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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Goodbye, Mr. Clark: a nova divisão da economia (1994) - Paulo Roberto de Almeida

 Goodbye, Mr. Clark: a nova divisão da economia

Paulo Roberto de Almeida

Paris, 1 novembro 1994

 

Nos tempos em que o crescimento parecia inevitável, o processo de desenvolvimento era explicado pela dominação sucessiva dos três setores econômicos tradicionais: saindo do estágio “natural” do primário (agricultura), a economia passava pela adição de maior valor agregado no secundário (indústria), para se modernizar através da dominação final do setor altamente diversificado do terciário (os chamados serviços, isto é, todo o resto). O maior propagandista dessa teoria, o economista australiano Colin Clark, popularizou essa concepção do desenvolvimento, que tinha o aparente apoio no bom-senso histórico e na precisão conceitual de uma prática repartição funcional da economia, defendida por gerações de economistas desde os clássicos.

Pois bem, chegou a hora de aposentar o esquema vulgarizado por Colin Clark e dar adeus à tradicional tripartição da economia. A razão: novas forças que estão modificando poderosamente a nova economia mundial, cada vez mais globalizada e tendencialmente baseada não tanto em mercadorias concretas, mas em bens imateriais como informação, know-how e serviços financeiros. A velha e simples agricultura, mesmo a do arado mecânico e das grandes colheitadeiras, há muito deixou de existir e, pelo menos nos países mais avançados, converteu-se num verdadeiro complexo industrial, o chamado agrobusiness, convivendo com vendas em mercados futuros e sementes geneticamente manipuladas.

Com isso, restariam efetivamente dois setores: de um lado, a produção de bens de todos os tipos (os que nutrem e vestem o corpo, como arroz-feijão e roupas, ou os dedicados a alimentar a alma, como livros ou filmes); de outro, administrações públicas ou empresas privadas prestadoras de serviços de diversas naturezas, desde educação e segurança física, até comunicações, seguro de vida, aplicações financeiras ou lazer. Muito mais simples assim, ou não ? 

Errado! Com o surgimento da era da informação, o enorme (e enganador) terciário está sendo agora dividido em dois grandes ramos. De um lado, o dos serviços stricto sensu, ou seja, todos aqueles dedicados ao atendimento de uma necessidade individual localizada, seja de saúde, educação, movimentação bancária ou conserto do automóvel. De outro, o novíssimo setor da informação propriamente dita, isto é, todas aquelas atividades integradas numa outra indústria ou serviço, como software, comunicações, educação especializada e pesquisa orientada, transações financeiras e, evidentemente, a crescente indústria da informação (onde pode ser incluída este jornal e seus serviços paralelos).

A sugestão acaba de ser feita nas páginas de Business Week (7 de novembro), em fascinante artigo sobre como a impressionante imprecisão das estatísticas tradicionais está dificultando uma correta avaliação da economia norte-americana (The real truth about the economy). As estatísticas econômicas não podem continuar a ser aquela terceira categoria de mentiras (damned lies), tão frequente nas piadas dos economistas. Elas precisam traduzir um retrato o mais acurado possível da realidade, sob risco de induzir governos em custosos erros na alocação de despesas públicas e empresas em perigosos (e fúteis) exercícios de market targetting. Tanto o planejamento estratégico empresarial, como decisões macroeconômicas de investimento social dependem de forma crucial da boa qualidade da informação estatística.

Exemplos fornecidos no artigo da Business Week de mitos e verdades que produzem consequências opostas (e publicamente delicadas) na organização da vida social: o comportamento dos preços, a utilização da capacidade ociosa da indústria e o crescimento da produtividade. Comecemos pelos preços ao consumidor. Eles sempre parecem crescer mais do que a expectativa dos governos, induzindo os agentes econômicos e os atores sociais a projetarem demandas e antecipações que aumentam efetivamente os preços. A razão está na incapacidade dos levantamentos oficiais em medir melhorias por vezes dramáticas na qualidade dos produtos e nas mudanças nas preferências dos consumidores. Disso poderia resultar uma taxa real de inflação bem menor e, portanto, correções salariais adequadas ao dispêndio efetivo do consumidor.

Segundo caso: a utilização, em condições de pleno emprego, da capacidade instalada na indústria, provocando penúrias setoriais (de insumos ou trabalho) que induzem por sua vez uma alta nos preços. Mais uma vez os índices podem estar sendo superestimados, já que ganhos de produtividade não medidos liberam maior volume de produção com a mesma dotação absoluta de fatores. Por outro lado, as estatísticas de utilização da capacidade instalada foram concebidas para uma situação de produção exclusivamente nacional, o que faz pouco sentido na economia globalizada de hoje em dia.

Terceiro exemplo: o crescimento da produtividade tende necessariamente a decrescer no longo prazo, já que a maior parte dos serviços são dificilmente “agilizados” (a aula de matemática, o corte de cabelo). Errado, mais uma vez. A realidade é que os ganhos de produtividade nos novos setores da economia (justamente a economia da informação) têm uma dinâmica insuspeitada até aqui, podendo dobrar o crescimento da economia real. Daí o título desde artigo: adeus Mr. Clark. Viva o novo setor terciário !

 

Paulo Roberto de Almeida é PhD em Ciências Sociais.

[Paris, 459: 1°.11.94]

 

459. “Goodbye, Mr. Clark: a nova divisão da economia”, Paris, 1° novembro 1994, 3 pp. Artigo sobre a nova repartição funcional da economia, enfatizando os serviços produtivos de novo tipo. Inédito.

 

 

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