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sábado, 6 de julho de 2019

Historia da Inglaterra, de David Hume - Vinicius Muller (OESP)


Esqueçam os franceses e leiam “História da Inglaterra”, de David Hume
Em "História da Inglaterra", o filósofo escocês David Hume apresenta uma ampla interpretação da gênese britânica, do Império Romano até a Revolução Gloriosa de 1688.
Estado da Arte
O Estado de S. Paulo, 05 de julho de 2019
por Vinícius Müller  
Há séculos que os variados modos de se reconstruir a História são alvo de debates, reviravoltas e disputas que, muitas vezes, se revelam mais ideológicas do que científicas. A História já foi contada a partir de mitos, de príncipes e heróis, das instituições, das grandes rupturas, das grandes continuidades, da ‘luta de classes’, das mentalidades, da transformação econômica, entre tantas outras. Já foi a História dos costumes, dos sentidos e das nações. Enfim, já foi relacionada com a literatura, com o cinema, com as artes em geral, com a cidade e com a arquitetura. É tão amplo este cardápio que, não só é improvável que consigamos encerrar tamanha listagem de possibilidades, como também é ainda mais impensável que alguém consiga reunir em uma mesma obra um conjunto de abordagens que abarque senão todas – o que beira o impossível – mas um grande número destas variadas maneiras de se reconstruir a História. 
Até que um dia, tardiamente, uma breve coletânea de partes que compõem os seis volumes da História da Inglaterra, de David Hume, foi publicada pela Editora da UNESP, sob a magistral seleção, organização e tradução do professor Pedro Paulo Pimenta. Tardiamente, pois a obra, escrita entre 1754 e 1762 nunca havia sido traduzida no Brasil até 2014. E, mesmo que o que temos seja apenas uma coletânea muito bem selecionada, é suficiente para termos uma ideia da genialidade de Hume como historiador. Curiosamente seu lado menos aclamado, mesmo que o tenha deixado rico. 
Na obra, Hume desfila sua erudição abarcando um sem número de possibilidades para se compreender a História da Inglaterra, desde os tempos do Império Romano à Revolução Gloriosa de 1688. Cabem em sua maiúscula narrativa elementos econômicos, políticos, culturais e de costumes (as quais ele chama de Maneiras), militares e das relações internacionais. Assim como cabem detalhes de imperadores e reis, de suas características pessoais, de elementos que para o autor fizeram parte da ‘natureza’ daqueles que estiveram na posição de liderança, assim como dos mais ordinários indivíduos que fizeram parte desta História. Ou seja, se é impossível esgotar as possibilidades de se contar uma História, Hume busca contemplar a maior parcela possível entre as possibilidades, fiel à sua época e posição de filósofo iluminista.
Contudo, se o risco de uma História tão abrangente como a escrita por Hume é a perda de foco, a dificuldade de manter a coesão e, ao fim, a criação de uma narrativa sem fio condutor, ele é facilmente superável pela genialidade do escocês. E aqui reside a outra, talvez mais importante, característica da obra: a bem sucedida tentativa de criar uma espécie de História geral da Inglaterra que descortine os grandes e fundamentais elementos que compõem algo como o DNA daquela nação e de seu povo. Um tipo de História que entrou em decadência com a profissionalização do ofício de se pesquisar e escrever História. Mas, que nos faz uma considerável falta.
Desta forma, ao estabelecer um recorte tão amplo em sua cronologia (da Invasão de Júlio César, em 55 a.C.,  à Revolução de 1688) Hume buscava construir ou reconstruir a trajetória inglesa a partir da identificação de uma constante que só é mantida sob tênue equilíbrio durante toda a História daquela nação. No início do livro ainda é difícil identificar quais os elementos desta estrutura que o autor tenta construir. Mas, algumas pistas são dadas, como, por exemplo, a identificação de um certo caráter do povo bretão e como este povo foi dominado tanto pelos romanos como, principalmente, pelos saxões. Estes, mais violentos e rudes, deram origem àquilo que, por mais paradoxal que pareça, está no fundamento da ideia de liberdade entre os britânicos: o conceito de que o Rei, mesmo em sua posição de liderança, não é mais do que um indivíduo como todos os outros. Este senso de ‘igualdade’ entre as várias lideranças menores e o Rei, comum entre os povos germânicos (os Saxões eram um deles) foi fundamental para a montagem daquilo que pode ser chamado de feudalismo britânico, instituído após a invasão normanda em 1066. 
O feudalismo que por lá vigorou, segundo Hume, estava alicerçado em um equilíbrio tênue entre o Rei, os barões (senhores feudais) e os comuns ou a população em geral. Neste equilíbrio, os barões eram, em suas regiões, proporcionalmente mais fortes e dominantes em relação à população do que o Rei o era sobre os próprios barões. Desta forma, cabia ao Rei, em uma aliança possível com a população, frear mesmo que parcialmente o domínio que os barões exerciam em suas regiões e sobre seus servos. Contudo tal poder real não deveria suplantar a antiga ideia de que ele era um ‘comum’ entre os barões, sob o risco de uma institucionalização ainda mais ampla do controle real não só sobre os senhores, mas, também sobre a população. 
Esta delicada geometria, mesmo que fina e aparentemente frágil, se fortaleceu ao longo do tempo, em um movimento de ajustes obtidos a partir da própria dinâmica da sociedade britânica. Por exemplo, quando das tentativas por parte da Igreja Católica romana de se impor sobre os barões durante o período dominado pelos normandos e quando os Reis usaram o poder católico para se proteger dos barões. Esta composição, como sabemos, será invertida ao longo do século XVI quando Henrique VIII rompe com os católicos para criar a Igreja Anglicana sob seu comando. Para tanto, precisou do apoio do Parlamento, dominado pelos barões. Refazendo, portanto, o pacto sob outro formato.
Contudo, o mais surpreendente é o modo como Hume revela as mudanças no direito feudal e nos costumes ou maneiras de se comportar entre os barões e os Reis. Em ambos os casos, o crescimento da agricultura tornou a posse sobre a terra mais interessante aos barões do que a guerra. Desta forma, estavam dispostos a deixar a guerra sob a responsabilidade do Rei – concentrando, portanto, a fidelidade militar característica dos povos germânicos – em troca da posse sobre a terra. Isso porque, em tese, a terra era propriedade do Rei. Mas, de fato, a posse da terra exercida pelos barões era o mesmo que a propriedade. Em contrapartida, o Rei, responsável maior pela guerra, limitava-se às prerrogativas que os barões tinham, como sobre a autorização de arrecadação de recursos para a Guerra, ou seja, a cobrança de impostos. Em suma, aumentou a interdependência entre barões e o Rei, de modo que a negociação entre eles se tornou fundamental. Mais do que isso, o avanço da agricultura tornou mais interessante aos barões que arrendassem parte de suas terras aos servos e não mais mantivessem os impostos feudais, como a obrigação dos servos em trabalhar nas terras dos senhores. Ao contrário tornou-se mais interessante aos servos produzirem em terras arrendadas e pagarem suas obrigações em moeda ou em espécie, e não em trabalho. Ou seja, os barões se sentiam mais seguros pela liberdade que tinham em manter na prática suas propriedades sem que o Rei as tomasse; enquanto os servos se afastavam gradativamente das obrigações que envolviam o pagamento em trabalho e se aproximavam de obrigações negociadas em moeda e/ou espécie. Certamente, um modelo que envolvia tanto para os barões em relação ao Rei, como para os servos em relação aos barões, uma maior liberdade. Para Hume, foi esta maior liberdade pessoal (freedom) que pavimentou o caminho para a liberdade civil e política do liberalismo inglês (liberty). 
Este afrouxamento das regras feudais em benefícios dos fundamentos da liberdade não só se tornaram o caminho para a liberdade civil entre os ingleses, como também se relacionam, no passado, à própria noção de liberdade que existia na relação entre os líderes saxões e o Rei. Desta forma, se lá na origem do feudalismo britânico, a noção de igualdade (o Rei é um indivíduo igual aos outros líderes saxões) esteve ligada à noção de liberdade, esta liberdade será tanto aquela dos indivíduos frente aos barões como também dos barões frente ao Rei. Indivíduos que ocuparão, em prazos mais demorados, a Câmara dos Comuns, assim como os barões que já ocupavam o Parlamento.
O que Hume revela é que a Carta Magna de 1215 nada mais foi do que a confirmação de um arranjo que já vinha sendo feito há mais de dois séculos. Assim como, mesmo após alguns embates, a mesma combinação entre liberdade, igualdade e propriedade esteve na base da Revolução Gloriosa de 1688. Tal combinação, destaca-se, que deveria ser em sua escala moral representada pelo Rei ou Rainha, mesmo que esta escala não pudesse e ainda não possa se sobrepor aos limites estabelecidos pelas duas casas parlamentares, a dos Comuns e a dos Barões. Ou seja, é como se este DNA da nação inglesa estivesse nas origens do feudalismo britânico, mesmo antes da Carta Magna e da Revolução Gloriosa. 
É também como se Hume, olhando ao passado, complementasse a obra de John Locke, apontando para seus limites. Principalmente, porque Hume usa a História a favor de seu empirismo, identificando como a sociedade e governo civil do filósofo do século XVII estiveram, além de na natureza dos homens, na História dos britânicos desde seus primórdios. E se Hume pudesse dialogar com o futuro, é como se ele tivesse nos falando que, se quisermos realmente entender os valores daquilo que entendemos como sendo os fundamentos da democracia contemporânea (liberdade, igualdade, propriedade, limites do Poder do Estado, representatividade) – e, em contrapartida, aquilo que parece ser contrário ou ameaçador a ela – deveríamos olhar para os britânicos e sua História. Esqueçam os franceses: a democracia só estará salva quando todos nós entendermos a História da Inglaterra contada por David Hume. 
Vinícius Müller  é doutor em História Econômica pela USP e professor do Insper
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Imperfeições de mercado ou de governo? - Paulo Roberto de Almeida (2015)

        Hoje, num contato através de meu site, alguem me lembrou de um antigo artigo que eu havia escrito alguns anos atrás, ao ler uma opinião do famoso economista, Prêmio Nobel, Robert Shiller, no NYTimes, que me suscitou imediata reação.
Retorno a este tema, do título, porque também me lembro de uma discussão momentosa, num almoço com outros economistas, de mais de um ano atrás, durante o qual eu fiquei absolutamente sozinho ao recusar essa “tese” que encontro perfeitamente absurda, mas que é quase um consenso entre os economistas, sobre as tais “imperfeições dos mercados”, que eu simplesmente não reconheço existirem.
Mercados são mercados, ponto. Esse adjetivo “imperfeitos” é dado por mentes que acreditam que homens sábios podem torná-los melhores do que são na realidade. É a tal da arrogância fatal, de que falam alguns economistas mais sensatos, como Hayek ou Thomas Sowell.
Enfim, alguém me mandou esse meu artigo do qual eu já nem me lembrava mais, e que transcrevo abaixo e creio que pode interessar mais algumas pessoas, por isso eu o posto novamente.
Aguardo as próximas contestações…
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Paulo R. de Almeida
Professor de Economia Política - Programas de Mestrado e Doutorado em Direito
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)



Imperfeições dos mercados ou “perfeições” dos governos?

Paulo Roberto de Almeida

O economista e professor da Universidade de Yale Robert Shiller – prêmio Nobel de Economia (2013) e autor do famoso Irrational Exuberance, já em sua terceira edição – publicou, nas páginas do New York Times (8/02/2015), um artigo sobre “Ansiedade e taxas de juros”, no qual ele argumenta, em determinada passagem, que os mercados não são de fato eficientes, uma vez que tendem a amplificar as reações emocionais das pessoas.
Sempre desconfiei das alegações sobre as “falhas de mercado”
A intenção de Shiller não era exatamente a de lançar invectivas contra uma tal de “lógica do mercado”, como fazem certos neófitos, ou de sequer fornecer argumentos aos que se revoltam contra a “ditadura dos mercados”, como também fazem muito frequentemente todos aqueles que não entendem nada de mercados. Ele estava apenas chamando a atenção para a reação exagerada das pessoas em face de determinadas inversões de tendência dos mercados, o que parece absolutamente normal.
Nem os agentes tradicionais de mercado nem os simples cidadãos – que entram e saem dos mercados para conduzir uma operação qualquer – dispõem de todas as informações em volume e na qualidade necessários para tomar suas decisões da melhor forma possível, com total domínio sobre os fatos e amplo conhecimento de causa. Sempre persistem zonas de sombra, quando não áreas inteiras cinzentas, e até territórios obscuros, que induzem esses agentes e os particulares a tomarem decisões erradas, a enveredar por caminhos perigosos, abrindo assim a janela para a formação de bolhas especulativas, ou à simples depreciação de seus ativos, apostando nas ações ou nas moedas “erradas”. Tais fatos, ou movimentos, acontecem, e seria incongruente colocar a culpa nos mercados, que apenas se movimentam sob o impulso de nossas próprias decisões, individuais ou coletivas.
Desde quando comecei a aprender um pouco de economia – bem mais nos cadernos especializados dos grandes jornais do que na leitura dos manuais acadêmicos, justamente – sempre desconfiei das alegações sobre as “falhas de mercado”, que figuram em praticamente todos os livros de micro e macro, com alguns exemplos das principais, para, a partir daí, legitimar as medidas corretivas que os governos tomam para tornar os mercados mais “funcionais”. Os próprios dirigentes políticos, quando não seus assessores econômicos, recorrem a essas figuras de estilo – falhas ou imperfeições de mercado –, para implementar medidas que parecem “racionais”, numa primeira abordagem, mas que depois podem causar mais problemas do que soluções.

Mercados livres, perfeitamente funcionais – ainda que causando perdas para uns e outros –, sempre serão infinitamente mais eficientes do que qualquer comitê de salvação pública econômica

Sinto discordar desse tipo de visão, e provavelmente de 90% dos acadêmicos envolvidos nesse tipo de debate, mas me contraponho frontalmente a esse tipo de alegação. Não é que eu não acredite nas “imperfeições” do mercado, pois minha discordância vai bem mais além: eu não acredito é que existam “imperfeições” de mercado, uma vez que esse é o estado natural de existência e de funcionamento dos mercados. Ora, sendo isso natural, não há porque falar em “imperfeições”, como se estas fossem anomalias passíveis de correção pela ação de algum grupo de sábios, ou videntes, como se o mercado, ou os mercados mais precisamente, pudessem funcionar de outra forma como o fazem, com todos os seus movimentos erráticos, esses altos e baixos, essas ondas de otimismo e os vagalhões de pessimismo que os caracterizam sempre e em qualquer circunstância. Volto a repetir: não existem imperfeições de mercado, existem mercados, simplesmente. Tal tipo de afirmação me parece tão evidente que dispensaria qualquer explicação, mas vamos tornar explícito o que acabo de argumentar implicitamente.
O que é o mercado, ou o que são os mercados? Não existe um único mercado, obviamente, mas dezenas, centenas, milhares deles, sempre à disposição de qualquer agente ou um simples trabalhador, sem esquecer os famosos rentistas, que vivem, ao que parece, de especulações nos mercados; todos eles são prontamente atendidos em suas intenções de satisfazer seus desejos ou necessidades, de maneira perfeitamente legal, ou até ilegal e clandestina (para drogas, por exemplo). Os mercados são simples espaços de encontro para trocas bilaterais ou “multilaterais”, e eles existem tanto virtualmente quanto fisicamente, desde que duas ou mais pessoas se disponham a trocar seus ativos por outros, detidos pela outra parte interveniente nesse tipo de “escambo”. Pode ser uma maçã contra uma banana no pátio da escola, ou milhões de dólares numa bolsa qualquer, num agente de câmbio de divisas, ou na compra de bônus governamental de alguma economia emergente. Quaisquer bens ou serviços que sejam objeto de alguma preferência subjetiva quanto ao seu valor são facilmente integrados e integráveis a um mercado qualquer, formal ou informal, de qualquer tipo, dimensão ou “perfeição”. Mercados são perfeitamente ubíquos, mesmo quando invisíveis.
O professor Shiller afirma isto em seu artigo: 

porque os mercados não são realmente muito eficientes, o efeito desses variados fatores [níveis extremos de juros e preços devido à confluência de múltiplos fatores precipitantes, entre eles a ansiedade] tende a ser amplificado pela realimentação emocional. Por exemplo, quando as pessoas começam a ver taxas e preços mudando, algumas delas decidem agir: elas são atraídas ao mercado quando os preços estão subindo, e frequentemente o deixam quando os preços caem. Nós então [suponho que ele esteja falando dos economistas] ficamos surpresos pela extensão da aparente sobre-reação do mercado aos fatores precipitantes que não pensávamos que estivessem realmente na mente de todo mundo.

Ora, não é preciso ser prêmio Nobel de economia para descobrir que existem fatores precipitantes, ou que as pessoas reagem de tal e tal modo ao ver os preços subindo ou descendo nos mercados de valores. Sinto muito dizer isso, mas a afirmação do professor Shiller não faz nenhum sentido, ou então ela expressa exatamente o comportamento das pessoas nos mercados. Por que estes seriam pouco eficientes, então, quando eles estão atuando exatamente como as pessoas os fizeram se movimentar? Para a alta nos momentos otimistas, quando os preços estão subindo, e para a baixa quando há percepção, ou movimento real, de queda. Não é preciso nenhuma exuberância racional para explicar isso, embora as pessoas se comportem exatamente assim, com toda a irracionalidade que permeia qualquer ação humana em face de incertezas, zonas de sombra ou simples desconhecimento das dinâmicas da vida (sejam elas as forças da natureza, ou as forças igualmente imponderáveis da economia).

Medidas governamentais de “correção” dos mercados sempre serão imperfeitas

Tenho para mim que os mercados são perfeitamente eficientes e altamente perfeitos, uma vez que eles reagem exatamente em função de como as pessoas atuam neles, ou seja, investindo ou se retirando, trocando ativos ou permanecendo paradas, e tudo isso é feito de maneira perfeitamente descoordenada, anárquica mesma, como devem ser mercados altamente funcionais. Agora, se você pretende que o mercado funcione de uma determinada maneira, e não possa refletir os movimentos das pessoas, então coloque alguns burocratas de governo para vigiá-lo, para corrigi-lo, para discipliná-lo de algumas “imperfeições” detectadas por esses mesmos burocratas. O mais provável é que eles estejam atuando a mando de “gestores” mais poderosos, que por sua vez decidiram empreender alguma ação corretiva porque alguns agentes de mercado decidiram que ele só poderia se movimentar numa direção, e não em outra: geralmente mantendo o câmbio em determinado patamar, determinadas ações imunes aos resultados efetivos da empresa, mercadorias em certo nível de preços do que a sua oferta mais abundante, ou escassa, o determinaria, pelo livre movimento de produtores e de compradores nesses mercados específicos, etc.; escolha qualquer um dos casos.
A legitimação é sempre a mesma: como os mercados não são “eficientes”, os sábios do governo (com seus conselheiros econômicos por trás) resolvem “ajudá-los” impondo certas regras, ou limitando o ingresso de outros participantes. Barreiras ao ingresso de novos competidores é sempre uma maneira “eficiente” de preservar os ganhos dos poucos participantes de algum cartel qualquer, e isso é feito não apenas nos mercados “livres”, mas também em regime de concessões públicas (transportes, por exemplo) ou no comércio exterior (pelas tarifas ou mediante normas técnicas, que se tornam regulações compulsórias, como as nossas famosas tomadas “jabuticabas”). O resultado de tudo isso é que sempre haverá ganhos para alguns – até que o dinheiro do regulador acabe, pelo menos – e perdas para os demais, pelo menos enquanto durar a festa, ou seja, enquanto a dinâmica do mercado não se vingar de seus “corretores” (o que ele sempre acaba fazendo, mais cedo ou mais tarde). O exemplo mais patente dessa realidade é o câmbio: a Venezuela e a Argentina que o digam.
O fato singelo é o seguinte: mercados livres, perfeitamente funcionais – ainda que causando perdas para uns e outros –, sempre serão infinitamente mais eficientes do que qualquer comitê de salvação pública econômica, e isto por uma razão muito simples. Os mercados reagem imediatamente à entrada e saída de pessoas – ou de bens e serviços – em seus espaços de intercâmbios, permitindo assim que alguns realizem ganhos, que outros contabilizem suas perdas, e todos procuram se ajustar rapidamente, o que torna o sistema sempre muito eficiente e quase “perfeito”, ao sinalizar pelos preços quais são as expectativas de ganhos (oxalá) ou induzindo à redução das perdas. Quando o comitê de sábios intervêm, ele não pode fazê-lo de maneira dirigida, ou pessoal, mas estabelecendo regras genéricas, digamos assim, contemplando toda uma categoria de transações, e não a movimentação individual dos agentes. Eles ainda precisam fazê-lo por via legislativa ou mediante resoluções administrativas, que sempre são muito lentas a serem implementadas, e mais lentas ainda a serem modificadas.
Resulta de tudo isso que medidas governamentais de “correção” dos mercados sempre serão imperfeitas, limitadas, parciais, insuficientes e, no limite, estúpidas, para tratar da diversidade de situações que emerge das interações dinâmicas, racionais ou irracionais, entre pessoas e corporações transacionando nos mercados. Quanto mais livres forem estes últimos, todos buscarão o seu benefício individual – como aliás dizia Adam Smith por meio de sua famosa alegoria da “mão invisível”, que não é uma teoria e sim uma simples constatação de bom senso – e ninguém supostamente será punido pela ineficiência ou imperfeição de qualquer mercado, uma vez que todos permanecem perfeitamente livres para entrar e sair de algum deles quando assim o desejarem. De resto, quaisquer que sejam as eventuais “imperfeições” ou a ineficiência dos mercados, elas sempre serão infinitamente mais benignas, e menos prejudiciais, do que as ações dos governos, que tendem a criar camisas de força nos mercados o que só acaba ou sufocando-os ou produzindo o conhecido fenômeno dos “contraventores de regras”.
Pense bem: qual das situações você prefere? Portanto, quando alguém vier lhe falar numa tal de “lógica de mercado”, ou de que é preciso corrigir alguma imperfeição detectada, responda logo: “Tudo bem: o mercado não possui nenhuma lógica, mas ela sempre será superior à de qualquer governo; no mais, não mexa com o meu mercado, está bem assim?”. O mundo seria bem simples sem os arquitetos da vontade alheia e sem todos esses engenheiros sociais tentando tornar a nossa vida mais “simples”…

O vice-presidente em versão light - Crusoé

O vice em versão light
Hamilton Mourão revela que recebeu um pedido de Jair Bolsonaro para agir com mais moderação e rechaça a desconfiança do entorno do presidente de que os militares estariam interessados em tomar o poder

Igor Gadelha, Rodrigo Rangel
Revista Crusoé, 05.07.2019

Hamilton Mourão agora foge de confusão. Se na campanha ele fazia coro às ideias mais radicais dos apoiadores de Jair Bolsonaro, depois de assumir a cadeira de vice-presidente, o general de 65 anos passou a se comportar como uma espécie de reserva de equilíbrio em um governo afeito a cabeçadas e estridências. Por diversas vezes, entrou em rota de colisão com o próprio Jair Bolsonaro. Quando partidários do presidente, especialmente os evangélicos, defendiam meios para se combater o aborto, ele disse que cabe a cada mulher decidir se deve ou não abortar. Quando o presidente baixou o decreto das armas, afirmou que armar a população não é o melhor caminho para se combater a violência. Quando Bolsonaro fez o ministro da Justiça, Sergio Moro, voltar atrás na nomeação de uma cientista política para um conselho, por diferenças ideológicas, o vice declarou que o país perde quando pessoas que divergem não podem sentar-se à mesma mesa. Quando Bolsonaro afagava Israel e o premiê Benjamin Netanyahu, ele se reunia com o embaixador da Palestina. A sucessão de divergências públicas fez Bolsonaro e seu núcleo mais próximo desconfiarem. Não faltaram suspeitas de que o vice estaria pavimentando um caminho alternativo para alcançar o poder. Mourão passou a ser atacado frontalmente pelas alas mais radicais do bolsonarismo. A relação entre ele e o presidente, que nunca foi das melhores, só fez piorar. Até que, recentemente, Bolsonaro lhe pediu para falar menos e agir com mais moderação.

Na terça-feira, 2, o vice-presidente recebeu Crusoé em seu gabinete, no andar térreo de um dos anexos do Palácio do Planalto. Pela primeira vez, ele admitiu publicamente ter ouvido do presidente o apelo para se expor menos e adotar um perfil, digamos, mais light. “Vamos diminuir um pouco a exposição, vamos manter um perfil moderado nas coisas. Foi um pedido dele”, afirma. Embora não diga, Mourão claramente se ressente por não receber do presidente atribuições claras na máquina do governo. E não esconde a contrariedade por ser, com alguma frequência, alvo de ataques de gente muito próxima do presidente, como Carlos Bolsonaro, o filho 02 de Bolsonaro. “Não sei o que deu na cabeça desses caras. Mas o presidente já entendeu há muito tempo que sou uma linha auxiliar dele.” Sobre a mesa do vice, livros que dizem muito. Um deles, a leitura do momento de Mourão, é Leadership: In Turbulent Times (Liderança em tempos turbulentos, em tradução livre), em que a historiadora Doris Kearns Goodwin, a partir da experiência de quatro dos mais proeminentes presidentes da história americana, discute de onde vem a ambição pelo poder e se líderes são construídos ou já nascem líderes. Logo ao lado, repousa Apelo à razão – A reconciliação com a lógica econômica, no qual os economistas Fabio Giambiagi e Rodrigo Zeidan defendem que o Brasil “deixe de flertar com o populismo, com o atraso e com o absurdo”. Mesmo na nova fase, mais comedida, o vice-presidente não deixa de surpreender. A seguir, ele também conta o motivo pelo qual o general Carlos Alberto Santos Cruz foi demitido por Bolsonaro: “O Santos Cruz ficou chateado com aquela história das mensagens montadas e pediu para abrir um inquérito. Acho que ali eles andaram se estressando”. Eis o que ele disse a Crusoé.

Como o sr. enxerga a leitura de que haveria intenção do governo de pressionar, por meio de seus apoiadores nas ruas, os outros poderes?
Não vejo que a coisa ocorra dessa forma. Não vejo que o governo atue nesse sentido. Se o governo atuasse nesse sentido, teria que dar dinheiro. Nessa militância que, digamos, é mais aguerrida, que tem ido à rua nessas últimas manifestações, vejo uma coisa mais espontânea. Vem desde aqueles movimentos que foram criados em 2013, e aí eles ficaram mais organizados depois. O MBL, o Vem Pra Rua, o Nas Ruas…

Não há, então, a intenção de emparedar o Supremo e o Congresso?
Não. Se houvesse, o governo estaria sendo antidemocrático, e o governo não é antidemocrático. Agora, eu falo sempre: o governo tem três vetores em que temos que atuar o tempo todo. Um deles é a clareza. Temos que demonstrar por que nós viemos, a situação que estamos enfrentando, todo mundo tem que entender isso. Também é preciso ter determinação para superar isso aí. E tem que ter paciência. É um jogo de paciência. Paciência no sentido que você tem que negociar, conversar, ir lá para dentro do Congresso. Não adianta você se exasperar e dizer: por que não aprovaram a Previdência até agora? Eles vão aprovar. Mas vão aprovar no tempo que lhes convêm.

Falta jogo de cintura do governo nessas relações?
Acho que não. Acho que, por exemplo, o coitado do Onyx (Lorenzoni, ministro da Casa Civil) sofre muita crítica, mas tem procurado fazer o trabalho dele. Fala com os ministros para que atendam os parlamentares. Em toda reunião ele volta a esse tema: olha aí, minha gente, vamos atender os parlamentares, vamos conversar, vamos receber.

Há quem diga que Onyx está com a cabeça a prêmio…
Não, acho que não. Pelas demonstrações que o presidente tem dado, ele não está com a cabeça a prêmio, não. Não vejo dessa forma. Não vejo.

E o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, será demitido?
O ministro do Turismo é aquela história: o presidente já foi claro, já conversou com o (ministro da Justiça, Sergio) Moro, chamou o Moro, e (não demitirá) enquanto não houver a culpabilidade ou indício realmente forte de que ele está metido nisso aí. Na realidade, vamos colocar assim, os valores envolvidos são muito pequenos. É aquela velha história: se você desviou mil ou um milhão, o desvio é igual. Mas são valores pequenos envolvidos nessa guerra toda. Então, enquanto não houver provas conclusivas sobre o ministro, o presidente vai mantê-lo.

De alguma forma, isso não é seguir a cartilha que o PT adotava?
Não. A Dilma, por exemplo, passou o rodo ali no começo daquele segundo governo dela. Pegou oito caras ali e mandou tudo para a rua. Virou a faxineira. No caso do Marcelo, o presidente tem os elementos dele, eu não disponho dos elementos que o presidente tem. O presidente me perguntou a respeito. Eu emiti a minha opinião, que vou me reservar de falar aqui para vocês.

A posição do sr. foi pela demissão?
Não. Não foi por aí, não. Então, o presidente vai decidir quando achar necessário. Ele já respondeu isso.

Como está sua relação hoje com o presidente?
Nossa relação é ótima. Tivemos aqueles problemas ali na época que o Olavo de Carvalho resolveu me atacar, (o deputado Marco) Feliciano, não sei mais o quê. Não sei o que deu na cabeça desses caras. Mas o presidente já entendeu há muito tempo que sou uma linha auxiliar dele. Que eu tenho uma tarefa aqui com determinados segmentos, que eu posso levar a mensagem dele de uma forma bem clara. Ele já entendeu isso.

O presidente lhe deu alguma missão específica, como, por exemplo, ajudar na aprovação da reforma da Previdência?
Não, ele não me deu nenhuma missão nisso porque essa missão está nas mãos do Onyx.

Qual foi o momento mais crítico desse período de estresse com o presidente?
Não tivemos conversa estressante, na realidade. Mas o que aconteceu? Quando você é bombardeado por gente que seria nossos aliados, você fica preocupado com isso aí. E aí as únicas coisas que tratamos ali foi: vamos diminuir um pouco a exposição, vamos manter um perfil moderado nas coisas. Foi um pedido dele.

Como recebeu esse pedido?
De forma normal. Essa é uma orientação que o comandante passa para seu subordinado. É normal isso aí.

Como enxergou a demissão do general Santos Cruz e de outros militares? O presidente quer evitar sombras ao poder dele?
Não. O que vejo é que há uma interpretação errada de parte da imprensa como um todo sobre a questão de núcleo militar. Não existe esse núcleo militar. Existem militares que foram convocados pelo presidente. A imensa maioria de vocês não consegue fazer uma leitura correta do que é o pensamento militar, porque não tiveram vida de caserna. Durante muito tempo os militares estiveram afastados da política. Então, não era preocupação para ninguém saber como é que a gente é formado, como é que vivemos. Então, há essa leitura errada. Quando você chama um militar, coloca o cara lá de ministro-chefe da Secretaria de Governo, ele está focado naquilo ali. Ele não está olhando para os lados. É diferente do político. O político está sempre olhando assim, porque daquilo depende a sobrevivência dele, do prosseguimento dele dentro da carreira política. Nós, não. Nós já temos uma carreira. Então, o cara foca naquela tarefa que ele recebeu. O caso específico das demissões não passou por mim. O presidente, em nenhum momento, discutiu comigo a saída do general Santos Cruz, a saída do (general) Juarez dos Correios e aí o Floriano Peixoto ter ido para lá (para os Correios). Mas, ele tirou o Santos Cruz e está trazendo o (general) Ramos. O que vejo é que ele procurou, num segundo momento, organizar melhor, dentro da visão dele, aquele núcleo duro que fica em volta dele no palácio.

Chamou atenção o sr. ter tomado conhecimento da demissão do general Santos Cruz pela imprensa. Não gostaria de ter sido consultado?
Olha, é aquela história: o presidente é o decisor. Se ele quisesse a minha opinião, ele me consultava. Acho que ele vinha amadurecendo essa ideia. Ele conversa muito com o general Heleno, tem outros conselheiros dele ali mais próximos. Eu não fico preocupado com isso aí, não.

Mas gostaria de ter sido ouvido?
Não era o caso. Não era o caso de eu ter sido ouvido, porque não fui eu que o escolhi. Se fosse uma pessoa escolhida por mim, acho que aí sim.

Mas houve críticas de alguns colegas, militares, pela forma como se deu a demissão.
Ministro é aquela história. Você chama o cara e diz: “Olha, não estou mais gostando do seu trabalho, você, por favor, apresenta uma carta de demissão”. E aí o cara, normalmente, diz assim: “Eu não vou me demitir, você que me demita”. A coisa, mais ou menos, rola dessa forma. Não sei como foi a conversa entre eles. Então, não posso fazer nenhuma ilação sobre isso.

Fica a percepção de que o presidente estaria tirando do próprio entorno militares que poderiam criar sombra para o poder dele.
Não. Do entorno dele, ele só tirou o Santos Cruz. Acho que a questão que pode ter havido entre o Bolsonaro e o Santos Cruz foi que o Santos Cruz ficou chateado com aquela história das mensagens montadas e pediu para abrir um inquérito. Acho que ali eles andaram se estressando. Era montagem. A Polícia Federal está com inquérito aberto, investigando.

Na última segunda-feira, o vereador Carlos Bolsonaro voltou a criticar os militares, com foco agora no GSI. Como o sr. enxerga essa desconfiança?
Olha, eu não conheço o Carlos Bolsonaro. Nunca tive a oportunidade de conversar com ele. Os outros dois filhos conheço superficialmente, e não posso emitir uma opinião sobre eles. Então, o Carlos, ele, pô, é um vereador, está há 20 anos na política. Ele tem as opiniões dele. Então eu deixo o Carlos falar. Fala. O cara quer falar, quer emitir suas críticas, emite. Deixa para lá.

Incomoda essa leitura do Carlos de que há um movimento de militares para usurpar o poder do pai dele?
Acho que, talvez, isso esteja na cabeça dele, do Carlos. Mas, se existe um grupo leal, é o grupo militar, pô. Esse ele pode ter certeza que estará com ele até o último dia, não importa o que acontecer.

Há alguma razão na crítica que ele faz ao GSI?
Não. Ele desconhece. Porque o episódio da droga era algo afeito à Força Aérea. A Força Aérea é que era responsável pelo controle do pessoal que embarca na aeronave. Não era uma aeronave onde o presidente estaria. Era uma aeronave que estava levando a turma de apoio. Então, é um controle que a Força Aérea tem que estabelecer. Não tem nada a ver com o GSI. O GSI não controla essa aeronave. Ele controla quem vai embarcar na aeronave do presidente. Inclusive, a coisa funciona da seguinte forma: o VC1 levanta voo, faz um circuito de 10 minutos para ver se está tudo bem, toca o solo, e aí ele é lacrado. É chamado de “o voo da bomba” (refere-se ao procedimento de rotina adotado antes das viagens do VC1A, o avião que transporta o presidente da República).

Mas todos que viajam em aviões da FAB passam por revista?
Não. Pois é. A nossa visão é que todo mundo que for embarcar numa aeronave da Força Aérea tem que passar. Quando tu vai embarcar na TAM, na Gol, não tem que botar tua malinha no raio-X? Então, bota a malinha no raio-X.

Mas todo mundo tem passado? O sr., como vice-presidente, não é obrigado a passar, certo?
Agora começa por mim. Passa por mim primeiro. O burro puxa a fila.

O governo já tem alguma informação se o sargento faz parte de um esquema maior?
Não. Isso aí está dentro de um inquérito. Tem um inquérito que a Força Aérea está conduzindo, que é para olhar o lado de cá. E a polícia espanhola está conduzindo a parte dela lá, para saber para quem que o cara ia entregar essa droga. Agora, vocês já viram que o cara é todo enrolado, né? Todo enrolado. O cara tinha se separado da mulher, deixou a mulher morando com os filhos no Próprio Nacional Residencial (PNR, como são chamadas as residências oficiais destinadas a militares), o que não podia, se juntou com outra criatura e foi morar lá em Taguatinga. Ou seja, é um poço de problemas. É um alvo fácil.

Fale um pouco das delícias e também dos desafios da vida de vice-presidente da República.
Vivemos uma vida de presos albergados. Eu ainda tenho mais liberdade que ele (o presidente). Mas, realmente, em qualquer lugar que você chega, daqui a pouco o pessoal começa a tirar foto. Hoje você atrai a simpatia das pessoas. Vamos ver quando começarem a vaiar e jogar pedra (risos).

Qual foi o momento mais desafiador desse seu período na vice-presidência?
É você entender a tarefa. A partir do momento em que entendi perfeitamente qual era a minha tarefa e qual era, vamos dizer assim, o canal que eu tinha para prosseguir, ficou tranquilo. Sem mistério.

O que o sr., como vice-presidente, já sabe a respeito da onda de invasões de celulares de autoridades da Lava Jato?
Não sei de nada. Porque é aquela história: a área de inteligência trabalha de forma compartimentada. Quem está investigando isso aí não está vazando ou falando aos quatro cantos. Eu não tenho necessidade de conhecer, não sou escalão decisório para isso. Não preciso saber de nada.

Aposta que será possível chegar ao hacker?
Acho que sim.

É a Lava Jato que está sob ataque?
Olha, não sei se é a Lava Jato ou as pessoas que compõem a Lava Jato. Não sei se é a operação em si ou as pessoas que a compõem. Agora, uma coisa é muita clara: existe um crime continuado sendo executado. Vejo muito claro: se eu tomo conhecimento de coisas que poderiam ser irregulares que chegam para mim, eu vou ao Ministério Público e digo: “Está aqui, investigue isso aqui. Era isso que teria que ser feito” (refere-se à informação de que Sergio Moro indicou uma testemunha aos procuradores). E você vê nitidamente que existe um vazamento de mensagens que você não sabe se são verdadeiras, não sabe o contexto em que elas foram trocadas. E mesmo as que estão sendo divulgadas não indicam conduta irregular por parte dos ministros e dos procuradores. Ou seja, está se fazendo uma celeuma política em torno de um crime.

O sr. vê uma segunda intenção por trás desse movimento? Libertar o ex-presidente Lula, por exemplo?
Pode ser que o Lula seja, vamos colocar assim, o efeito colateral disso aí. Mas acho que talvez a maior coisa é destruir a imagem do ministro Moro. É um ataque ao maior patrimônio dele, que são a honra e a integridade dele.

O sr. confia no ministro Moro?
Plenamente.

Agora que o presidente já anunciou que poderá disputar reeleição, o sr. já conversou com ele sobre repetir a chapa?
Não. Vamos lembrar o seguinte: o presidente Bolsonaro buscou vários parceiros antes para compor a chapa dele. Sempre me disse: olha, você fica em condições porque posso precisar de você. Foi sempre o nosso acerto. Na hora em que ele precisou, muito bem. Se em 2022, ele efetivamente for concorrer e não precisar de mim, tranquilamente volto para minha vida, sem problema nenhum.

O sr. considera que foi um acidente de percurso na vida de Jair Bolsonaro?
Não, acidente de percurso não porque ele vem falando comigo há cinco anos. Então, não houve acidente de percurso. Eu não tenho ambições políticas. Nunca tive.

Em que medida a reforma da Previdência, se aprovada, vai contribuir para solucionar a crise econômica?
A reforma da Previdência, o Paulo Guedes explica bem isso aí, e a gente fala também, não é a solução dos nossos problemas de hoje para manhã. Pelo contrário. Ela é a solução de médio prazo. A imagem melhor é a de o país que está dentro de uma garrafa. Estamos presos nessa garrafa e tem um gargalo para a gente sair dela. O gargalo é a reforma da Previdência. Então, a gente passa a reforma da Previdência e você sai da garrafa, e aí tem campo aberto para as outras reformas que serão colocadas. A (reforma da) Previdência vai te dar uma previsibilidade. Este ano, por exemplo, o déficit da Previdência é de 370 bilhões. A partir do momento em que você diminui esse déficit, vai pagar menos juros da dívida. Estamos pagando 400 bilhões. Se eu pagar menos 30 bilhões, são mais 30 bilhões que tenho para investir. A lógica é essa.

O governo está fazendo toma lá, dá cá para aprovar a reforma da Previdência?
Isso não passa por mim. Então, não posso chegar e responder que isso daí está sendo feito, que foram prometidas emendas, porque estou tomando conhecimento disso pelas próprias publicações da imprensa. Essa negociação não é afeta a mim. Agora, acho que a liberação de emenda… A emenda é uma coisa obrigatória, foi colocada como uma coisa obrigatória. A liberação de emendas faz parte do jogo político.

E os cargos?
Eu sei que o presidente sofre pressão por cargos. Mas ele tem procurado se manter dentro da linha de ação que traçou de não entregar o governo de mão beijada.

Bill of Rights (1689): a garantia da democracia inflesa, depois britânica



The English Bill of Rights, or "An Act Declaring the Rights and Liberties of the Subject and Settling the Succession of the Crown," was passed by Parliament on 16 December 1689. It was a re-statement in statutory form of the Declaration of Right presented by the Convention Parliament to William and Mary in March 1689 inviting them to become joint sovereigns of England. The Bill of Rights lays down limits on the powers of sovereign and sets out the rights of Parliament and rules for freedom of speech in Parliament, the requirement to regular elections to Parliament and the right to petition the monarch without fear of retribution. It also reestablished the liberty of Protestants bear arms for their defense and condemned James II of England for "causing several good subjects being Protestants to be disarmed at the same time when papists were both armed and employed contrary to law."
The Bill of Rights is noteworthy for being the first political document to reflect the natural rights and political philosophy of renowned political philosopher John Locke, who would greatly influence America’s Founding Fathers a century later. In particular, it codified Locke’s “social contract theory,” requiring monarchs to seek the consent of the people, who are represented in Parliament.

In the United Kingdom, the Bill of Rights is further accompanied by the Magna Carta, Habeas Corpus Act 1679 and Parliament Acts 1911 and 1949 as some of the basic documents of the uncodified British constitution. Its provisions are instantly recognizable within the U.S. Constitution and its own Bill of Rights, which would follow nearly 100 years later. 

Among the provisions are:
• The sovereign cannot unilaterally establish new courts or act as a judge.
• The agreement of parliament became necessary for the implementation of any new taxes.
• Only civil courts, not Church courts, are legal
• Freedom to petition the monarch without fear of retribution
• No standing army may be maintained during a time of peace without the consent of parliament. 
• No royal interference in the freedom of the people to have arms for their own defence
• Freedom of speech and debates; 
• No excessive bail or "cruel and unusual" punishments may be imposed.

Acordo Mercosul-União Europeia - Marcos Strecker (Revista IstoÉ)

Enfim, uma agenda para o crescimento

Maior conquista do governo Bolsonaro até aqui, o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia representa uma mudança de paradigma na economia brasileira

Enfim, uma agenda para o crescimento
Marcos Troyjo, um dos principais articuladores do acordo (Crédito:Marco Ankosqui)
O Brasil sempre foi considerado a terra das grandes potencialidades. O país do futuro. Palco das mais valiosas riquezas. Celeiro e pulmão do mundo. Dono das maiores reservas florestais e agrícolas do planeta. Um dos desafios para o País, desde o Império, era como se inserir no mercado global com competitividade de modo a, ao mesmo tempo, impulsionar sua economia e legar benefícios concretos para a população. O maior entrave, até então, era uma espécie de cacoete colonialista. Conforme sublinhou o economista Celso Furtado no livro Formação Econômica do Brasil, nossa nação durante muitos séculos foi descrita como uma economia baseada em ciclos econômicos que se alternavam. Inicialmente com o pau-brasil, depois a cana de açúcar, os metais preciosos e o ciclo cafeeiro. Todos esses períodos foram muito pródigos, mas não necessariamente para nós. Não raro, a metrópole extraía uma ampla gama de recursos da colônia, satisfazia os luxos e os confortos de uma elite degradada, mas muito pouco era convertido para a nossa economia, o aumento da renda e da qualidade de vida da população brasileira. Agora, o País tem a grande chance de reverter essa lógica perversa e ingressar definitivamente num novo e sustentável ciclo econômico virtuoso. Na maior conquista do governo Jair Bolsonaro até aqui, celebrou-se, na última sexta-feira 28, o acordo de livre comércio do Mercosul-União Européia — que abarcará um quarto do PIB mundial e quase 780 milhões de consumidores.
DEPOIS DE 20 ANOSRepresentantes do Mercosul e da União Europeia comemoram o fim das negociações, em Bruxelas (Crédito:Heitor Granafei/MRE)
Trata-se de um marco histórico. O tratado tem importância excepcional e significa uma mudança de paradigma. Um dos países mais fechados do mundo, o Brasil responde somente por 1,2% do comércio mundial. Está atrás de países como Vietnã, Malásia, Polônia e Tailândia, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para se ter uma idéia, as montadoras nacionais exportam apenas 15% da sua produção — enquanto que as do México, 60%. Com o acordo, a indústria — que sempre foi protegida pela política de substituição de importações — precisará crescer por aumento de produtividade e integração às cadeias globais de produção. “O País vai trocar o antigo modelo nacional-desenvolvimentista pelo capitalismo competitivo”, comemora Marcos Troyjo, secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, dono de papel-chave na negociação final, em Bruxelas.
Mais investimentos
NO G20 Bolsonaro comemorou o tratado, Angela Merkel (dir.) aceitou após criticar a política ambiental brasileira e Emmanuel Macron (esq.) exigiu compromisso com o Acordo de Paris (Crédito: Clauber Cleber Caetano/PR)
A estimativa oficial é que o País alcançará ganhos de R$ 500 bilhões no PIB em 10 anos e poderá atrair R$ 453 bilhões de investimentos. Apesar de a eliminação de tarifas comerciais ser gradual, para permitir a adaptação de todos os setores, o acordo irá trazer benefícios diretos para o consumidor final brasileiro, que terá à sua disposição uma gama maior de produtos europeus mais baratos e acessíveis com a tarifa zerada ao longo da implementação do tratado. Isso inclui medicamentos — o maior item das exportações europeias ao Brasil. Em 15 anos, carros europeus terão tarifas de importação zeradas. Hoje, automóveis oriundos da Europa possuem uma tributação 35% para entrar no mercado brasileiro. Na prática, os carros vindos da Europa devem ver seus preços caírem significativamente. O acordo também vai impactar os valores das bebidas importadas. Os preços dos vinhos, por exemplo, podem ficar quase 30% mais baratos. Atualmente, o Mercosul cobra 27% sobre vinhos europeus. Destilados hoje exibem tarifas entre 20% e 35%. Já chocolates e itens de confeitaria possuem taxação de 20%. A tributação para produtos lácteos, de 28%, também será zerada.
Entre todas as áreas, o agronegócio brasileiro — bem mais competitivo que o europeu — deverá ser o setor mais fortemente impactado. Não à toa, os europeus impuseram cotas para vários itens, como suco de laranja, café solúvel, carnes e açúcar. “Um acordo como esse força uma agenda de competitividade que o Brasil precisa resolver. A situação econômica é momentânea, e esses acordos são de longo prazo. Dão credibilidade ao País”, vibrou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
EXPORTAÇÕES Embraer é uma das empresas que terão novas oportunidades com a aliança (Crédito:Divulgação)
Finalizada depois de 20 anos de idas e vindas, a contragosto dos arroubos nacionalistas da atual chancelaria, a aliança Mercosul-União Europeia é o triunfo do pragmatismo sobre a ideologia — e uma conquista pessoal do ministro da Economia Paulo Guedes, que levou a política comercial para o coração da política econômica e finalizou em seis meses um acordo que já se considerava improvável. Todos os capítulos — incluindo desenvolvimento sustentável, tecnologia e compras governamentais — estavam totalmente em aberto no início do ano. Os negociadores europeus se espantaram com a coesão e agilidade dos brasileiros. “Foi uma surpresa positiva. É sem dúvida o acordo comercial mais importante e ambicioso que o Brasil jamais assinou, depois o Mercosul”, afirma Rubens Ricupero, um dos nomes mais respeitados da diplomacia brasileira. Outro fator essencial foi o apoio do presidente argentino Mauricio Macri, que defende a liberalização econômica — contra a tradição protecionista do país — e está empenhado na sua reeleição, no segundo semestre.
Do lado europeu, às voltas com a crise do Brexit, também havia uma nova disposição para a aproximação. Do ponto de vista político, trata-se de uma forte sinalização na ênfase multilateral, antiprotecionista e antinacionalista — na contramão do que é praticado pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Isso explica a reação de Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia: “Em meio às tensões do comércio internacional, estamos enviando um forte sinal de que defendemos o comércio baseado em regras. É o maior acordo comercial já fechado pela União Europeia”. Do ponto de vista da economia, os europeus também precisavam abrir mercados para fazer frente à ascensão da China e assegurar fontes de crescimento econômico. Essa conjunção de fatores acabou sendo crucial para a assinatura final.
PROTESTOS Agricultores franceses foram às ruas e autoridades colocaram em dúvida a assinatura do acordo (Crédito: REUTERS / Emmanuel Foudrot)
A expectativa agora é que, além da modernização do Mercosul, que sofrerá uma inflexão e deixará a agenda ideológica dos anos petistas para privilegiar a política comercial, com pragmatismo, também haja repercussão na política interna brasileira. Um exemplo é a seara ambiental. A Alemanha, por meio da chanceler Angela Merkel, teve papel importante no desenlace por defender que o acordo poderia conter o regresso do atual governo na área ambiental. As reações na França foram as mais fortes, devido a questões internas. As críticas uniram a área protecionista agrícola, que é poderosa no país, com os verdes, que estão em ascensão após as últimas eleições europeias. O presidente francês Emmanuel Macron exigiu que Bolsonaro se comprometesse em não retirar o Brasil do acordo climático de Paris — foi atendido. Espera-se que o gesto de Bolsonaro sinalize que não haverá retrocessos nessa área. Na verdade, os novos compromissos comerciais poderão servir como contenção a propostas de afrouxar a vigilância sobre o desmatamento na Amazônia e à expansão do uso de agrotóxicos.
Se olharmos para a história econômica brasileira, perceberemos que o país já se inseriu na lógica global em alguns momentos de sua trajetória, principalmente quando nos caracterizávamos como uma economia agroexportadora, baseada em produtos primários de baixo valor agregado, voltada ao mercado externo e marcada por ciclos de monoculturas que se alteravam com constância, sem uma maior profissionalização e marcada por um grande amadorismo na gestão. O acordo é um feito extraordinário que nos permite a oportunidade de nos reencontrarmos com a nossa história para, dessa vez, fazermos diferente. É preciso ter em mente, no entanto, que o tratado não resolve por si só todos os problemas da economia e não é capaz de, sozinho, ser o motor do desenvolvimento. É um mapa para o futuro, que exige no curto prazo a continuidade de reformas modernizantes que levem ao equilíbrio fiscal e à maior competitividade da economia. Como bem disse Troyjo, o próximo acordo do Brasil deverá ser com ele mesmo.

Abertura Gradual 
Tarifas serão baixadas de forma escalonada em até 15 anos
>> A União Europeia (UE) vai zerar as tarifas sobre 92% das importações do Mercosul em até 10 anos. O Mercosul vai acabar com 72% das tarifas que incidem sobre produtos europeus em até 10 anos. Em 15 anos, esse percentual chegará a 91%
>> Na área industrial, a UE vai zerar as tarifas para 100% das importações vindas do Mercosul em 10 anos. No mesmo período, 72% do produtos industriais importados pelo Mercosul ficarão liberalizados. Em 15 anos, o índice sobe para 90,8%
>> A tarifa de 35% para importação de automóveis europeus será mantida até o sétimo ano, caindo pela metade nos três anos seguintes, até ser zerada em 15 anos. Dentro do período de carência de sete anos, o Mercosul poderá importar uma cota de 50 mil veículos (32 mil para o Brasil) com tarifa de 17,5%
>> Entre os produtos agrícolas, 81,8% do que a UE importa do Mercosul terá tarifa zero em 10 anos. No mesmo período, 67,4% do que o Mercosul compra ficará sem tarifa
>> Haverá cotas para alguns produtos agrícolas exportados pelo Mercosul. Entre eles, frango, açúcar, etanol e carne bovina
>> Em propriedade intelectual, a Europa vai reconhecer 61 produtos agrícolas brasileiros, como a cachaça de Paraty e o queijo Canastra. O Brasil deverá reconhecer itens europeus como o presunto de Parma e a cerveja de Munique.