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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O traço todo de minha vida no Vocacional Oswaldo Aranha - Paulo Roberto de Almeida

What a difference a school makes...
O traço todo de minha vida no Vocacional Oswaldo Aranha

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de janeiro de 2010
Aluno da primeira turma (1962-1965) do
Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha
Avenida Portugal, Brooklin, São Paulo, SP.


“O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, mas ao qual ele terá sempre que se cingir sem o saber...”, escreveu Joaquim Nabuco no começo de Minha Formação (1900), quando ele se refere ao período transcorrido no Engenho Massangana, no qual passou os primeiros oito anos de sua vida e onde recolheu suas primeiras impressões sobre o mundo. Nabuco continua dizendo que esses anos teriam sido decisivos na constituição de sua personalidade: “Pela minha parte acredito não ter nunca transposto o limite das minhas quatro ou cinco primeiras impressões...”
De minha parte, o traço todo de minha vida foi indelevelmente marcado pelos quatro anos que passei, adolescente, no Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, inaugurado em 1962 justamente pela minha turma, pioneiríssima de uma experiência inédita no Brasil, de educação integral e radicalmente diversa de tudo o que se fazia até então em matéria de formação de jovens. A “minha formação”, se eu tivesse de escrever um livro equivalente de memórias, teria de reservar um largo espaço ao Vocacional, tão importante ele foi para a formação de meu caráter, para a definição de minhas orientações intelectuais, das minhas quatro ou cinco primeiras impressões do Brasil e do mundo. Ao “Ginásio” devo o que sou, hoje, e o reconheço plenamente, com toda a saudade que uma memória fugidia pode trazer para a mente do homem maduro, que sou hoje, esses anos de juventude passados num ambiente verdadeiramente excepcional para o jovem que eu era no começo dos anos 1960.

Até onde minha mente alcança, no recuo para as origens, me vejo um garoto brincalhão, num bairro rarefeito da então periferia da cidade de São Paulo, quase às margens do rio Pinheiros, numa pequena rua de terra, cercada de terrenos baldios – onde a “molecada” (esse era o termo) do bairro disputava animadas peladas de futebol, corridas de pegar, piques, pião, taco e outras brincadeiras típicas de garotos de famílias modestas –, zona repicada de casas simplórias de alvenaria, praticamente nenhum edifício ou construção mais imponente, no que era então a Chácara Itaim (mais tarde chamado de Itaim-Bibi, para distingui-lo de outro bairro com o nome de Itaim Paulista). Além de brincar na rua, também frequentava o Parque Infantil, ou seja, a pré-escola municipal – da qual me lembro da gangorra e da merenda à base de leite e pão com goiabada – e, mesmo antes de aprender a ler, a Biblioteca Infantil, para jogos de salão e as sessões de cinema às quintas-feiras: Os Três Patetas, Gordo e Magro, Roy Rogers, Tarzan e Oscarito e Grande Otelo eram os filmes habituais, numa época em que o cinema nacional era feito sobretudo dessas comédias-pastelão.
Esse era o lado risonho de uma existência bem mais dura, já que meus pais, ambos com primário incompleto, não tinham condições de assegurar sequer o mínimo para manter o lar, então uma modesta casinha com dois cômodos nos fundos de um terreno relativamente grande para os padrões de renda que eram os nossos. Aliás, falar de renda seria um exagero, pois que os ganhos conjuntos de meu pai, um modesto motorista de entregas numa torrefação de café, e os de minha mãe, como lavadeira “para fora”, certamente não alcançavam para todas as necessidades da casa. Eu e meu irmão Luiz Flávio tivemos portanto de trabalhar, desde muito cedo, primeiro recolhendo restos de metal nos fundos de uma fábrica – para revendê-los ao ‘ferro-velho’ –, depois como pegadores de bolas de tênis no Clube Pinheiros, mais adiante como empacotadores à base de gorjetas no supermercado Peg-Pag; lembro-me da lanchonete de estilo americano na esquina do comércio, da qual eu cobiçava (sem ter dinheiro para comprar) sobretudo os sundayse os banana-splits
Ao aprender a ler, na tardia idade de sete anos, pude finalmente começar a frequentar de verdade a Biblioteca Infantil Anne Frank, onde devo ter passado o essencial de minha infância e pré-adolescência: deixando os jogos de lado, eu ficava o tempo todo na sala de leitura, de onde também retirava, dia sim, dia não, dois ou três livros para continuar a leitura em casa, de noite, deitado na cama, à contraluz; Monteiro Lobato, obviamente, e tudo o mais que me interessasse. Farei, em outro depoimento, a relação de minhas leituras juvenis, mas não poderia deixar passar o História do Mundo para as Crianças, adaptado por Monteiro Lobato de uma edição americana, um livro que foi verdadeiramente decisivo em minha formação e em minha orientação para os estudos humanísticos: devo tê-lo lido várias vezes, pois que, ao entrar para o Vocacional, eu era um “craque” – segundo a gíria da época – em todas as fases da História, da antiguidade à era moderna e mais além. 

A Grande Transformação 
Terminando os estudos primários na Escola Pública Municipal Aristides de Castro, a dez minutos de caminhada de casa, ainda fiz um “quinto ano” – que não era obrigatório, e muitos alunos de minha condição deixavam então o ensino formal – na mesma escola, sendo esse o caminho de “admissão” (o nome alternativo desse ano suplementar) para os estudos ginasiais, ou seja, o começo do segundo ciclo no Brasil, nessa época composto de “ginásio” e “colégio”, a última fase antes do terceiro grau.
Ninguém na minha família estendida tinha chegado então ao segundo ciclo e a opção que se apresentou aos meus pais foi a de uma escola técnica, para me dar de imediato uma formação profissional, uma inserção direta na vida ativa, com menos de 14 anos. Lembro-me de ter visitado, com minha mãe, uma escola de artes industriais do sistema Senai, com a intenção de uma possível inscrição no curso de marcenaria, a “profissão” que mais me seduzia no universo provável das modestas possibilidades de uma família sem recursos próprios da periferia de São Paulo. 
Não me lembro bem agora exatamente por que, talvez porque não houvesse vagas no curso de marcenaria para mim, uma alternativa se abriu vinda de não sei bem onde, provavelmente um anúncio de jornal: a outra opção seria tentar uma aprovação em concurso para um novo tipo de ensino que estava sendo inaugurado pelo governador de São Paulo, Carvalho Pinto, os ginásios vocacionais, cinco ao todo no estado de São Paulo. A seleção era rigorosa, envolvendo provas em várias matérias e entrevistas, nas quais devo ter tido um bom desempenho (sinceramente não me lembro dessa parte), posto que fui imediatamente chamado para a inscrição. 
O “problema” que então se colocou era de ordem financeira, ou talvez, mais exatamente, orçamentária: esse ginásio inédito exigia frequência integral, em lugar das três ou quatro horas dos ginásios tradicionais, o que colocaria minha família em “dificuldades”. Com efeito, os modestos aportes meus e de meu irmão, em nossas atividades “pecuniárias”, faziam parte integral do orçamento do lar, e minha retirada do “mercado de trabalho” provocaria um déficit primário nos seus recursos líquidos. A “grande transformação” em minha vida foi representada pela decisão familiar de que o garoto de doze anos recém completados que eu era, merecedor pelo sucesso na seleção, seria dispensado dos trabalhos remunerados para seguir quase integralmente a via dos estudos de segundo ciclo, de certa forma um “privilégio de classe”. Foi, provavelmente, o tournantmais importante dessa fase juvenil e para o resto da vida.
Quando digo “dispensado de trabalhos remunerados”, isso não é totalmente correto, posto que continuei, aos sábados pelo menos e provavelmente aos domingos também, a empacotar compras no supermercado Peg-Pag, praticamente durante todo período de estudos ginasiais. Quando se vem de uma família extremamente modesta como era a minha, nenhum aporte é dispensável para o mínimo de conforto de que desfrutávamos. Não tínhamos, obviamente, nem televisão, nem telefone em casa, se tanto um aparelho de rádio, o que de certa forma deve ter contribuído para meus hábitos de leitura intensa e, certamente, aplainou facilmente meu ingresso tranquilo na seleção dos vocacionais. 

Finalmente, o Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha 
Aos doze anos, com uma grande “cultura histórica universal” – especialmente na antiguidade egípcia e grega clássica –, eu dispunha, no entanto, de escassa cultura política brasileira contemporânea, e não tinha a menor ideia de quem fosse Oswaldo Aranha, que não podia, assim servir de premonição para a minha carreira futura na diplomacia. Minha entrada no Vocacional Oswaldo Aranha representou, sem qualquer sombra de dúvida, a mais importante ‘ascensão social’ em minha vida, antes do próprio ingresso na carreira diplomática, constituindo, portanto, uma espécie de ruptura entre o passado modesto, numa família de classe média baixa (provavelmente menos do que isso), e um futuro então em construção e largamente indefinido.
Talvez não tenha sido uma ruptura consolidada, pois que me lembro de que, em certas fases, minha mãe cogitou de me tirar do Vocacional para me colocar num ginásio tradicional, como meu irmão maior, por razoes sempre pecuniárias: não apenas eu não contribuía mais para o orçamento da casa, como passei a representar um ‘peso’, posto que o Vocacional tinha grandes exigências em se tratando de material de estudo e de atividades extraclasse (pagamento de ônibus de viagem, dinheiro de bolso para essas saídas etc.). Todos os meus colegas, com pouquíssimas exceções, eram de famílias de classe média, algumas até abastadas, o que era visível em traços exteriores – a despeito do uniforme e da democracia ambiente – e nas referências às compras, aos objetos pessoais, aos filmes e discos. Também tínhamos essas festinhas de fim de semana, nas casas de colegas, animadas a Cuba Libre (rum com Coca-Cola, para os mais jovens) e Hi-Fi(vodkacom Fanta), música dos Beatles naquelas ‘bolachas de vitrola’ (acho que muita gente hoje não tem ideia do que seja). Eu frequentava todos os eventos, mas por vezes não tinha condições de pagar toda a programação escolar, ou convidar de volta os colegas de classe, para uma casa que nunca teve ‘vitrola’ nem bebidas daquele tipo, sequer sala ou garagem para os bailinhos. 
Tirante esses ‘constrangimentos’ – os do próprio ginásio resolvidos muito amigavelmente com a ajuda da psicóloga Gloria Pimentel e da pedagoga Olga Teresa Bechara –, o Vocacional representou uma das mais vibrantes aventuras intelectuais de minha vida, talvez a mais importante que um jovem como eu poderia esperar receber de uma instituição de ensino. Para ser mais exato, tenho certeza de que seguiria, de qualquer forma, uma carreira ‘intelectual’, posto que desde o primeiro momento que me aproximei dos livros, fui fisgado pelo seu extraordinário poder de sedução e nunca mais consegui me desvencilhar do feitiço que eles carregam. Mas, a passagem por um ginásio tradicional ou o desvio para uma escola técnica provavelmente me fariam perder anos de ensino excepcional e me retirariam a motivação para perseguir o que sempre gostei de fazer: ler (todo tipo de leitura), escrever (sempre), pesquisar e, se possível, publicar os meus textos. Com o Vocacional, eu fiz tudo isso; sem ele, eu teria tido menos chances, se alguma, de avançar nos meus objetivos. 

O que o Vocacional tinha de diferente?
Antes de tudo, uma educação humanista, no sentido mais renascentista do termo. Em segundo lugar, professores especialmente preparados e motivados para essa experiência inédita no Brasil, uma metodologia radicalmente inovadora de ensino, envolvendo os estudantes e os professores num aprendizado integral. Em terceiro (e mais importante) lugar, concepções pedagógicas revolucionárias quanto ao relacionamento entre mestres e alunos. 
Passávamos todo o dia no ginásio, às vezes mais do que isso, com as frequentes visitas e saídas em trabalho de grupo, no município, no estado, no Brasil. Tivemos visitas recíprocas entre os ginásios vocacionais de São Paulo, aliás, os únicos do Brasil, e aprendemos a fazer pesquisa sobre a comunidade, sobre o meio geográfico, sobre as historias respectivas. Foi no Vocacional que eu comecei a manipular “instrumentos de adultos”, como a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros e outras ferramentas especializadas. Foi o Vocacional que nos levou, garotos de 13 ou 14 anos, ao encontro de professores da USP, como Sérgio Buarque de Holanda, Ulpiano Bezerra de Menezes e vários outros. No Vocacional adquiri consciência do mundo: lembro-me perfeitamente de uma palestra com Oliveiros da Silva Ferreira, quem primeiro informou-me sobre a crise dos foguetes em Cuba e o bailado sinuoso da geopolítica bipolar e do equilíbrio do terror pelas armas nucleares das duas superpotências.
Foi a partir do Vocacional que adquiri independência e disposição para me aventurar sozinho pelo mundo, quando a ocasião se apresentou ou quando a necessidade se impôs. O Vocacional completou a “minha formação” de uma maneira que nenhuma outra instituição poderia ter feito, nem jamais conseguiu fazer novamente, depois do desmantelamento do sistema vocacional no seguimento do Ato Institucional n. 5 e a prisão de sua grande promotora, inspiradora e diretora, Maria Nilde Mascellani. Eu também fiquei diferente no Vocacional. Do garoto brincalhão, mas introspectivo e leitor compulsivo, tornei-me um adolescente desinibido, participante e continuei um leitor compulsivo. O Vocacional manteve isso...
Não posso dizer que eu tenha me aborrecido um só dia no Vocacional, ao contrário: todos os dias tínhamos algo novo no ginásio, uma atividade diferente, uma nova parte do programa, o calendário a ser seguido, mas sempre com alguma surpresa no caminho. Fiz excelentes amigos no Vocacional, que conservo até hoje, a despeito mesmo de ter “desaparecido” do Brasil um pouco depois de terminar o colegial e de ter ingressado na Faculdade, e de ter desaparecido no mundo por muitas décadas depois disso. Não vou mencionar meus amigos mais chegados, para não cometer injustiça com ninguém, mas lembro-me de ter iniciado a redação de um romance de aventuras para jovens – do mesmo tipo dos que eu lia naquela fase – com dois deles, que permanecem meus amigos até hoje.
Lembro-me também de muitas aulas, em especial daquelas que mais me prendiam pelo seu conteúdo, já totalmente identificado com minhas afinidades eletivas por toda a vida: eram duas, as de geografia com Dona Odila, as de História com a Professor Terezinha. Em contrapartida, as aulas de Matemática, com a Professor Lucila Bechara, irmã de Olga, sempre me deixaram inconfortável, e até hoje mantenho uma distância respeitosa da matéria (o que não deixo de lamentar, pois a matemática é a base de todo pensamento rigoroso, em especial na economia). As aulas de Educação Física podiam ser agradáveis quando se tratava de jogar handball, com o Professor Frank, mas a ginástica nunca me encantou muito. Mas, tínhamos aulas de tudo o que se podia imaginar numa escola “normal” e muitas outras coisas mais: Artes Plásticas, Artes Industriais, Musica, Economia Doméstica e outras ainda de que nem me lembro. Um depoimento decente de alguém lembrará isso por mim.

Permaneci no GEVOA de 1962 a 1965, anos bastante conturbados no Brasil, quando tomei conhecimento, e consciência, dos problemas do país de uma forma provavelmente menos maniqueísta do que em outras instituições. Creio que sai algo “esquerdista” de lá, como aliás correspondia à juventude progressista de então, no meu caso propensão ainda reforçada pelo fato de minhas origens ditas ‘populares’ e supostamente inclinada a contestar um sistema injusto, feito de exploração capitalista e de dominação imperialista, que convinha acabar, segundo um modelo não muito diferente do que vigia em Cuba.
Quando segui para o “clássico”, no Colégio Estadual Ministro Costa Manso, bem mais próximo de casa do que o Vocacional, comecei imediatamente a participar das passeatas e manifestações contra a ditadura militar e o imperialismo estrangeiro, uma transição quase natural para quem tinha sido educado num ambiente de diálogo e até de contestação às ideias estabelecidas. Também comecei a ler toda a literatura engajada que fazia parte dos currículos oficial e não oficial das faculdades de ciências sociais, autores dos quais eu já tinha ouvido falar no Vocacional, alguns até presentes em minha biblioteca pessoal, que começava então a crescer. Nesses anos, de 1966a 1968, estudando a noite e trabalhando de dia no centro da cidade, eu frequentava as bibliotecas Mario de Andrade, municipal, a universitária da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a corporativa do Centro das Indústrias de São Paulo, e as bibliotecas americanas da USIA, no Consulado americano da Avenida Paulista, e do Centro de Estudos Brasil-Estados Unidos (Cebeu), e poderia facilmente citar de memória muitos livros que retirei em cada uma dessas bibliotecas. 
O Vocacional me tinha preparado para ler literatura de nível universitário numa idade muito precoce e, mais tarde, quando entrei para o curso de Ciências Sociais da USP, eu já conhecia, em grande medida, os autores compilados na bibliografia de referência, pelos menos os brasileiros. Eram os mesmos de que nos falavam os professores no ginásio e isso me foi especialmente gratificante no plano intelectual. Não creio que qualquer outra escola, pública ou particular do ciclo ginasial, teria permitido a um jovem como eu, vindo de uma família que praticamente não dispunha de livros em casa, um contato tão intenso com os mestres das ciências sociais brasileiras, em especial com os gurus da chamada Escola Paulista de Sociologia.

Eu sinceramente lamento que muitos dos papeis acumulados nesses anos de estudos secundários tenham sido perdidos quando de minha partida apressada para a Europa, nos tempos mais duros da ditadura militar no Brasil, da qual eu fui um dos muitos opositores frustrados com nossa incapacidade organizacional em derrubá-la. Provavelmente foi melhor assim, pois já nessa época, nossa adesão ao socialismo e oposição à “democracia burguesa” não prenunciava nada de bom para o futuro do Brasil (mas isso eu só vim a constatar alguns anos mais tarde).
Lamento também que muitos dos escritos dessa fase juvenil tenham sido perdidos, quando foi no Vocacional que “publiquei” meus primeiros artigos. Felizmente, uma reunião de vários colegas dessas primeira turma, em 2004, me permitiu recuperar uma poesia ingênua, dessa fase – não exatamente publicada, apenas redigida no “caderno de lembranças” de uma colega de classe –, e dois textos minúsculos que saíram no jornalzinho dos alunos, um deles comemorando a vitória das ‘meninas’ do handball contra uma equipe adversária de outro ginásio da região. Talvez não seja o caso de refazer minha lista de publicados, para retroceder vários anos na recuperação desses textos de jornalista amador, mas certamente é um motivo de orgulho ter podido encontrar um espaço totalmente livre, no Vocacional, para realizar os primeiros exercícios de um talento que imagino ter conservado até hoje: a capacidade de observar a realidade, redigir algo compreensível em torno disso e ver o texto publicado e divulgado para um público mais amplo.
Enfim, o Vocacional foi uma escola de verdade, uma escola completa, no mais puro sentido dessa palavra; ao ginásio devo alguns dos momentos mais felizes de minha vida, um oásis de inteligência e cordialidade, num ambiente de convivência totalmente aberta e sincera, num momento em que o Brasil descia na escala da convivência democrática. Foi uma das fontes de meu enriquecimento intelectual e a ele devo muito do que me tornei na vida adulta e do que sou ainda hoje.

Que diferença faz uma escola!
E a diferença foi o Vocacional...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de janeiro de 2010.

domingo, 2 de setembro de 2018

Uma estratégia para o agronegocio brasileiro 2 - Marcos Jank

Agro Global 2: Acesso aos Mercados

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 01/09/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Trata-se da peça central de um novo ciclo de crescimento do agro.

No segundo artigo da série sobre os desafios da inserção global do agro brasileiro vamos tratar do tema mais crucial para consolidar um novo ciclo de crescimento desse setor: acesso a mercados.

De nada adianta recebermos dezenas de pedidos de clientes potenciais a cada semana ou propostas de parceria no exterior se não conseguimos a "permissão para exportar", ou seja, para ingressar formalmente nos mercados. Sem acesso efetivo, tampouco adianta baixar custos, melhorar a infraestrutura ou diferenciar produtos.

No passado, as principais restrições de acesso a mercados eram altas tarifas de importação, quotas proibitivas e a concorrência com subsídios domésticos. Hoje as barreiras mais perversas são as não-tarifárias: sanitárias, técnicas ou burocráticas.

Temos ganhado mercado frente aos nossos concorrentes nos produtos que enfrentam menores barreiras, como soja, milho, algodão, café e celulose. Já nas carnes, lácteos, açúcar, frutas e alimentos processados o Brasil tem perdido partes de mercado por causa de barreiras e subsídios, que hoje exigem do país maior estratégia e priorização de ações.

Como a nossa produção agropecuária já ultrapassa, de longe, a dimensão do mercado doméstico, é necessário agir em três frentes de acesso a mercados:

1. Negociações comerciais: para manter o acesso que conquistamos no passado temos obrigatoriamente de retomar negociações com países e blocos estratégicos. Não vai ser fácil. Ficamos 15 anos isolados do mundo, sem uma política comercial consistente. Hoje estamos no fim da fila, pois nossos concorrentes e clientes da Europa, América do Norte, Ásia, Oceania e Aliança do Pacífico estão cobertos por mais de uma centena de acordos de livre-comércio ou preferenciais.

Na agenda agro, precisamos concluir o Acordo UE-Mercosul o mais breve possível, mesmo que de forma subótima. Deveríamos investir pesado na Ásia, por meio do ingresso na Parceria Transpacífica (CPTPP) ou de um acordo com a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Em paralelo, precisamos avançar na difícil negociação com o Japão e a Coreia do Sul, já anunciada mas ainda pouco factível.

2. Parcerias estratégicas: de longe, a parceria mais importante é com a China, nosso maior cliente e investidor no agro. Temos de diversificar as exportações para esse país muito além da soja, atrair investimentos e agir de forma mais estratégica e coordenada, dentro do governo e em ligação estreita com o setor privado. Uma parceria estratégica com os EUA também seria fundamental, ainda que difícil no contexto da atual administração americana.

3. Abertura para importações: exportamos sete vezes mais do que importamos no agro. Queremos acessar o mundo, falamos o tempo todo das nossas belezas e grandezas, mas na hora de negociar com os parceiros comerciais não oferecemos nada em troca.

Dos cinco maiores exportadores do agro mundial, somos o único que tem importações irrisórias. Continuamos sendo um dos países mais fechados do mundo. Trigo, cacau, café, banana, coco, camarão, lácteos e pescados são exemplos de produtos nos quais o protecionismo localizado impede grandes volumes de exportações potenciais.

Acesso aos mercados é peça central no tabuleiro que leva a um novo ciclo de crescimento do agro brasileiro. O tema torna-se ainda mais relevante em um ambiente de comércio administrado por interesses geopolíticos, retaliações, disputas comerciais e um imenso "toma lá dá cá".

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

Site Paulo Roberto de Almeida: www.pralmeida.org

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata e escritor




Destinado basicamente a divulgar meus trabalhos, não com intenções narcisísticas, mas com finalidades basicamente didáticas, o site www.pralmeida.org reune meus trabalhos e outros materiais relevantes para o estudo de questões internacionais e de diplomacia brasileira.
Paulo Roberto de Almeida

Doutor em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles, 1984), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia, 1977), Licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). 
É diplomata de carreira, por concurso direto, desde 1977; serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. 
Foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e, desde 2004, é professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). 
É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, colabora com várias iniciativas no campo das humanidades e ciências sociais, e participa de comitês editoriais de diversas publicações acadêmicas. 
Desde agosto de 2016 é Diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores.

Seleção de livros publicados
O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017); 
Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: démocratie et autoritarismo au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015); 
Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015); 
Nunca Antes na Diplomacia…: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014); 
Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013); 
O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos (Kindle edition: 2013); 
Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: GEN, 2012); 
Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011); 
O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2010); 
O estudo das relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE, 2006); 
Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (São Paulo: Senac, 2001; 2005); 
Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002); 
Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr, 1998). 

Editou ou coordenou a publicação de diversos outros livros, e participou de várias dezenas de obras coletivas, com capítulos sobre os temas preferenciais de pesquisa.

Site: www.pralmeida.org ; 
30/01/2018

Diplomatizzando: estatísticas de acesso

Diplomatizzando
Temas de relações internacionais e de política externa do Brasil, políticas econômicas, viagens, livros, cultura em geral.

https://diplomatizzando.blogspot.com

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Bolsonaro revoluciona a política externa brasileira - Matias Spektor (FSP)


Bolsonaro propõe guinada pró-Trump na política externa

Candidato do PSL à Presidência produziu uma plataforma diferente de tudo o que já se viu

Jair Bolsonaro apresenta ideias sobre relações internacionais que põem em xeque os conceitos de política externa concebidos nos últimos anos pelo condomínio tucano-petista.  
O projeto do deputado para a diplomacia brasileira é produto de sua intuição pessoal e de um condicionante estrutural —a ausência de militância, máquina, fundo partidário, tempo de televisão e apoio de grandes conglomerados empresariais. 
Tentando energizar a sua base, Bolsonaro produziu uma plataforma de política externa diferente de tudo o que já se viu.
Ele promete aproximar-se para valer do governo de Trump. Ao contrário de Sarney, FHC, Lula e Dilma, que optaram por manter os EUA a distância, Bolsonaro quer alinhamento. Isso significa redobrar a aposta em cooperação com os americanos em temas como narcotráfico e crime organizado.
Bolsonaro também pretende sacudir a relação com a China. Para ele, a ascensão acelerada do gigante asiático é uma ameaça. O fluxo de comércio permanecerá intocado, mas ele promete condicionar o crescimento dos investimentos chineses no Brasil. Nessa visão, nossa dependência de Pequim não é inexorável e tem de ser manipulada em benefício próprio. 
O presidenciável quer intervir nas fronteiras para estrangular o comércio ilegal que alimenta a insegurança pública no país. Embora não tenha dito como, tudo aponta para uma aposta redobrada em diplomacia militar junto à tríade composta por Argentina, Bolívia e Paraguai.
O deputado ainda promete fazer campanha permanente contra compromissos internacionais em direitos humanos e mudança do clima. Sua preocupação é manter energizado o eleitor que se identifica com o mote de Lei e Ordem e aquele que vive do agronegócio. O eleitor evangélico será atendido pelo alinhamento com Israel. 
Por fim, Bolsonaro tem uma concepção singular sobre o lugar do Brasil na economia global. Na sua visão, derivada do guru da campanha Paulo Guedes, o protecionismo beneficia grandes grupos econômicos em detrimento da maioria do eleitorado, composta por cidadãos de baixa renda. 
Segundo essa lógica, uma diplomacia comercial que abrisse a economia à competição internacional logo no primeiro ano de governo traria bem-estar para a população em geral e, de quebra, enviaria um sinal ao mercado de que Bolsonaro está comprometido com a agenda de reformas. 
O problema dessa escolha é que o capitão reformado teria de enfrentar lobbies de grupos rentistas que capturaram a política externa, como é o caso da indústria de automóveis. 
As dificuldades para implementar tal agenda são enormes, e nada na biografia de Bolsonaro sugere preparo ou diagnóstico preciso para travar essa batalha.

Academia.edu: um ano de acessos a papers PRAlmeida (setembro 2017-agosto 2018)


  • Paulo Roberto de Almeida

IPRI - Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais

Diplomat, Professor; Complete list of Books at the website: www.pralmeida.org; 
See complete CV and academic production at: http://lattes.cnpq.br/9470963765065128
Phone: (55.61) 2030-6957; 2030-9115
Address: Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag 
Palácio Itamaraty, Anexo II, térreo, sala 23
70170-900 Brasilia, DF

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