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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Comércio Internacional e Desenvolvimento: uma perspectiva brasileira - resenha Paulo Roberto de Almeida

Continuo colocando as resenhas inteiras que a revista do Ipea publicou em formato "anão de circo", e que restabeleço no formato originalmente elaborado:


11. “O desenvolvimento na era da globalização”, Brasília, 24 janeiro 2005, 1 p. Resenha do livro organizado por Mônica Teresa Costa Sousa Cherem e Roberto Di Sena Júnior, Comércio Internacional e Desenvolvimento: uma perspectiva brasileira (São Paulo: Editora Saraiva, 2004, 216 p.; ISBN: 85-02-04771-X). Publicado, sob o título de “O comércio internacional sob o olhar brasileiro”, na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 7, fevereiro 2005, p. 78; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1765:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1378. Relação de Publicados nº ?. (??)

O comércio internacional sob o olhar brasileiroImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
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O embaixador Rubens Ricupero, recém-retornado ao Brasil após nove anos à frente da Unctad, em Genebra, assina um interessante prefácio a este livro, ao qual deu o nome de "Teoria geral do desemprego, da usura e da especulação", onde tece considerações de espírito keynesiano em torno do eterno problema da desigualdade nas relações econômicas internacionais.

Este livro, que merecia ter sido mais noticiado pela mídia, foi lançado justamente quando se realizava em São Paulo, em junho de 2004, a XI Unctad (a primeira e única vez no Brasil, graças ao empenho de Ricupero). Na conferência foram discutidos os principais problemas dos países em desenvolvimento no contexto global, mas a obra adota uma perspectiva propriamente brasileira, como diz o subtítulo, para enfocar os mesmos problemas, com ênfase na questão do comércio internacional.

Os autores são especialistas acadêmicos e pesquisadores do ramo, todos com trabalhos anteriores em suas respectivas áreas. Estas cobrem a evolução histórica do conceito de desenvolvimento, os desafios da globalização e o itinerário teórico e prático do comércio internacional, inclusive no que se refere a sua estrutura institucional (isto é, a passagem do GATT para a atual OMC), com um exame mais detido da experiência do Brasil nas diversas rodadas de negociação.

Os ensaios traduzem muito bem o aperfeiçoamento do pensamento brasileiro em matéria de desenvolvimento econômico no contexto do sistema multilateral de comércio, vale dizer, da globalização produtiva e da liberalização dos regimes de investimentos diretos estrangeiros. A obra cumpre seu papel de oferecer uma discussão informada, tecnicamente rigorosa e metodologicamente bem fundamentada, sobre os diversos aspectos envolvidos nos desafios do processo de desenvolvimento na era da globalização.

Maravilhas orcamentarias brasileiras: execucao perfeita de gastos imperfeitos...

Investimentos continuam a ser uma tragedia econômica brasileira.
O Brasil quer crescer na base do consumo e do crédito. Vai dar errado...
Paulo Roberto de Almeida 

Gastos com previdência pública superam investimentos
CRISTIANE JUNGBLUT
O Globo, 30/01/2012

Déficit do Regime Próprio de Previdência Pública se aproximou dos R$ 60 bilhões

Os investimentos previstos no Orçamento da União têm ficado abaixo dos gastos com o Regime de Previdência dos servidores públicos (civis e militares) e de outras despesas obrigatórias. Em 2011, o déficit do Regime Próprio de Previdência Pública se aproximou dos R$ 60 bilhões — segundo os últimos dados ainda não anunciados oficialmente pela Previdência —, contra os R$ 47,5 bilhões dos investimentos.
Os dados finalizados de 2010 já mostravam esse fenômeno, com um déficit previdenciário de R$ 51,2 bilhões, contra R$ 47,1 bilhões em investimentos.
 O primeiro ano do governo da presidente Dilma Rousseff mostrou uma estagnação nos investimentos, com uma variação de apenas R$ 394 milhões em termos nominais.
O governo reconheceu, no balanço do Tesouro, que os investimentos ficaram aquém do esperado. Até novembro, havia uma queda mais acentuada, mas no final do ano houve uma aceleração nos pagamentos. Em seu primeiro ano de mandato, Dilma não conseguiu potencializar os investimentos novos. Para 2012, o desafio de da presidente será retomar o ritmo de novos investimentos e escapar da armadilha de ficar presa ao pagamento de despesas herdadas de anos anteriores — os chamados “restos a pagar”.
Os dados da Previdência para 2011 estão sendo finalizados, mas o rombo ficará quase R$ 4 bilhões além dos R$ 56 bilhões previstos pelo ministro da Previdência, Garibaldi Alves. Segundo os técnicos, a variação será pequena, podendo ficar um pouco abaixo dos R$ 60 bilhões. As cifras reforçam a preocupação do governo em aprovar, com urgência, o projeto que cria o Regime Complementar de Previdência Pública da União, no Congresso desde 2007.
O déficit do regime da previdência pública representava, já em 2010, 1,4% do PIB, enquanto os investimentos fecharam aquele ano significando 1,28% do PIB. Se as projeções de 2011 forem confirmadas esta semana, o déficit terá evoluído para 1,5%, enquanto os investimentos ficaram estagnados, num patamar de 1,16% do PIB (estimado pelo Tesouro na última sexta-feira em R$ 4,13 trilhões).
Em contrapartida, os investimentos em 2011 foram maiores do que o rombo do INSS, o regime geral da Previdência. Em 2011, o déficit do INSS ficou em R$ 35,5 bilhões.
Denúncias afetaram obras
Denúncias de irregularidades em órgãos como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o corte de gastos recorde de R$ 50,6 bilhões afetaram as obras no primeiro ano do governo Dilma. Mais uma vez, o chamado “orçamento paralelo” — formado pelos “restos a pagar” de anos anteriores — levou vantagem e dominou os pagamentos.
De 2010 para 2011, caiu o volume de investimentos de dinheiro do orçamento do ano e aumentou a dependência dos “restos a pagar”. Segundo os últimos dados disponibilizados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal, por meio do sistema Siga Brasil, a execução dos investimentos diretos (o chamado GnD4) em obras foi de R$ 42,2 bilhões em 2011, contra R$ 44,9 bilhões em 2010, ou queda de 6,4%. Dos R$ 42,2 bilhões gastos em 2011, segundo o o Siafi, R$ 25,3 bilhões eram referentes a “restos a pagar”.
No geral, segundo o Tesouro, o investimento do governo federal ficou em R$ 47,5 bilhões, mas essa conta leva em consideração parte dos investimentos financeiros.
O problema já aparecia em 2010, quando, dos R$ 44,9 bilhões gastos em investimentos, R$ 21,7 bilhões foram do orçamento do ano e R$ 23,2 bilhões — novamente a maioria — de pagamentos herdados.
A dependência das obras, principalmente as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em relação aos chamados “restos a pagar” é tanta que o Planejamento já assumiu o discurso de que não existem pagamentos atrasados, argumentando que as obras estão em constante execução.
Especialista em finanças públicas, o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, apontou uma redução dos investimentos de 2010 para 2011, em relação ao PIB. Mas considerou positivo o desempenho do primeiro ano da presidente Dilma, lembrando que ela assumiu depois de um ano eleitoral, quando, tradicionalmente, os gastos são inflados. Para Felipe Salto, o governo deve prestar atenção à questão dos “restos a pagar”:
— Houve queda em relação ao PIB, de 1,28% para 1,16% do PIB, mas isso era esperado. Ainda assim, é o melhor primeiro ano de mandato dos últimos governos. O importante é que, dos R$ 47,5 bilhões em investimentos, a maior parte foi de restos a pagar, ou seja, não tem dinheiro novo, obra nova, no primeiro ano do governo Dilma. Mas foi um ano bom.
Para a professora do Coppead/UFRJ Margarida Gutierrez, especialista em orçamento, o grande problema da execução orçamentária consiste mesmo nos “restos a pagar”.
— Esse volume é uma forma de aumentar o superávit primário do ano, mas compromete o orçamento do ano seguinte. É preciso uma política mais transparente sobre os gastos, os empenhos. É um orçamento paralelo.
Para se ter uma ideia, como só foram gastos R$ 16,8 bilhões dos 48,8 bilhões empenhados em 2011, cerca de R$ 32 bilhões se transformaram em “restos a pagar”, volume que sobe para cerca de R$ 57 bilhões quando incluídos esse tipo de pagamento de anos anteriores. Segundo dados da Comissão Mista de Orçamento (CMO), há cerca de R$ 25 bilhões de anos anteriores no estoque dos investimentos.
A presidente Dilma, ressaltaram os especialistas, fez um esforço para reduzir o estoque, aumentando o pagamento de “restos a pagar”. Segundo levantamento de Felipe Salto, o estoque é de R$ 140 bilhões. Outros dados indicam R$ 120 bilhões. Só de 2010, ela herdará R$ 38 bilhões em pagamentos atrasados

O Poder Americano (José Luis Fiori) - resenha de Paulo R Almeida

Mais um trabalho da série "resenhas desaparecidas" (e reaparecidas):


10. “Poder imperial, análise conceitual”, Brasília, 24 janeiro 2005, 3 p. Resenha do livro organizado por José Luis Fiori, O Poder Americano (Petrópolis: Editora Vozes, 2004, 456 p.; ISBN: 85-326-3097-9). Publicado, sob o título “O Império Americano”, na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 1, nº 7, fevereiro 2005, p. 77; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1764:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1379. Relação de Publicados nº 540.

O império americanoImprimirE-mail
por Paulo Roberto de Almeida
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Em geral, deve-se desconfiar das obras puramente acadêmicas - isto é, de autores universitários em tempo integral - que trazem como objeto o tema central que dá título a este livro, o "poder americano", ainda mais quando ele pertence, como é o caso, a uma coleção que se identifica como "Zero à Esquerda". Poder-se-ia esperar um conjunto de diatribes contra o império e a dominação global dos EUA, em nada condizente com uma análise séria que a atual situação de hegemonia da "hiperpotência" requer em benefício de todos os interessados nas origens e na dinâmica desta situação absolutamente única na história da humanidade. Esta coletânea constitui, porém, uma agradável surpresa. Os trabalhos passam longe da crítica apaixonada ou do simplismo econômico. Aqui e ali permeia algum ressentimento contra a situação periférica ou dominada da América Latina, resultado de velhas teorias conspiratórias sobre a "concentração do poder econômico e militar", mas o conjunto de ensaios revela que os autores não se contentaram com a visão acadêmica tradicional.


Se fôssemos parafrasear Lênin, poderíamos dizer que a atual Pax Americana é a Pax Britannica mais as tecnologias de informação, mas é evidente que o poder global não se explica apenas pelo domínio tecnológico ou militar. Um dos autores acredita que o poder tecnológico americano pode ser visto como um empreendimento militar: ele retoma a noção de "complexo militar-industrial-acadêmico" para explicar as razões do sucesso americano desde meados do século XX.


Os acadêmicos de esquerda têm certa dificuldade em aceitar que o atual poderio americano não deriva de uma simples concentração de poder econômico, financeiro ou tecnológico no último meio século, aquilo que os antigos marxistas chamavam de "capital monopolista internacional". Ele é o resultado da professorinha de aldeia, do self-rule, da Justiça rápida e transparente, dos mercados livres e do Estado mantido semimanietado pela liberdade de iniciativa. Em poucas palavras, educação universal, instituições sólidas e liberdade econômica constituem o segredo do poder americano, mas isso não é novidade, já tem mais de dois séculos.


Os dois textos iniciais do organizador trazem uma visão histórica sobre a formação e a expansão do poder global e do poder especificamente americano. Os demais ensaios cobrem a fase contemporânea, grosso modo, as duas últimas décadas, que coincidiram com a "indústria do declinismo" e com a brilhante retomada do crescimento da "nova Roma" e suas projeções planetárias. Um trabalho de Franklin Serrano sobre a política macroeconômica no pós-guerra compõe uma revisão útil sobre as várias etapas daquela política, desde sua fase tipicamente keynesiana até as orientações recentes de corte mais liberal-hayekiano. José Carlos Souza Braga e Marco Antonio Macedo Cintra tratam da atual "folia financeira". Começam reconhecendo que a "financeirização" tem sólidas bases técnico-econômicas, mas terminam por ratificar a visão dicotômica sobre a tensão entre produtivismo e financeirização, entre o enriquecimento e a exclusão social, entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Dois outros ensaios abordam o petróleo e as telecomunicações como sustentáculos do poder global dos EUA, com a reafirmada tendência à centralização estrutural e à junção do poder político e do capital.


Um último ensaio, de Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, traz uma interessante análise sobre o papel do Japão e dos EUA nos processos de inserção comercial internacional dos emergentes asiáticos e dos países da América Latina. Teríamos aí casos de "gansos voadores" e de "patos mancos", com desempenhos diversos nos mercados, o que explica as trajetórias diferentes de desenvolvimento econômico e social. A posição relativa da América Latina ficou para trás em função de um desempenho notoriamente inferior, resultante sobretudo à baixa inserção no comércio internacional.


Trata-se, certamente, do melhor estudo deste livro, empiricamente embasado e solidamente apoiado nas mais recentes elaborações conceituais da ciência econômica. No conjunto, o livro vale o investimento, pois o retorno em capital intelectual é superior às poucas digressões academicistas esparsas em alguns capítulos.


Texto original da resenha (que confesso não sei dizer se foi publicada corretamente, não:



Poder imperial, análise conceitual

O Poder Americano

José Luis Fiori (org.)
(Petrópolis: Editora Vozes, 2004, 456 p.; ISBN: 85-326-3097-9) 

Em geral, deve-se desconfiar dos livros puramente acadêmicos – isto é, de autores universitários em tempo integral ‑ que trazem como objeto o tema central que dá título a este livro, o “poder americano”, ainda mais quando ele pertence, como é o caso, a uma coleção que se identifica como “Zero à Esquerda”. Poder-se-ia esperar uma coleção de diatribes contra o império e a dominação global dos EUA, em nada condizente com uma análise séria que a atual situação de hegemonia da “hiperpotência” requer em benefício de todos os interessados nas origens e na dinâmica desta situação absolutamente única na história da humanidade. Esta coletânea constitui, porém, uma agradável surpresa, no sentido em que os trabalhos passam longe da crítica apaixonada ou do simplismo econômico. Aqui e ali permeia algum ressentimento contra a situação periférica ou dominada da América Latina, resultado de velhas teorias conspiratórias sobre a “concentração do poder econômico e militar”, mas o conjunto de ensaios revela que os autores não se contentaram com essa visão acadêmica tradicional.

Se fôssemos parafrasear Lênin, se poderia dizer que a atual Pax Americana é a Pax Britannica mais as tecnologias de informação, mas é evidente que o poder global não se explica apenas pelo domínio tecnológico ou militar. Um dos autores acredita que o poder tecnológico americano pode ser visto como um empreendimento militar: ele retoma a noção de “complexo militar-industrial-acadêmico” para explicar as razões do sucesso americano desde meados do século XX. Uma análise de extração marxista, porém, poderia argumentar que os EUA criaram um “modo inventivo de produção” absolutamente inédito em termos históricos e eficiente em seus vários aspectos: econômicos, militares, culturais, sociais, institucionais e em muitas outras vertentes “civilizacionais”. Isto não data do pós-Segunda Guerra, mas vem desde antes de Benjamin Franklin.

Os acadêmicos de esquerda têm certa dificuldade em aceitar que o atual poderio americano, absoluto em várias de suas facetas, não deriva de uma simples concentração de poder econômico, financeiro ou tecnológico no último meio século, aquilo que os antigos marxistas chamavam de “capital monopolista internacional”. Ele é o resultado da professorinha de aldeia, do self-rule, da justiça rápida e transparente, dos mercados livres e do Estado mantido semi-manietado pela liberdade de iniciativa. Em poucas palavras, educação universal, instituições sólidas e liberdade econômica constituem o segredo do atual poder americano, mas isso já tem mais de dois séculos.

Os dois textos iniciais do próprio organizador trazem uma visão histórica, de longo prazo, sobre a formação e a expansão do poder global e do poder especificamente americano. Os demais ensaios cobrem a fase contemporânea, grosso modo, as duas últimas duas décadas que coincidiram com a “indústria do declinismo” – cujo principal expoente foi o historiador Paul Kennedy – e com a brilhante retomada do crescimento da “nova Roma” e suas projeções planetárias. Maria Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo assinam um texto de corte tradicional sobre a “mundialização do capital” que poderia facilmente ter sido elaborado por um marxista repetitivo como Hobsbawm.

Um trabalho de Franklin Serrano sobre a política macroeconômica dos EUA no pós-guerra também contém algumas dessas percepções tipicamente acadêmicas sobre o referido “complexo” e a retomada do poder das “classes proprietárias”, mas compõe, ainda assim, um recapitulativo útil sobre as várias etapas daquela política, desde sua fase tipicamente keynesiana do imediato pós-guerra até as orientações recentes de corte mais liberal-hayekiano. José Carlos Souza Braga e Marco Antonio Macedo Cintra tratam em artigo conjunto da atual “folia financeira”, no qual começam reconhecendo que essa “financeirização” tem sólidas bases técnico-econômicas, mas terminam por ratificar a visão dicotômica sobre a tensão entre produtivismo e financeirização, entre o enriquecimento e a exclusão social, entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Dois outros ensaios abordam o petróleo e as telecomunicações como sustentáculos do poder global dos EUA, com a reafirmada tendência à centralização estrutural e à junção do poder político e do capital.

Um último ensaio, de Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, traz uma interessante análise sobre o papel do Japão e dos EUA nos processos de inserção comercial internacional dos emergentes asiáticos e dos países da América Latina, respectivamente. Teríamos aí casos de “gansos voadores” e de “patos mancos”, com desempenhos diversos nos mercados de produtos dinâmicos, o que explica as trajetórias diferentes de desenvolvimento econômico e social. A posição relativa da América Latina ficou para trás, em função de um desempenho notoriamente inferior, o que também é explicado pela baixa inserção no comércio internacional. Trata-se, certamente, do melhor estudo deste livro, pois que empiricamente embasado e solidamente apoiado nas mais recentes elaborações conceituais da ciência econômica. No conjunto, o livro vale o investimento na sua compra, pois o retorno em capital intelectual é superior às poucas digressões academicistas esparsas em alguns capítulos.

A miseria da economia keynesiana no Brasil: minha critica a um diretor do IPEA

Um colega economista, do qual me permito omitir o nome -- mas os connoisseurs saberão de quem estou falando -- tinha me chamado a atenção, em meados de dezembro, para o artigo -- publicado nesse site esquizofrênico que se chama Carta Maior, o maior repositório de bobagens e mentiras que é possível encontrar na internet -- de um economista dito "distinguido" (acho que só em bobagens), keynesiano comme il faut, que conseguiu acumular, num simples artigo de imprensa, a maior quantidade de atentados à lógica econômica e ao simples bom senso que é possível cometer por centímetro quadrado.
Eu simplesmente comentei o artigo, apenas nos parágrafos que me pareceram mais escandalosos, mas todo o artigo -- e ele mereceria um "minitratado da irracionalidade econômica"-- é de uma incompetência exemplar, raramente vista nos anais de nossa academia.

Transcrevo novamente o que mandei a ele -- e que foi hoje circulado, imagino para uma ampla audiência de economistas conhecidos -- no que interpreto ser um exercício de inutilidade exegética. Com efeito, um artigo tão deplorável como esse sequer mereceria comentários mais extensos da minha parte.
Só me permit perder tempo com essa bobagem monumental porque imagino que o site da Carta Maior seja lido por um número apreciável de universitários, que acham provavelmente que esse subeconomista do sistema acadêmico brasileiro tem inteiramente razão.
De fato, acredito que 95% da academia brasileira pense exatamente como ele, o que só testemunha, mais uma vez, como a nossa academia é atrasada, ilógica, economicamente irracional e terrivelmente deficiente na simples argumentação econômica, dessas que os iniciantes americanos resolvem com duas páginas do Economics 101.
 Salvo um ou outro erro de digitação da minha parte, nos comentários abaixo, acho que fui até leniente com esse atentado à lógica e à razão cometida por esse diretor do Ipea.
Não posso acreditar no que leio, frequentemente, em certos sites opinativos sa subintelectualidade brasileira, assim como em artigos de opinião da imprensa brasileira. 
Sobretudo não posso acreditar que pessoas assim possam dar aulas em faculdades importantes ou sequer que sejam diretores de uma entidade outrora responsável e séria.
Lamentável...

Sent: Monday, December 26, 2011 4:03 PM
Subject: Economista maluco...

Raramente leio coisas tão incompetentes quanto esta, mas acho que ele conseguiu se superar no besteirol economico...
Primeiro transcrevo o artigo in totum, para que todos possam ler desprevenidos.
Depois passo ao meu bisturi analítico, embora o artigo merecesse mesmo uma motoserra impiedosa.
Paulo Roberto de Almeida

O FMI chegou a Europa
A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990. Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.
João Sicsu
Carta Maior
Em 2011, a crise explodiu na Europa. A dívida dos países europeus já havia aumentado em 2009 porque o setor público teve que “estatizar” a dívida privada do seu sistema financeiro: bancos europeus emprestaram aos bancos americanos e não viram o seu dinheiro de volta. Ao mesmo tempo, na Europa, famílias vinham se endividando para alcançar um modelo de consumo assemelhado ao “American way of life”(o modo de vida americano pré-crise, onde felicidade era sinônimo de consumo de bens de última geração).

Então, os bancos europeus passaram a financiar casas de luxo e automóveis de tecnologia sofisticada. A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz”. Portugueses pobres e negros passaram a valorizar e a usar Nike. Carros Porsche, Audi, Mercedes, BMW e Volvo de alto luxo se tornaram comuns nas ruas da Europa. Ademais, governos da periferia européia importaram produtos bélicos sofisticados.

Para financiar o gasto da periferia, bancos se endividavam junto a outros bancos. E muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que suas economias faziam. A Alemanha incentivou esse processo onde bancos assumiam uma postura arriscada e pessoas e governos se endividavam. Lógico: 2/3 das suas exportações vão para a região da União Européia.

Logo que a União Européia deu seus primeiros passos, a Alemanha iniciou a implementação de uma estratégia econômica de dominação da Europa. A Alemanha fez um pacto interno, de cunho político e econômico, entre o governo, banqueiros, trabalhadores e empresários. Ofereceram aos trabalhadores estabilidade no emprego em troca de arrocho salarial. Com custos menores, devido aos salários comprimidos, os produtos alemães passaram a penetrar com facilidade nos mercados de toda a Europa.

Para complementar a estratégia, a Alemanha passou a emprestar dinheiro aos países que comprassem os seus produtos. Assim, euros, na forma de lucro e juros, eram transferidos da periferia para o centro da Europa. O enfraquecimento econômico da periferia representou também o seu enfraquecimento político: foi aberto o caminho para a substituição de governantes e para a rejeição de consultas populares.

As dívidas dos governos europeus da periferia explodiram. Afinal, tiveram que socorrer bancos e tomar emprestado euros para garantir o equilíbrio das suas contas externas. Enquanto a Alemanha exportava e fazia superávit comercial; outros importavam e tomavam empréstimos, a Grécia, por exemplo. A Grécia está gravemente endividada.

Tudo começou na periferia; mas, hoje, o mundo já reconhece que a contaminação é geral: Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, França... De julho de 2008 a dezembro de 2009, a relação dívida/PIB da zona do euro saltou de 70 para 80%. Este foi um período de recessão na Europa e de queda na receita pública. Em 2010, a razão dívida/PIB alcançou 85%.

A situação de países como a Grécia é conhecida na história econômica mundial: um país com elevada dívida pública e déficit comercial com o exterior. Para esses casos, o FMI - desde o início das suas atividades, já com postura conservadora – impunha uma fórmula bastante peculiar. Um país deficitário na sua balança comercial e endividado, para receber os empréstimos de socorro do Fundo deveria cortar gastos públicos de forma drástica, o que resolveria os dois problemas econômicos.

O corte de gastos reduziria os déficits das contas do governo e, em consequencia, contribuiria para a estabilização da dívida pública. Além disso, o corte de gastos públicos reduziria a capacidade de compra da população e, portanto, reduziria também a demanda por produtos importados contribuindo para o equilíbrio comercial com o exterior.

Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente, obrigava países em dificuldade a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo. A partir dos anos 1990, o FMI passou a propagandear e impor reformas estruturais. Para o FMI, o receituário de políticas econômicas não era suficiente.

O FMI foi a principal organização de defesa e implementação das reformas estruturais propostas pelo Consenso de Washington (de 1989). A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos países europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990, por exemplo, Equador, México, Argentina e, parcialmente, no Brasil.

Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Um artigo maluco e meus comentários a ele
Paulo Roberto de Almeida 

Economistas malucos existem em quaisquer países, isso é evidente, até mesmo alguns que são Prêmio Nobel. Poderia citar dois, americanos, que estão sempre publicando artigos na imprensa, mas me abstenho de fazê-lo, inclusive para atiçar a curiosidade dos que aqui navegam. Só diria que, com todas essas crises, causadas pelo keynesianismo exacerbado dos governos, eles reincidiram, abusivamente, num keynesianismo ainda mais exacerbado, prescrevendo as mesmas políticas econômicas -- de "demanda agregada", de injeção de dinheiro governamental na economia, de gastos públicos e de endividamento acrescidos -- que justamente causaram as crises de que essas economias padecem. Mais passons...; como diria um entendido, eles que são brancos, loiros de olhos azuis, que se entendam. Fiquemos com os nossos malucos, que os temos às pencas.
E como! Nossas universidades só conhecem o keynesianismo, nunca se estudou outra coisa que não o keynesianismo aplicado em nossas faculdades de economia, com um agravante: aqui o keynesianismo veio na versão ainda mais vulgar, tosca e grosseira do prebischianismo aplicado como se fosse receita de crescimento ou de desenvolvimento. Ou seja, o que Keynes recomendou como medidas contracíclicas, em casos de ciclos depressivos ou de recessões confirmadas, devendo portanto ser usado apenas em caráter temporário, como expedientes emergenciais de uso limitado, aqui os nossos keynesianos toscos transformaram em políticas permanentes de desenvolvimento, com todas as distorções que isso possa acarretar.
Mais ainda: imbuídos da fé dos recentemente convertidos, eles até criaram uma Associação Keynesiana Brasileira, que se compraz em render culto ao mestre, com todas as liturgias de ofício, inclusive uma adoração reverencial dos textos-base, escritos há mais de 70 anos e que continuam a ser citados como se tivessem méritos prescritivos e capacidades curativas para os males do nosso tempo, com todas as mudanças acumuladas nas dinâmicas econômicas mundial e nacionais que conhecemos desde então. 
Malucos, certo? Mas não só isso.
São também desonestos intelectuais, como o prova o texto abaixo, retirado -- de onde mais poderia ser -- do site embromador mais enganador que existe na internet, Carta Maior, um refúgio de viúvas do socialismo e de órfãos da globalização, que vive atacando o capitalismo e os sistemas de mercado, como se estes fossem a perversidade convertida em regimes políticos e econômicos, e que vive prescrevendo as mesmas receitas fracassadas que levaram a América Latina ao que ela é hoje, ou seja, nada de muito diferente de meio século atrás, com todos os equívocos de políticas econômicas acumuladas ao longo do tempo, e que continuam a ser repetidos ainda hoje, como aliás patente ainda agora nas medidas protecionistas e erroneamente "industrializantes" que são adotadas, contornando os reais problemas da administração econômica do Brasil.
Eu poderia fazer uma longa lista de todos os equívocos acumulados no artigo abaixo, que não mereceria sequer figurar no Lattes do seu autor, tão primários, tão políticos (e não econômicos) são os seus argumentos, tão deformadas são as afirmações que ele faz ao longo de um texto que peca por todas as omissões que ele pratica, e por todos os falsos argumentos que evidencia.

Mas vejamos alguns deles, examinados topicamente:

1) "bancos europeus emprestaram aos bancos americanos e não viram o seu dinheiro de volta".
PRA: Não, bancos europeus, japoneses e chineses, além de outros espalhados por aí, participaram do mesmo exercício a que se dedicaram todos os bancos nos anos de euforia financeira, causada pela bolha imobiliária americana, por sua vez causada pela política equivocada do FED, de manter taxas de juros artificialmente baixas; os bancos, em geral, compraram derivativos que prometiam um retorno apetitoso, e foram tragados na mesma onda que também tragou algumas empresas brasileiras: apostaram na valorização desses papéis, como alguns capitalistas aqui apostaram na valorização do real, indefinidamente; todos tomaram um tombo, e cabe esclarecer que o Estado brasileiro também salvou nossos gregos e goianos, injetando dinheiro em bancos e facilitando a vida de alguns desses capitalistas (não é Doutor Antonio Ermírio de Moraes, não é Doutor Silvio Santos?).

2) "A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz”." 
PRA: O argumento é primário e remete aos mesmos catastrofistas ecologistas, aos mesmos inimigos do consumo que sempre argumentam que os recursos vão se esgotar, que as pessoas estão consumindo demais, que é preciso reciclar, que é preciso viver com produtos longamente, que é preciso parar de gastar, de consumismo, de desperdício, de abusos no luxo e outras coisas do gênero. Se o mundo dependesse desses conselhos, há muito a economia teria ido para o brejo, estaríamos em profunda recessão e estagnação, o desemprego subiria para alturas fantásticas e a tecnologia simplesmente estancaria seu manancial de novas descobertas e inovações. O mundo ainda estaria na Idade Média. Sim, suponho que os idiotas que proclamam esse tipo de argumento ainda estejam usando máquina de calcular manual, não usem celulares de última geração, e se contentem com somar no lápis e anotar seus brilhantes pensamentos em cadernos de espiral... Qualquer outra solução seria um consumismo desenfreado, incompatível com o que prescrevem para as economias nacionais. Para ser fiel ao que pregam, eles deveriam retornar à Idade Média.

3) "muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que suas economias faziam..." 
PRA: My God, essa é forte, até mesmo para um economista maluco, ou seja, um keynesiano tosco dos arraiais da UFRJ. Deixa eu ver se entendi: governos emprestam dinheiro nos mercados financeiros para pagar importações de companhias privadas???!!! Governos ficam financiando consumo de importados de particulares??? Qual é o balanço de pagamentos que registra essa contabilidade maluca, qual é o governo (grego?) que cobre os gastos de importação de suas empresas e particulares? Esse economista endoidou ou sempre foi assim?

4) "Logo que a União Européia deu seus primeiros passos, a Alemanha iniciou a implementação de uma estratégia econômica de dominação da Europa." 
PRA: É isso: só podia ser o velho Lebensraum de volta. A Alemanha, perversa como sempre com sua genética prussiana, sem que ninguém perceba, concebe e implementa um plano de dominação imperial de toda a Europa, fazendo com que todos os demais pobrezinhos europeus se dobrem à solidez de sua Wermacht econômica, ao poderio brutal de sua SS financeira, e todos os outros países se submetem à Blitzkrieg econômica dessa potência que nunca deixou de lado seus sonhos seculares: dominar toda a Europa, transformar todos os outros povos em escravos da raça econômica superior. Essa geopolítica à la Haushofer dos trópicos está sendo ensinada nas faculdades brasileiras. Atenção brasileiros: os EUA fazem o mesmo com a América Latina: "está tudo dominado", como acrescentariam os paranóicos...

5) "A Alemanha fez um pacto interno, de cunho político e econômico, entre o governo, banqueiros, trabalhadores e empresários. Ofereceram aos trabalhadores estabilidade no emprego em troca de arrocho salarial. Com custos menores, devido aos salários comprimidos, os produtos alemães passaram a penetrar com facilidade nos mercados de toda a Europa."
PRA: Pois é, vejam como são as coisas: os países, os povos, as sociedades, os governos estão proibidos de fazer um pacto social, os sindicatos estão proibidos de exercer autocontenção, para reduzir os seus custos de produção, eles não podem obter ganhos de competitividade, via controle dos aumentos salariais (acima da inflação), via aumento de produtividade, via racionalização da produção (inclusive via terceirização, off-shore, out-sourcing, deslocalização), enfim, por todos os meios disponíveis para aumentar a competitividade de sua economia. Eles precisariam, segundo esse economista maluco, ser generosos, como o governo brasileiro, concedendo, por exemplo, aumentos salariais acima da inflação, sem qualquer conexão com a produtividade, sem qualquer consideração de custos sociais diferenciados entre as regiões ou os setores da economia, sem qualquer liberdade para negociações diretas, para livre contratação de salários numa economia aberta; nada, esses governos precisam ser estupidamente keynesianos (no sentido brasileiro, claro), como recomendaria esse "economista". Ou seja, o fato de que a Alemanha, que tinha custos laborais superiores aos da França, 20 anos atrás, tenha conseguido minimizar esse custo enorme de seu sistema produtivo, diminuindo o bem-estar dos gordos operários alemães, para "penetrar" nos mercados alheios, que ela tenha ficado abaixo do custo do trabalho francês, tudo isso, que é microeconomicamente racional, é pecado para esse economista maluco.

6) "Para complementar a estratégia, a Alemanha passou a emprestar dinheiro aos países que comprassem os seus produtos."
PRA: A afirmação é completamente destrambelhada e NÃO TEM NENHUM sentido econômico, a mínima conexão com a realidade. Ou seja, para que produtos alemães -- PRODUZIDOS por empresas privadas -- fossem comprados por CONSUMIDORES PRIVADOS de outros países, o governo alemão, a Alemanha, passou a emprestar dinheiro para os outros governos, aos demais países para que eles comprassem biscoitos alemães. Esse é forte, e deveria envergonhar qualquer estudante primeiroanista de economia. 

7) "As dívidas dos governos europeus da periferia explodiram. (...) Enquanto a Alemanha exportava e fazia superávit comercial; outros importavam e tomavam empréstimos, a Grécia, por exemplo. A Grécia está gravemente endividada."
PRA: Essa também é extremamente forte, até para o manual de economia do Hugo Chávez (el profesor de economía al revés): ou seja, para financiar o consumo, governos europeus fizeram dívidas enormes, induzidos espertamente pelos alemães para emprestar para satisfazer seus gostos privados. Quando é que economistas primários vão pagar imposto toda vez que fizerem afirmações tão estúpidas quanto estas?

8) "Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente, obrigava países em dificuldade a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo. A partir dos anos 1990, o FMI passou a propagandear e impor reformas estruturais."
PRA: A velha lenga-lenga do FMI carrasco dos povos, impondo políticas absurdas contra a vontade dos governos e os desejos dos cidadãos; se não fosse pelo FMI e suas políticas recessivas, o mundo seria uma maravilha, todo mundo faria políticas keynesianas anticíclicas e tudo funcionaria perfeitamente. O FMI sempre atrapalha, sempre. Quando é que economistas primários vão parar de fazer demagogia em cima das políticas acertadas entre o FMI e os governos dos países demandantes? Quando é que eles vão reconhecer a realidade da falência de políticas irresponsáveis levadas pelos governos, que depois, na última hora, ou já proclamada a insolvência, apelam para o dinheiro barato do FMI? Por que é que esses governos não ficam com o dinheiro fácil de seus próprios cidadãos -- que podem ser tosquiados à vontade, como sempre ocorre por aqui -- ou não apelam para mercados sempre abundantes em recursos (mas a juros de mercado)? Quando é que vai parar a ingenuidade desses pilantras de faculdades tabajara de economia?

9) "A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos países europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990, por exemplo, Equador, México, Argentina e, parcialmente, no Brasil."
PRA: Mas claro, essa fórmula é totalmente errada e só vai trazer recessão, desemprego, desespero. A fórmula certa, dixit economistas keynesianos da periferia, é exatamente o contrário: prodigalidade fiscal, gastos públicos para sustentar a tal de demanda agregada, injeção fiscal, juros baixos, estatizações e controle estrito dos capitais (internos e externos), desvalorização cambial compulsória e manipulação da taxa de câmbio, numa taxa desvalorizada, além, é claro, de protecionismo comercial, políticas industriais ativas, seleção de vencedores dentre os capitalistas promíscuos, e toda sorte de receita aparentemente keynesiana que eles tiram de sua algibeira para afundar ainda mais os países, como está ocorrendo na Venezuela, como aliás ocorreu na Grécia e em diversos outros países por ai, alguns muito perto daqui. Por que o governo brasileiro não adota todas essas medidas maravilhosas (aliás, está adotando algumas)?

10) "Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990."
PRA: Mais uma vez temos de nos render à sapiência keynesiana. Os países da América Latina estavam na pior, nos anos 1980 e 90, aplicaram políticas keynesianas, como as receitadas por esse economista regressista, e se safaram brilhantemente, tanto é que hoje se permitem dar lições aos europeus, sobre como enfrentar a recessão via gastos públicos, manutenção de emprego e outras receitas milagres do gênero. 
Pena que a história seja muito diferente da que conta esse economista fantasioso.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 26 de dezembro de 2011

É preciso ter muito estômago para ler fantasias desse gênero, o que apenas confirma como é débil o debate econômico em certos setores do "pensamento" brasileiro atualmente.
Paulo Roberto de Almeida 

Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos - Resenha Paulo R Almeida

Addendum ex-ante (et, ça existe!):



Acabo de ver, numa livraria em Paris, um livro que acaba de ser publicado, um testemunho unico, excepcional, de um guarda (forçado) do Gulag: 

Ivan Tchistiakov:
Journal d'un Gardien du Goulag (1935-1936)
(Paris: Dénoel, 2012)
Traduit du Russe, préfacé et annoté par Luba Jurgenson; Introduction d'Irina Scherbakova

Pouca coisa se sabe de seu redator, apenas que era uma pessoa educada (engenheiro ou técnico superior, formado pouco depois da revolução de 1917), que por algum motivo qualquer (talvez porque não fosse proletário) foi mobilizado compulsoriamente para servir no corpo de guardas do Gulag, um vasto empreendimento que no momento da máxima extensão da repressão stalinista dos anos 1930 (possivelmente até 1939-41, pois depois a mobilização para a guerra desviou tropas) chegou a ter 355 mil pessoas, encarregadas apenas do controle do que deve ter sido uma "massa escrava" de mais de um milhão de prisioneiros do Gulag.
O relato desse mobilizado (que morreu na frente de batalha, logo em 1941, e seu diario foi miraculosamente preservado por gente da família, cujos descendentes o entregaram ao Memorial do Comunismo, exemplar único do gênero), é impressionante pela crueza das descrições, pelo aspecto pungente dos relatos, uma vida dura a começar pelos próprios guardas...
Paulo Roberto de Almeida 

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Que vergonha: uma micro-resenha de um livro de 700 páginas sobre o mais monstruoso dos holocaustos, e o maior dos crimes em volume de sacrificados:


9. “Gulag: anatomia da tragédia”, Brasília, 12 dezembro 2004, 3 p. Resenha de Anne Applebaum: Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos (Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.). Publicada em formato resumido na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 6, janeiro de 2005, p. 78; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1761:catid=28&Itemid=23).  Relação de Trabalhos nº 1364. Relação de Publicados nº 534.

Aqui a versão ultra-resumida da revista: 


Gulag: anatomia da tragédiaImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida
O terror moderno, intimidação para fins políticos, não está ligado apenas ao fundamentalismo de base islâmica. Nasceu na Revolução Francesa, e Robespierre defendeu-o: "O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível..." Desde os primeiros dias da revolução de 1917, Lenin ordenou à Cheka, a polícia política, que fuzilasse opositores declarados do novo regime e proprietários em geral. "Estamos exterminando a burguesia. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos). Stalin aplicou as recomendações, incorporando como "clientes" da máquina de terror seus colegas de partido.
A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental. O Gulag chegou a ser responsável pela produção de um terço do ouro, muito do carvão, da madeira e de outras matérias-primas na União Soviética. O sistema reuniu 476 campos. O número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. No total, 2,7 milhões de cidadãos podem ter morrido no sistema do Gulag.

Aqui a minha versão também resumida, mas um pouco maior: 

Gulag: anatomia da tragédia

Resenha de:
Anne Applebaum:
Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos
(Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.; tradução de Mário Vilela e Ibraíma Dafonte; ISBN: 8500015403)

            O terror moderno, isto é, o recurso à intimidação aberta e indiscriminada para alcançar fins especificamente políticos, não está ligado apenas aos exemplos cruéis do fundamentalismo de base islâmica. Ele nasceu na Revolução francesa e seu mais conhecido "teórico", Robespierre, o defendeu sem hesitação: "O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível...".
            Lenin, o inventor do terror moderno, apreciava Robespierre e sua "justiça expedita": desde os primeiros dias da revolução de 1917 ele ordenou à Cheka, a polícia política imediatamente criada para esmagar a ameaça "contra-revolucionária", que fuzilasse sem hesitação não só os opositores declarados do novo regime, mas também representantes da classe proprietária em geral, capitalistas, grandes comerciantes e latifundiários, religiosos, enfim, os potenciais "inimigos de classe".
            "A Cheka não é uma comissão de investigação nem um tribunal. É um órgão de luta atuando na frente de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o... Nós não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. A nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais são suas origens, criação, educação ou profissão? Estas perguntas definem o destino do acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos).
            Stalin se encarregou de aplicar sistematicamente as recomendações de Lenin, e o fez de uma forma completa, terminando por incorporar como "clientes" da máquina de terror administrada por ele os seus próprios colegas de partido. A amplitude do Gulag, ampliado e desenvolvido no seu mais alto grau por Stalin, justifica que apliquemos a ele a categoria de genocídio, noção que costuma estar associada apenas aos terríveis experimentos raciais nazistas, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
            O livro de Anne Applebaum não é, apenas, como seu subtítulo indica, "uma história" dos campos soviéticos, mas a mais completa e sinistra história de um fenômeno único na história da humanidade: uma instituição oficial (ainda que em muitos aspectos "clandestina"), montada e sustentada pelo poder central do Estado, para administrar pelo terror, por um tempo indefinido, uma população inteira de um dos países mais importantes do planeta. A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental, indo muito além dos primeiros levantamentos de Alexander Solzenitsyn em torno dos depoimentos dos sobreviventes do nefando sistema de escravização em massa criado pelo totalitarismo soviético.
            Organizado em três partes, o livro documenta amplamente o que até aqui tinha sido divulgado de maneira dispersa em trabalhos de pesquisa histórica que não tinham ainda tido acesso aos principais arquivos soviéticos liberados no período recente. A primeira parte, "As origens do Gulag, 1917-1939", faz a reconstituição histórica dessa instituição singular, que unia a mais transparente crueldade no trato dos prisioneiros ao burocratismo metódico de uma moderna administração voltada para a exploração sistemática do trabalho escravo. Sim, não devemos esquecer que, independentemente de suas funções "didáticas", de intimidação direta e aberta contra a própria população da União Soviética, o Gulag teve um importante papel econômico na história do socialismo naquele país, chegando a representar, a produção de um terço do seu ouro, muito do carvão e da madeira e grandes quantidades de outras matérias-primas. Os prisioneiros passaram a trabalhar em todo e qualquer tipo de indústria, vivendo num país dentro de um outro país.
            A segunda parte, "Vida e trabalho nos campos", mostra também como o sistema do Gulag, que chegou a reunir 476 campos no mais diferentes cantos da URSS, constituía um Estado dentro do Estado, regulando os mais diferentes aspectos de um universo concentracionário que não teve precedentes, teve poucos imitadores efetivos (a despeito da terrível eficácia mortífera dos campos de concentração nazistas) e um número ainda mais reduzido de seguidores (sendo os mais efetivos os sistemas "correcionais" da Coréia do Norte e de Cuba, já que o exemplo do Camboja foi o de uma simples máquina de matar, como de certo modo tinha sido o caso dos experimentos nazistas).
            A terceira parte, "Ascensão e queda do complexo industrial dos campos, 1940-1986", segue o sistema no seu ápice, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, até o seu desmantelamento gradual após a morte de Stalin (1953) e a disseminação do fenômeno dos "dissidentes": ele foi sendo erodido progressivamente em seu papel político (ainda que não o econômico), mas só teve seu final decretado depois do próprio fim do socialismo.
            Um apêndice tenta quantificar a extensão do terror: de acordo com os próprios dados do sistema (estatísticas da NKVD, sucessora da Cheka e antecessora do KGB), o número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. O "turnover", obviamente, foi muito maior: muitos prisioneiros morreram, alguns escaparam (poucos), vários eram incorporados ao Exército Vermelho ou à própria administração dos campos (cruel ironia). As "taxas de desaparecimentos" refletiram também as terríveis condições de vida na URSS: passou-se de 4,8% de mortos em 1932 para 15,3% no ano seguinte, o que indica o impacto da epidemia de fome induzida pela coletivização stalinista da agricultura, que matou 6 ou 7 milhões de cidadãos "livres" igualmente. A "taxa" de mortos sobe para seu máximo de 25% em 1942, para declinar para menos de 1% nos anos 1950, quando o sistema "industrial" já tinha sido instalado em sua plenitude. No total, 2,7 milhões de cidadãos soviéticos podem ter morrido no sistema do Gulag, o que de todo modo representa apenas uma pequena parte dos desaparecidos durante  todo o regime stalinista e uma parte ainda menor dos sacrificados pelo sistema soviético. Os autores franceses do Livre Noir du Communisme, por exemplo, estimam em 20 milhões as vítimas do regime soviético, o que pode ser uma indicação plausível (outros colocam entre 12 e 15 milhões de mortos). Vários historiadores se aproximam da cifra de 28 milhões de cidadãos soviéticos para o número total de “clientes” de todo o sistema concentracionário soviético em sua história de “terror vermelho”.
            O Gulag foi a face mais visível da tragédia soviética, mas certamente não a única ou exclusiva. Este livro conta a história desse terrível legado do socialismo do século XX: esperemos que a história não se repita, sequer como farsa.
           
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2004