?
Vínculos e efeitos futuros: um exercício especulativo
11. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria
Introdução: o que é um relatório de minoria?
O que é estratégico numa parceria?
Quando o estratégico vira simplesmente tático
Parcerias são sempre assimétricas, estrategicamente desiguais
A experiência brasileira de parcerias: formuladas ex-ante
A proliferação e o abuso de uma relação não assumida
Posfácio: O Brics depois da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia
Indicações bibliográficas
Nota sobre o autor
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4171: 12 junho 2022, 5 p.
Não constam do livro os últimos artigos sobre a questão da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia:
4188. “O Brics e o Brasil: quem comanda?”, Brasília, 28 junho 2022, 3 p. Artigo para a revista Crusoé. Publicado na revista Crusoé (1/07/2022; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/reportagem/a-ampliacao-do-brics-e-o-interesse-nacional/).
4189. “O futuro do grupo BRICS”, Brasília, 30 junho 2022, 9 p. Texto conceitual sobre os caminhos enviesados do BRICS pós-guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, e reflexivo sobre as ordens alternativas no campo econômico e político. Elaborado a propósito de webinar promovido pelo IRICE (embaixador Rubens Barbosa) sobre “O futuro do grupo Brics” (30/06/2022). Postado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/o-futuro-do-grupo-brics-ensaio-por.html).