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terça-feira, 25 de agosto de 2020

Brasil atropelado: submissão ao EUA na questão do BID - Rubens Barbosa


BRASIL ATROPELADO

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/08/2020

Com sede em Washington, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi criado em 1959. Embora com participação acionaria majoritária dos EUA, ficou estabelecido que a presidência sempre caberia a um nacional da região e a vice-presidência a um norte-americano. Nos últimos 60 anos, essa regra não escrita (antigamente se dizia acordo de cavalheiros) foi mantida: o BID, um bem sucedido banco de fomento econômico e social das Américas, foi presidido por chileno, mexicano, uruguaio e colombiano.
Na sucessão do atual presidente, havia a expectativa de que Brasil ou Argentina pudessem apresentar candidatos, o que de fato ocorreu. O Brasil lançou Ricardo Xavier, de pouco peso politico, para a presidência do BID. O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia avisado o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, da apresentação do nome brasileiro na expectativa de que o Brasil pudesse pela primeira vez eleger o novo presidente. O secretário do Tesouro, contudo, com um telefonema, acabou com a pretensão do Brasil ao informar que o governo de Washington havia decidido lançar para presidente do BID Mauricio Claver Carone, diretor para assuntos de América Latina no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, quebrando uma tradição de 60 anos. Na contramão do interesse brasileiro, em nota oficial conjunta Ministério da Economia e Itamaraty alinharam-se aos EUA, ao afirmarem “ter recebido positivamente o anúncio do firme comprometimento do governo dos Estados Unidos com o futuro do BID por meio da candidatura norte-americana à presidência da instituição”. “O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito. O Brasil defende uma nova gestão do BID condizente com esses valores”, completou a nota alinhada ao governo americano.
Os EUA sempre preservaram sua influência no BID pelo poder do voto, cerca de 30%, nas decisões, mais do dobro dos outros países latino-americanos maiores acionistas. O anúncio de Washington não gerou nenhuma reação dos governos pela ausência de lideranças afirmativas na região Os principais países se encontram vulneráveis e sem capacidade de reagir. Argentina pela delicada situação econômico-financeira e social, em meio a um processo de negociação de sua divida externa para evitar mais um default, o México por ter um passivo de atritos com os EUA na área comercial, de imigração, da construção do muro separando os dois países e o Brasil, concentrado em seus problemas de saúde e políticos internos.
            A reação politica `a medida de Washington veio inicialmente de cinco Ex-presidentes latino-americanos que lançaram uma declaração em que condenam a indicação de um norte-americano para a presidência do BID. “A proposta de nomeação não anuncia bons tempos para o futuro da entidade, o que nos leva a expressar nossa consternação com essa nova agressão do governo dos Estados Unidos ao sistema multilateral, com base nas regras acordadas pelos países membros”, destaca o documento, assinado pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Ricardo Lagos (Chile); Julio Maria Sanguinetti (Uruguai), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). Além da declaração dos presidentes, teve também a que foi assinada por todos os ex-chanceleres, ex-ministros da Fazenda e vários do Planejamento brasileiros. A reação dos países começou timidamente com manifestação do governo chileno pedindo que a eleição fosse adiada por seis meses, depois da eleição presidencial dos EUA. México, Peru e a União Europeia, associada ao BID, passaram a  apoiar a iniciativa chilena. Em seguida, ampliando a articulação contra a escolha de um norte-americano para a presidência do BID, conhecidas personalidades politicas somente dos EUA, entre as quais ex- secretários do Tesouro e do USTR, divulgaram carta contra a indicação de Trump e pedindo o adiamento da eleição para março de 2021, argumentando que com a eventual vitória de Biden a indicação seria anulada. Na semana passada, por nota conjunta do Ministério da Economia e do Itamaraty, o governo brasileiro associou-se a declaração de um grupo de países  favoráveis `a manutenção da eleição virtual nas datas previstas (12 e 13 de setembro), assim como instou todos os países membros a cumprir as resoluções aprovadas. Essa nota foi resultado da pressão de Washington e indica o temor de que os que propugnam pelo adiamento da eleição estão ganhando força. O resultado até aqui é imprevisível.
A crescente presença da China na América do Sul está na raiz da decisão de Washington de apresentar candidato `a presidência do BID, contra um representante brasileiro, e pode ser indício de um renovado interesse político dos EUA para conter Beijing pela pressão financeira sobre os países da região. Seria a volta da Doutrina Monroe (América para os americanos) e do corolário Roosevelt (speak soft and carry a big stick).
Não é do interesse brasileiro apoiar medidas que tragam para nosso entorno geográfico preocupações geopolíticas globais com a volta da confrontação entre superpotências e a pressão por alinhamentos absolutos, deixando de lado o interesse  da nação e não apenas do governo da vez. 


Rubens Barbosa, presidente do IRICE

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Editorial da FSP castiga a submissão de Bolsonaro a Trump

O jornal "preferido" do presidente-capitão, a Folha de S. Paulo, faz um um editorial destinado a deixar o capitão ainda mais satisfeito com a sua linha, dedicado a condenar a submissão beata do capitão ao unilateralista que administra (mal) a maior potência planetária, assim como voltado a fustigar a ausência de qualquer sentido de estratégia diplomática, uma vez que o capitão é ignorante nessa matéria e os "açeçores", familiares e amadores, são totalmente ineptos e inaptos para a tarefa de instrui-lo, uma vez que o chanceler acidental se exime da tarefa.
Como fica explícito desde o segundo parágrafo: 
"À luz do unilateralismo professado explicitamente por Trump, as juras de alinhamento incondicional do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão."
Não se sabe se o capitão vai mudar sua postura. Sendo cabeça dura, e achando que sabe tudo, quando ignora tudo em política externa, e continuando com ineptos à sua volta, parece difícil que sua cabeça mude pelo menos um pouco.
Paulo Roberto de Almeida

Negócios à parte

EUA mostram mais uma vez que alinhamento de Bolsonaro não garantirá vantagens

A esta altura o governo brasileiro já deveria ter entendido o básico das relações internacionais —que países têm interesses, não amigos. Isso se faz ainda mais evidente no caso dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, eleito com o bordão “América primeiro”. 
À luz do unilateralismo professado explicitamente por Trump, as juras de alinhamento incondicional do presidente Jair Bolsonaro vão ficando cada vez mais caricatas e descambam para a submissão.
Nem mesmo as hostes mais ingênuas do governismo podem duvidar do óbvio —o Brasil não terá tratamento especial, ainda menos quando o tema for econômico. 
A mais recente mostra da inutilidade do posicionamento brasileiro se deu nesta semana, com a decisão dos EUA de rever a lista de países em desenvolvimento elegíveis para tratamento diferenciado sob as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Saíram da relação 25 países, entre eles Brasil, China, Coreia do Sul e Índia. 
A mudança, na prática, facilita que Washington investigue e retalie países que subsidiam suas exportações a ponto de, na visão da Casa Branca, prejudicar a indústria norte-americana. 
No critério geral da OMC, os governos devem descontinuar investigações para a imposição de restrições comerciais se os subsídios detectados forem inferiores a 1% das compras. Quando o caso envolve nações consideradas em desenvolvimento, o limite sobe para 2%. 
Segundo o argumento dos EUA, o critério anterior estava obsoleto. Foram desconsiderados, por exemplo, países membros do G20, da OCDE, da União Europeia ou que já são classificados como de alta renda pelo Banco Mundial. Alguns deles, de fato, já se transformaram em competidores comerciais ferozes, como a China. 
Não se trata, portanto, de uma medida direcionada a um país em particular. Mesmo assim, é mais um lembrete de que as apregoadas afinidades entre Trump e Bolsonaro não proporcionarão vantagens especiais para o Brasil. Nossas vendas em setores como o siderúrgico, já sujeitas a cotas e altas tarifas, ficam mais ameaçadas.
A mudança unilateral americana não tem execução automática, uma vez que os excluídos podem continuar a pleitear a classificação “em desenvolvimento” na OMC. 
Evidencia-se, assim, a imprudência da diplomacia brasileira, que prometeu abrir mão do tratamento favorecido nas futuras negociações comerciais em troca do apoio americano à entrada na OCDE. 
Demonstra-se que a falta de competitividade nacional não será amenizada por facilidades nas negociações. Cabe ao país trabalhar para remover suas amarras e não contar com amigos imaginários.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Olavo-bolsonaristas: Torraram o dinheiro dos contribuintes para uma reunião "simbólica"???

Eduardo e Araújo dizem que reunião com Trump foi 'simbólica'

O Estado de S. Paulo, 30/08/2019

WASHINGTON - O bate e volta a Washington organizado pelo chanceler Ernesto Araújo e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para reunião com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, serviu para enviar um sinal ao “mundo inteiro” da “relação diferenciada” entre os dois países. Essa foi a definição do ministro após deixar a Casa Branca sem fazer anúncios concretos e dizer que não houve pedido específico feito pelo Brasil aos EUA. Segundo ele, a novidade foi “a reunião em si” com Trump e o “novo patamar” que a relação entre os dois países atingiu.
De manhã, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que Ernesto e Eduardo deveriam trazer novidades ao Brasil e que havia pedido ajuda para Trump para combater as queimadas na Amazônia. O ministro e o deputado foram questionados sobre o tema e não fizeram anúncio de ajuda específica negociada com os americanos.
Trump já havia oferecido apoio há cerca de uma semana, quando telefonou para Bolsonaro. Ao final de duas rodadas de conversas com jornalistas, o deputado deixou em aberto a possibilidade de que o pai anuncie, em Brasília, algo sobre o encontro com Trump, sem dar detalhes. “Qualquer tipo de anúncio ou fato mais detalhado certamente o presidente falará, inclusive é uma deferência antes de falar com Bolsonaro estarmos falando com vocês”, afirmou.
O encontro aconteceu em meio ao questionamento internacional sobre a política ambiental de Bolsonaro. Trump, que já retirou os EUA do acordo climático de Paris e questiona evidências científicas como o aquecimento global, tem sido um aliado do governo brasileiro no cenário externo. A viagem também se dá como parte do esforço de Eduardo Bolsonaro de mostrar as credenciais para assumir a embaixada do Brasil nos EUA.
Segundo o filho do presidente, os países que tentarem “subjugar” a soberania do Brasil encontrarão problemas com os EUA. “As relações nunca estiveram tão boas. Brasil e EUA estão alinhados e em que pese alguns líderes tentarem fazer algum tipo de negociação com a Amazônia sem a presença do Brasil vão encontrar muito problema para fazê-la, porque os EUA vão se opor a isso. Todos os líderes que tentarem subjugar a soberania nacional encontrarão problemas não só com Brasil mas também com os Estados Unidos”, disse Eduardo.
O alinhamento com os EUA na questão ambiental dá força à tentativa do Planalto de isolar o presidente francês, Emmanuel Macron, em meio à repercussão internacional negativa diante do aumento nas queimadas e desmatamento na região amazônica. Diplomatas consideram o questionamento à política brasileira, que ocupou a primeira página de jornais estrangeiros no último final de semana, como a maior crise diplomática recente do País.
Macron tem sido uma das vozes mais críticas à política ambiental de Bolsonaro desde o G-20, em julho, e levou o tema das queimadas na Amazônia ao G-7, no último final de semana. No início da semana, Bolsonaro rejeitou a proposta de doação de US$ 20 milhões do G-7, anunciado por Macron. Depois teve idas e vindas sobre a verba, dizendo que poderia aceitar o dinheiro se o francês pedisse desculpas pelas falas sobre o Brasil.
Segundo o chanceler, não houve “nenhum pedido específico” por parte do Brasil no encontro com Trump. “Não tínhamos expectativa de sair daqui com um acordo”, afirmou. “Ao sinalizar isso (aproximação entre os países) acho que o mundo inteiro está vendo que Brasil e EUA têm uma relação diferenciada e isso é muito importante nesse momento onde pelo menos um país está com ideias esquisitas sobre a nossa soberania na Amazônia. Não um país, um determinado líder. Era um momento importante de virmos assinalar isso”, disse Ernesto.
O chanceler já havia encontro programado com a alta cúpula do governo Trump para o dia 13 de setembro, quando ele e o secretário de Estado, Mike Pompeo, devem repassar os acertos da reunião bilateral que aconteceu em março entre os dois presidentes. Questionado sobre a urgência em fazer a reunião agora, em uma viagem organizada às pressas pelo governo brasileiro, sem que haja anúncio concreto, Araújo reiterou o potencial “simbólico” do encontro.
“Estamos provando (que as relações entre os países estão fortes) em um momento muito importante onde algumas correntes do mundo estão de alguma maneira se mobilizando para usar como pretexto o incêndio na Amazônia para relativizar nossa soberania, relativizar a soberania de repente de outros países. Isso não é uma coisa banal, isso não é uma coisa que acontece todo dia, e a reação coordenada, extraordinária, que teve do presidente Trump em relação a isso também não é uma coisa que acontece todo dia”, disse o chanceler, que classificou o encontro como o “momento mais simbólico” da relação entre os dois países, desde a visita de Bolsonaro a Trump, em março.
Araújo afirmou que Trump tem um compromisso “muito claro” de que o Brasil é um país soberano e que cerca de 30% da conversa foi sobre Amazônia. Segundo ele, os dois também falaram sobre a perspectiva de um acordo de livre comércio entre os países. Nos bastidores, diplomatas tratam isso como um acordo de “liberalização” - que teria como intuito inicial facilitar comércio sem debater tarifas. O chanceler afirmou a jornalistas estrangeiros que “a maioria dos brasileiros ficou ofendida com a forma como Macron tratou a soberania nacional”. Ainda segundo ele, Trump manifestou interesse de ir ao Brasil.

Embaixador

A presença de Eduardo na comitiva despertou o interesse dos jornalistas estrangeiros. “É o filho embaixador?”, alguns jornalistas perguntaram a brasileiros presentes. Na sala de imprensa, profissionais se perguntavam o motivo de “o filho do presidente do Brasil” estar reunido com Trump se ele “ainda não é embaixador”. O questionamento foi oficializado na entrevista dada por Ernesto Araújo aos estrangeiros e o chanceler respondeu que o deputado é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Um dos jornalistas estrangeiros perguntou a Eduardo sobre o comentário feito “pelo seu pai” sobre a esposa de Emmanuel Macron e o deputado, depois de perguntar a um auxiliar o que tinha sido questionado, pediu a Araújo para responder. Ele não quis responder a nenhuma das perguntas da imprensa internacional. Já fora da Casa Branca, aos jornalistas brasileiros, Eduardo disse ter preferido a imprensa nacional porque “vocês são muito mais bonitos”.
O governo rechaça que a presença de Eduardo Bolsonaro na comitiva seja uma promoção da campanha do filho 03 do presidente, que tenta obter no Senado votos suficientes para ser nomeado embaixador nos EUA. Cada ato de aproximação de Eduardo com Trump tem sido usado por Bolsonaro para reiterar a escolha do filho para representar o país nos EUA.
Eduardo disse que Trump “reforçou intenção de maneira educada de apoiar minha candidatura, mas não aprofundamos”. A indicação do deputado ainda não foi oficializada pois o governo acredita não ter, até o momento, os votos necessários no Senado para aprovar a nomeação de Eduardo como embaixador nos EUA.
Eduardo e Ernesto chegaram na Casa Branca às 13h35, no horário de Brasília, e ficaram reunidos com as autoridades do Conselho de Segurança Nacional antes da chegada de Trump no local. A reunião com o presidente americano só aconteceu por volta das 15h e durou cerca de trinta minutos. Estavam presentes pelo lado americano o secretário de Estado, Mike Pompeo, e Jared Kushner, assessor e genro de Trump.
Araújo e Eduardo estavam acompanhados pelo assessor para assuntos internacionais do Planalto, Filipe Martins, e pelo embaixador Nestor Forster, encarregado de negócios da embaixada do Brasil em Washington. Forster é o atual chefe da embaixada brasileira. Amigo pessoal de longa data do escritor Olavo de Carvalho, ele é um diplomata considerado alinhado com a chamada ala ideológica do governo Bolsonaro.
Depois da Casa Branca, Eduardo se encontrou na embaixada com Olavo de Carvalho. Ontem, o escritor recebeu homenagem na embaixada brasileira, em cerimônia conduzida por Forster.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Bolsokid vai mais uma vez prestar submissão a Trump

Poucas vezes, acho que nenhuma, na diplomacia brasileira um ser tão desqualificado foi cogitado para ser embaixador do Brasil. Pode ser para qualquer país, o mais poderoso ou o mais miserável do planeta, não importa: ser embaixador compreende, implica, subentende, exige, requer, pede certa capacidade para o cargo, experiência, savoir-faire, conhecimento de línguas, mas sobretudo, SOBRETUDO, uma atitude DIGNA, de representar o BRASIL e seus interesses nacionais.
Esse sujeito que está sendo cogitado para ser embaixador em Washington – mas poderia ser o embaixador em BRUZUNDANGAS – não possui nenhuma qualificação para o cargo, como todos sabem.
A razão principal de sua INCOMPATIBILIDADE com a missão se deve, SOBRETUDO, ao fato de que, de acordo com a diplomacia atual, ele está SENDO INDICADO porque já prestou SUBMISSÃO A TRUMP, o que é uma VERGONHA para o Brasil e os brasileiros.
Paulo Roberto de Almeida

Bolsonaro anuncia que filho irá aos EUA se reunir com Trump

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira que seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), viajará aos Estados Unidos para um encontro com o presidente norte-americano, Donald Trump. 
De acordo com o próprio Eduardo, ele --que será indicado para ser o próximo embaixador do Brasil nos EUA-- e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, embarcam na noite desta quinta para Washington e terão um encontro na sexta com Trump. 
"Vamos tratar ali dentro dos assuntos da Amazônia e do G7. O presidente Trump dá muita abertura. Assim como o presidente Bolsonaro, ele é uma pessoa muito simples, muito informal. Então certamente vamos entrar nesses assuntos", disse Eduardo. 
Segundo o deputado, ele vai agradecer ao presidente norte-americano pela defesa que fez do Brasil durante a reunião do G7 e contra a posição do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre a elevação dos incêndios florestais na Amazônia. 
Ao anunciar a viagem durante cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que seu filho iria aos Estados Unidos, mas não chegou a citar inicialmente que seu ministro iria também. Eduardo, ao contrário, fez questão de dizer que a viagem estava sendo organizada por Araújo e ele apenas fazia parte da comitiva. 
Perguntado se trataria também da sua indicação para a embaixada e se o encontro com Trump ajudaria na sua aprovação pelo Senado, o deputado lembrou que os EUA já deram o agrément, o documento de aceite da indicação, e ressaltou que agora precisa conversar com os senadores. 
"Já é um fato notório essa boa relação com a Casa Branca", disse o deputado. 
Apesar de já ter recebido o agrément, a indicação de Eduardo ainda não foi enviada pelo presidente ao Senado, onde o deputado terá que passar por sabatina e pela votação na Comissão de Relações Exteriores e em plenário. 
O Planalto ainda não tem certeza de que tem votos suficientes para aprovar seu nome, já que a votação é secreta e há resistência à vontade do presidente de nomear seu filho para um dos principais pontos da diplomacia brasileira.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Um embaixador profissional e um de mentirinha (pior: submisso) - Demetrio Magnoli


A nomeação de Eduardo Bolsonaro equivaleria a transferir as chaves da embaixada brasileira ao próprio Trump

Escrevi, para o Itamaraty, décadas atrás, um manual de Relações Internacionais destinado ao exame de ingresso na carreira diplomática.

O primeiro capítulo aborda as origens da diplomacia e as funções do diplomata. Se fosse reescrevê-lo, hoje, missão para a qual certamente não serei convidado, eu organizaria o texto em torno de Kim Darroch e Eduardo Bolsonaro.

O contraste entre as duas figuras esclarece a cisão conceitual que inaugurou a diplomacia contemporânea. Já a queda do primeiro e a ascensão do segundo iluminam o impacto do populismo sobre os corpos diplomáticos.

“O Estado sou eu” —nas antigas monarquias absolutas, o diplomata era um representante pessoal do soberano. Nessa condição, sua única qualificação indispensável era a fidelidade ao soberano. O círculo familiar do rei e a corte funcionavam como instâncias privilegiadas de recrutamento. O enviado era uma ponte entre duas cortes. Por isso, para sua escolha, pesavam positivamente eventuais relações de amizade estabelecidas por ele com os cortesãos estrangeiros.

A indicação de Eduardo obedece ao figurino do Antigo Regime. Candidamente, seu pai e ele mesmo explicaram que, na desolada planície de seu currículo, mais que o hambúrguer, destaca-se a amizade recente travada com o clã familiar de Donald Trump.

Darroch simboliza o oposto disso: representa uma nação, não um soberano. O embaixador britânico nos EUA, diplomata profissional culto e experiente, serviu a governos trabalhistas e conservadores, ocupando inúmeros cargos de alta responsabilidade. Paradoxalmente, na fonte do escândalo que provocou sua renúncia encontram-se os sinais distintivos da diplomacia do Estado-Nação.

Darroch foi atingido por três raios sucessivos. Um: o vazamento de mensagens sigilosas que enviou ao seu governo com avaliações negativas sobre a Casa Branca de Trump e a política externa americana.

Dois: a reação furiosa de Trump, vetando contatos de seu governo com o embaixador. Três: o desamparo a que foi relegado por Boris Johnson, candidato favorito à chefia do governo britânico.

As mensagens vazadas classificam o governo Trump como “singularmente disfuncional” e a política dos EUA para o Irã como “incoerente e caótica”.

Uma das funções do diplomata é conduzir atividades de inteligência, oferecendo a seu governo diagnósticos sobre o país estrangeiro. Darroch apenas cumpria o dever de transmitir a Londres suas apreciações políticas, certas ou erradas. Foi, porém, colhido pelo vendaval do populismo.

Trump extrapolou os limites diplomáticos normais das relações entre aliados, aproveitando-se do vazamento para humilhar os britânicos e ganhar aplausos de sua base eleitoral. Johnson, por sua vez, preferiu lambuzar-se em elogios a Trump, colocando suas convicções ideológicas acima da obrigação de proteger a diplomacia de seu país. Darroch foi traído pelos poderosos de uma nação à deriva, ferida pelo plebiscito do brexit, que já não sabe separar o interesse nacional das conveniências da ala reacionária do Partido Conservador.

A tragédia brasileira é, sob esse aspecto, um tanto parecida com a britânica. Uma prova disso emerge na indicação de Eduardo para a embaixada em Washington, posto estratégico ocupado originalmente por Joaquim Nabuco.

O filho 03 jamais enviaria avaliações críticas como fez Darroch, pois não é capaz de distinguir o interesse nacional brasileiro dos interesses dos EUA —e nem os interesses legítimos americanos das conveniências ideológicas de Trump ou de Steve Bannon.

A sua nomeação, mais que um novo ultraje ao pobre Itamaraty, equivaleria a transferir as chaves da embaixada brasileira ao próprio Trump.

A palavra final cabe ao Senado. Otimista, acalento a esperança de que os senadores decidam declarar o Brasil um Estado-Nação, não uma monarquia absoluta.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Diplomacia companheira vira Miseria da Diplomacia - Demetrio Magnoli

Miséria da diplomacia

Demétrio Magnoli
O Globo, 8/05/2014

‘Respeito instruções, respeito leis, mas não respeito caprichos nem ordens manifestadamente ilegais.” A declaração, concedida ao jornal “A Tribuna”, de Vitória (4/5), deveria constar no alto de um manual de conduta dos funcionários públicos. É do diplomata Eduardo Saboia e tem endereço certo.
Saboia chefiava a embaixada brasileira em La Paz até a sexta-feira, 23 de agosto de 2013, quando decidiu que um limite ético fora ultrapassado e orquestrou a fuga do ex-senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil. Hoje, o diplomata sofre a covarde punição tácita do ostracismo: a comissão de sindicância aberta no Itamaraty, com prazo previsto de 30 dias, segue sem uma resolução depois de oito meses.
O cineasta Dado Galvão prepara um importante documentário sobre a saga de Molina e Saboia. Será uma história incompleta, pois uma longa série de detalhes sórdidos permanece soterrada pela lápide do sigilo que recobre tanto as comunicações entre a embaixada e Brasília quanto os autos do processo administrativo contra Saboia. Mas o que agora se sabe já é de enrubescer cafetões.
Depois de receber asilo diplomático do governo brasileiro, Molina permaneceu confinado na embaixada em La Paz durante 15 meses. Enquanto o governo boliviano negava a concessão de salvo-conduto para que deixasse o país, ele não teve direito a banho de sol ou a visitas íntimas.
A infâmia atingiu um ápice em março de 2013, quando emissários de Brasília reuniram-se, em Cochabamba, com representantes do governo boliviano para articular a entrega do asilado aos cuidados da Venezuela.
A “solução final” só não se concretizou devido à crise desencadeada nas semanas finais da agonia de Hugo Chávez. No lugar dela, adotou-se a política da protelação infinita, que buscava quebrar a resistência de Molina, compelindo-o a render-se às autoridades bolivianas.
Cochabamba é um marco no declínio moral da diplomacia brasileira. A embaixada em La Paz ficou à margem das negociações. O embaixador Marcel Biato, que solicitava uma solução legal e decente para o impasse, foi sumariamente afastado do cargo. (De lá para cá, circulando sem funções pelos corredores do Itamaraty, Biato experimenta um prolongado ostracismo.)
Molina, por sua vez, teve o direito a visitas restringido a seu advogado e sua filha. Uma ordem direta de Brasília proibiu a transferência do asilado para a residência diplomática, conservando-o num cubículo da chancelaria. Naqueles dias, vergonhosamente, o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, chegou a flertar com a ideia de confisco do celular e do laptop do asilado.
Convicções, crenças, valores? Nada disso. Dilma Rousseff conduziu todo o episódio premida pelo temor — ou melhor, por dois temores conflitantes. No início, por sugestão de Patriota, concedeu o asilo diplomático temendo a crítica doméstica — e, pelo mesmo motivo, não o revogou na hora da reunião de Cochabamba.
Depois, a cada passo, temendo desagradar a Evo Morales, violou os direitos legais de Molina, entregou à Bolívia o escalpo do embaixador Biato e converteu Saboia em carcereiro do asilado. As concessões só estimularam o governo boliviano a endurecer sua posição.
A prorrogação abusiva da prisão dos 12 torcedores corintianos em Oruro foi uma represália direta da Bolívia contra o Brasil. O patente desinteresse de Brasília pela sorte dos cidadãos brasileiros encarcerados representou uma nova — e abjeta — tentativa de apaziguamento.
Saboia assumiu o comando da embaixada após o afastamento de Biato, e tentou, inutilmente, acelerar a valsa farsesca das negociações conduzidas por uma comissão Brasil/Bolívia formada à margem da representação diplomática em La Paz. Cinco meses depois, rompeu o impasse, aceitando os riscos de transferir Molina para o Brasil.
Em tempos normais, o diplomata que fez valer a prerrogativa brasileira de concessão de asilo seria recepcionado de braços abertos pelo governo brasileiro. Mas, em “tempos de Dilma”, o mundo está virado do avesso.
Antes que os familiares de Saboia pudessem deixar a Bolívia, o governo transmitiu à imprensa o nome do responsável pela fuga do asilado. Na sequência, reservou-se a Saboia um lugar permanente na cadeira dos réus.
Tempos de Dilma, uma era de “ordens ilegais” e “caprichos”. A presidente expressou, em público e pela imprensa, sua condenação prévia de Saboia antes da abertura da investigação oficial. Pela primeira vez na História (e isso abrange a ditadura militar!), uma comissão de sindicância do Itamaraty não é presidida por um diplomata, mas por um assessor da Controladoria-Geral da União que opera como interventor direto da Presidência da República.
“É evidente que existe uma pressão política”, denuncia Saboia. “Há uma sindicância que não está, pelo visto, apurando os fatos que levaram uma pessoa a ficar confinada 15 meses; está voltada para me punir.”
Em março, emanou da comissão um termo provisório de indiciação que omite os argumentos da defesa e cristaliza as mais insólitas acusações — inclusive a de que Saboia violou os “usos e costumes” (!!!) da Bolívia.
A mesquinha perseguição a Biato e Saboia não é um caso isolado, mas a ponta saliente de uma profunda deterioração institucional: pouco a pouco, o Estado se converte numa ferramenta de realização dos desígnios dos ocupantes eventuais do governo.
Não é mais segredo para ninguém que o governo ignora solenemente as violações de direitos humanos em Cuba e na Venezuela. Menos divulgado, porém, é o fato de que a política externa do lulopetismo tem perigosas repercussões internas: no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), um órgão presidido pelo Ministério da Justiça, as solicitações de refúgio político de dezenas de bolivianos dormem no limbo.
“Não respeito caprichos nem ordens manifestadamente ilegais.” No Brasil de Dilma, quem diz isso é réu. A presidente exige obediência cega. Vergonha.

Demétrio Magnoli é sociólogo.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Da Arte (pouco nobre) de Inclinar a Coluna - Paulo Roberto de Almeida


Da Arte (pouco nobre) de Inclinar a Coluna

Paulo Roberto de Almeida

A coluna a que eu me refiro aqui não é qualquer uma da arquitetura clássica – como as das ordens conhecidas na Grécia antiga: dórica, jônica e coríntia – ou sequer as da história mitológica, também grega: as famosas colunas de Hércules, o estreito que depois foi batizado com o nome do conquistador árabe que deu início à conquista da península ibérica. Quero falar da mais frequente e usual, aliás, de pleno domínio de cada um de nós, ainda que de forma congenital: a coluna vertebral, também chamada pelos anatomistas de espinha dorsal.
Ao falar da arte de inclinar a coluna, eu me refiro, mais concretamente, a esse bizarro exercício voluntário de dobrar a sua própria, em função de compulsões externas ou de injunções internas. Excluindo a mesura gentil – plenamente integrada aos costumes protocolares de certos povos, ou denotando alguma devoção religiosa, quando não o respeito voluntariamente assumido em face de um soberano do qual se é súdito –, a inclinação de que trato aqui tem a ver, precisamente, com a submissão demonstrada por alguém a uma autoridade qualquer, mesmo quando não se trata exatamente de uma autoridade, ou quando o respeito que essa pessoa deve a si mesma recomendaria não praticar tal gesto.
 Estou consciente de que na vida cotidiana, somos sempre levados, de alguma forma, a praticar esse exercício: metaforicamente falando, nos dobramos à vontade de um chefe no trabalho, aos ditames de um comandante nas forças armadas, às diretrizes de uma real autoridade (o guarda rodoviário, ou o policial do trânsito, por exemplo), às instruções de um mestre-escola (e até ao orientador de tese, por mais absurdas que possam parecer suas inclinações teóricas), quando não, cedo na vida, às ordens de pai e mãe, antes que nos seja dado o direito e o dever de também fazê-lo em direção de nossos filhos, eventualmente rebeldes a alguma recomendação de segurança ou outra qualquer. Nos inclinamos com tão maior rapidez, e o respeito devido, quando tais ordens, emanando de alguém que possui legitimidade para assim proceder (isto é, tendo a lei a seu favor), se destinam a guiar nossas próprias ações, ou representam nossa conformidade a regras comumente acordadas com vistas a um benefício de interesse geral, ou da ordem pública (que não tem nada a ver com uma pretensa “vontade geral”, à la Rousseau). Somos levados a cumprir ordens, ou a obedecer (o que sempre implica alguma inclinação de coluna simbólica), porque assim estão organizadas as sociedades civilizadas, baseadas em regras de interesse comum, antes que na prevalência da força ou da prepotência de uns poucos.
O “inclinar a coluna” aqui visado tem a ver, mais apropriadamente, com o que Étienne De La Boetie já chamou de servidão voluntária, ou seja, a predisposição de certos indivíduos – mas pode ser também uma comunidade inteira, ou um governo – de se dobrar a um poder qualquer, geralmente o do Estado, encarnado no governo de ocasião, ou de certas potências de ocasião, numa total falta de confiança em suas próprias capacidades ou virtudes. A atitude é mais frequente do que se pensa, e não se manifesta apenas naqueles casos de privação extrema, sob o jugo da qual pessoas que poderiam se desempenhar com suas próprias forças, para superar alguma vicissitude temporária, preferem se entregar ao arbítrio de quem proclama poder garantir sua subsistência ou segurança, em troca justamente da servidão aos desígnios e causas do suposto protetor. La Boetie pensava, claro, na situação limite que lhe era dado contemplar em sua época, caracterizada pela existência de camponeses tão miseráveis ao ponto de ter sua sobrevivência ameaçada, e que decidiam se entregar a um tirano qualquer ou aceitar defender suas causas, numa escravidão sem grilhões aparentes e sem título de propriedade.
De fato, a servidão voluntária geralmente se faz sem papeis, e ela é usualmente de caráter mental, antes de se traduzir em um contrato qualquer, no oferecimento de algum posto ou distinção de ofício, quando então a submissão assume todos os contornos da situação descrita pelo pensador francês, amigo de Montaigne. O mais frequente, nesse tipo de situação, é o contexto estamental, ou corporativo, no qual indivíduos que desejam ascender funcionalmente se mostram servis e obsequiosos aos que estão no topo da carreira, esperando, portanto, um empurrão ou até mesmo uma âncora, para poderem se alçar acima da malta.
Não estamos falando de um regime de castas, no qual a “ralé” pretende mudar a sua situação, mas de um “conjuração dos iguais”, na medida em que alguns são sempre “mais iguais” do que outros, e esses outros se conformam ao papel que lhes é atribuído pelos primeiros. É um comportamento mais frequente do que se imagina, como tenho observado, com essas minhas retinas fatigadas, ao longo de algumas décadas de convivência com “iguais” e “mais iguais”.
Tampouco devemos restringir a servidão voluntária, e a submissão consentida, aos comportamentos individuais, o que nos remeteria ao terreno da psicologia, ou talvez até da psiquiatria. Por vezes, comunidades inteiras se submetem ao domínio de um tirano, como ainda assistimos na Alemanha nazista, três gerações atrás. Todo o processo, tanto pela sua essência política, quanto pelas suas implicações econômicas, foi capturado no livro seminal do economista e filósofo austríaco, Friedrich Hayek, chamado justamente A Caminho da Servidão (5a. ed.; Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990; tradução e revisão: Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro; livremente disponível no site do Instituto). Como o próprio Hayek esclarece, em seu capítulo inaugural, o ponto de partida de tudo foi a Alemanha.
Visitando o museu de Nuremberg dedicado ao partido nazista, no mês de junho de 2012, fiquei impressionado pela abundância documental – cartas, jornais, livros, filmes – em torno do fenômeno da captura hipnótica de toda uma população por um tirano medíocre, mas que possuía o dom da palavra, como poucos em sua época. Usando os recursos do rádio e da imprensa, e aproveitando-se da situação caótica, ou de verdadeiro desespero econômico vivido pelo povo alemão, naqueles anos conturbados do pós-Grande Guerra, de hiperinflação na década seguinte e crise econômica dos anos 1930, o megalomaníaco líder racista conseguiu reduzir quase toda a nação a um estado de submissão raramente visto nos anais da história.
 Contemplando os materiais do museu, não deixei de traçar paralelos com outras situações e com outros personagens, mais próximos, talvez, de nossa história, embora seja difícil reproduzir novamente os casos de colossal histeria coletiva, como observados na Alemanha dos anos 1930, até o turbilhão do desastre fatal na década seguinte. Fica, porém, a advertência: messias salvadores, e seu séquito habitual de true believers – alguns deles por mero oportunismo, busca de retornos materiais, ou ambição de poder – são sempre uma via perigosa para um regime de liberdade.
Na verdade, a maior parte dos casos individuais de servidão voluntária, ou de “inclinação da espinha dorsal” se dão mesmo por oportunismo, sede de poder e desejo de glória e prestígio. Em troca da proximidade com o poder, quando não da possibilidade de se exercer algum poder, indivíduos aparentemente normais são capazes dos mais inacreditáveis contorcionismos verbais e comportamentais, numa alteração de personalidade que pode chegar a assustar os amigos e familiares. Sem desejar reproduzir os alertas muito conhecidos de Lord Acton, é um fato que o poder, sobretudo quando é absoluto, pode corromper absolutamente; se juntarmos a isso certa inclinação autoritária, quando não totalitária, temos indivíduos que ascenderam numa corporação “normal” e que de repente se transformam em servos fiéis do poder encarnado pelos “mais iguais”. A submissão é tão forte que o novo súdito voluntário é capaz de “vestir a camisa” de quem está no comando – mesmo quando isso fica um pouco bizarro – e de pretender que todos os demais façam o mesmo.
Quando isso ocorre, o espírito de servidão ultrapassa a dimensão das carreiras individuais para disseminar-se por uma corporação específica do Estado, quem sabe até por todo o governo, comprometendo as posições internas e externas da nação. Como todos sabem, as melhores políticas de bem-estar coletivo são aquelas que resultam de um debate aprofundado na sociedade – que precisa ser absolutamente livre – e da transposição desse debate para os corpos representativos da sociedade, geralmente o parlamento – que também precisa ser autônomo, em relação ao poder executivo – e não as que são oferecidas de cima para baixo, como se a magnanimidade do líder do momento fosse uma garantia de boa qualidade dessas políticas. Fica claro, nesse contexto, que comunidades dotadas de cultura política elementar, quando não privadas de um mínimo de conforto material, podem ser levadas a aderir ao líder da ocasião, que se aproveita dessas condições para assentar um domínio sobre a maioria – que é sempre formada por gente humilde – e que depois se projeta numa espécie de tirania da popularidade (quando esta não é, ela mesma, construída por uma hábil e mistificadora máquina de propaganda).
Espíritos fortes em outras camadas da população podem resistir à vocação autoritária de um messias autoproclamado, mas este sempre encontrará os servos voluntários de que necessita para assentar o seu poder e a continuidade de seu mando. Os oportunistas estão sempre dispostos a servir o poder do momento em troca de vantagens materiais, e do desejo de honra e prestígio, que nada mais são, finalmente, do que “virtudes humanas” muito corriqueiras. Se isso é certo, também é verdade que essas virtudes também podem ser muito ordinárias, como é o próprio ato de dobrar a coluna para servir voluntariamente um candidato a tirano. Assim é o mundo, assim são as pessoas...
Nietzsche, a quem não prezo particularmente, escreveu algo a respeito. Parece que Hitler e Mussolini admiravam esse filósofo. Mas não é preciso sequer saber de sua existência e conhecer a sua obra para exibir o perfil requerido ao cenário aqui traçado. Sempre devemos esperar o melhor das pessoas; mas não custa estar atento para certas vocações desviantes...

Brasília, 2411: 16 julho 2012.