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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

A agenda internacional do Governo FHC em 1995 (1994; O Estado de S.Paulo) - Paulo Roberto de Almeida

 A agenda internacional do Governo FHC em 1995

 

Paulo Roberto de Almeida

Doutor em Ciências Sociais

O Estado de São Paulo (Domingo, 8 de janeiro de 1995, p. 2)

 


Ademais de prosseguir com a estabilização da economia, no plano interno, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso terá pela frente, na área externa, uma agenda relativamente movimentada em 1995, composta de alguns processos em curso e de outros elementos novos e desafiadores.

No terreno do comércio exterior, o ano começa com a entrada do Mercosul em sua etapa de “união aduaneira flexível”, ou seja o processo de convergência progressiva para uma Tarifa Externa Comum, em princípios do próximo século. O primeiro dia do ano também deve assistir à substituição do GATT pela Organização Mundial do Comércio, instrumento valioso para a promoção dos objetivos de desenvolvimento de países como o Brasil, que têm no multilateralismo um dos meios de defesa de seus interesses em face do protecionismo aberto ou disfarçado de sócios mais poderosos. Estes, aliás, vêm recusando-se a dar à OMC as condições necessárias para que ela possa cumprir seu papel de guardiã das “tábuas da lei” do comércio internacional, justificando antecipadamente, talvez, a adoção continuada de medidas unilaterais. O Presidente poderá expressar claramente seus pontos de vista, utilizando, se desejar, a tribuna do Fórum da Economia Mundial, que realiza mais uma sessão anual no final do mês, em Davos, na Suíça.

Depois que, em janeiro, Clinton fizer seu discurso sobre o “estado da União”, será a vez de FHC detalhar, em sua mensagem ao Congresso um mês depois, suas prioridades em termos de política governamental, inclusive na frente externa. As diretrizes principais já foram traçadas no Mãos à Obra Brasil, mas elas poderão ser objeto de reafirmação ou reordenamento calendarizado, sempre em função das percepções do momento. 

Março trará, na Dinamarca, a conferência mundial de chefes de governo sobre o progresso social. O Brasil terá certamente algo a dizer, no “summit” de Copenhague, sobre o papel do crescimento sustentado na geração de empregos e na diminuição da pobreza, mas deverá estar igualmente disposto a ouvir alguns ensinamentos sobre a eliminação da miséria não-necessária. Em todo caso, os países ricos, confrontados com os fenômenos inéditos da exclusão social e da precariedade ocupacional, terão desta vez poucas lições a nos dar em matéria de justiça social.

No mesmo mês, os chanceleres do Grupo do Rio encontram-se com seus colegas europeus na França, país que assegura a presidência da União Européia, com a qual estão em curso diversos projetos de cooperação. A UE (agora com 15 membros) vêm entretanto reforçando seu instrumental protecionista e sua política de comércio dirigido, ao introduzir, por exemplo, em seu Sistema Geral de Preferências as cláusulas ambiental e social, que podem excluir o Brasil de áreas de mercado. 

No que diz respeito mais especificamente ao Mercosul, se buscará avançar na concretização de um amplo acordo de cooperação econômica e de liberalização comercial. Resta apenas saber se a Política Agrícola Comum (a “loucura agrícola comum”, segundo a The Economist) permitirá o acesso de alguns dos nossos produtos aos mercados comunitários: os “eurocratas” e os paysans da França certamente dirão que só em 2020, senão mais adiante. Os países do Mercosul, que ainda não criaram sua própria variedade de “mercocratas” e que possuem camponeses decididamente capitalistas, nunca foram tão abertos à entrada de bens, serviços e capitais do exterior, inclusive de alguns bons queijos franceses, devidamente subsidiados.  

Um mês depois tem início em Nova Iorque a conferência sobre a não-proliferação nuclear, na qual os países que detêm atualmente o monopólio da arma atômica tentarão reconduzir indefinidamente o desigual e discriminatório Tratado de Não-Proliferação Nuclear, concluído sob a égide dos EUA e da ex-URSS em 1968. O Brasil não é parte do TNP, já deu todas as garantias requeridas pela comunidade internacional através do Tratado de Tlatelolco e do Acordo Quadripartite sobre salvaguardas nucleares, possui uma Constituição que impede o uso de armas nucleares e caminha para manter sua postura independente. 

Em maio, as Nações Aliadas estarão comemorando o 50° aniversário do final da segunda guerra mundial na Europa. Tendo participado do esforço de liberação do continente do jugo nazista, no solo italiano, é normal que o Brasil seja convidado para as festividades. Será mais uma oportunidade para se reafirmar nosso conhecido compromisso com a paz e o primado do Direito internacional, bem como nosso desejo de continuar colaborando com as operações de manutenção da paz da ONU (que aliás também comemora meio século de existência em outubro).

Junho é um mês pleno de conferências ministeriais e de chefes de governo para os países desenvolvidos, entre elas a da OTAN (Bósnia again?), a da União Européia (começo da preparação da conferência intergovernamental de revisão institucional de 1996) e da OCDE, esse “clube de países ricos” ao qual já aderiu o México e se prepara para fazê-lo a Coréia. Em seu programa de Governo, FHC manifestou seu desejo de “incentivar a cooperação com a OCDE”, propósito que vem sendo cumprindo através de nossa participação no “diálogo informal” mantido com as “economias dinâmicas não-membras” (eufemismo para os tigres asiáticos e alguns NPIs da América Latina) e nas atividades do Centro de Desenvolvimento, ao qual aderimos em abril de 1994. O cenário não deve alterar-se no curto prazo.

Em junho, os chanceleres e ministros da economia do Mercosul reúnem-se mais uma vez, oportunidade que poderá servir para aprofundar a discussão em torno das propostas hemisféricas lançadas no “summit” de Miami. O Mercosul estará também testando sua recentemente adquirida “personalidade de direito internacional”, que o habilita a falar de uma só voz em foros como o da OMC. Ainda que a isso não estejam obrigados, os Presidentes costumam comparecer a todas as reuniões do Conselho.

O segundo semestre não será menos intenso do que o primeiro, com destaque para a abertura dos debates na ONU sobre a possível reforma da Carta e a eventual incorporação de novos membros ao Conselho de Segurança. Será uma excelente oportunidade para que a posição brasileira seja reapresentada pessoalmente pelo Presidente . Dada a complexidade e sensibilidade do tema é pouco provável que se tenha um encaminhamento rápido dessa questão, considerada prioritária pela diplomacia brasileira. O problema não está com o Brasil, considerado “candidato natural”, mas com interessados de outras regiões do Sul, considerando-se ainda que não exista oposição maior ao ingresso da Alemanha e do Japão. 

No intervalo, sem contar uma reunião sobre mudanças climáticas, a ONU promoverá mais uma conferência mundial sobre os direitos da mulher, desta vez em Pequim, tema sobre o qual o Brasil dispõe, como no caso da conferência do Cairo sobre a população, de uma postura avançada e equilibrada. Essa agenda mundial resumida é apenas uma amostra dos quatro movimentados anos que esperam a diplomacia do Governo FHC.

 

[Paris, PRA/400: 20.12.94]

[Relação de Publicados n°170]

 

469. “A agenda internacional do Governo FHC em 1995”, Paris, 20 dezembro 1994, 4 pp. Artigo sobre os temas de política externa do novo Governo. Publicado no Estado de São Paulo (Sábado, 07.01.95, p. 2). Relação de Publicados n° 173. 

 

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