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segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A Estranha Metamorfose de EA, 2 (Uma novela distópica, segundo capítulo)

 A Estranha Metamorfose de EA, 2

(Uma novela distópica, segundo capítulo)

Após a conversa, EA estava de malas prontas para embarcar numa nova e grande aventura. Enfim liberto dos grilhões do maldito programa de Gotha, que prometia dar a cada um de acordo com as suas necessidades, visto que ele sempre achou aquilo materialmente impossível, inclusive porque havia necessidades específicas, como as dele, por exemplo, que não seria possível atender pelo igualitarismo pretendido.

Mas ele estava sobretudo aliviado pois passaria a não mais prestar fidelidade a quem prometia hipocritamente pedir de cada um de acordo com sua capacidade, ao mesmo tempo em que viviam num castelo de privilégios, condenando todos os demais a uma espécie de colônia penal do pensamento único, feita de pão ordinário para o povo e brioches para a Nomenklatura. Chega daquela conversa mole libertária, quando a liberdade deles era na verdade opressão. Nunca tinha se sentido tão livre, leve e solto, para embarcar, finalmente, num outro tipo de política: a metapolítica, uma etapa superior da política, quando todo o poder recairia, por fim, no povo eleito por Deus para salvar a humanidade da mentira e da escravidão dos ímpios. E ainda tinha também essa vantagem de poder denunciar um punhado de iluminados não eleitos e sua pretensão de determinar o que o povo de Deus poderia ou não fazer de suas próprias vidas. Afinal de contas, a liberdade é até mais preciosa do que a vida.

E foi com o pensamento enfim liberto da opressão espiritual na qual tinha vivido durante todo o seu itinerário pós-universitário, quando teve de viver praticamente sozinho no armário de todas as suas crenças mais recônditas, que EA voltou aliviado de sua conversa com um interlocutor privilegiado, um novo parceiro na jornada que estava prestes a iniciar. Só precisava recolher algumas ideias de suas muitas leituras clandestinas feitas laboriosamente ao longo desses anos de angústias espirituais — quando pensava uma coisa, mas precisava aparentar outras - e consolidar essas ideias num ensaio sobre a salvação da civilização judaico-cristã, que seria a porta aberta para a sua consagração como um dos mais fiéis discípulos do novo credo (na verdade velho, mas restaurado e renascido), um texto que inauguraria o seu desabrochar na Metapolítica; só faltava um subtítulo para o novo empreendimento, mas ele surgiria naturalmente do conjunto de novas ideias velhas às quais estava retornando depois de uma longa caminhada solitária na terra dos incrédulos. 

E foi com esse sentimento que EA retornou aos seus livros, para juntar todos aqueles cacos de pensamento, decidido, finalmente e corajosamente, a trilhar a nova estrada. Foi uma libertação, e uma revelação: aquele era o caminho da verdade e da luz, e como já se sabe, desde Mateus, o conhecimento da verdade liberta o homem...

(Continua...)


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