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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Crônica de um desastre anunciado: o socialismo do século 21 na Venezuela (2009) - Paulo Roberto de Almeida

 Crônica de um desastre anunciado: o socialismo do século 21 na Venezuela

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20 de julho de 2009

 

1. A construção do socialismo dito do século 21

Começo por transcrever trechos selecionados de matéria do jornal espanhol El País, de 20 de julho de 2009, de autoria de seu correspondente em Caracas: “Chávez apunta a la propiedad privada”. Segundo somos informados pelo que relatou o autor desse despacho, Maye Primera: “La publicidad consume cada vez más segundos del programa televisivo dominical del presidente venezolano, Hugo Chávez, desde que se ha propuesto hacerse con el control de los medios de producción del país, bien creando ‘empresas de producción social’ o confiscando empresas privadas ‘capitalistas’.” As chamadas de matéria, ou seja, os subtítulos, sublinham os dois focos principais desse despacho: “La Ley de Propiedad Social abre la puerta a nuevas expropiaciones de bienes y empresas” e “El proyecto prevé la militarización de los trabajadores estatales”.

Como ainda se lê nessa matéria: “El Gobierno venezolano ha emprendido un viraje hacia la economía socialista y el último paso ha desatado todas las alarmas: se trata del proyecto de Ley de Propiedad Social, que abre la puerta a nuevas confiscaciones de empresas y bienes y que, según cámaras empresariales y organizaciones no gubernamentales, permitirá al Ejecutivo arrasar con la propiedad privada. En el último año, Chávez ha convertido a más de 12.000 firmas contratistas de la estatal Petróleos de Venezuela en ‘empresas de producción social’, gracias a la entrada en vigor de una nueva Ley de Contrataciones Públicas y a la aprobación, en mayo de este año, de una ley que reserva al Estado todos los negocios vinculados a la explotación de hidrocarburos. Por decreto o mediante expropiaciones, el presidente venezolano también ha ordenado la nacionalización del sector eléctrico, de las telecomunicaciones, de la metalurgia, de la industria del cemento, de plantas procesadoras de alimentos y de tierras para la siembra y la ganadería. Su última gran compra fue la de la filial venezolana del Banco Santander, que otorga al Estado el dominio del 25% de las captaciones de la banca nacional.

Não contente com a transformação de muitas empresas em “contratadas” da PDVSA, o governo do coronel Chávez deseja ir um pouco mais além na socialização da economia: “Si bien la Constitución establece la posibilidad de que el Estado declare la utilidad pública y expropie una propiedad, la revolución desea ir más allá en los supuestos que justifican la medida. El proyecto de Ley de Propiedad Social, en el que trabaja desde abril la mayoría oficialista en el Parlamento, faculta al Gobierno a ‘declarar la utilidad pública y el interés social de bienes, materiales e infraestructuras que se determinen susceptibles de ser declarados de propiedad social, para asegurar, mediante la producción socialista, la satisfacción de las necesidades sociales y materiales de la población’. El borrador de la ley también establece que el Ejecutivo ‘podrá decretar la expropiación forzosa, mediante justa indemnización’, de los bienes ‘cuya actividad productiva no se corresponda con los intereses nacionales y el modelo socioproductivo’.

 

2. De volta às teorias de Marx e Engels

Os fundamentos conceituais do socialismo do século 21 estão baseados na chamada ‘teoria do valor’, com todos os equívocos conceituais e anacronismos históricos que esse tipo de ‘salto epistemológico’ pode implicar, como já tive ocasião de explicitar e de analisar neste meu trabalho: “Falácias acadêmicas, 9: o mito do socialismo do século 21”, Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 97, junho 2009, p. 12-24; http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/7184/4136).

Agora o que se pretende, segundo se lê ainda na matéria do El País, seria a aplicação das recomendações dos dois teóricos do socialismo do século 19 às realidades contemporâneas: “Los redactores del proyecto también han hecho una lectura bastante literal de la idea de crear ‘ejércitos industriales’, planteada por Carlos Marx y Federico Engels en elManifiesto ComunistaAdemás de ‘asumir el compromiso del trabajo productivo por la patria’ y de ‘formarse técnicamente para el manejo de las empresas socialistas’, el proyecto de ley establece que será deber de los trabajadores ‘formarse militarmente para la defensa de la soberanía nacional’.” Observo, de passagem que se trata de uma idéia bem mais leninista – a constituição de milícias operárias e camponesas, ou soviets – do que propriamente marxista, cujo foco estava no exército industrial estrito senso, ou seja, uma classe universal de trabalhadores organizados na atividade manufatureira, não de um corpo militarizado a serviço do Estado ou do partido no poder.

Aparentemente, esse tipo de mobilização não atraiu muito o interesses dos próprios trabalhadores ou de seus representantes sindicais. Em todo caso, isso não parece abalar os dirigentes socialistas da Venezuela, segundo se lê ainda na mesma matéria: “Pero esa clase obrera ‘revolucionaria’ llamada a conducir las industrias no ha crecido al mismo ritmo que el capital de este Estado petrolero. A pesar de los esfuerzos del Partido Socialista Unido de Venezuela, la revolución no ha logrado, en 10 años, hacerse con una base sindical sólida, y las reivindicaciones laborales en el sector público, desde el magisterio hasta los petroleros, están a la orden del día.” Em função dessas reticências, a evolução se dá nesta direção: “Por eso, para cerrar el círculo, el Gobierno también se ha planteado sustituir a los sindicatos por ‘comités socialistas de trabajadores’ con los que el Estado-patrón sí estaría en disposición de negociar contratos y salarios.

Ou seja, em última instância, o Estado – ou melhor, o líder supremo – não confia nos sindicatos e busca substituí-los por obedientes correias de transmissão da vontade soberana do líder máximo. Já assistimos esse filme em outras experiências de “revolução” socialista e o mínimo de que se pode dizer é que não existe, de fato, mudança real na situação da classe trabalhadora, apenas a substituição de um patrão por outro. Como dizia uma velha piada, o capitalismo é a exploração do homem do homem pelo homem; o socialismo é exatamente o contrário...

 

3. Já vimos o mesmo filme várias vezes antes; aliás, já sabemos o final...

Permito-me, agora, agregar meus comentários sobre a matéria em questão, com o objetivo precípuo de oferecer esclarecimentos aos mais jovens, entusiastas talvez do ‘socialismo do século 21’ que vem sendo tentado na Venezuela, e que provavelmente não conhecem ou não leram suficientemente sobre os diversos experimentos realizados no século 20 em torno dessas mesmas idéias e objetivos.

Não parece difícil prever a trajetória econômica futura da Venezuela, com base nesses objetivos declarados de sua liderança de construir o tal de socialismo do século 21. Não vou tratar agora do itinerário político do país, que me parece também reproduzir outros experimentos falidos no século 20, em especial nos diversos tipos de regimes estatizantes tentados entre as duas guerras mundiais.

No caso da Venezuela, o que estamos assistindo, na verdade, é a um laboratório vivo, em tempo real, de todos os desastres acumulados pelos coletivismos do século 20, com seu cortejo de tragédias humanas e catástrofes econômicas. Não é necessário ser historiador para ressaltar que as mais importantes experiências de mudança histórica nos fundamentos econômicos da sociedade ocorreram em dois grandes países da Eurásia, a partir de 1917 e de 1949, respectivamente, a Rússia e a China, ambas convertidas ao socialismo de tipo marxista. Uma retrospectiva histórica do que constituíram esses experimentos pode ser encontrada nos bons livros de história, ou pelo menos naqueles ostentando um mínimo de objetividade ou de honestidade intelectual para apresentar o que foram, efetivamente, essas duas grandes revoluções do século 20. 

 O fato de transportar esses experimentos do século 20 para o século 21, apenas agregando novas roupagens a velhas ideias, não parece mudar muito a essência do problema. De fato, já sabemos como vai terminar essa história toda, e parece inacreditável que pessoas normais, brasileiros ou venezuelanos, não o percebam ou finjam ignorar os precedentes históricos Se podemos prever algo certo – pois não sabemos ainda qual exatamente será o desfecho, se tudo vai terminar com uma lenta deterioração econômica, uma implosão política, uma explosão ou catástrofe social, ou qualquer outro tipo de conclusão para o caso, inclusive aventuras guerreiras do líder máximo – o fato e' que o povo venezuelano vai sofrer muito, com penúrias no abastecimento, erosão do poder de compra, desinvestimento produtivo, desemprego, mercado negro, enfim, o cenário habitual de todo socialismo conhecido (basta mirar nos dois exemplos que ainda restam, Cuba e Coréia do Norte, para comprovar).

Quanto ao panorama político e social, o itinerário tampouco é difícil de ser traçado: como no experimento cubano, grande parte da classe média vai se exilar em Miami, na Espanha, ou alhures, os aparatchiks do partido e a Nomenklatura do novo regime vão se consolidar no poder, como sempre até o desastre final, cujos contornos ainda não sabemos definir com precisão.

Este breve comentário constitui, obviamente, a crônica de um desastre anunciado, com a única diferença de que o desastre já ocorreu em ocasiões anteriores e que seu desfecho era facilmente previsível.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20 de julho de 2009