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sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Um Mundo Restaurado... e novamente Destruído - Paulo Roberto de Almeida

 Um Mundo Restaurado... e novamente Destruído

Paulo Roberto de Almeida

Para quem viveu, como eu, na oposição ao lulopetismo diplomático durante o período 2003-16, e agora enfrenta a demolição completa do pouco que havia sido restaurado entre 2016 e 2018, os desafios atuais são infinitamente maiores e mais terríveis, no sentido em que se tenta, agora, não exatamente evitar deformações partidárias da política externa, como anteriormente, mas justamente contrapor-se à sanha destruidora dos novos bárbaros contra os próprios fundamentos da política externa e contra valores e princípios que julgávamos assentados na diplomacia brasileira. 

Em quase 200 anos de itinerário de trabalho com vistas ao constante aumento da projeção do Brasil no cenário internacional, nunca tínhamos enfrentado, os diplomatas profissionais, um impulso destruidor tão devastador quanto o que agora se exerce contra um serviço exterior outrora julgado excelente e de altíssima qualidade intelectual: estamos entregues, literalmente atados, a uma malta de ineptos, incompetentes e desvairados mentais, que tudo fazem para rebaixar mais e mais o conceito do Brasil no contexto mundial.

Entre um presidente completamente ignorante em assuntos internacionais, e um chanceler acidental totalmente submisso a amadores incompetentes, o Brasil se isola da região e do mundo, levado pelas mãos (e pés) de um chanceler que se compraz em confimar o país na condição de “pária internacional” (e aparentemente contente de sê-lo).

Formulei reflexões em torno da triste conjuntura atual de nossa diplomacia em meu livro (de próxima edição): “Apogeu e demolição da política externa: reflexões de um diplomata não convencional”, cujo sumário e prefácio já foram apresentados neste mesmo espaço.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 8/01/2021

Apogeu e demolição da política externa brasileira: reflexões de um diplomata não convencional (Brasília: Diplomatizzando, 2020, 245 p.). Capa, sumário, epígrafe e prefácio apresentados no blog Diplomatizzando e nas plataformas Academia.edu e Research Gate

domingo, 3 de janeiro de 2021

Que tal, agora, olharmos a realidade? - Paulo Roberto de Almeida

 Que tal, agora, olharmos a realidade?

Paulo Roberto de Almeida

Algumas constatações simplórias, apenas com base em evidências superficiais, sem qualquer metodologia científica.

Estamos cansados de saber que o personagem principal no cenário nacional nos últimos 24 meses — até bem mais do que isso — tem todas essas características negativas já destacadas inúmeras vezes por comentaristas das diversas mídias: é tosco e grosseiro, é machista, misógino e homofóbico, preconceituoso ao estilo popularesco-ignorante, é politicamente incorreto e faz questão de demonstrar isso, não se importa minimamente em ser brega, não tem nenhuma restrição mental em falar mentiras (aliás, não se preocupa em distinguir entre mentiras e verdades), segue apenas seus instintos naturais (que não são exatamente refinados), tem prazer em contrariar padrões mais sofisticados de conduta (pois considera que assim estaria mais próximo do povão, e de fato está), faz questão de contrariar normas consagradas de conduta, para demonstrar amplamente que é contrário à faixa educada e rica da população, para estar mais próximo das pessoas simples (e confirmar seu status de antissistema e anti-política), utiliza-se de todos os meios admissíveis e até mesmo desonestos para diminuir seus possíveis competidores e/ou adversários, enfim, tem todas as piores qualidades que seriam, em condições normais, não aceitáveis por quem disputa cargos públicos, visando sempre o maior benefício para sí próprio e para os seus (que colaboraram totalmente e sempre com o conjunto de falcatruas que pautaram sua vida pública e suas condutas no plano privado), e ainda assim continua a desfrutar de razoável apoio (até considerável em certas faixas) junto ao seu “povo” e no eleitorado em geral, com destaque para alguns estratos específicos (como os evangélicos, e por isso faz questão de explorar espertamente, e de maneira totalmente hipócrita, tal apoio), e acha (contrariando a maior parte dos analistas políticos) que dessa forma vai garantir sua presença no segundo turno de 2022 e, com isso, uma possível nova vitória eleitoral. 

Sim, ainda que muito disso possa ser pura fabricação e encenação deliberada para fins diretamente políticos, ainda que estes sejam os piores possíveis, parece acreditar que está fazendo, e trazendo, o bem para o Brasil e os brasileiros, pois na sua imensa ignorância natural considera que os perigos maiores do Brasil sejam, ou seriam, o esquerdismo e o progressismo, mas também agita espertamente a ameaça de um “comunismo” que sabe não existir, mas que é conveniente para seus fins explorar como espantalho adequado para certa faixa do eleitorado (os saudosistas da ditadura militar, que também existem aos montões, inclusive entre os militares que precisam se escudar de acusações de condutas impróprias durante aquele período).

No total, e desculpando-me junto a meus leitores pela prolixidade desta exposição, acredito que estejamos, no Brasil em face de um fenômeno — não um movimento, ou de uma doutrina — que dispõe de razoável aceitação popular, mas que corresponde a uma conjuntura específica de nossa história recente: a tremenda decepção da classe média com a corrupção do PT e dos políticos em geral, e o choque real, junto a largas faixas do eleitorado não instruído e de renda mais baixa, com uma enorme reversão de expectativas quanto ao aumento de renda — estimulada de forma artificial e não sustentada — que existia até a grande crise de 2015-16, deterioração não revertida até aqui.

Termino, dizendo simplesmente o seguinte: nós, cidadãos de classe média (que somos os incluídos neste tipo de reflexão e de debate), acadêmicos em geral, jornalistas e  fazedores de opinião em particular, estamos singularmente DISTANTES e não compreendemos as angústias e preocupações da massa da população. 

Não cabem surpresas, portanto, quando se toma conhecimento das pesquisas de popularidade: estamos num universo muito diferente do da maioria do povo. 

Desculpem decepcionar alguns...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3/01/2021

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O Zaratustra do Cerrado Central e a angústia de não ser compreendido - Paulo Roberto de Almeida

O Zaratustra do Cerrado Central e a angústia de não ser compreendido 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivolamentar o desvio de talento em bobagensfinalidadecolocar o dedo na ferida]

  

O chanceler acidental sofre de uma profunda angústia espiritual: ele se sente desesperadamente sozinho na imensidão do cerrado central, onde não encontra alguma alma gêmea, um mísero sofista, um colega de devaneios, algum companheiro de promenades antiphilosophiques (à la Rousseau), alguém à altura de sua confusa mixórdia mental, enfim, qualquer um, com quem possa aliviar sua consciência atormentada pela necessidade de ser reconhecido como o grande pensador do bolsonarismo ambulante.

O problema é que que o seu guia espiritual, o famoso Rasputin de Subúrbio, já não desfruta, como no começo, daquele odor de santidade junto aos donos do poder, depois de ter ofendido a todos e a cada um, e de ter caído em desgraça até junto aos círculos mais chegados ao chefão da tropa. Este, por sua vez, não está minimamente interessado em, até porque não precisa de, circunlóquios cerebrais em torno de um nova doutrina para o seu movimento: ele não está interessado em diálogos, menos ainda subfilosóficos, só quer gente que lhe obedeça cegamente, como um bom candidato a Stalin de direita que é. 

Por isso, aquele personagem bizarro à procura do seu tirano de Siracusa, sem ter com quem externar suas alucinações periódicas, sente necessidade de lançar suplicantes manifestos cruzadistas, em uma nova ofensiva contra o marxismo cultural e o maoísmo cibernético, como fez ainda recentemente em seu Blog Metapolítica 17: contra o globalismo, no qual acaba de divulgar novos extratos de suas angústias, sob um título accrocheur: “Por um Reset Conservador-Liberal” (31/12/2020; link: https://www.metapoliticabrasil.com/post/por-um-reset-conservador-liberal).

Não cabe dar sentido ao que não tem sentido nenhum, por isso nem convido os leitores a tentar provar a intragável sopa de letras ali concentrada, um pot-pourri de noções incompreensíveis ao leitor comum, mas que devem ter custado várias noites angustiadas ao Zaratustra do cerrado central para juntar tudo na mesma panela e deglutir virtualmente. Só lhe sobrou isto num governo que se desfaz como as fortalezas dos cristãos na contraofensiva de Saladino.

Que tristeza: o chanceler brancaleônico não pode contar nem mais com os 300 milicianos da Esplanada, que não chegavam a 30, para defender suas fileiras de novos cruzados contra os inimigos comunistas, bolcheviques e gramscianos.

Ele não pode sequer contar com uma Lepanto do Planalto Central para animar essas tropas confusas da luta contra os globalistas da esquerda.

O capitão não o compreende; ele está só.

Nem um Kierkegaard para ajudá-lo. Seu manifesto filosófico do novo partido bolsonarista deve mesmo ficar para a crítica roedora dos ratos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3831, 1 de janeiro de 2021

 

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

2020: o ano que não terminou - Paulo Roberto de Almeida

 2020: o ano que não terminou 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

[Objetivoreflexãofinalidadedar início a um novo ano de reflexões]

 

 

Até aqui tínhamos, ao que parece, apenas um ano que não terminou: 1968, segundo uma obra consagrada na nossa estante de literatura política sobre os anos da ditadura militar. Agora, já podemos contar com um segundo ano que não está perto de terminar: o de 2020, excepcional a mais de um título, por razões exógenas – um vírus animal transplantado para a espécie humana –, mas sobretudo por razões endógenas, que têm a ver com as atitudes, ativas ou passivas, tomadas pelos encarregados de enfrentar desafios externos e internos. Alguns o fizeram ao máximo, outros fizeram o mínimo, e outros, ainda, além de não fazerem nada contribuíram ativamente para agravar o quadro já por si pavoroso da pandemia, a pior desde a Peste Negra do século XIV e desde a “gripezona” de cem anos atrás.

Por que o ano de 2020 ainda não acabou? Porque seus efeitos adentram no novo ano do calendário e devem se prolongar por vários meses mais, talvez indefinidamente. A despeito das expectativas promissoras com a chegada de cinco ou mais vacinas, os mortos continuarão a se acumular por algum tempo mais, meses adicionais de angústias, de cuidados, de temores, de preocupações e de sofrimento, com os que ainda vão partir, seja por falta de cuidados próprios, ou pela falta de cuidados daqueles que foram eleitos para cuidar da coletividade. O ano só vai acabar quando a balança pender para o lado da esperança, não do desespero. Não sei quando será o “tipping point”, talvez no meio de 2021, talvez um pouco mais adiante. O mais importante é perseverar na luta, insistir na compaixão, reforçar os cuidados, acalentar os angustiados, confortar os que perderam os seus. 

Toda experiência, sobretudo uma decisiva, tão relevante e impactante como esta, também oferece a oportunidade de refletir sobre seus ensinamentos, as lições que dela devem ser retiradas, e refletir sobre o que deveria ter sido feito, e não foi, avaliar pausadamente os resultados, pensar no que cabe fazer, doravante, planejar o futuro, retificar comportamentos, ajustar atitudes, cobrar responsabilidades, descartar decisões erradas, condenar não decisões e exigir respeito pela vida humana, pelo simples gesto que salva, que vem da empatia pelos que nos são próximos e também por cada membro da coletividade.

Refletir é o que tenho feito desde que me entendo como ser pensante, primeiro como leitor, depois como escrevinhador, finalmente como divulgador das poucas ideias inteligentes que possam ter surgido dessas interações entre o texto impresso, a observação da realidade, e a postura a ser assumida em face de todo e qualquer desafio que se apresente.

Persistirei.

Bom ano a todos, meus votos para um 2021 melhor à maioria, mas, se ouso inovar, um 2021 talvez pior para a meia dúzia de irresponsáveis e desprezíveis seres que tornaram a nossa coletividade menos fraterna do que poderia naturalmente ser.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 31 de dezembro de 2020, 20:01hs.

 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Goodbye, Mr. Clark: a nova divisão da economia (1994) - Paulo Roberto de Almeida

 Goodbye, Mr. Clark: a nova divisão da economia

Paulo Roberto de Almeida

Paris, 1 novembro 1994

 

Nos tempos em que o crescimento parecia inevitável, o processo de desenvolvimento era explicado pela dominação sucessiva dos três setores econômicos tradicionais: saindo do estágio “natural” do primário (agricultura), a economia passava pela adição de maior valor agregado no secundário (indústria), para se modernizar através da dominação final do setor altamente diversificado do terciário (os chamados serviços, isto é, todo o resto). O maior propagandista dessa teoria, o economista australiano Colin Clark, popularizou essa concepção do desenvolvimento, que tinha o aparente apoio no bom-senso histórico e na precisão conceitual de uma prática repartição funcional da economia, defendida por gerações de economistas desde os clássicos.

Pois bem, chegou a hora de aposentar o esquema vulgarizado por Colin Clark e dar adeus à tradicional tripartição da economia. A razão: novas forças que estão modificando poderosamente a nova economia mundial, cada vez mais globalizada e tendencialmente baseada não tanto em mercadorias concretas, mas em bens imateriais como informação, know-how e serviços financeiros. A velha e simples agricultura, mesmo a do arado mecânico e das grandes colheitadeiras, há muito deixou de existir e, pelo menos nos países mais avançados, converteu-se num verdadeiro complexo industrial, o chamado agrobusiness, convivendo com vendas em mercados futuros e sementes geneticamente manipuladas.

Com isso, restariam efetivamente dois setores: de um lado, a produção de bens de todos os tipos (os que nutrem e vestem o corpo, como arroz-feijão e roupas, ou os dedicados a alimentar a alma, como livros ou filmes); de outro, administrações públicas ou empresas privadas prestadoras de serviços de diversas naturezas, desde educação e segurança física, até comunicações, seguro de vida, aplicações financeiras ou lazer. Muito mais simples assim, ou não ? 

Errado! Com o surgimento da era da informação, o enorme (e enganador) terciário está sendo agora dividido em dois grandes ramos. De um lado, o dos serviços stricto sensu, ou seja, todos aqueles dedicados ao atendimento de uma necessidade individual localizada, seja de saúde, educação, movimentação bancária ou conserto do automóvel. De outro, o novíssimo setor da informação propriamente dita, isto é, todas aquelas atividades integradas numa outra indústria ou serviço, como software, comunicações, educação especializada e pesquisa orientada, transações financeiras e, evidentemente, a crescente indústria da informação (onde pode ser incluída este jornal e seus serviços paralelos).

A sugestão acaba de ser feita nas páginas de Business Week (7 de novembro), em fascinante artigo sobre como a impressionante imprecisão das estatísticas tradicionais está dificultando uma correta avaliação da economia norte-americana (The real truth about the economy). As estatísticas econômicas não podem continuar a ser aquela terceira categoria de mentiras (damned lies), tão frequente nas piadas dos economistas. Elas precisam traduzir um retrato o mais acurado possível da realidade, sob risco de induzir governos em custosos erros na alocação de despesas públicas e empresas em perigosos (e fúteis) exercícios de market targetting. Tanto o planejamento estratégico empresarial, como decisões macroeconômicas de investimento social dependem de forma crucial da boa qualidade da informação estatística.

Exemplos fornecidos no artigo da Business Week de mitos e verdades que produzem consequências opostas (e publicamente delicadas) na organização da vida social: o comportamento dos preços, a utilização da capacidade ociosa da indústria e o crescimento da produtividade. Comecemos pelos preços ao consumidor. Eles sempre parecem crescer mais do que a expectativa dos governos, induzindo os agentes econômicos e os atores sociais a projetarem demandas e antecipações que aumentam efetivamente os preços. A razão está na incapacidade dos levantamentos oficiais em medir melhorias por vezes dramáticas na qualidade dos produtos e nas mudanças nas preferências dos consumidores. Disso poderia resultar uma taxa real de inflação bem menor e, portanto, correções salariais adequadas ao dispêndio efetivo do consumidor.

Segundo caso: a utilização, em condições de pleno emprego, da capacidade instalada na indústria, provocando penúrias setoriais (de insumos ou trabalho) que induzem por sua vez uma alta nos preços. Mais uma vez os índices podem estar sendo superestimados, já que ganhos de produtividade não medidos liberam maior volume de produção com a mesma dotação absoluta de fatores. Por outro lado, as estatísticas de utilização da capacidade instalada foram concebidas para uma situação de produção exclusivamente nacional, o que faz pouco sentido na economia globalizada de hoje em dia.

Terceiro exemplo: o crescimento da produtividade tende necessariamente a decrescer no longo prazo, já que a maior parte dos serviços são dificilmente “agilizados” (a aula de matemática, o corte de cabelo). Errado, mais uma vez. A realidade é que os ganhos de produtividade nos novos setores da economia (justamente a economia da informação) têm uma dinâmica insuspeitada até aqui, podendo dobrar o crescimento da economia real. Daí o título desde artigo: adeus Mr. Clark. Viva o novo setor terciário !

 

Paulo Roberto de Almeida é PhD em Ciências Sociais.

[Paris, 459: 1°.11.94]

 

459. “Goodbye, Mr. Clark: a nova divisão da economia”, Paris, 1° novembro 1994, 3 pp. Artigo sobre a nova repartição funcional da economia, enfatizando os serviços produtivos de novo tipo. Inédito.

 

 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A “injustiça social” segundo os acadêmicos- Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre mais uma ofensiva de acadêmicos pro-domo sua

Paulo Roberto de Almeida

Volta e meia, vejo esses gráficos de acadêmicos com pico de “investimentos” em ciência e tecnologia, pesquisa nas universidades, bolsas e tudo o mais, em benefício dos “litterati” esclarecidos, querendo demonstrar que, depois de 2016, o Brasil passou a viver sob o regime nefasto do “austericídio” comandado pela “direita”. 

Fico triste ao constatar a falta de raciocínio dos meus colegas acadêmicos ou sua total indiferença para com o resto da população, especialmente os mais pobres.

A noção de “desinvestimento”, implícita a esse tipo de reação, ignora a outra noção, a de que existem limites às despesas públicas, que é quanto o Estado pode extrair dos produtores de riqueza. 

Colocar muito dinheiro numa rubrica significa colocar menos em outras. Eles já pensaram nisso?  

As bondades feitas pelos petistas em favor dos já incluídos — e aqui não cabem apenas acadêmicos, mas os grandes capitalistas, proprietários e banqueiros, todos os que locupletaram o partido e seus dirigentes, de doações “legais” e dinheiro ilegal —, não reduziram a pobreza, apenas subsidiaram o consumo dos miseráveis, na verdade para criar um curral eleitoral.

Se olharmos bem — e nisso a Lava Jato ajudou, a despeito do militantismo judicial —, as prioridades dos petistas estavam com os grandes capitalistas e a elite universitária, ou seja, os donos do dinheiro e os formadores de opinião. Pobres eram só massa de manobra eleitoral, com o curral assistencialista governamental. 

Fácil perceber isso, mas humildade ajuda, compreensão acima de interesses também. 

A economia não é contra ninguém, ela apenas indica os limites entre demandas infinitas e recursos finitos.

Até hoje eu me surpreendo com a “crise” das universidades públicas, as entidades que supostamente reunem os seres mais capazes do país, matemáticos e engenheiros que sabem fazer contas e que não conseguem resolver problemas orçamentários? Alegar regras federais para não mudar o seu modo de funcionamento significa pretender ter, como os mais pobres e incapazes, uma babá para cuidar dos seus problemas. Não é coisa digna da República das Letras.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 23/12/2020

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Reflexões sobre a tragédia política brasileira, a de 2018 e uma outra possível em 2022 - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões sobre a tragédia política brasileira, a de 2018 e uma outra possível em 2022

Paulo Roberto de Almeida 

Marlos Ápyus pergunta:

"É menos uma questão de "como puderam votar nisso?", e mais de "quais erros foram cometidos para que a população preferisse isso?".
A pergunta errada nunca levará à resposta certa."

PRA: De fato, esta é a GRANDE pergunta, que não remete apenas a 2018, mas a 2022 também. Se não formularmos as perguntas corretas, e não soubermos, a partir do bom diagnóstico, aplicar o receituário clínico-político, vamos estar com a pandemia bolsonarista por muito mais tempo...
Tento responder: não houve um único erro. Foi uma sucessão de erros, causados por prestigiadores da política, a liderança carismática de Lula, as políticas sociais, as belas promessas do lulopetismo, a grande ilusão de que o Brasil decolava, seguidos por uma nova sucessão de erros, por parte da população, dos militares e das elites políticas: a rejeição do eleitorado de classe média à corrupção monumental do lulopetismo e à Grande Destruição Econômica de Dona Dilma e sua Nova Matriz Econômica.
São muitos erros, mas aí "Inês já era morta". Os saudosistas da ditadura militar, os malucos dispersos na sociedade, os direitistas enrustidos nos armários durante 30 anos, todos eles saíram à luz do dia e se converteram em fanáticos do capitão. Muitos ainda continuam fanáticos, inclusive pessoas normalmente normais ou bem informadas como certos diplomatas.
Estamos no meio do pântano.
Minha única resposta seria esta: esquerda, centro, direita racional precisariam estar UNIDOS para vencer o candidato dos Novos Bárbaros. Se não o fizerem, a derrota é certa em 2022.
Os líderes políticos o farão? Superarão suas ambições individuais em troca da renúncia em favor de um projeto comum?
Não tenho certeza. Elites econômicas e militares ainda não fizeram o diagnóstico correto e não tiraram as consequências.
Por que os dirigentes políticos o fariam?
Os acadêmicos, como sempre, continuam falando apenas para si mesmos, sem qualquer conexão com o povo real...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/12/2022

Imperial Regulamento do Asylo dos Diplomatas da Corte - Coleção de Leis do Império do Brasil (1884)

 Imperial Regulamento do Asylo dos Diplomatas da Corte

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Nota Liminar: No curso de minhas atentas pesquisas sobre a história pregressa desse nosso país sui-generis, tenho encontrado vários textos interessantes, muitos outros simplesmente curiosos e alguns francamente hilariantes, que em todo caso me fizeram refletir um pouco sobre a verdadeira natureza do processo histórico. 

No confronto de alguns deles, fui levado inclusive a estabelecer perigosas ilações, ou melhor, arriscadas aproximações com situações presentes ou passadas que afetam alguns de nós, diplomatas submetidos às agruras do salário em Brasília. Quem, em santa consciência, não aspirou, em determinado momento de sua carreira, por alguma caixa de socorro mútuo, um pecúlio geral, uma irmandade dos desvalidos, com algum lugar, enfim, onde refugiar-se das dificuldades correntes?

Pois bem, saibam meus distintos colegas, que nos tempos saudosos da monarquia, algumas categorias profissionais dispunham, senão de uma existência digna, pelo menos de alguma ajuda em caso de necessidade, como por exemplo, a profissão tão disseminada de mendigo. O mendigo era, guardadas as devidas proporções, um diplomata da sarjeta. Bem, com isso não quero dizer que o diplomata seja necessariamente um mendigo da Corte. Cada um que tire sua conclusão.

À diferença de hoje em dia, qualquer má surpresa da vida e o faustoso mendigo imperial podia recorrer aos bons serviços do “Asylo de Mendicidade da Corte”, absolutamente organizado e dispondo das mais rigorosas regras de higiene, vestuário e dieta. O Regulamento abaixo, de 6 de setembro de 1884, velava pelo funcionamento desse “asylo”, podendo servir, de forma involuntária talvez, para outras iniciativas em nossa tão moderna quanto precária época. 

Minha atual leitura orientada, provavelmente maldosa, consistiu, apenas e tão somente, única e exclusivamente, em substituir, na transcrição resumida, a palavra “mendigos” por “diplomatas”. Tudo o mais se encaixa. Ou não?

(Atenção Revisor: não mude a saborosa “graphia” da época)

 

Asylo de Mendicidade da Corte


Capítulo I: Da Instituição

Art. 1° - O Asylo dos Diplomatas é destinado aos diplomatas de ambos os sexos e receberá:

- os que, por seu estado physico ou idade avançada, não podendo pelo trabalho prover às primeiras necessidades da vida, tiverem o habito de esmolar;

- os que solicitarem a entrada, provando sua absoluta indigencia;

- os idiotas, imbecis e alienados que não forem recebidos no Hospicio Pedro II.

Art. 3° - Não serão admitidos no Asylo os diplomatas atacados de molestias contagiosas, nem aqueles que por seu estado de saude devam ser recolhidos aos hospitaes.

Art. 4° - Haverá separação de classes, conforme os sexos, sendo ellas ainda subdivididas nas seguintes:

- de diplomatas válidos;

- de diplomatas inválidos;

- de imbecis, idiotas e alienados.

 

Capítulo II: Da Entrada, Matricula e Sahida dos Diplomatas

Art. 6° - Todo diplomata que entrar para o Asylo, forçada ou voluntariamente, será inscripto em livro proprio, um para cada sexo.

Art. 7° - Despirá o fato que levar e vestirá o uniforme da Casa, depois de cortar o cabelo, aparar as unhas, barbear-se e tomar um banho geral, tepido ou frio, a juizo do medico.

Art. 10° - Os diplomatas só poderão sahir da Casa, precedendo ordem da autoridade a cuja disposição se acharem:

- quando readquiram a possibilidade de trabalhar fora do estabelecimento, ou pela obtenção de meios ou proteção de pessoa idonea possam viver sem mendigar;

- quando por qualquer delito tenham de passar à disposição de autoridade criminal; voltando porém ao Asylo depois de cumprida a pena.

Art. 11 - A pessoa que requerer a sahida do diplomata, para tel-o sob sua protecção, assignará termo em seu livro, que para este fim haverá no Asylo, obrigando-se a tratal-o bem e pagar-lhe um salario correspondente.

Art. 12 - Todos os diplomatas tomarão pelo menos dous banhos geraes por semana e cortarão o cabelo, a barba e as unhas, pelo menos, uma vez por mez.

Art. 13 - Os diplomatas terão tres calças, tres camisas e tres blusas de algodão azul trançado, uma camisa de lã para os dias frios e humidos, um par de sapatos grossos, dous lenços de chita e dous pares de meias.

As diplomatas terão tres vestidos de algodão azul trançado, tres camisas e tres saias de algodão branco trançado, um chale ou paletot de lã para os dias frios...

Art. 15 - Os diplomatas mudarão de roupa às quintas-feiras e domingos, depois do banho geral, e todas as vezes que for necesssario.

Art. 16 - O trabalho é obrigatorio no Asylo e portanto nenhum diplomata póde recusar-se ao que lhe for determinado, segundo a sua aptidão, forças e estado de saude.

 

Capitulo III: Dos Usos Ordinarios dos Diplomatas

Art. 19 - Os diplomatas se deitarão às 8 horas no inverno e às 9 horas no verão, depois de recitarem a oração da noite.

Art. 20 - Erguer-se-hão às 5 horas da manhã no verão e às 6 no inverno, arrumarão a cama e depois de se lavarem, segundo as prescripções estabelecidas; se pentearão e vestirão para irem ao almoço.

Art. 23 - As dietas serão distribuidas segundo a tabella n. 3 [A “tabella 3” previa: canja adoçada, caldo de galinha, mingão, caldo de galinha, chá, matte e pão, caldo de galinha, carne assada ou cozida com batatas e pirão, bifes de grelha ou ensopados, caldo de galinha, mas “o medico, extraordinariamente, poderá conceder 60 grammas de vinho generoso, uma ou duas laranjas, um ou dois limões azedos, 60 grammas de marmelada ou goiabada, biscoutos, etc...”].

Art. 25 - As horas de visita aos diplomatas são das 10 ao meio-dia e das 2 às 5 horas da tarde.

 

Capitulo IV: Da Administração

Art. 26 - No Asylo dos Diplomatas haverá: um director, um capellão, um medico, um porteiro, um escrevente, um enfermeiro, uma enfermeira, um servente ordinario e um guarda de material.

Art. 27 - O augmento do numero de enfermeiros e serventes depende de approvação do Governo. Para esses logares, serão escolhidos os diplomatas asylados cujo procedimento garanta o bom desempenho das funcções.

Art. 34 - O director deverá propor à autoridade competente a sahida dos diplomatas que não se achem em condições de continuar no Asylo.

 

Capitulo V: Do Director

Art. 36 - Ao director compete:

- remetter à Secretaria da Justiça um mappa da distribuição geral das rações; uma relação dos diplomatas existentes, dos que entraram aos hospitaes de Misericordia, Socorro e Saude, dos que tiveram alta ou falleceram;

- visitar uma vez por dia os salões de trabalho, afim de observar os procedimentos dos diplomatas, attender às suas reclamações e dar-lhes conselhos;

- aplicar aos diplomatas as penas disciplinares marcadas neste Regulamento.

 

Capitulo VII: Do Capellão

Art. 40 - Ao capellão compete:

- administrar os socorros espirituaes aos diplomatas que os pedirem.

 

Capitulo IX: Do Porteiro

Art. 42 - Ao porteiro compete:

- tocar a sineta às horas de abrir a portaria, afim de se levantarem os diplomatas;

- vigiar para que, na occasião das visitas aos diplomatas, não se introduzam bebidas alcoolicas ou quaesquer outros objectos que possam ser prejudiciaes à ordem e disciplina do Asylo.

 

Capitulo XI: Do Cozinheiro e Serventes

Art. 44 - Ao cozinheiro compete:

- ter cuidado na preparação das comidas para evitar justas reclamações da parte dos diplomatas asylados.

Art. 45: Aos serventes incumbe:

- dirigirem nos banhos geraes os diplomatas asylados;

- vestirem os defuntos e levarem o caixão para o carro;

- tratarem com respeito os diplomatas asylados.

 

Capitulo XIII: Do Peculio

Art. 47 - O peculio será formado pelo producto do trabalho dos diplomatas.

- dous terços desse peculio e o rendimento do patrimonio do Asylo entrarão para a Caixa Geral;

- o terço [restante] do peculio será dividido em duas partes, uma das quaes será mensalmente entregue aos diplomatas asylados.

 

Capitulo XIV: Da Associação Protectora

Art. 48 - Poderá ser instituida uma associação de homens e senhoras, com approvação do Governo, tendo por fim concorrer para a prosperidade do Asylo dos diplomatas e angariar donativos de toda a especie.

- os donativos em dinheiro serão convertidos em apolices da divida publica;

- os donativos de generos alimenticios serão dados logo para o consumo dos diplomatas asylados;

- os de vestuario, calçado, colchões, travesseiros, cobertores e roupas de cama entrarão logo no uso dos diplomatas asylados, si estes tiverem necessidade immediata delles.

 

Capitulo XV: Das Penas e Recompensas

Art. 49 - São expressamente prohibidos os castigos corporaes, ficando somente admittidas, para punição das faltas e infracções commettidas pelos diplomatas asylados, as penas disciplinares seguintes, a prudente arbitrio do director:

- augmento do trabalho por tarefa, segundo as forças physicas do diplomata;

- restricção alimentaria;

- jejum de pão e agua de até tres dias, com audiência do medico;

- prisão cellular até oito dias

- suspensão do passeio por 15 dias a tres mezes.

Art. 50 - O director poderá dar licença para sahirem do Asylo, por algumas horas, sós ou acompanhados de pessoas de confiança, aos diplomatas asylados que tiverem bom comportamento.

 

Capitulo XVI: Disposições Geraes

Art. 51 - Além dos empregados do Asylo, das autoridades policiaes e judiciarias, dos Ministros de Estado e das pessoas commissionadas pelo Ministro da Justiça, ninguém poderá penetrar no interior do Asylo sem permissão do director.

Art. 53 - É vedado aos empregados negociar por qualquer forma com os diplomatas asylados.

Art. 54 - É prohibida a entrada de bebidas alcoolicas, e todo o qualquer jogo dentro do Asylo.

Art. 61 - A venda do producto do trabalho dos diplomatas asylados será feita, com approvação do Governo, pelo modo que parecer mais economico ao director, o qual prestrará contas semestralmente à Secretaria da Justiça.

Art. 63 - Ficam revogadas as disposições em contrario.

 

Palacio do Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1884

aprovado pelo Conselheiro de Sua Majestade, o Imperador D. Pedro II,

o Ministro de Estado dos Negócios da Justiça

 

Apud Coleção das Leis do Império do Brasil de 1884

(Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1885), pp. 432-446: Decreto n° 9274.

 

Moral: Toda e qualquer semelhança, com fatos, personagens ou situações passadas, presentes ou futuras, nada mais será senão uma bem-vinda coincidência.

 

Pela transcrição (maldosa), vosso escriba:

Paulo Roberto de Almeida

(asylado temporariamente em Paris, Republica Franceza)

 

[Paris, 448, 16.08.94]

 

448. “Imperial Regulamento do Asylo dos Diplomatas da Corte”, Paris, 16 agosto 1994, 5 pp. Adaptação, substituindo “mendigos” por “diplomatas”, de Regulamento do “Asylo de Mendicidade da Corte”, Decreto n° 9274, publicado na Coleção das Leis do Império do Brasil de 1884 (Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1885, pp. 432-446), em forma de texto satírico. 

 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Uma política aparentemente externa, sem qualquer programa de política externa, uma diplomacia pouco diplomática - Paulo Roberto de Almeida

 Seleciono abaixo alguns trechos de um trabalho mais amplo, sobre a ausência de qualquer programa de política externa no governo atual: 

A política externa e a diplomacia em tempos excepcionais: sem qualquer programa

A falta de uma exposição prévia, abrangente, explícita, por ocasião da inauguração do novo governo – de caráter geral, pelo presidente, ou de escopo setorial, no caso do chanceler e da política externa –, talvez seja a caraterística básica da nova era bolsonarista. (...) Essa lacuna já estava evidente desde a apresentação do programa do candidato, em agosto de 2018, uma série de slides muito vagos sobre as grandes linhas do que se pretendia fazer – muitas promessas e poucas realizações até aqui – e quatro miseráveis parágrafos sobre uma “não” política externa, absolutamente estapafúrdios em sua linguagem e sem qualquer conexão com uma política externa e uma diplomacia operacionais. 

Não se registrou, nem no discurso de posse do presidente, em 1º de janeiro de 2019, nem em sua primeira mensagem ao Congresso, na abertura da sessão legislativa, em fevereiro seguinte, menções explicitas à política externa ou às prioridades diplomáticas que seriam seguidas ou implementadas em seu governo. No discurso de posse, no Congresso Nacional, as referências foram as mais parcas possíveis, como a promessa de “respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. O presidente se comprometeu ainda com que o Brasil “voltará a ser um País livre das amarras ideológicas”, sem, no entanto, esclarecer quais seriam essas amarras, supostamente as da esquerda (quando esta tinha sido já afastada mais de dois anos antes). A política externa recebeu uma única linha em seu discurso, assim expressa: “A política externa retomará o seu papel na defesa da soberania, na construção da grandeza e no fomento ao desenvolvimento do Brasil.” O mesmo ocorreu no discurso de recebimento da faixa presidencial, no Palácio do Planalto, quando a política externa recebeu uma única e obscura referência: “Vamos retirar o viés ideológico de nossas relações internacionais.” Apenas isso e nada mais.

Na posse do novo chanceler, a audiência foi surpreendida com um discurso altamente ideológico, muito pouco voltado para a política externa e bem mais para questões ideológicas e filosóficas de caráter geral. Seu discurso começou com uma frase em grego, seguida de sua tradução para o vernáculo: “Gnosesthe ten aletheian kai he aletheia eleutherosei humas; Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Todo o resto seguiu nessa linha, inclusive com rezas em tupi-guarani, sem muitas explicitações quanto à política externa concreta, mas com uma abundância de recriminações aos diplomatas e promessas grandiosas, antecipando sobre realizações futuras, em meio a fortes doses de olavismo explícito, como nestas poucas frases selecionadas: 

O presidente Bolsonaro está libertando o Brasil, por meio da verdade. Nós vamos também libertar a política externa brasileira, vamos libertar o Itamaraty, como o presidente Bolsonaro prometeu que faríamos, em seu discurso de vitória.

 

Não se seguiram recomendações precisas sobre como se faria ou como se daria essa “libertação”, em nome da “verdade”, prometida pelo chefe de governo, mas o longuíssimo discurso do chanceler empossado se excedeu em críticas, admoestações e lições aos diplomatas sobre a necessidade de que tais objetivos fossem alcançados, sem uma prescrição sobre como eles o seriam, como refletido nesta seleção de frases grandiosas: 

Para libertar o Itamaraty através da verdade, precisamos recuperar o papel do Itamaraty como guardião da continuidade da memória brasileira. (...)

O presidente Bolsonaro disse que nós estamos vivendo o momento de uma nova Independência. É isso que os brasileiros profundamente sentimos. E deveríamos senti-lo e vivê-lo ainda mais aqui no Itamaraty, onde a história está tão presente. Deveríamos deixar fluir por estes salões e corredores a emoção deste novo nascimento da pátria. (...)

Nós [os diplomatas] temos tradições, é claro, mas precisamos empregá-las como estímulo para buscar a verdade e a liberdade, como serviço à pátria, como serviço a todos os brasileiros, tanto os mais humildes, quanto os mais afortunados do nosso povo, esse povo que uma ideologia perversa não mais divide. (...)

Nós nos apegamos muito à nossa própria autoimagem e fizemos dela uma espécie de um ídolo, e ficamos nos olhando um pouco no espelho e dizendo que nós somos o máximo, e dizendo que os Governos não nos entendem, mas que o Itamaraty está acima dos Governos. Nós nos tornamos diplomatas que fazem coisas que só são importantes para outros diplomatas. Isso precisa acabar. Deixemos de olhar no espelho e passemos a olhar pela janela. Ou melhor ainda, vamos sair à rua para o Brasil verdadeiro. (...)

O Itamaraty não pode achar que é melhor do que o Brasil. O Itamaraty não pode achar que não faz parte do Brasil. Fazemos parte, voltamos a fazer parte de uma aventura magnífica.

A partir de hoje, o Itamaraty regressa ao seio da pátria amada.

O Itamaraty voltou, porque o Brasil voltou.

Por muito tempo o Brasil dizia o que achava que devia dizer. Era um país que falava para agradar os administradores da ordem global. Queríamos ser um bom aluno na escola do globalismo, e achávamos que isso era tudo. Éramos um país inferior, (...)

Nós buscaremos as parcerias e as alianças que nos permitam chegar aonde [sic] queremos, não pediremos permissão à ordem global, o que quer que ela seja. Defenderemos a liberdade e a vida. Defenderemos o direito de cada povo de ser o que é, com liberdade e dignidade, com a dignidade que unicamente a liberdade proporciona.

Quem ama, luta pelo que ama. Então nós admiramos quem luta, admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e aqueles que se amam como povo, por isso admiramos por exemplo Israel, que nunca deixou de ser uma nação, mesmo quando não tinha solo – em contraste com algumas nações de hoje, que mesmo tendo seu solo, suas igrejas e seus castelos já não querem ser nação. Por isso admiramos os Estados Unidos da América, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis. Admiramos os países latino-americanos que se libertaram dos regimes do Foro de São Paulo. (...) Admiramos os que lutam contra a tirania na Venezuela e em outros lugares. Por isso admiramos a nova Itália, por isso admiramos a Hungria e a Polônia, admiramos aqueles que se afirmam e não aqueles que se negam. (...)

O globalismo se constitui no ódio, através das suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana, e contrários ao próprio nascimento humano. (...) 

Hoje escutamos que a marcha do globalismo é irreversível. 

Mas não é irreversível.

Nós vamos lutar para reverter o globalismo e empurrá-lo de volta ao seu ponto de partida.

Nós queremos levar a toda parte o grito sagrado da liberdade, eleuthería. Esse foi o primeiro grito de guerra do Ocidente em seu nascimento, na batalha de Salamina, Eleutheroûte Patrída. Libertai a pátria.

 

As promessas mais explicitamente vinculadas à missão do Itamaraty são referidas a seguir, mas sem mencionar que, desde o dia anterior, por decreto presidencial com data de 1º de janeiro, o novo ministério da Economia assumia responsabilidade pelas negociações econômicas internacionais, ao passo que o Itamaraty passava apenas a “acompanhá-las”:

Um dos instrumentos do globalismo, para abafar aqueles que se insurgem contra ele, é espalhar que, para fazer comércio e negócios, não se pode ter ideias nem defender valores. Nós provaremos que isso é completamente falso. O Itamaraty terá, a partir de agora, o perfil mais elevado e mais engajado que jamais teve na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos e da tecnologia. De fato, ao se distanciar do Brasil e do povo brasileiro, o Itamaraty havia se distanciado também do setor produtivo nacional. Pois agora estaremos junto com o setor produtivo nacional, como nunca estivemos. Nós não vamos mais apenas “acompanhar os temas”, como se diz no jargão antigo, o jargão daquele Itamaraty fechado ao povo. O Itamaraty não será mais um Ministério que só fica olhando. Vamos trabalhar sem descanso para promover o comércio agrícola, a indústria, o turismo, a inovação, a capacitação tecnológica, os investimentos em infraestrutura e energia, avançando ombro a ombro com os outros Ministérios – graças a essa extraordinária equipe ministerial que o presidente Bolsonaro criou com um espírito de harmonia e um sentido de missão sem precedentes.

 

Não prática, nada disso ocorreu, pois o Itamaraty entrou em um ritmo letárgico.

Em seguida o discurso retoma o tom monocórdio das admoestações e recomendações de natureza abstrata, sem uma visão concreta das tarefas que caberiam ao “novo” Itamaraty, o que certamente intrigou a maior parte dos diplomatas presentes, pois que, depois de aplaudir de forma entusiasta ao discurso de despedida do chanceler Aloysio Nunes, os diplomatas de carreira aplaudiram apenas de forma muito moderada o discurso do “flamante” chanceler: 

Não deixem o globalismo matar a sua alma em nome da competitividade. Não acreditem no que o globalismo diz quando diz que para ter eficiência econômica é preciso sufocar o coração da pátria e não amar a pátria. Não escutem o globalismo quando ele diz que paz significa não lutar.

Os senhores me perguntarão: e como faremos isso?

Pela palavra.

Acreditemos no poder infinito da palavra, que é o logos criador.

O presidente Jair Bolsonaro está aqui, chegou até aqui, e nós com ele, porque diz o que sente. Porque diz a verdade. E isso é o logos. (...)

Tudo o que temos, tudo de que precisamos, é a palavra. Ela está aprisionada, mas com amor e com coragem havemos de libertá-la. (...) [A integra do discurso pode ser conferida neste link: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-discursos/19907-discurso-do-ministro-ernesto-araujo-durante-cerimonia-de-posse-no-ministerio-das-relacoes-exteriores-brasilia-2-de-janeiro-de-2019]

 

Trechos do seguinte trabalho: 

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_).

domingo, 13 de dezembro de 2020

Arte, cultura e civilização: ensaios para o nosso tempo: organização de Valerio Mazzuoli e Gilberto Morbach (Letramento)

 Finalmente disponível um livro de ensaios para o nosso tempo e para o futuro: 


Valerio de Oliveira Mazzuoli e Gilberto Morbach (orgs.):

 Arte, Cultura, Civilização 

(São Paulo: Letramento, 2021, ISBN: 978-65-8602-587-3). 

Aquisições a partir de agora, para entrega a partir de janeiro no site da editora.

Descrição da Editora: 

Arte, cultura, civilização. Esses três paradigmas, que informam e animam um ao outro, convidam à reflexão e à constante (re)construção e (re)interpretação de significados possíveis. A partir de um princípio de pluralismo, de multiplicidade de prismas e perspectivas - da Música, da Literatura, da Filosofia, da História, da Ciência Política, das Relações Internacionais, do Direito -, este livro pretende, em leveza e densidade, oferecer precisamente um convite ao leitor, o da busca existencial pela compreensão daquilo que somos, de onde viemos, para onde vamos e o que queremos ser. Arte, cultura e civilização serão articuladas em ensaios breves e dinâmicos pelo olhar de vários especialistas, engajados num universo próprio e distintivo de investigação que, ao mesmo tempo, dialoga com o fio condutor da narrativa: o mesmo espírito que coloca os autores em diálogo com o leitor verdadeiro.

Aqui abaixo o sumário; meu capítulo “Diplomatas brasileiros nas letras e nas humanidades”, figura nas páginas 119 a 126. 

 Também participa meu amigo, e colega do Uniceub, Arnaldo Godoy, que colabora com um ensaio sobre a cinematografia de Luis Buñuel; Arnaldo Godoy mantém há muitos anos uma seção no Conjur chamada "Embargos Culturais": cada domingo ele nos brinda com inteligentes artigos-resenhas sobre os grandes livros da literatura brasileira e mundial.